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Notas sobre o plágio e a contrafação

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Agenda 13/04/2017 às 10:50

4. Contrafação

4.1. Conceituação

A contrafação é a reprodução não autorizada de uma obra, entendendo-se por reprodução “a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido” (art. 5 º, VI e VII da Lei 9.610/98).

Como se pode notar da definição legal, a conduta do contrafator, ao reproduzir sem autorização uma obra, não tem como objetivo a lesão a direitos da personalidade do autor, como é o caso do direito de paternidade. Não há preocupação do contrafator em esconder a paternidade de uma obra para poder atribuí-la a si mesmo, pois o que usualmente ocorre é que o contrafator indica corretamente a autoria da obra, mas prejudica o autor no que diz respeito ao aproveitamento econômico. Assim, a contrafação está ligada essencialmente aos aspectos patrimoniais, pois retira indevidamente da obra “os proventos econômicos que de direito caberiam ao autor” [47]-[48].

Realmente, na contrafação existe a publicação ou a reprodução, de forma abusiva, de trabalho alheio. Não há que se falar no consentimento do autor para a realização do ato do contrafator e, por isso, não tem nenhuma relevância a forma extrínseca, o destino, ou a finalidade da conduta violadora[49].

Referido ato ilícito configura, é bom notar, violação não somente ao direito de autor, mas também aos direitos que lhe são conexos (ou vizinhos), encontrando sancionamento tanto pela legislação civil como criminal (art. 184 do Código Penal)[50].

Desta forma, em linhas gerais, entende-se que quando uma pessoa desfruta ilicitamente de uma obra alheia, normalmente sem afastar o direito de paternidade de seu autor, estamos diante de contrafação[51]. Por conseguinte, a contrafação consiste na reprodução ilícita da obra, integral ou parcial, através de qualquer meio tangível, visando à violação dos direitos econômicos decorrentes da obra.

4.2. Etimologia

A palavra contrafação decorre do aportuguesamento da palavra francesa “contrefaçon”, que em seu sentido original significa apenas falsificação. Como nem toda violação a direito autoral constitui uma falsificação, sua utilização pela lei autoral se distanciou do seu sentido original no idioma francês, já que nosso Direito considera a contrafação simplesmente como a reprodução não autorizada[52].

De qualquer forma, apesar das críticas da doutrina e do desuso da expressão em legislações estrangeiras, trata-se da terminologia adotada pela Lei 9.610/98.

4.3. A distinção entre o plágio e a contrafação

A distinção entre o plágio e a contrafação se torna bastante complicada na medida em que nem sempre há na contrafação a menção ao nome, pseudônimo ou sinal convencional adotado pelo autor, o que configura, além da violação a direitos patrimoniais, também a ofensa ao direito de paternidade.

Igualmente, existe contrafação e desrespeito ao direito ao inédito (art. 24, III da Lei 9.610/98) nos casos em que uma obra ainda não publicada é levada ao público, sem o consentimento do seu autor, por um contrafator. Isso é muito comum em lançamentos de obras cinematográficas, quando, mesmo antes do lançamento do filme nos cinemas, já é possível a compra de um exemplar “pirata”.

Os problemas para a identificação das duas formas de violação dos direitos de autor são, então, evidentes, pois é certo que a contrafação pode atingir, ao mesmo tempo, direitos da personalidade do autor e a utilização econômica da obra. O mesmo também pode ocorrer com o plágio, que pode lesionar simultaneamente o aproveitamento econômico da obra e os direitos da personalidade de seu verdadeiro autor. Ademais, a ofensa a outros direitos da personalidade do autor, da mesma forma, não ajuda na distinção, pois tanto no plágio como na contrafação é cabível, por exemplo, o desrespeito ao direito ao inédito e à integridade.  

No que toca à extensão, a contrafação pode decorrer de reprodução total ou parcial da obra, acontecendo o mesmo no plágio, uma vez que o plagiador pode ter se utilizado total ou parcialmente da obra alheia.

O terreno é, sem nenhuma dúvida, bastante movediço, porém, deve-se notar que no plágio sempre haverá a lesão a direitos da personalidade do autor, especificamente o direito à paternidade, bem como haverá a apresentação de conteúdo de obra alheia como se fosse própria. Assim, pode-se dizer que o plágio não ocorre apenas em virtude da reprodução de uma obra, “mas porque os créditos não foram atribuídos ao responsável original”[53] e ainda são conferidos ao plagiador.

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Na contrafação, por seu turno, é necessária a ocorrência de violação ao monopólio de aproveitamento econômico da obra, sendo apenas eventual o desrespeito aos direitos morais do autor. Na contrafação não é imprescindível a atribuição de obra alheia ao contrafator, pois esse elemento é essencial somente no plágio.

Com isso, para que ocorra o plágio, é fundamental que exista a atribuição de uma obra alheia como própria, não sendo suficiente apenas a lesão ao direito de paternidade do autor, uma vez que isso pode suceder também em casos de contrafação. E a mesma distinção é feita por Chinellato, valendo aqui a transcrição dos seus ensinamentos:

Separando-se as figuras em causa, observa-se que no plágio a obra alheia é simplesmente apresentada pelo imitador como própria ou sob graus diferentes de dissimulação. Há absorção de elementos fundamentais da estrutura da obra, atentando-se, pois, contra a personalidade do autor (frustração da paternidade). Na contrafação, há representação ou reprodução da obra alheia sem autorização autoral, podendo ser total ou parcial. Incluindo-se, em seu âmbito, a derivação sem consentimento (a adaptação, ou a tradução, ou a variação do tema), eis que sempre se visa a aproveitamento econômico indevido da obra (atentando contra o aspecto patrimonial, ou contra a obra em si)[54].

Dessa maneira, se a reprodução parcial ou total de obra de outrem não vier acompanhada da imprescindível atribuição ilegítima de autoria, mas tão somente da ausência do reconhecimento da autoria pela não indicação do nome, pseudônimo ou sinal indicativo, então estaremos diante de caso de contrafação e não de plágio. Em todo caso, no plágio sempre haverá violação a direitos da personalidade do autor e a apresentação de trabalho alheio como se fosse próprio. Na contrafação, por outro lado, necessariamente haverá violação a direitos patrimoniais do autor, mas nem sempre haverá lesão a direitos da personalidade do autor.


5. Considerações finais

No presente artigo procuramos deixar evidente a distinção entre o plágio e a contrafação, institutos que são muitas vezes confundidos pela doutrina e pelos tribunais. Nessa senda, observamos, em um primeiro momento, que a contrafação foi conceituada pela Lei 9.610/98, enquanto que o plágio não foi definido pelo legislador, dependendo dos trabalhos doutrinários para que se chegue a sua conceituação.

Demonstramos que no plágio sempre haverá a lesão ao direito à paternidade, sendo apenas acessório o evental prejuízo aos aspectos patrimoniais do autor. No plágio há então a negação da relação de paternidade existente entre uma determinada obra e seu autor. Na contrafação, por seu turno, a reprodução de uma obra vai necessariamente levar à violação do monopólio de aproveitamento econômico, sendo apenas eventual o desrespeito aos direitos morais do autor.

Deixamos claro que para a configuração do plágio é necessário que o trecho apropriado constitua a essência, o cerne, a espinha dorsal da obra plagiada. Assim, não basta a reprodução de trechos ou de fragmentos nos quais não se possa reconhecer a substância da obra plagiada. Além disso, enfatizamos que não há que se falar em plágio nas hipóteses de mero aproveitamento de fontes comuns, de simples ocorrência de identidade temática e de similitude ou equivalência de ideias e pensamentos.

Por fim, destacamos que a dissimulação não é elemento essencial para a configuração do plágio. De fato, mesmo a cópia literal, sem “mascaramento”, na qual há apenas a substituição do nome do autor pelo nome de um terceiro, conforme o caso concreto, vai configurar plágio e não contrafação.


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Sobre o autor
Leonardo Estevam de Assis Zanini

Livre-docente em Direito Civil pela USP. Pós-doutorado em Direito Civil pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Alemanha). Pós-doutorado em Direito Penal pelo Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Strafrecht (Alemanha). Doutor em Direito Civil pela USP, com estágio de doutorado na Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela USP. Juiz Federal. Professor Universitário. Pesquisador do grupo Novos Direitos CNPq/UFSCar. Pesquisador do grupo Direito e Desenvolvimento Público da Universidade de Araraquara (UNIARA). Autor de livros e artigos publicados nas áreas de Direito Civil, Direitos Intelectuais, Direito do Consumidor e Direito Ambiental. Foi bolsista da Max-Planck-Gesellschaft e da CAPES. Foi Delegado de Polícia Federal. Foi Procurador do Banco Central do Brasil. Foi Defensor Público Federal. Foi Diretor da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Foi Diretor Acadêmico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores da Justiça Federal em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANINI, Leonardo Estevam Assis. Notas sobre o plágio e a contrafação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5034, 13 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55180. Acesso em: 22 nov. 2024.

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