Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Notas sobre o plágio e a contrafação

Exibindo página 1 de 3
Agenda 13/04/2017 às 10:50

Analisa-se a ligação entre a personalidade do autor e sua obra, particularmente no que concerne ao direito de paternidade, para elucidar a diferença entre os institutos do plágio e da contrafação.

RESUMO: O presente artigo analisa inicialmente a ligação entre a personalidade do autor e sua obra, particularmente no que concerne ao direito de paternidade. A partir daí, procura deixar evidente a distinção entre o plágio e a contrafação, institutos que são muitas vezes confundidos pela doutrina e pelos tribunais, não obstante sua grande importância em nossa sociedade, em especial em razão do advento de novas tecnologias.

PALAVRAS-CHAVE: Direito de Autor; direitos intelectuais; direitos da personalidade; direito moral de autor; direito ao reconhecimento da autoria; plágio; contrafação.

ABSTRACT: This article examines the connection between the author's personality and his work, particularly regarding to the right of paternity. From there, it seeks to clear the distinction between plagiarism and counterfeiting, institutes that are often confused by the doctrine and courts, despite its great importance in our society, especially due to the advent of new technologies.

KEYWORDS: Copyright; intellectual rights; rights of personality; moral rights of the author; right of paternity; plagiarism; counterfeiting.                           

SUMÁRIO:Introdução – 1. O direito ao reconhecimento da autoria – 2. As facetas do direito ao reconhecimento da autoria – 3. Plágio – 3.1. Considerações iniciais – 3.2. Etimologia – 3.3. O plágio: conceito em construção – 3.4. Pressupostos – 3.5. Plágio: extensão e dissimulação – 3.6. Autoplágio – 4. Contrafação – 4.1. Conceituação – 4.2. Etimologia – 4.3. A distinção entre o plágio e a contrafação – 5. Considerações finais.


Introdução

O criador de uma obra normalmente quer ser reconhecido como seu autor, uma vez que a assinatura de um trabalho pode influir positivamente na forma como é visto pela sociedade. Assim, é certo que a boa fama, eventualmente adquirida pelo autor, está diretamente ligada à qualidade da manifestação de sua personalidade inserta na própria obra.

De fato, a assinatura de um trabalho é uma forma de se fazer conhecido em seu tempo. Também permite a imortalização da personalidade, que se torna presente também na posteridade, dado que o autor continua vivo em sua obra[1].

Com efeito, mesmo antes do surgimento da legislação protetiva do autor, a ligação da obra ao nome já tinha a função de garantir ao criador uma forma de defesa contra usurpadores, que encontravam maiores dificuldades para lesar o autor de uma obra assinada. Assim procedeu, por exemplo, Michelângelo, que em 1501, ao completar sua obra Pietá, prontamente assinou seu nome[2].

Nessa linha, na medida em que a proteção do autor foi evoluindo, percebeu-se que o reconhecimento da autoria consistia no ponto mais fundamental e menos contestado dessa tutela, visto que diretamente ligado ao direito geral da personalidade[3].

Trata-se, então, no quadro dos direitos da personalidade do autor, do tema central da proteção dos interesses pessoais e espirituais do criador[4]. E tanto é assim que, conforme ensina Chinellato, “não se encontrou nenhuma legislação que não o reconheça, pois é considerado um dos primeiros e mais importantes direitos morais do autor” [5]-[6]. Por isso, a compreensão do direito ao reconhecimento da autoria, como veremos, é pressuposto imprescindível para o estudo do plágio e da contrafação, figuras que constituem violação da lei autoral[7].


1. O direito ao reconhecimento da autoria

O direito ao reconhecimento da autoria protege a vinculação personalística existente entre o autor e sua obra[8]. Encontra previsão expressa na Lei 9.610/98, a qual estabelece que o autor tem o direito moral de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra, bem como de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização da obra (art. 24, I e II)[9].

Em complemento, o art. 12 da mesma lei prevê que o autor de obra literária, artística ou científica, para se identificar como tal, poderá “usar de seu nome civil, completo ou abreviado até por suas iniciais, de pseudônimo ou qualquer outro sinal convencional”.

Ao lado da Lei 9.610/98, não podemos deixar de mencionar a Convenção de Berna, que em seu art. 6 bis, 1, igualmente reconhece ao autor, independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois de sua cessão, o direito de reivindicar a paternidade da obra.

Nessa senda, o caráter amplo e genérico dessas disposições tem levado alguns autores a compreender a existência de distintas e diversas hipóteses no âmbito do direito ao reconhecimento da autoria, o que pode ser verificado não somente no Brasil, mas também nos ensinamentos de doutrinadores estrangeiros.


2. As facetas do direito ao reconhecimento da autoria

Em nosso país, o entendimento prevalente encontra no direito ao reconhecimento da autoria a presença de dois aspectos, um positivo e outro negativo. Sob o ponto de vista positivo (art. 24, II da Lei 9.610/98), significa que o autor tem o direito de exigir que a obra seja publicada com a menção da designação por ele determinada, bem como que tal nome não pode ser trocado pelo de outra pessoa, modificado ou excluído[10]. No que toca ao aspecto negativo, em caso de alguém se atribuir falsamente a autoria de uma obra, em detrimento de seu criador, terá este o direito de reagir contra a violação cometida, pugnando pela ligação de seu nome à obra, em conformidade com o art. 24, I da Lei 9.610/98.

No direito alemão, a título de comparação, os ensinamentos sobre a matéria seguem, em linhas gerais, o que foi acima comentado[11]. É garantido ao criador de uma obra o reconhecimento da sua autoria e a liberdade de decidir qual nome utilizará para se identificar. Em caso de violação desse direito, como quando o titular do direito patrimonial altera arbitrariamente o nome do autor, a lei alemã garante ao criador o respeito ao seu direito moral, especialmente contra plagiadores[12]. Assim sendo, o criador, conforme amplamente asseverado pelos estudiosos da Alemanha, pode propor ação em defesa da paternidade de sua obra contra todos aqueles que coloquem sua autoria em discussão ou que a pretendam para si[13].

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Desse modo, à exceção do controvertido direito de contestar a paternidade (de se opor à falsa atribuição de autoria), que não será objeto de nossos estudos, as divergências existentes entre os autores se postam mais no campo didático. Portanto, o que nos interessa para o estudo do plágio e da contrafação é que o autor tem direito de ver sua autoria reconhecida, cabendo a ele determinar como seu nome se apresentará na obra, seja por meio do nome civil, de pseudônimo ou do anonimato, bem como tem direito à veiculação de pretensões que garantam o respeito ao direito de paternidade.


3. Plágio

3.1. Considerações iniciais

O plágio constitui indubitavelmente lesão a direitos da personalidade do autor, estando intimamente ligado ao direito ao reconhecimento da paternidade. Apesar do plágio ser há muito tempo tratado no Brasil, não há em nosso ordenamento jurídico um conceito ou regulamentação da matéria[14], tratando-se de terminologia e construção adotada pela doutrina e replicada na jurisprudência[15].

A Lei 9.610/98 não apresenta nenhuma definição de plágio, conceitua apenas a contrafação, entendida como “a reprodução não autorizada” de uma obra (art. 5º, VII). Todavia, a contrafação não se confunde com o plágio, tema que será analisado nesse trabalho para podermos afastar eventuais equívocos que ocorrem no dia a dia. Em todo caso, aqui já podemos fazer uma distinção, pois a contrafação foi conceituada pela Lei 9.610/98, enquanto que o plágio não foi definido pelo legislador.

3.2. Etimologia

Na Antiguidade Clássica, tanto em Roma como na Grécia, era corrente o problema do plágio, mas não havia legislação específica para a proteção do autor.

A palavra que chegou ao português pelo latim (plagium) decorre das previsões da Lex Fabia de Plagiariis, do século segundo antes de Cristo. O plágio do Direito romano, entretanto, não tinha nada a ver com a acepção atual da palavra[16], pois os romanos, sob o nome de plagium, puniam “a escravização de homem livre, bem como a compra e venda ou assenhoreamento de escravo alheio” [17].

Todavia, a expressão sofreu desvio histórico, atribuído ao poeta Marco Valério Marcial (42-104 d.C.), que comparou seus epigramas a escravos libertos, os quais estariam nas mãos de um sequestrador de nome Fidentino (plagiarius)[18].

Marcial escreveu em seus epigramas (Epigrama 30, Livro I): “Segundo consta, Fidentino, tu lês os meus trabalhos ao povo como se fossem teus. Se queres que os digam meus, mandar-te-ei de graça os meus poemas; se quiseres que os digam teus, compra-os, para que deixem de ser meus”. E no quinto Epigrama asseverou ainda Marcial: “Quem busca a fama por meio de poesias alheias, que lê como suas, deve comprar não o livro, mas o silêncio do autor” [19].

De qualquer forma, foi somente no período da Renascença que a palavra plágio veio a ter sua acepção atual, quando os “jurisconsultos Duareno e Tomásio concluíram que o plágio era punido pela Lex Fabia de Plagiariis, entendimento que foi seguido por autores modernos, o qual, no entanto, baseou-se em erro” [20].

3.3 O plágio: conceito em construção

O plágio é um instituto jurídico cuja conceituação ainda se encontra em construção, mas, em linhas gerais, fala-se na falsa atribuição da criação de uma obra ou de parte dela, em evidentemente ofensa ao direito de paternidade do autor plagiado[21]. O plagiador tem como objetivo primordial a obtenção de fama e reconhecimento, o que é muitas vezes alcançado com a indevida atribuição de produções alheias, que são afastadas da personalidade de seu verdadeiro criador e lamentavelmente ligadas ao plagiador.

A conduta muitas vezes tem fundamento na falta de condições desse verdadeiro “ladrão intelectual” de criar alguma obra digna de deferência. Não faltam outros, entretanto, que apesar de dotados de inteligência e talento, simplesmente por preguiça ou visando ao reconhecimento ou lucro fácil, “não hesitam recorrer ao mesmo expediente” [22]. Porém, independentemente dos motivos que levam ao cometimento desse ilícito, o fato é que nossa legislação, como já foi mencionado, não apresenta um conceito do plágio, o que é digno de aplausos e tem levado a doutrina se debruçar sobre o tema.

A despeito da sua importância, até o momento a matéria ainda não foi suficientemente desenvolvida. É imprescindível que a doutrina cumpra sua função, precisando a significação do plágio, o que sabidamente não é tarefa fácil, ainda mais se considerarmos a existência de inúmeras espécies de obras protegidas pelo Direito de Autor.

Entrementes, não faltam definições para o termo, entendendo-se, de modo geral, como o fez Otávio Afonso, que plagiador é aquele que apresenta uma imitação ou cópia literal da obra de outrem como sendo de sua autoria[23].

Nessa mesma linha leciona Antônio Chaves, asseverando que no plágio há a apresentação de “trabalho alheio como próprio, mediante o aproveitamento disfarçado, mascarado, diluído, oblíquo, de frases, ideias, personagens, situações, roteiros e demais elementos das criações alheias” [24].

Não é diferente a definição de Schack, que vê o plágio como a apropriação, com ou sem alteração, de todo um trabalho protegido pela lei autoral ou de parte dele, com a usurpação de sua autoria[25].

Carlos Aberto Bittar também examina a matéria, definindo o plágio como a “imitação servil ou fraudulenta de obra alheia, mesmo quando dissimulada por artifício, que, no entanto, não elide o intuito malicioso”. Afasta do conceito o aproveitamento remoto ou fluido, isto é, de pequeno vulto[26].

Digno de nota é igualmente o ponto de vista de Villalba e Lipszyc, que considera como plágio a apropriação de todos ou de alguns elementos originais da obra de outro autor, apresentado-os como próprios[27].

Por conseguinte, dos conceitos apresentados, vê-se que há no plágio, em linhas gerais, a negação da relação de paternidade existente entre uma determinada obra e seu autor. O plagiador ignora que determinada obra foi criada por outrem, apoderando-se integralmente ou de partes essenciais da obra. Seja como for, em que pese a existência de semelhanças entre as definições apresentadas, é certo que, em uma análise mais acurada, podemos constatar divergências bastante significativas, o que ficará mais evidente a seguir, com o estudo dos pressupostos do plágio.

3.4 Pressupostos

No plágio o que está em jogo é a própria personalidade do autor, que é diretamente atingida pelo plagiador. Ofende-se fundamentalmente o direito de paternidade ao se afastar a obra do seu verdadeiro autor. A conduta também pode lesionar outros direitos dessa mesma natureza (chamados de direitos morais do autor), como é o caso do direito à integridade (art. 24, IV da Lei 9.610/98), quando há alterações na obra, bem como do direito ao inédito (art. 24, III da Lei 9.610/98), se a obra ainda não tinha sido publicada[28].

Apesar de colidir diretamente com os direitos da personalidade do autor, o plágio pode ainda prejudicar de forma indireta a utilização econômica da obra, pois é possível a concorrência entre as obras, que poderia muito bem diminuir as vendas da obra plagiada.

Dessa maneira, ao plagiar uma obra, é certo que o autor da conduta ilícita pode se beneficiar de eventuais proveitos econômicos decorrentes da utilização da obra. Entretanto, o pressuposto fundamental do plágio é a obtenção pelo plagiador de vantagens de ordem não patrimonial, tais como a fama, o reconhecimento e o prestígio, agregando valores à sua personalidade, em desrespeito ao direito de paternidade de outrem.

Deve-se ainda acrescentar que para a ocorrência do plágio é necessária a violação dos direitos do autor, o que somente ocorrerá quando estivermos diante de uma obra protegida. Pois bem, como nem toda obra do espírito é protegida pelo Direito de Autor, deve-se então compreender que somente poderá haver a prática de plágio quando a obra plagiada for protegida pela lei autoral[29]. Assim sendo, as produções intelectuais mencionadas no rol do art. 8º da Lei 9.610/98, como não são objeto de proteção como direitos autorais, não podem conduzir à prática de plágio.

Outrossim, mister se faz que haja o aproveitamento das ideias que constituem a essência, o cerne, a espinha dorsal da obra plagiada. A configuração do plágio, dessa forma, somente vai ocorrer com “a absorção do núcleo de representatividade da obra, ou seja, daquilo que a individualiza e corresponde à emanação do intelecto do autor” [30].

Nunca é demais lembrar, entrentanto, que as ideias fazem parte do acervo cultural da humanidade, não pertencem com exclusividade a nenhuma pessoa, não havendo que se falar no seu monopólio (art. 8º, I da Lei 9.610/98). Por isso, para podermos admitir a ocorrência de plágio, é igualmente indispensável que as ideias atribuídas indevidamente ao plagiador façam parte de obra alheia, tenham sido expressas em trabalho de outrem[31]. Nesse sentido, conforme esclarece Fragoso, “o plagiário usurpa a criação alheia, não a ideia, não o tema, mas o modo como foram estes tratados, ou seja, usurpa o modo de expressão de tal ideia, de tal ou qual tema” [32].

Vale ainda destacar que não configura o ilícito o mero aproveitamento de fontes comuns, de modo que não se pode, sem uma análise mais aprofundada do caso concreto, dizer que houve plágio pelo simples fato das fontes bibliograficas utilizadas nas obras serem as mesmas. Igualmente, não conduzem ao plágio a simples ocorrência de identidade temática e a similitude ou equivalência de ideias e pensamentos[33]. Para a configuração do plágio é necessário mais do que referidas coincidências.

Ademais, não se pode esquecer que a proteção concedida ao autor, inclusive contra casos de plágio, independe da existência de um registro da obra e de sua autoria. Tal registro é meramente facultativo em nosso ordenamento jurídico (art. 18 da Lei 9.610/98)[34], podendo ser afastado por prova em contrário, o que lhe dá a natureza de uma presunção meramente relativa de autoria (iuris tantum). Apesar disso, o registro anterior da obra pelo verdadeiro autor constitui uma prova bastante significativa, que não pode ser desprezada[35].

Por derradeiro, parece-nos que a dissimulação não é elemento essencial para a configuração do plágio, pois se assim não fosse, o plágio grosseiro, a cópia literal, não constituiria o ilícito, haja vista a ausência do “mascaramento”. Assim sendo, apesar do plagiador normalmente procurar camuflar, dissimular, mascarar ou disfarçar sua conduta ilícita, entendemos que tal conduta não constitui pressuposto para a caracterização do plágio.

3.5. Plágio: extensão e dissimulação

No que diz respeito à extensão, a obra alheia pode ser plagiada total ou parcialmente. O plágio parcial é o mais comum, visto que a prova em juízo de plágio integral é muito mais fácil do que aquela do plágio parcial. De fato, como não há critérios objetivos que possam ser aplicados para a caracterização do plágio, é sempre necessária a avaliação pelo magistrado de cada caso concreto, o que é muito mais simples quando uma obra foi integralmente plagiada.

Ao lado da extensão do plágio, ou seja, parcial ou total, também podemos apontar a existência do plágio sútil e do plágio grosseiro. No plágio sútil o trabalho de análise do magistrado é bem mais difícil, podendo-se valer até mesmo do auxílio de peritos, uma vez que o plagiador modifica habilmente a obra nova, alterando sua composição e expressão, atingindo amplo sucesso na dissimulação de sua conduta. Nessa situação, o plagiador pode até mesmo restar sem reprovação jurídica, já que o julgamento dependerá bastante dos conhecimentos e das habilidades do perito em seu ramo de atividade. Contudo, mesmo que não haja sanção jurídica, a conduta não deixa de ser moralmente reprovável[36].

O plágio grosseiro, por seu turno, normalmente consiste na cópia ipsis litteris de um trabalho alheio, com a substituição do nome do seu verdadeiro autor, mas também admite a tentativa de dissimulação. A dissimulação no plágio grosseiro é conduta usual, pois o plagiador, como já destacamos, tenta se passar por autor do trabalho, procurando enganar tanto seu verdadeiro autor como toda a sociedade[37]-[38]. Todavia, a tentativa de dissimulação não é exitosa, visto que a falta de talento do plagiador permite facilmente a constatação da prática do ilícito. O plágio grosseiro é então identificado pela simples e superficial comparação entre as obras.

Aliás, na tentativa de dissimular sua conduta, muitas vezes o plagiador invoca o nome do plagiado no trabalho, fazendo agradecimentos ou prestando homenagens[39]. Também é bastante comum a citação da obra plagiada na bibliografia, o que certamente não afasta o ato ilícito, pois o que interessa para a sua configuração é o conteúdo, a natureza do trecho plagiado e não a quantidade de empréstimos tomados ou o que foi pesquisado[40]. E quanto ao tema, Antônio Chaves é extremamente esclarecedor:

Pode ocorrer, com efeito, que o plágio não tenha tomado senão um pequeno número de passagens, mas que estas, principalmente em se tratando de uma obra filosófica ou científica, sejam exatamente as que dão à obra seu caráter de originalidade própria, que são como a medula. Ora, neste caso, pouco importaria a quantidade dos empréstimos; é a sua qualidade, a sua natureza, que é preciso levar em conta[41].

Daí pode ser extraído que a apropriação deve dizer respeito à essência ou substância da obra plagiada. Não basta, desse modo, a reprodução de trechos ou de fragmentos nos quais não se possa reconhecer a substância, as partes orgânicas da obra plagiada, pois tal conduta não será suficiente para a configuração do plágio[42]. Por outro lado, partindo da necessidade de reprodução da essência de outra obra, é certo que o plágio não demanda a identidade das formas de expressão, admitindo-se sua ocorrência mesma na adaptação de uma obra de um gênero para outro, como é o caso da obra literária que é transformada em obra audiovisual[43].

Outrossim, é interessante notar que existem muitos casos de plágio em que não há grande preocupação com a dissimulação da conduta. Infelizmente isso tem ocorrido com frequência nas universidades brasileiras (muito comum em trabalhos de conclusão de curso de gradução), onde muitos estudantes simplesmente copiam da internet trabalhos alheios, apenas substituindo o nome do autor. São casos de plágio total e grosseiro, que muitas vezes passam despercebidos, mas não podem ser desprezados, uma vez que graus acadêmicos são concedidos àqueles que agiram com total desonestidade intelectual[44]. Nessas situações, é cabível não somente a perda da titulação pretendida, mas também o acionamento do responsável nas esferas cível e criminal.

Aliás, diante do problema supra, vale abrir um pequeno parêntese a seguir para tecer alguns comentários sobre outro tema muito discutido no ambiente acadêmico, o chamado autoplágio.

3.6. Autoplágio

Ainda dentro da temática do plágio, não poderíamos deixar de apresentar esta breve nota acerca do chamado autoplágio, que não encontra previsão ou conceituação em nosso Direito positivo. Fala-se muito na vedação do autoplágio, especialmente em ambiente acadêmico, mencionando-se usualmente que um autor não pode utilizar trechos de textos que escreveu em obra posterior.

Nas palavras de Rehbinder, o autoplágio ocorre quando um autor utiliza em uma criação posterior, um trabalho, ou parte dele, já apresentado anteriormente. Contudo, tal prática somente pode representar lesão a direitos autorais quando há obrigação contratual que vede tal conduta[45], o que pode ocorrer na assinatura de um contrato de edição. Assim sendo, se um autor não se obrigou contratualmente, não há que se falar em autoplágio, ficando livre para reproduzir posteriormente sua obra, em parte ou na totalidade, quantas vezes quiser.

De qualquer maneira, não nos parece adequada a terminologia utilizada, pois o autoplágio não pode sequer ser considerado como uma espécie de plágio, haja vista que, como foi visto, o plágio pressupõe violação do direito de paternidade do autor, não sendo concebível que um criador viole seu próprio direito.

Por outro lado, apesar de não se tratar de modalidade de plágio, é importante lembrar que usualmente, para a concessão de titulação acadêmica, exige-se a apresenteção de um trabalho inédito. Nesses casos, até mesmo em função da vinculação às normas da instituição de ensino, a apresentação de obra já levada ao público anteriormente não vai ocasionar lesão à legislação autoral, mas não permitirá a concessão da titulação pretendida, tendo em vista o exigido pela instituição de ensino.

Pois bem, traçadas as linhas gerais do que se compreende por plágio, figura que é considerada por muitos autores como a mais grave lesão aos direitos do autor[46], passamos agora à contrafação, que por se tratar de figura correlata, não poderia deixar de ser tratada nesse trabalho.

Sobre o autor
Leonardo Estevam de Assis Zanini

Livre-docente em Direito Civil pela USP. Pós-doutorado em Direito Civil pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Alemanha). Pós-doutorado em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Strafrecht (Alemanha). Doutor em Direito Civil pela USP, com estágio de doutorado na Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela USP. Juiz Federal. Professor Universitário. Pesquisador do grupo Novos Direitos CNPq/UFSCar. Pesquisador do grupo Direito e Desenvolvimento Público da Universidade de Araraquara (UNIARA). Autor de livros e artigos publicados nas áreas de Direito Civil, Direitos Intelectuais, Direito do Consumidor e Direito Ambiental. Foi bolsista da Max-Planck-Gesellschaft e da CAPES. Foi Delegado de Polícia Federal. Foi Procurador do Banco Central do Brasil. Foi Defensor Público Federal. Foi Diretor da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Foi Diretor Acadêmico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores da Justiça Federal em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANINI, Leonardo Estevam Assis. Notas sobre o plágio e a contrafação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5034, 13 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55180. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!