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O direito ao crédito-prêmio do IPI

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3.Inviabilidade de delegação de competência em matéria conferida privativamente ao Decreto-lei. Efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir" veiculada pelo Decreto-lei 1.724/79

Cumpre reiterar que os Decretos-lei 1.724/79 e 1.894/81 delegaram competência ao Ministro da Fazenda atribuindo-lhe o poder de extinguir o direito ao crédito-prêmio do IPI:

Art. 1º O Ministro de Estado da Fazenda fica autorizado a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969." (DL 1.724/79)

"Art. 3º O Ministro da Fazenda fica autorizado, com referência aos incentivos fiscais à exportação, a:

I – estabelecer prazo, forma e condições, para sua fruição, bem como reduzi-los, majorá-los, suspendê-los ou extingui-los, em caráter geral ou setorial; (DL 1.894/81)

E, como pode ser observado, as Portarias 960/79, 252/82 e 176/84 efetivamente extinguiram o direito ao incentivo, com efeitos a partir de diferentes datas.

À época em que foram baixados os Decretos-lei em questão, estava em vigor a Constituição de 1967, com a Emenda de 1969, que albergava o princípio da legalidade, com a nuance de que também competia ao Presidente da República baixar decreto-lei visando a disciplina de certas matérias, dentre elas "finanças públicas, inclusive normas tributárias", a teor do art. 55, inciso II. E neste caso a competência outorgada pela Constituição tem caráter verdadeiramente legislativo. Logo, ao baixar decreto-lei com o fito de disciplinar algum dos assuntos enunciados nos incisos do art. 55, dentre eles "finanças públicas, inclusive normas tributárias", o Presidente da República estaria exercendo função tipicamente legislativa. Não se tratava, portanto, de "delegação legislativa", mas sim de regra de competência outorgada pelo próprio texto constitucional.

A par disso, a Constituição 1967 continha dois enunciados que bem retratavam o papel do decreto-lei naquela época, como também os limites da delegação de atribuições aos Ministros de Estado. O artigo 6º, parágrafo único, dispunha: "Salvo as exceções previstas nesta constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a do outro." E a Constituição de 1967, com as alterações posteriores, não previa a possibilidade de o Presidente da República delegar atribuições em matéria de finanças públicas ou direito tributário, precisamente porque o art. 55, inciso II, outorgava competência ao Presidente da República – não aos Ministros de Estado – para disciplinar esses temas.

Outro aspecto que merece ser abordado consiste na possibilidade conferida ao Presidente da República de delegar atribuições ao Ministros de Estado ex vi do artigo 81 da Constituição de 1967. No elenco das hipóteses previstas pelo texto constitucional não é possível, contudo, o enquadramento de qualquer matéria pertinente às finanças públicas ou normas tributárias. E isso é óbvio à vista do sistema constitucional do período, na medida em que a competência para se legislar sobre tais matérias foi deferida ao Presidente da República, a teor do art. 55, inciso II. Segue-se, pois, que é inadmissível a delegação de competência aos Ministros de Estado no que concerne à disciplina de regras de direito financeiro e direito tributário.

Resgatando a conclusão apresentada a respeito da natureza jurídica do direito ao crédito-prêmio do IPI, recorda-se que se trata de modalidade de incentivo financeiro e nessa condição submete-se ao regime jurídico do direito financeiro. O elo de ligação entre tal conclusão e a regra de competência veiculada pelo artigo 55, inciso II, da Constituição de 1967 é, ao mesmo tempo, nítido e fundamental. Aceita a assertiva de que o tema concernente a incentivo financeiro pertence ao direito financeiro – conforme concluíram Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba e Celso Antonio Bandeira de Melo – e que por direito financeiro compreende-se o conjunto de normas que regem as finanças públicas – conforme lição de Geraldo Ataliba [11] –, decorre que o Presidente da República, por meio de decreto-lei, jamais poderia ter delegado ao Ministro de Estado a atribuição para extinguir, via portaria, um direito subjetivo que fora concedido por diploma que lhe é superior hierarquicamente ou cujo campo normativo foi estabelecido em caráter privativo. E é o próprio Geraldo Ataliba [12] que endossa essa conclusão ao delimitar o campo das finanças públicas:

Tecnicamente, finanças públicas é o nome consagrado de um conjunto de questões ligadas aos dinheiros públicos: sua aquisição, gestão, guarda, administração e dispêndio. Não é, certamente, tão genérica formulação que se há de adequar a este dispositivo constitucional. Mesmo porque estas questões todas admitem múltiplo tratamento: econômico, político, financeiro jurídico, etc. Como, no caso em exame, o de que se cuida da competência de um órgão (o Presidente da República) para produzir normas, a referência implícita é a norma sobre finanças públicas, vale dizer: direito financeiro.

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O Tribunal Federal de Recursos teve a oportunidade de reconhecer a inconstitucionalidade dessas delegações de competência, quando seus integrantes julgaram, por maioria de votos, a Argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível 109.896-DF, relatada pelo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. O Supremo Tribunal Federal, à sua vez, declarou, também por maioria de votos, a inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir" constante do texto do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79:

Decisão: Colhido o voto do Senhor Ministro Moreira Alves, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu e desproveu o recurso extraordinário, declarando a inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir", constante do artigo 1º do Decreto-lei nº 1.724, de 07 de dezembro de 1979, vencidos os Senhores Ministros Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ilmar Galvão e Octávio Gallotti.(...) [13]

Por questões processuais, a decisão do STF não abrangeu a delegação de competência conferida pelo art. 3º, inciso I, do Decreto-lei 1.894/81. Mas os mesmos motivos que conduziram à declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79 justificam o reconhecimento de que essa nova delegação de competência também fere a Constituição de 1967.

Assim, são absolutamente ineficazes as Portarias Ministeriais que "extinguiram" o subsídio. Questiona-se neste passo se houve o restabelecimento do direito ao crédito-prêmio. Enfim, quais os efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade?

Em um sistema como o nosso, em que prevalece o princípio da supremacia constitucional, a inconstitucionalidade constitui o vício mais grave. A afirmação de que a inconstitucionalidade constitui um defeito do ato legislativo exige uma tomada de postura, ainda que perfunctória, a respeito dos planos da existência e da validade das normas jurídicas. A esse respeito, Kelsen [14] parte do pressuposto de que a validade é característica essencial da norma jurídica, daí porque não haveria distinção entre os planos da validade e da existência. Se a norma é inválida, não se pode predicar sua existência; assim, a invalidade significa a inexistência da norma. E a validade é aferida mediante a análise da relação de pertinência da norma com um dado sistema [15].

Pontes de Miranda [16], de outro turno, entende que a validade ou invalidade da uma norma jurídica pressupõe sua existência. Nessa perspectiva, a validade não seria da essência da norma jurídica, mas sim uma qualidade que a ela se agregaria. Nas suas próprias palavras: (...) para que algo valha é preciso que exista. Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe. A questão da existência é questão prévia. Somente depois de afirmar que existe é possível pensar-se em validade ou invalidade. Nem tudo que existe é suscetível de a seu respeito discutir-se se vale, ou se não vale.

Parece-nos que realmente são distintos os planos da existência e da validade das normas jurídicas. A existência depende da observância do procedimento exigido para a introdução da regra no sistema, enquanto a validade ou invalidade deve ser vista posteriormente a esse fato. Introduzida uma norma segundo o que estabelece o sistema no que concerne ao procedimento está afirmada sua existência. A validade, todavia, será avaliada depois, mediante o confronto com o sistema de referência escolhido. Se houver relação de pertinência formal e material da norma com determinado sistema ou um dado contexto normativo, estará presente o atributo da validade [17]. Essa maneira de vislumbrar a matéria é compatível com os princípios da presunção de constitucionalidade das leis e da legalidade dos atos administrativos. Assim, tem-se, sem a aceitação desses primados estaria comprometida a funcionalidade do sistema e a própria dinâmica do direito positivo. Portanto, a validade constitui uma qualidade da norma jurídica e não uma característica essencial.

Retomando o tema proposto nesta seção, importa analisar os efeitos da pronúncia pelo STF da inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir" que faz parte do texto do artigo 1º do Decreto-lei 1.724/79, o qual permitia ao Ministro de Estado extinguir o crédito-prêmio do IPI. Como vimos, a pronúncia de inconstitucionalidade não ocorreu por meio do controle concentrado, isto é, o STF não se manifestou em sede de ação direta de constitucionalidade (ADC) ou ação direta de inconstitucionalidade (ADIN). O reconhecimento da eiva verificou-se no bojo de processo em que figuravam como partes determinado particular que invocava o direito ao incentivo e a União Federal. Logo, os efeitos dessa decisão circunscrevem-se, sob a perspectiva subjetiva, às partes da referida relação jurídica processual, e sob o prisma objetivo não implica a supressão das normas inconstitucionais do ordenamento, mas apenas o reconhecimento do direito subjetivo ao crédito-prêmio. Quando muito, poder-se-ia dizer que após a decisão do STF não mais prevalece (ou sofreu profundo abalo) a presunção de constitucionalidade que protegia os citados decretos-lei, provocando também forte influência em juízes e tribunais, seja na concessão de medidas liminares, seja no que respeita à apreciação do mérito.

É fato que a decisão que proclama a inconstitucionalidade de determinado preceito produz efeitos "ex tunc, na medida em que defeito desse jaez constitui vício congênito que o contamina desde sua origem até que norma ulterior o pronuncie. Dessa ilação decorre que o preceito revogado pela regra inconstitucional retoma os atributos da existência, validade e eficácia, até que outra norma os infirme, conforme lição de Paulo Roberto Lyrio Pimenta [18]:

A pronúncia de inconstitucionalidade importa na declaração da invalidade da norma jurídica (inconstitucional). Considerando que esta é invalida desde a sua origem, não tem aptidão para modificar a ordem jurídica, não podendo revogar a norma antecedente que versava sobre idêntica matéria. Disso decorre que a decisão de inconstitucionalidade implica na repristinação da norma revogada, não se aplicando a essa situação a regra do art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil.

No que tange aos efeitos da pronúncia de invalidade, a Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, em seu artigo 27, dispõe que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que a venha a ser fixado. Todavia, essa novel regra não é aplicável ao tema, seja porque a pronúncia ocorreu em sede de controle difuso, seja porque de fato o STF não restringiu os efeitos de sua decisão.

Em se tratando de situação em que a pronúncia de inconstitucionalidade deriva de vício material, as demais regras ou partes do ato normativo não atingidas pelos efeitos da decisão judicial permanecem integras e eficazes. Já quando se trata de vício formal o ato legislativo como um todo carrega consigo a pecha da inconstitucionalidade. Então, o defeito de parte (uma regra inteira ou um trecho dela) do texto legislativo não implica a extensão dos efeitos da pronúncia para o restante. [19] Estão preservados, assim, os demais preceitos constantes do Decreto-lei 1.724/79, com ênfase para a regra que manteve o incentivo (artigo 3°, inciso I). Não bastasse isso, o artigo 1º do Decreto-lei 1.894/81 "restabeleceu" o estímulo sem definição de prazo. A esse respeito, o STJ tem jurisprudência pacífica:

Processual Civil Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Crédito-prêmio. IPI. Momento. Extinção. Matéria pacífica.

Inviável o recurso especial que visa discutir matéria já pacificada no âmbito desta Corte, no sentido de que com a declaração de inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 1724/79, também restaram inaplicáveis os Decretos nºs 1.722/79 e 1.658/79, os quais eram referidos pelo primeiro diploma. Dessa forma, é aplicável o Decreto-Lei 491/69, expressamente mencionado no Decreto-lei 1.894/81, que restaurou o benefício do crédito-prêmio do IPI, sem definição de prazo. Precedentes. Agravo regimental improvido. [20]

Depreende-se, pois, que conquanto o STF tenha reconhecido a inconstitucionalidade da delegação de competência ao Ministro de Estado no que se refere à possibilidade de extinguir o direito ao crédito-prêmio, o que significa dizer que é inválida e ineficaz a Portaria 960/79 que promoveu a supressão do incentivo, a realidade é que a norma em tela continua existindo e gerando efeitos, a despeito do abalo da presunção de sua validade. Segue-se que enquanto não advier norma estendendo os efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso, aquele que desejar o reconhecimento do direito à subvenção deve procurar a tutela do Poder Judiciário.

Editada norma a respeito da matéria dotada de eficácia "erga omnes", aí sim se poderá dizer que a declaração do vício aproveitará a todos. Marco Aurélio Greco e Helenilson Cunha Pontes [21] assinalam que no âmbito federal podem ser utilizados os seguintes veículos normativos visando atribuir eficácia geral às decisões proferidas pelo STF em sítio de controle difuso:

a) uma Resolução do Senado suspendendo a execução da lei, nos termos do inciso X do artigo 52 da CF/88; ou

b) um ato de caráter geral que reconheça a inconstitucionalidade e estenda, a todos os contribuintes que se encontram na mesma situação que a declarou. É o caso de Decreto do Presidente da República, de Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e de Súmula da Advocacia Geral da União. [22]

Como nenhum desses instrumentos foi utilizado até o momento, deve-se considerar que o Decreto-lei 1.724/79 e a Portaria que suprimiu o direito ao crédito-prêmio existem e estão produzindo os efeitos que lhe são ínsitos. Aquele que desejar usufruir do incentivo deverá buscar a tutela jurisdicional ou requerer junto à Administração Pública e aguardar eventual decisão denegatória, para então promover a demanda judicial adequada. Por motivos óbvios, o mesmo deverá ser feito no que tange à delegação de competência promovida pelo artigo 3º, inciso I, do Decreto-lei 1.894/81, uma vez que o STF sequer se manifestou a seu respeito.

Os meios procedimentais e processuais disponíveis ao particular, como também os prazos decadenciais e prescricionais serão abordados oportunamente.

Sobre os autores
Maria de Fátima Ribeiro

professora de graduação e mestrado da Universidade Estadual de Londrina (PR), doutora em Direito Tributário pela PUC/SP

Marcelo de Lima Castro Diniz

Professor da Faculdade Paranaense-FACCAR de Rolândia-PR e do IBET, Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Maria Fátima; DINIZ, Marcelo Lima Castro. O direito ao crédito-prêmio do IPI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 379, 21 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5471. Acesso em: 20 dez. 2024.

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