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O novo velho trabalhador polivalente: a camuflada realidade dos contratos de trabalhos multifuncionais

Agenda 10/01/2017 às 10:34

CLT terá texto alterado para contemplar o trabalho multifuncional dos empregados polivalentes. Texto pronto e apresentado ao no Senado Federal modificará significativamente os contratos de trabalho em nosso país.

                                                                      

No ordenamento jurídico pátrio o princípio norteador da primazia da realidade, bem como outros princípios são alicerçados contra abusos por parte do empregador que possa cometer ao empregado, parte hipossuficiente da relação contratual, situações extraordinárias das quais não constantes no contrato de trabalho, desvinculando este do real fim.

Soma-se assim a um contexto protetivo não apenas da relação laboral, mas sim da tutela protetiva do trabalhador, pois segundo este princípio em epígrafe o contrato ordena que os fatos devem prevalecer sobre os documentos, mesmo que haja um registro formal declarando determinada condição ou situação na relação laboral esta deverá ser desconsiderada mediante constatação do caso concreto, os documentos acessórios ao contrato de trabalho não têm a natureza iuris et de iure[1].

 Temos hoje a discussão calorosa do contrato de trabalho baseado na multifuncionalidade, alcançando especificamente empresas de micro, pequena e média porte, onde o empregado deverá laborar diversas funções acessórias, vislumbrando sempre a função principal de acordo com o artigo 456 da CLT.[2]

Questiona-se, doravante, os valores constitucionais da boa-fé objetiva, dignidade da pessoa humana e a igualdade fática em todas as relações jurídicas que possam surgir do contrato de multitarefas, pois se deve procurar a ruptura de qualquer forma de lesão que atinja os interesses individuais do trabalhador como forma de angariar desenfreadamente lucros e ausência de reponsabilidade para o empregador, direitos estes frutos de inúmeras lutas sociais dos trabalhadores não apenas em nosso país, mas no mundo.

Basicamente um só funcionário poderá ou deverá exercer a função de outros no mesmo contrato, relevante frisar que há casos que evidenciam que tais circunstâncias laborais já personificam este cenário de forma corriqueira, a exemplo da secretária que atende telefones e server cafezinho no escritório, da vendedora que repõe estoque e faz limpeza das prateleiras, os cargos de gestão nas empresas, entre outros. Tais situações devem serem sempre ponderadas pelo bom senso senão vejamos.

É inconcebível que em uma micro empresa o patrão contrate um (a) funcionário (a) para atender ao telefone, atender aos clientes que chegam na empresa, organizar as demandas administrativas, servir um café, tirar um xerox, realizar recebimentos de encomendas, entre outros serviços, bastando aduzir que tais serviços sejam realizados de forma eventual, no que tange na manutenção competitiva da empresa na corrida concorrencial, resguardando sua sustentabilidade.

A discussão aqui não visa a sobrecarga do empregado, mas sim bom senso no ato de contratação e análise do labor a ser realizado, entendo que o excesso de direitos e o frágil e pouco divulgado dilema do dever do empregado esbarra muitas vezes na ausência legal constitucional.

Mas, não estamos a nos esquivar da atuação profissional preponderante, é inegável que há certas atividades acessórias que devem sim compor o contrato de trabalho de forma expressa, estas devendo estar em conformidade com artigo 442 da CLT[3].

No que incumbe a alteração contratual esta deverá atender o texto legal do artigo 468[4] da CLT, onde alteração das respectivas condições por mútuo consentimento será permitida na CTPS, não prejudicando o trabalhador em prejuízos e atos de desvaloração e não repasse de rendimentos compensatórios.

Há os que afirmem que o trabalhador polivalente seja o trabalhador do futuro, este será incumbido de um único salário para desempenhar várias funções. Em um mercado econômico em intensa e constante transforma não é difícil vislumbrar tais fatos nos dias atuais.

Destarte, basta uma retrospectiva não muito longínqua para entendermos que a “exploração” mecanizado do trabalhador polivalente surgiu ainda no século XX, iniciada pelo fracasso do modelo taylorismo/fordista, quanto maior a exploração menor a retribuição salarial, maximização descarada da produção x lucro, como este modelo se mostrou infrutífero tivemos então a implantação do modelo japonês, o toyotismo, com escopo em seus discursos de que o trabalho em equipe viabiliza a qualidade na contrapartida da multifuncionalidade, da flexibilização e da qualificação do trabalhador, maximizando a produção em etapas, consequentemente o lucro do empregador, não deixando camufladamente, que a exploração do trabalhador apenas mudou de status, de empregado mono para polivalente.

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Logo com um sistema de trabalho e/ou produção flexível o perfil do trabalhador se transformou para uma condição multifuncional, com uma visão amplificada dos deveres que envolvem o trabalho e o trabalhador em qualquer labor, não permitindo a assim uma fragmentação da cadeia laboral.

Fala-se, entretanto, que o novo perfil do trabalhador é polivalente, é multifuncional, é versátil, ou quaisquer outros termos que “enalteçam sua eficiência aos olhos de seu patrão,  ora, esse perfil existe desde a década de 50/60/70, destarte, a CLT não conseguiu acompanhar mais detalhadamente sobre a situação contratual legal dos atores e mecanismos que envolvem tal perspectiva, sendo tal trabalhador posto no limbo jurídico.

No mais, a proposta (PLS 190/2016) que prever a contratação de um trabalhador para múltiplas funções, ao lado da já regulamentada contratação por especificidade ou predominância de função, onde acrescenta o art. 442-B à Consolidação das Leis do Trabalho e altera seu art. 468 para dispor sobre o trabalho multifuncional[5] , apresentada por Douglas Cintra (PTB-PE), recebeu relatório favorável do senador Dário Berger (PMDB-SC) e está pronto para votação na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde terá decisão terminativa.

Desta façanha, haverá uma ampliação e modificação na forma de contratar o trabalhador, data venia, apenas na legislação que explora os portos (Lei 8.630/1993)[6] previa a multifuncionalidade, tal regulamentação e satisfação da insegurança jurídica da lacuna legal sobre tal perfil deverá ser sanada, onde permitirá o contrato individual de trabalho tanto por especificidade ou predominância de função, assim como por multifunção ou multiqualificação.

Prevê, pelos seus formuladores, que a supracitada regulamentação deverá inibir a retração da empregabilidade do trabalhador no novo e exigente mercado de trabalho, no mais, há os que ratificam que tal regulamentação nada mais será que mais uma das inúmeras formas de exploração escravocrata do trabalhador brasileiro.

Só resta esperar para ver.

Bibliografia

________________DIEESE. Programa de Investimento em Logística: Portos. São Paulo, 2013. Nota Técnica, n. 119. Disponível em:  www.dieese.org.br/notatecnica/2013/notaTec119portos.pdf

________________SENADO FEDERAL. “CLT poderá prever contrato de trabalho multifuncional”. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/26/clt-podera-prever-contrato-de-trabalho-multifuncional

________________ SENADO FEDERAL. Decreto do Congresso Nacional. Alteração da CLT. Disponível em: http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=192271&tp=1

[1] Juris et de jure ou iure et de iure significa de direito e a respeito ao direito. É a presunção absoluta, que não admite prova em contrário. 

[2] Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito. (Vide Decreto-Lei nº 926, de 1969)

Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

[3] Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

[4] Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

[5] Decreto do Congresso Nacional. Alteração na CLT Disponível em:   http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=192271&tp=1

[6] Artigo 33 da Lei nº 12.815 de 05 de junho de 2013. “A nova legislação passou a instituir regras mais claras e específicas para a formação profissional do trabalhador portuário. Estabelece como função do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), além do treinamento multifuncional (já contemplado na Lei dos Portos de 93), a adequação da formação profissional conforme os “modernos processos de movimentação de carga e de operação de aparelhos”, destacando a importância de que a formação do trabalhador acompanhe as mudanças tecnológicas e inovações nos processos de automatização no setor portuário” (DIEESE. Programa de Investimento em Logística: Portos. São Paulo, 2013. Nota Técnica).

Sobre a autora
Sheylla Campos

Advogada. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Aluna especial do Mestrado em Ciências Políticas na UFCG e aluna especial do Mestrado em Ciências Sociais na UFCG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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