RESUMO
CASSUCI, Flávio A.J. Da inconstitucionalidade do artigo 235 – C, parágrafo 8º (tempo de espera) da Lei 13.103/2015 na perspectiva da violação aos direitos fundamentais: princípios da dignidade da pessoa humana e vedação do retrocesso social. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São José do Rio Pardo, 2016.
Após a segunda guerra Mundial fora dado início ao chamado Neoconstitucionalismo ou Pós-positivismo. Nesse passo, visualiza-se hodiernamente uma maior aplicação dos direitos fundamentais no cotidiano forense, sendo que também deve ser aplicado ao legislador, pois a Constituição passa a ter efetividade devido a sua força normativa. Hodiernamente não pode o exegeta ao interpretar o texto normativo se esquivar dos preceitos princpiológicos, no sentido de que estes são considerados norma jurídicas, interpretação conforme a Constituição. Ocorre que muitas vezes o legislador infraconstitucional não respeita referidas diretrizes confeccionando legislações que vão de encontro os direitos estabelecidos constitucionalmente, tendo em vista a positivação dos princípios, sendo, portanto crivadas de inconstitucionalidade. O presente trabalho visa analisar a Lei 13.103/2015, art. 235 – C, parágrafo 8º, legislação que regulamentou a jornada de trabalho do motorista profissional no transporte de cargas e de passageiros, sob uma perspectiva constitucional. Referido parágrafo legislativo trouxe como inovação o denominado “tempo de espera”, informando que este não seria tempo a disposição do empregador, sob uma visão flexibilizadora das normas trabalhistas, no que diz respeito à jornada de trabalho. Ocorre que o entendimento não deve prosperar por afronta a Carta da República, principalmente no que diz respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da vedação do retrocesso, art. 7º da CRFB, como também no que estabelece o artigo 4º da CLT, nesse passo flagrante a inconstitucionalidade do dispositivo. Verificará o trabalho que referido tempo, que por determinação legal não é computado na jornada de trabalho, é na verdade tempo a disposição do empregador, sendo assim deve ser considerado como jornada de trabalho, pois o aumento desta além do permissivo como jornada constitucional causa danos à saúde do trabalhador. Insta se ressaltar que a profissão de motorista profissional carecia de regulamentação, principalmente no que diz respeito a jornada de trabalho, pois como é cediço muito árdua e extenuante em referida profissão. Estas indagações serão resolvidas no presente trabalho sendo de grande importância para o mundo jurídico o presente tema.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais, inconstitucionalidade, princípios da dignidade humana e da vedação do retrocesso, Lei 13.103/2015.
ABSTRACT
CASSUCI, Flávio A.J. Da inconstitucionalidade do artigo 235 – C, parágrafo 8º (tempo de espera) da Lei 13.103/2015 na perspectiva da violação aos direitos fundamentais: princípios da dignidade da pessoa humana e vedação do retrocesso social. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São José do Rio Pardo, 2016.
After the Second World War was initiated the call Neoconstitutionalism or Post-positivism. In this step, in our times is visualized a greater application of fundamental rights in the forensic everyday of which should also be applied to the legislature, as the Constitution is replaced by effectiveness due to its normative force. In our times can not exegete when interpreting the legal text dodge the princpiológicos precepts, in the sense that these are considered legal standard, interpretation according to the Constitution. It happens that often the infra legislator respects not mentioned guidelines crafting laws that go against the precepts principiológicos and is therefore riddled with unconstitutional. This paper analyzes the Law 13,103 / 2015, art. 235 - C, paragraph 8, legislation that regulated the professional driver's working hours in the transport of cargo and passengers, under a constitutional perspective. That legislative paragraph brought innovation as the so-called "waiting time", stating that this would be no time the employer's disposal under a flexibilizadora vision of labor standards, with regard to working hours. It happens that the understanding should not prosper affront to the Charter of the Republic, especially with respect to the principles of human dignity and sealing kick, art. 7º of CRFB, as well as in the provisions of article 4 of the Labor Code, this step flagrant device unconstitutional. Check the work that time under legal provisions is not counted in working hours, is actually time the employer's disposal, and thus should be considered as working hours, because the increase this beyond the permissive as constitutional journey harms Worker's health. These questions will be addressed in this study is of great importance to the legal world this theme.
Keywords: Fundamental rights, unconstitutional, principles of human dignity and sealing kick, Law 13,103 / 2015.
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................................................................VI
ABSTRACT............................................................................................................................VII
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................09
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA – DOS IDEAIS JUSNATURALISTAS À POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.......................................................................................16
2.1. Aspectos históricos sobre a limitação do tempo de trabalho.............................................18
3. A ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA NORMA REGRA X NORMA PRINCÍPIO...............................................................................................................................22
4. DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSIDERAÇÕES INICIAIS.........................................25
4.1. Conceito de Direitos Fundamentais...................................................................................27
4.2. Dimensões dos Direitos Fundamentais..............................................................................28
5. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...............................................29
5.1. O princípio da dignidade da pessoa humana como direito fundamental dos trabalhadores.............................................................................................................................31
6. DA FUNÇÃO JURÍDICA DOS PRINCÍPIOS NA ATUALIDADE...................................32
6.1. Princípio como fundamento da norma regra......................................................................33
6.2. Do ataque ao princípio da dignidade da pessoa humana pela legislação...................................................................................................................................35
6.3. Da violação da norma ao princípio do não retrocesso social ou da proibição da revolução reacionária.................................................................................................................................37
7. DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.103/2015................................................41
7.1. Definição de Tempo de Trabalho Efetivo..........................................................................44
7.2. Definição de Tempo de Espera, tempo efetivamente trabalhado.......................................46
7.3. Análise do artigo 25 bis do Código do Trabalho do Chile.................................................47
8. DA AFRONTA DA LEGISLAÇÃO AO ARTIGO 7º DA CRFB.......................................50
8.1. Da ofensa da legislação a jornada de trabalho estabelecida no artigo 4º da CLT...........................................................................................................................................51
8.2. Empregado como cidadão e proteção à saúde do trabalhador...........................................53
8.3. Análise da ADI 5322, que discute a constitucionalidade da Lei 13.103/2015..................56
9. CONCLUSÃO......................................................................................................................59
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................60
1. INTRODUÇÃO
É um enorme prazer escrever sobre os direitos fundamentais tendo em vista o atual estágio intelectual em que as ciências jurídicas se encontram no Brasil.
Explica-se tal sentimento pela observação de uma gama seleta de estudiosos que, a cada dia, vêm abraçando esta bandeira, quando tal comportamento aos olhos desconfiados de muitos inspirava subversão à ordem estabelecida, e iniciaram um conveniente movimento de defesa e difusão deste ideal de fazer com que se prevaleça, efetiva e concretamente, os atributos que são inerentes à própria essência do ser humano.
Ao colocar a dignidade da pessoa humana como epicentro de todo o ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição de 1988 se transforma no marco histórico e fundamental de todo esse processo que possibilita discutir, de forma prática, concreta e efetiva em solo pátrio, toda uma gama de questões que, desde o final da 2ª Guerra Mundial constava da pauta de discussão dos principais centros acadêmicos do mundo ocidental.
Somente a partir do processo de democratização do Brasil e o estabelecimento de uma ordem constitucional positivadora dos diversos núcleos de direitos fundamentais, inspirados pela reflexão funcional do direito enquanto instrumento garantístico da dignidade da pessoa humana e, promotor de direitos sociais, econômicos e culturais, inclusive abrangendo os interesses coletivos e difusos, é que se possibilitou a sua inserção de fato neste contexto.
É por tais motivos que, na atual realidade histórica, é perfeitamente possível a discussão de temas como a eficácia jurídica dos princípios e efetividade das normas constitucionais, interpretação conforme a constituição, força normativa e vinculativa do ordenamento jurídico pela constituição quando da interpretação das normas infraconstitucionais.
Nesse passo, hodiernamente quando da interpretação das normas infraconstitucionais como a denominada Lei dos Motoristas não podemos nos esquivar de fazer uma análise tendo por base o crivo constitucional.
Desta feita, atentos ao contexto histórico com a queda do positivismo jurídico criado por Hans Kelsen, que serviu de base para o não intervencionismo estatal, este para o professor Luís Roberto Barro direitos fundamentais de primeira geração.
Cabe nesta oportunidade também trazer à baila que em um passado remoto os direitos fundamentais não eram cogitados, pois o ser humano não era visto como possuidor de dignidade, sendo apenas um meio para se atingir o fim da manutenção do estado, principalmente na seara do direto do trabalho.
Isso porque, não se via o trabalhador como pessoa humana, mas sim como um meio para a produção, tanto que a concorrência desleal surgida com a não verificação de direitos trabalhistas, ocasionando a produção de produtos manufaturados a baixos preços, fora o estopim para a Primeira Guerra Mundial.
Após o término do conflito bélico fora assinado o Tratado de Versalles, que resultou também na criação da Organização Internacional do Trabalho, visando a garantia de direitos trabalhistas mínimos, em meu sentir num sentido mais protetor econômico do que trabalhista.
Avançado na história o maior conflito armado que o mundo teve o desprazer de presenciar fora a Segunda Guerra Mundial, que teve início tendo em vista rusgas e malversações que ocorreram como consequência da Primeira Guerra, sobretudo tendo em vista da imposição do tratado de Versalles a Alemanha.
Nessa medida, após o término da Segunda Guerra Mundial tendo em vistas os horrores que dela advieram, ressaltando que os atos praticados eram corroborados pela legislação alemã, fez-se mister a revisão de conceitos interpretativos e, por esta feita, os princípios e sobretudo o da dignidade da pessoa humana passaram a receber respaldo Mundial.
Nos campos pátrios os princípios eram vistos apenas como fonte, eram literalmente a emanação da legislação, no entanto com o a promulgação da Constituição Federal de 1988 denominada de constituição cidadã, passou-se a ser revisto este conceito principalmente com a divulgação da teoria da força normativa da Constituição.
Com referida força normativa a Constituição da República deixou de ser mero conselho ao legislador, passando a ser aplicada com força normativa e, por esta feita, sendo vista como norma jurídica, sendo que os preceitos e princípios nela embutidos devem ser levados em conta quando da feitura e interpretação das normas infraconstitucionais.
Pode uma norma infraconstitucional ser contrária aos princípios trazidos pela Constituição da República Federativa do Brasil em especial o da dignidade da pessoa humana e da vedação do retrocesso?
No presente trabalho monográfico será verificado que não, principalmente no que diz respeito às normas que tratam dos direitos inerentes a relação de trabalho, pois estão já traçados no artigo 7º da Carta da República, devido a sua importância e magnitude.
Cabe aqui fazer um parêntese para ressaltar que os princípios se encontram disseminados em todo o texto da Constituição Federal, ocorre que os acima informados como direitos trabalhistas de tão importantes encontram-se positivados, demonstrando que na realidade o Estado deve servir ao ser humano como cidadão, sendo que deve sempre visar a feitura de normas jurídicas protetoras e não prejudiciais ao ser humano como o texto legislativo neste trabalho verificado.
Isso, porque muito embora mesmo possuindo o país dimensões continentais, fora feita a opção pelo transporte terrestre rodoviário de cargas e passageiros em detrimento do transporte ferroviário.
Nesse passo, é necessário a criação de legislação que proteja o trabalhador no sentido de limitar a jornada, pois é sabido que para o transporte de cargas e passageiros exige um grande nível de concentração do profissional, tendo em vista que o trabalho é realizado em vias públicas.
Tendo em vista o grande número de horas de trabalho, caso não seja o tempo de espera considerado como tempo de trabalho efetivo, irá ocasionar o cansaço do trabalhador e consequentemente a diminuição de sua atenção, que pode gerar acidentes de trabalho que colocam em risco a vida do trabalhador e dos usuários das vias públicas.
Insta se ressaltar que a profissão de motorista profissional carecia de regulamentação, principalmente no que diz respeito a jornada de trabalho, pois como é cediço muito árdua e extenuante.
Nesse passo, até a edição da Lei 12.619 de 2012, Lei do Motorista Profissional, não havia nenhum controle sobre a jornada de trabalho dos motoristas de carga e passageiros. Assim, a regulamentação era uma grande necessidade, tendo em vista que a limitação da jornada de trabalho consiste em um direito fundamental social, previsto como tal no inciso XIII, do art. 7º, da CRFB.
Temos que a legislação acima referida teve um curto período de existência, pois no ano de 2015 devido a greves de motoristas que praticamente param a circulação de bens de consumo e as estradas que permitem acesso as grandes capitais fora aprovada de forma afoita e sem o devido debate jurídico a Lei 13.130/2015.
Esta nova lei que regulariza a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional foi sancionada pela Presidente Dilma, derrogou a Lei nº 12.619/2012. O decreto que regulamenta a Lei 13.103/2015, chamada Lei dos Caminhoneiros alterou normas sobre a atividade dos motoristas profissionais.
Ocorre que uma de suas mais intrigantes alterações fora no sentido de não verificar o “tempo de espera”, como tempo a disposição do empregador, ocasionando o seu não computo na jornada de trabalho diária do colaborador.
No cotidiano devido à grande complexidade das relações sociais e as modificações da concepção do Estado, aliados ao ideal democrático dominante, exigiram a previsão e a proteção, na nossa ordem constitucional, de grande quantidade de direitos fundamentais.
Principalmente no tocante ao pós-positivismo ou o denominado (neoconstitucionalismo) verificamos a importância referendada a normas principiológicas, pois estas não mais podem ser consideradas como apenas conselhos ao legislador.
Abordando-se o tema, por meio da visão, de Robert Alexy e Ronald Dwork, verificamos uma divisão entre normas regras e normas princípios.
Nessa medida, se verifica que a carga principiológica constante da Carta da República em especial no que diz respeito aos direitos da personalidade do ser humano deve ser respeitada principalmente, quando da elaboração de legislações infraconstitucionais.
Insta ressaltar que o exegeta principalmente quando milita no ramo do direito do trabalho deve estar afinado aos princípios estabelecidos no ordenamento jurídico, sempre havendo que se utilizar da interpretação sistemática dos dispositivos legais para se chegar ao “sentido da Lei”.
Isso, porque tendo em vista que a CLT, por ser uma vetusta compilação não trata de temas atuais e dinâmicos, com os quais o direito do trabalho tem de enfrentar, como por exemplo temas ligados a flexibilização, desregulamentação dos direitos trabalhistas.
Fato que sempre não se deve perder de vista é o que diz respeito à vontade maior da Lei de sempre proteger o trabalhador, principalmente no que diz respeito a interpretação das normas jurídicas infraconstitucionais.
O presente trabalho irá efetuar uma análise acusara da Lei 13.103/2015, especialmente e limitando-se no que diz respeito ao artigo 235 – C, parágrafo 8º.
Temos que a referida legislação veio no sentido de regularizar a jornada de trabalho dos motoristas profissionais, pois uma classe que como é cediço realiza diuturnamente jornadas extenuantes de trabalho, em alguns casos até mesmo sub-humano, devido à grande quantidade de horas extras prestadas com habitualidade.
A nova legislação, que derrogou expressamente alguns preceitos estabelecidos pela Lei 12.619/2012, sendo que no que diz respeito ao artigo legislativo supra referido, fez introduzir o parágrafo 8º.
Ocorre que os dispositivos como se encontravam, como também os implantados pela nova lei são inconstitucionais.
Temos que a legislação pátria tentou estabelecer uma distinção entre tempo de trabalho efetivo e tempo de presença, sendo o primeiro aquele em que o trabalho é efetivamente realizado, encontrando-se o empregado a disposição do empregador e executando suas atividades e suas funções, ou seja realizando as atividades próprias da condução do veículo.
Já o tempo de mera presença seria aquele em que o empregado se encontre a disposição do empregador, mas sem realizar a função de direção, denominado de tempo de espera.
Referida distinção embora copiada de países da Comunidade Europeia, sendo que na América do Sul verificamos sua existência na legislação trabalhista do Chile, no entanto, não pode prosperar, no ordenamento jurídico pátrio, pois afronta o disposto no artigo 4º da CLT.
Isso, porque mesmo não realizando as funções de direção efetiva no tempo de espera o colaborador encontra-se a disposição do empregador executando funções inerentes a sua profissão.
Tanto que o parágrafo 12º do referido diploma legal estabelece que poderão ser efetuadas movimentações do veículo necessárias ao carregamento e descarregamento, no entanto não sendo computado o referido tempo como de trabalho efetivo.
Referido diploma legal fere como acima aduzido os princípios de ordem constitucional, como também perfaz um retrocesso social, negado segundo o entendimento do professor Canotilho ao analisar o princípio da não vedação do retrocesso.
Isso, porque não prestigiam a dignidade da pessoa humana, sendo que esta de tão importante fora colocada no artigo 1º, inciso III, da CRFB, demonstrando que o Estado (entenda-se nação) deve servir ao ser humano e não este servir ao estado, nesse passo merece a total proteção jurídica.
Insta também ressaltar que a dignidade da pessoa humana é o centro no qual gravitam todos os direitos fundamentais apresentados pela CRFB, pois foram criados para a sua proteção.
A legislação como se apresenta vai de encontro com referido princípio, pois como será demonstrado neste trabalho visa coisificar o ser humano, tornando-o uma máquina de trabalho. Instar ressaltar que a coisificação do ser humano é expressamente proibida, segundo a visão do jus naturalismo, pois todo ser humano possui dignidade.
No tocante aos princípios temos que nem ao menos o basilar de direito do trabalho, qual seja, o princípio da proteção não fora visualizado pelo legislador como também pela Comissão de Constituição e Justiça quando da feitura da legislação aqui guerreada, pois estabelece que a legislação deve ser interpretada de forma a sempre proteger a figura do trabalhador.
Utilizando-se de uma interpretação literal do dispositivo este ressalta que o tempo de espera seria aquele em que o colaborador motorista se encontra aguardando carga ou descarga, como também o período em que estivesse aguardando a fiscalização analisar as notas de transporte das mercadorias, ressaltando que referido período não será computado como jornada de trabalho não incidindo o pagamento de horas extras.
Ocorre que na realidade referido período deve ser considerado tempo a disposição do empregador nos exatos termos do artigo 4º da CLT, sendo que deve ser considerado tempo efetivamente trabalhado impondo-se o pagamento de horário extraordinário, quando for ultrapassado o limite estabelecido constitucionalmente.
Há de se destacar também, que a jornada de trabalho e o salário, são os aspectos da relação de trabalho que tem maior repercussão na vida do trabalhador, sendo que tendo em vista que a legislação em vigor impõe um aumento no número de horas de trabalho, contudo sem o respectivo pagamento, sendo que, tendo em vista que um descarregamento no porto de Santos São Paulo pode demorar até oito horas, que não são computados, ou seja o trabalhador labora de maneira graciosa, sendo que terá de dirigir efetivamente por mais oito horas até a base da empresa o trabalhador terá uma jornada de 16 horas diária de trabalho, sendo que serão computadas como de tempo realizado apenas oito, nesse passo, o trabalhador sofrerá prejuízos na realização de suas atividades pessoais, familiares e sociais, de modo que o tempo livre de trabalho está diretamente ligado ao bem estar e a saúde do trabalhador.
Insta ressaltar que a legislação guerreada, tendo em vista a era pós-industrial visa uma flexibilização da jornada de trabalho e não a sua limitação, sendo que toda a flexibilização no que diz respeito aos direitos trabalhistas deve ser analisada com parcimônia.
No tocante ao tempo de efetivo trabalho e o tempo de espera teria de ser a legislação ainda mais restritiva e não flexível, isso, porque o limite de oito horas diárias fora alcançado pela classe proletária a duras penas, sendo que em alguns casos como retrata a história ocorrera até mesmo o derramamento de sangue.
Nessa medida, a limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias e quarenta e quatro semanais basicamente foi a primeira reivindicação da classe trabalhadora, referido direito fundamental fora garantido constitucionalmente, nesse passo se entende que a legislação guerreada viola o princípio da vedação do retrocesso social, pois este ressalta que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar na proteção dos indivíduos. Significa que é inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses benefícios.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA – DOS IDEAIS JUSNATURALISTAS À POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Antes de adentrarmos na solução do problema proposto, cabe um breve histórico dos direitos fundamentais partindo das primeiras concepções jusnaturalistas até a sua positivação nos diplomas constitucionais, com o fim de demonstrar a importância desses direitos no mundo jurídico.
Na antiguidade clássica, período que vai até 476 depois de Cristo, não existia a noção de direitos fundamentais, não existia, sequer, a noção de indivíduo.
Neste período liberdade era compreendida como participação política na organização do Estado, ou seja, exercício do direito de voto.
Com a queda do Império Romano em 476 DC, ocorre a ruralização da sociedade que, sai das cidades com medo dos bárbaros que as invadiam e migram para as zonas rurais. Desta feita vários centros passam a exercer o poder: reis, senhores feudais, a igreja, corporação de direitos fundamentais, porque para aquela o homem é feito a imagem e semelhança de Deus, oficio, príncipes. Nesse contexto a igreja se fortalece ocorrendo os primeiros esboços de proteção do ser humano que fora criado a imagem e semelhança de Deus.
Entretanto, foi com o jus naturalismo racional dos séculos XVII e XVIII, de modo especial, por meio de sua teoria contratualista, que a concepção atual de direitos fundamentais começou a ganhar notoriedade, uma vez que uma grande parte destes direitos há muito já eram considerados direitos naturais pelos jusfilósofos.
Nesta fase racional subjetivista, o jus naturalismo se desligou dos fundamentos ontológicos e teológicos dos jusnaturalismos clássico e medieval e adotou o homem como fonte originária de todos os direitos naturais.
O ser humano, com isso, pelo simples fato de existir, passava a ser considerado titular de direitos incondicionáveis, imutáveis e inalienáveis, que tinham o condão de limitar o poder estatal, além de legitimarem seu exercício.
A partir deste ideal e no decorrer do século XVIII, surgiram renomadas declarações que efetivaram a consagração dos direitos naturais aos indivíduos como uma esfera autônoma de atuação, limitando o poder do Estado. Entre estas declarações ganha papel de destaque a Declaração do Estado da Virgínia de 1760.
No entanto, é após o advento da Revolução Francesa de 1789 e com a consequente elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fundados nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, que surge a ideia da universalidade destes direitos, expandindo-os a todos os indivíduos, independentemente de qualquer fator sócio-político.
Paulo Bonavides (2001, p. 516) dissertou nesse sentido:
Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano [...]
Estes direitos que a partir deste marco histórico passaram a abranger qualquer cidadão, ainda não eram considerados direitos fundamentais. Eles só atingiram este status, enquanto o conjunto de direitos e liberdades garantidos pelo Estado, a partir do processo de positivação a que foram submetidos, consistente na incorporação destes direitos no ordenamento jurídico de um Estado em forma de normas.
Entretanto, não basta que haja a efetiva proteção destes direitos pelo Estado em qualquer espécie normativa, torna-se imperioso, desta forma, que sejam previstos e tutelados no ápice da fonte primária normativa, ou seja, na Constituição.
Daí sua conclusão ser que os direitos fundamentais são notadamente direitos inerentes ao ser humano como pessoa e devem estar positivados na norma que rege o país como nação, sendo que atualmente se encontra reconhecimento na constituição pátria e deste reconhecimento se derivem consequências jurídicas.
Portanto, não é possível atribuir a algum direito o rótulo de direito fundamental sem que haja a sua efetiva constitucionalização reconhecendo-o e tutelando-o. Caso contrário, estaríamos frente a um grotesco equívoco quanto às terminologias atribuídas às mais variadas modalidades de direitos. Isto porque o fato de não estarem positivados em uma Constituição não quer dizer que não exista qualquer direito protegido, mas apenas que não são direitos fundamentais, mas outros, como direitos humanos, liberdades públicas, etc.
2.1. Aspectos históricos sobre a limitação do tempo de trabalho
O fator tempo é primordial apara a regência da vida das pessoas principalmente no que diz respeito às sociedades modernas e industrializadas que ficam a cargo de calendários, relógios compromissos com hora marcada, entregas de produtos com horários a serem agendados. Nesse passo, temos que o ser humano acaba por torna-se escravo do tempo, sendo que em sociedades antigas esse controle temporal não se mostrava necessário.
Nos dizeres do professor José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2013, p. 25):
Ademais, é possível sustentar que o ser humano contemporâneo se tornou escravo do tempo. Como observa Ricardo Antunes, nas civilizações da Antiguidade, a sociedade não tinha a mesma necessidade de medir o tempo que as sociedades industrializadas da Era Moderna [...]
Temos que desde os primórdios do sindicalismo a limitação do tempo de trabalho fora o cerne das reivindicações, como também o liame que uniu os trabalhadores permitindo o surgimento desses grupos.
A limitação do tempo de trabalho, sendo este entendido como a jornada de trabalho sempre esteve desde os primórdios das lutas de classes, proletariado que visa sempre o lucro e consequentemente impingindo jornadas de trabalho impraticáveis e trabalhadores que lutavam pela regulamentação estatal desta jornada, para que lhe fosse permito a existência como ser humano.
Isso, porque o trabalhador não deixa de existir como ser humano quando vende sua força de trabalho ao empregador, nessa medida, o tempo de trabalho não deve impedir a existência do ser humano, na faculdade de exercer os seus direitos exercendo sua pessoalidade, de modo que o trabalho deve proporcionar para que a dignidade da pessoa humana seja protegida.
Nessa medida, o que se sustenta é que o trabalhador deve ter sua jornada de trabalho limitada para que possa possuir tempo livre visando a sua existência como pessoa e propiciando o convívio em sociedade.
Esse pensar hoje em dia visto até mesmo como lógico para a sociedade moderna não era concebível nos primórdios da industrialização, isso porque no início da Revolução Industrial que ocorreu primeiramente na Grã-Bretanha, de 1780 a 1840, pois se terminou a construção de ferrovias e indústrias, não se cogitava em limites para a jornada de trabalho.
Nesse passo, naquela época temos que existiam trabalhadores sendo eles mulheres e crianças que laboravam durante 18 horas diárias, sendo que jornada de trabalho se iniciavam as 2,3,4, da manhã e se estendiam até 10,11 e 12 da noite.
O professor José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2013, p.29) citando Marx assevera que:
Por isso, os doutrinadores sempre citam Karl Marx (1818-1883), cuja obra clássica o Capital narra inúmeros trechos dos relatórios oficiais de saúde pública inglesa, tratando sobre os efeitos negativos do martírio de jornadas de trabalho de até 18 horas, inclusive para mulheres e crianças, do trabalho noturno, em regime de turnos ininterruptos de revezamento, aos domingos, sem férias e sem nenhuma garantia trabalhista [....]
Nos ideários surgidos com a Revolução Industrial corroborado pelo protestantismo, verificamos que os trabalhadores possuíam na realidade jornada de trabalho maior do que aqueles que trabalhavam nos impérios Romanos e na Grécia, no regime chamado de “sol a sol”, pois neste período existia um grande número de faltas justificadas para a realização de cultos religiosos que fora abandonada com o protestantismo, sendo que no século IX o trabalho era exercido de domingo a domingo.
Nesse novo contexto social fora necessária a união dos trabalhadores visando principalmente melhores condições de trabalho, como também a limitação de extensas jornadas de trabalho verificadas na época, dando origem aos primeiros sindicatos de classes, nesta feita, podemos asseverar que a redução do trabalho fora o estopim propulsor da criação dos sindicatos, que hodiernamente possuem uma função deturpada em alguns casos agindo contra os interesses dos trabalhadores que representam.
A primeira Lei surgida aprovada pelo parlamento britânico visando a regulamentação da jornada de trabalho ocorreu apenas em 1802, denominada Lei da Saúde e da Moral dos Aprendizes, que estabelecia limite de jornada de 12 horas de trabalho por dia.
Em 1833, fora editada também pelo parlamento britânico o Factory Act, sendo esta considerada por alguns doutrinadores como sendo a primeira lei eficaz para a proteção do trabalhador.
Após inúmeras greves ocorridas em 1833, também na Grã-Bretanha, em 7 de junho de 1844 foi editada outra lei regulando a jornada de trabalho das mulheres maiores de 18 anos que fora limitada em 12 hora diárias. Nos anos de 1846 a 1847 fora a jornada de trabalho limitada em 10 horas diárias nas indústrias têxteis após anos de reivindicações sociais.
Após a primeira guerra mundial foi aprovada em Leeds (Grã-Bretanha) uma resolução efetuada por representantes sindicais que resultou na essência da Parte XIII do Tratado de Versalles, peça qual se criou a OIT Organização Internacional do Trabalho.
Nesse passo, referido tratado trouxe em seu bojo direitos mínimos aos trabalhadores como direito a aposentadoria, sendo que seu princípio diretor, no que diz respeito ao direito internacional do trabalho é o de que o trabalhador não pode ser tratado como um objeto, como uma mercadoria ou um artigo de comércio.
Nesse sentido a Convenção nº 1 da OIT estabeleceu limites para a jornada de trabalho, isso já em 1919, pois como verificado a história mostra que aos direitos dos trabalhadores foram conquistados mundialmente sob pena de luta social, no entanto, o Brasil até hoje não ratificou referida convenção fato que se apresenta deplorável.
Em solo pátrio temos que as Leis de proteção ao trabalhador somente começaram a se intensificar no Governo de Getúlio Vargas a partir de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, implantação do sindicalismo, estabelecendo a unicidade sindical, a limitação da jornada de trabalho em oito horas diárias fora criada pelo Decreto n. 21.186. de 22 de março de 1932, sendo esta limitação estendida aos trabalhadores da indústria por meio do decreto 21.364/1932.
A Consolidação das Leis do Trabalho, desde sua vigência em 10 de novembro de 1943 no artigo (art.911) tem disciplinado um limite de oito horas de trabalho diárias para a duração normal do trabalho (art.58).
A Constituição Federal de 1988 acaba por estender referida limitação para todos os trabalhadores sejam eles urbanos ou rurais (art.7º, inciso XIII).
Nesse sentir, uma legislação que tenha a intenção de excluir tempo de trabalho em que o trabalhador se encontre efetivamente exercendo seu mister, não o considerando como jornada de trabalho não pode ser aceita como legitima. Isso, pois terá aumentada a jornada de trabalho refutando os ideários básicos e históricos que permearam o surgimento até mesmo do Direito do Trabalho como ciência jurídica, qual seja, o controle da jornada de trabalho.
3. A ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA: NORMA REGRA X NORMA PRINCÍPIO
A partir do Código de Napoleão, na França, iniciou-se uma ideia de tentar prever nos diplomas legais todos os atos e fatos jurídicos que, porventura, pudessem ocorrer e suas respectivas consequências, não sendo possível a existência de lacunas.
Havia um grande esforço para transformar o Direito em uma Ciência com as mesmas características das ciências naturais e exatas. Tal movimento foi denominado positivismo jurídico e tinha como principal característica o afastamento entre Direito e juízos de valor, principalmente o valor de justiça, uma vez que a norma era justa pelo simples fato de ser válida formalmente.
O rigoroso legalismo deflagrado nesta época acabou por legitimar e justificar, por exemplo, a ascensão do Nazismo e todas as atrocidades do Holocausto, fazendo com que, após a Segunda Grande Guerra, ocorresse uma considerável relativização desse positivismo jurídico, dando por assim dizer a abertura necessária para o desenvolvimento de princípios como o da dignidade humana e consequentemente a proteção aos direitos fundamentais do ser humano não só na Europa mais também em todas as nações Ocidentais.
Nesse sentido, a lição do professor Marcelo Novelino (2008, Pag.205):
O reconhecimento da dignidade da pessoa humana pelas constituições dos países ocidentais teve um vertiginoso aumento após a segunda guerra mundial, como forma de reação as práticas ocorridas durante o nazismo e o fascismo e contra o aviltamento desta dignidade praticados pelas ditaduras ao redor do mundo[...]
Após este período, os princípios, que antes eram meramente fontes secundárias de direito, assumiram o status de norma jurídica e passaram a figurar no corpo dos mais modernos textos Constitucionais.
Essa breve justificação tem por objetivo demonstrar a mudança de concepção com relação à estrutura da norma jurídica, uma vez que passou a englobar no âmbito de seu conceito, também, o caráter axiológico dos princípios.
Tem-se, portanto, que a norma jurídica é um gênero, da qual as regras e os princípios são espécies.
O Professor José Joaquim Gomes Canotilho traz alguns critérios doutrinários para se fazer essa distinção, entre eles o do grau de abstração, através do qual os princípios são tidos como normas com um elevado nível de abstração, enquanto no conteúdo das regras esse mesmo nível se mostra relativamente baixo.
O grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, por sua vez, leva em consideração a atuação do intérprete. Os princípios, por serem normas com conteúdo indeterminados e vagos, exigem mediações concretizadoras por parte do aplicador do direito, enquanto as regras podem ser aplicadas de uma forma mais direta, através da subsunção. Se o fato ocorreu conforme dita o conteúdo da regra, ela estará apta a produzir os seus efeitos jurídicos.
O caráter de fundamentalidade da norma no sistema das fontes de direito, sob os ditames do professor J.J. Gomes Canotillho (2002, p. 1.034), também pode ser tomado como um critério de distinção, uma vez que
[...]os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito).
Não obstante a estes critérios e a outros aqui não citados, Robert Alexy destaca como ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios, o fato desses últimos serem mandatos de otimização, determinando que algo seja realizado na maior medida possível.
Portanto, uma nítida característica seria o fato de poder ser aplicado em diferentes graus de concretização, dependendo das condições fáticas e jurídicas.
As regras, ao contrário, são normas que preceituam uma imperativamente uma permissão, uma proibição ou uma imposição, que é ou não cumprida. Segundo Ronald Dworkin, as regras são aplicadas no sistema do tudo-ou-nada (all-or-nothing), ou seja, é aplicada ao caso fático, ou não. Se a regra tem validade, então há de ser cumprida na exata medida de sua determinação, nem mais nem menos.
Nessa ordem de ideias é inconcebível ao interprete uma análise de qualquer texto legislativo sem que seja feita a luz da Constituição da República. Isso, porque tendo em vista que o pós-positivismo tentou criar uma aproximação entre a ética e o direito, pela via dos princípios jurídicos, ou seja, se busca um maior sentido de justiça a norma jurídica, nada obstante que esta finalidade seja difícil de ser alcançada, principalmente nos dias atuais.
4. DIREITOS FUNDAMENTAIS - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nada obstante as diversas correntes que classificam os direitos inerentes ao ser humano em direitos humanos ou direitos fundamentais, tomando-se por base uma visão jusnaturalista, ou uma visão positivista, nesse trabalho acadêmico iremos adotar a classificação de direito fundamental, pois ser uma expressão linguística mais precisa, no sentido de que são direitos inerentes ao ser humano.
Os direitos humanos ou fundamentais são aqueles inerentes ao ser humano, em razão de pertencerem a espécie humana, nesse trilho ao nascer com vida já se tem como concebido referido direito, sendo que tem caráter prévio até mesmo a positivação do direito que apenas tem a função de positiva-los e nunca criar direitos, pois estes já estão embutidos na condição de pessoa humana.
Os princípios constitucionais, pois a positivação dos direitos humanos na Carta da República, passaram a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema legislativo, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas.
Daí a constatação inafastável de que a aplicação do Direito não é apenas um ato de conhecimento, mas também um ato de vontade, a escolha de uma possibilidade dentre as diversas que se apresentam, através de princípios.
Isso, porque não é suficiente apenas a positivação dos direto fundamentais na Constituição da República Federativa do Brasil, é necessário que referidos direitos sejam potencialmente usufruídos, por todas as pessoas, tornando-se efetivos, no sentido de se proteger a essência humana, a dignidade que aflora do ser a partir de seu nascimento com vida.
Nessa medida, necessário o combate ao positivismo descompromissado com o reconhecimento de referidos valores inerentes ao ser humano, não se desconhecendo que o Brasil adota o sistema de positivação de Leis, como ferramenta de controle social.
A crítica feita, impera no sentido de que os princípios protecionistas encartados na Constituição da República, como em tratados internacionais devem ser respeitados pelo legislador para que não se tenha um certo grau de humanismo abstrato, que não tem o condão de efetivamente proteger o ser humano como indivíduo.
Os direitos fundamentais, por advirem da luta de históricas pelo reconhecimento de direito da dignidade da pessoa humana, se caracterizam por serem os direitos humanos reconhecidos pelas autoridades políticas incumbidas de editar normas, ou seja, são os direitos humanos positivados nas constituições, nas leis, nos tratados internacionais dando, por esta feita, maior segurança às relações sociais.
Nesse passo, direitos fundamentais podem ser conceituados como uma categoria jurídica criada com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões.
Assim, os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Como direitos subjetivos, outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses contra órgãos do Estado e, também, em relação aos particulares, com a chamada aplicação horizontal dos direitos fundamentais.
Enquanto elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito. Em suma, o núcleo de identidade da constituição são os direitos fundamentais. Ressalte-se a importância garantida a estes direitos quando da elaboração da Constituição Federal de 1988, pois esta trouxe o reconhecimento de tais direitos logo no início do texto constitucional.
Os direitos fundamentais são encontrados no Título I “Dos Princípios Fundamentais”, Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais neste o legislador constituinte reservou os Capítulos I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, Capitulo II, “Dos Direitos Sociais”, Capítulo III “Da Nacionalidade”, Capítulo IV “Dos Direitos Políticos”, Capítulo V “Dos partidos Políticos”.
Compreende-se na linha do apresentado que a partir da promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, a pessoa humana passou a ter maior importância, podemos concluir que para a República Federativa do Brasil o ser humano não é um meio e sim um fim, ou seja, não é o ser humano que, possui sempre o mínimo de dignidade, que deve servir o Estado, mas este sim existe para proporcionar ao ser humano condições dignas.
4.1. Conceito de Direitos Fundamentais
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como sendo o conjunto de direitos da pessoa humana reconhecidos de forma expressa ou implícita por uma determinada ordem constitucional.
Entretanto, atribuir um conceito sólido aos direitos fundamentais não é tarefa das mais fáceis. Isto explica o fato de não haver um consenso firmado entre os estudiosos do direito sobre a conceituação destes direitos.
Para Konrad Hesse (1998, p.225) “direito fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica de direitos fundamentais”.
Imperioso se faz transcrever o conceito adotado por Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p.110), o qual adotamos, que aduz: “direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Em outro giro, os denominados Direitos Humanos são aqueles Direitos que protegem a pessoa humana, mas não estão positivados na Constituição da República encontram-se previstos em tratados internacionais, os quais a República Federativa do Brasil é signatária.
4.2. Dimensões dos Direitos Fundamentais
Amparado no tema em estudo se faz necessário, tendo em vista que trataremos dos direitos fundamentais dos trabalhadores a definição do conceito de gerações ou dimensões dos direitos fundamentais.
A doutrina nacional em sintonia com a doutrina alienígena formadora dos conceitos e princípios dos direitos fundamentais apresenta uma classificação em que divide referidos direitos como sendo de primeira, segunda, terceira, quarta dimensão, ou para alguns doutrinadores geração.
Os direitos de primeira dimensão são os direitos individuais (também conhecidos como civis ou liberdades públicas) e os políticos.
Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e culturais, aqui se incluindo os direitos trabalhistas.
O direito de terceira dimensão é a solidariedade internacional ou fraternidade (paz no mundo, desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, etc.).
Alguns doutrinadores como Norberto Bobbio sustentam a existência de uma quarta dimensão de direitos, que seria a proteção do indivíduo frente à existência da tecnologia e seu avanço, além da comunicação em massa.
Na Europa fala-se em uma quarta dimensão de direitos para significar a proteção ao patrimônio genético.
Em que pese o esforço da doutrina em classificá-los, o mais importante é conseguir mantê-los, proteger os direitos duramente adquiridos ao longo da histórica e continuar avançando, a fim de garantir a dignidade plena para todos.
Esse é o esforço que deve ter o intérprete, na solução dos conflitos entre direitos individuais, o de garantir a continuidade desses direitos e a justiça de sua decisão, na perspectiva constitucional.
5. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:
O princípio da dignidade da pessoa humana, ápice da construção jusfilosófica na evolução cultural da humanidade encontra-se nos dias atuais bem aceito pela doutrina.
Nos termos da doutrina trazida pelo jusnaturalismo aportou-se a noção religiosa na noção de dignidade da pessoa humana, não mudando, no entanto, a essência do instituto, que se trata hoje de um princípio que envolve uma carga de valores não existente no direito positivado.
Nesse passo, fala-se em pós-positivismo ou neoconstitucionalismo, quando se cogita da redescoberta de valores e principalmente na redescoberta de interpretações jurídicas, que passou a ser feita segundo uma análise primária dos princípios nos quais se baseia o sistema jurídico, principalmente na área do direito constitucional.
Em síntese podemos conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana como sendo o centro no qual gravitam todos os direitos fundamentais do ser humano, no sentido de que a pessoa humana é dotada de direitos essenciais que se não forem respeitados não se respeitará o indivíduo como pessoa.
Nesse passo, existem direitos mínimos que sempre devem ser respeitados pelo estado como nação principalmente pelo legislador quando da confecção de normas denominados de mínimo existencial, sendo estes direitos basilares como a formação profissional, a moradia, à educação escolar, a assistência médica. Entende-se, nesse passo, que o ser humano tem o direito ao trabalho mediante ocupações úteis e lícitas primando-se pela formalidade do trabalho visando a garantia de direitos trabalhistas.
A Constituição da República de 1988 traz um sistema de direitos fundamentais, pois esses direitos são a concretização do princípio fundamental da pessoa humana consagrado de cara no artigo 1º, inciso III da CRFB.
Nessa medida, torna-se necessário a identificação do núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, pois este entendendo-se um direito ou uma regra no sistema jurídico, ou seja, o seu valor máximo, nesse ângulo a importância da tríade normativa: regras princípios e valores. Sendo que neste trabalho tendo em vista a complexidade da matéria se irá limitar a demonstração de que a exclusão do tempo de espera da jornada de trabalho do motorista profissional fere o referido princípio demonstrando-se totalmente inconstitucional.
Isso, porque o princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se de índole extremamente abstrata não se referindo a aspectos específicos da existência humana, como a vida, integridade física, intimidade, propriedade, mas trata-se de uma qualidade inerente a todo ser humano, de modo a tornar-se extremamente difícil definir seu ângulo de proteção enquanto regra normativa.
Nessa medida, uma legislação infraconstitucional que não respeita a vida, a integridade física e moral do ser humano, que não assegura condições de uma existência digna e mínima, que não respeita pessoa como cidadã detentora de direitos, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana.
Ao se verificar que o texto legislativo retira o tempo de espera da jornada de trabalho do motorista profissional sendo este empregado ou autônomo não se verifica de outra ordem, que não a afronta a existência digna do ser humano, pois principalmente com o aumento da jornada de trabalho, acaba a legislação por alijar o trabalhador do convívio social e o seu desenvolvimento pessoal.
Nessa linha de raciocínio não se pode concordar com textos legislativos reducionistas de direitos, principalmente na área dos direitos sociais, pois aqui se encontram os direitos humanos fundamentais, pois deve-se dar eficácia aos direitos sociais mínimos, desprestigiando-se a relativização de direitos trabalhistas, mister que se demonstra muito difícil, haja vista que no Brasil não houve a verdadeira implantação de um Estado Social de Direito.
5.1. O princípio da dignidade da pessoa humana como direito fundamental dos trabalhadores
Como acima exposto alguns direitos dos trabalhadores inclusive alguns chamados de direitos constitucionais laborais inespecíficos, devem ser garantidos em todas as circunstâncias, pois são direitos fundamentais, assim como o direto a vida e a liberdade.
O primeiro e mais importante dos direitos dos trabalhadores sem dúvidas é o direito ao próprio trabalho, tanto que recebe proteção constitucional, no contexto de se verificar uma fundamentabilidade dos direitos sociais, o direito ao pleno emprego, pois este aparece como fonte de inúmeros outros direitos, inclusive na parte que diz respeito a seguridade social.
Isso, porque o trabalhador mesmo estando subordinado às normas da empresa quando adentra o campo do ambiente de trabalho para prestar seu mister não perde a condição de pessoa humana, mantendo seus direitos inerentes a essa personalidade como por exemplo: o direito à vida a integridade física e psíquica, direito a saúde no ambiente de trabalho.
Do mesmo modo mantém os direitos da personalidade, honra vida privada, intimidade, imagem, e as liberdades que dela emanam, bem como ao desenvolvimento da personalidade ao que se mostra imprescindível uma limitação da jornada, igualmente, há um direito fundamental à conciliação de uma vida pessoal, familiar e laboral.
Nessa medida, temos que os trabalhadores possuem um direito fundamental à limitação da jornada de trabalho, tanto no que diz respeito a limitação da jornada de trabalho para que possa coexistir em sociedade, não podendo a legislação infraconstitucional aumentar a jornada de trabalho.
6. DA FUNÇÃO JURÍDICA DOS PRINCÍPIOS NA ATUALIDADE
Na atualidade, tendo em vista a carga normativa atribuída aos princípios constitucionais, não se pode mais vislumbrar do exegeta que ao interpretar uma norma jurídica se distancie da análise constitucional dos princípios.
Hodiernamente os princípios são considerados não meros conselhos ao legislador, mas sim, possuem carga normativa, nesse passo, uma legislação infraconstitucional não pode ir contra os princípios que se encontram positivados na Constituição da República.
Verifica-se nessa linha de raciocínio perfeitamente possível a alegação de inconstitucionalidade tendo em vista a afronta de legislação produzida no sentido de ferir os princípios constitucionais.
Temos que a função dos princípios na atualidade é de verdadeiro norte ao legislador e ao interprete quando da feitura da legislação e de sua aplicação ao caso concreto, quando é efetivamente o texto interpretado pelo exegeta.
Referido norte deve ser aplicado ao legislador quando da feitura de normas jurídicas, pois os princípios não podem ser considerados apenas conselhos, mas norma que por ele deve ser respeitada quando da feitura de legislação.
Temos que hoje se deve compreender a legislação a partir da constituição e jamais o contrário, pois cria-se uma famigerada insegurança jurídica, quando não se utiliza de uma interpretação conforme a constituição.
Como demonstrado os princípios possuem força normativa, força normativa da constituição, nesse passo, preceitos legislativos que vão de encontro com os princípios constitucionais não podem prevalecer no ordenamento jurídico.
O balizamento no tocante aos princípios vistos pelo pós-positivismo como uma aproximação entre a ética e o direito, faz com que se tenha uma maior segurança jurídica e um senso de justiça maior no âmbito social.
Isso, porque o empregador poderá ver limitados os parâmetros que deve seguir fazendo com que os custos de verbas trabalhistas sejam computados no preço final de seus produtos.
Já a classe obreira terá bem definida os direitos sociais mínimos, como por exemplo uma correta e bem definida jornada de trabalho, podendo administrar melhor seu tempo visando o crescimento intelectual convívio com a família ao ócio.
6.1. Princípio como fundamento da norma regra
Do ponto de vista legislativo temos que a denominada por Guilherme Guimarães Feliciano (2013, p. 221) de “função normogenética” é mais importante quando assim preceitua:
Reconhecer que os projetos de lei devem atender não apenas às formas e processos constitucionalmente previstos, mas sobretudo a substancia constitucional, não se divorciando dos princípios maiores da Constituição (o que é mais do que meramente evitar contradições literais de texto)[...]
Seguindo a linha de entendimento acima apresentada verificamos que os operadores do direito, como também os representantes das casas legislativas incumbidos de efetuar a criação das leis não podem se dissociar dos princípios constitucionais quando efetuam a legislação infraconstitucional.
Hodiernamente não se pode dissociar o direito do trabalho, numa visão pós-positivista dos princípios constitucionais, sabe-se que os princípios como normas jurídicas que são se encontram espalhados por todo o ordenamento jurídico, entretanto, suas balizas foram delineadas na constituição da república.
Os poderes que foram conferidos pela própria Constituição da República ao congresso nacional, encontram limitações tanto de conteúdo, como de forma, isso claro visando se evitar que o legislador infraconstitucional se esquive de seguir a linha mestra traçada pela carta da república, no sentido de demonstrar os valores fundamentais que regem nossa nação.
Nesse passo, quando da instauração de um projeto de Lei o poder incumbido para tanto deve sempre observar o ordenamento como um todo em especial a Constituição da República, pois não se pode conceber inovação legislativa que venha de encontro aos princípios constitucionais, pois certamente estariam fadados ao crivo de inconstitucionalidade.
Necessário trazer à baila o argumento de autoridade proferido pelo professor Feliciano (2013, p. 221):
Nessa ordem de ideias, e apenas a título ilustrativo, se a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho foram erigidos como fundamentos da República Federativa do Brasil (art.1º, III e IV da CRFB), acima e ao lado da livre iniciativa; (....); e, por fim, se o próprio constituinte definiu um padrão de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais de trabalho como o máximo ordinariamente admissível nas relações urbanas e rurais de emprego (art.7º, XIII), uma visão legislativa pós-positivista faria rechaçar, de plano, os recorrentes projetos de lei tendentes a relativizar para acima tais limites, ou a relegá-los a decisão soberana das partes.
Sob o ângulo do pós-positivismo verificamos a inconstitucionalidade do denominado tempo de espera, pois trata o tempo efetivo a disposição do empregador, (tempo efetivamente trabalhado) como período não trabalhado, fato que faz com que se aumente a jornada de trabalho, ferindo a dignidade da pessoa humana, pois como abaixo se passará a demonstrar terá o trabalhador menos tempo para o seu aprimoramento profissional, como também convívio com seus familiares, sendo que até mesmo o convívio social fica prejudicado, tendo em vista que terá uma carga maior de trabalho para ser realizada diariamente.
Nessa ordem de ideias também em capítulo próprio se demonstrara que a legislação fere direitos já consagrados no ordenamento jurídico, sendo que tal preceito é vedado tendo em vista o princípio da vedação do retrocesso social como iremos demonstrar.
6.2. Do ataque ao princípio da dignidade da pessoa humana pela legislação
O presente tópico não visa esgotar a matéria, pois muito ampla sendo que trata de um dos princípios mais importantes da Carta da República a intenção aqui é demonstrar que a legislação guerreada fere de morte referido princípio, sendo este um dos fundamentos para se verificar a inconstitucionalidade do dispositivo.
Após o introito acima delineado sendo feita a distinção entre princípios e regras se demonstrando que hoje a norma jurídica é gênero que se divide entre: norma regra e norma princípio, podemos conceituar melhor nossa fundamentação.
Temos que a Lei tem um sentido, no caso da presente legislação a intenção do legislador fora a de proteger o trabalho desgastante realizado nas estradas.
Isso, porque fato notório que os profissionais que se ativam no transporte rodoviário, tendo em vista a velocidade e a imediatidade imposta pelo mundo moderno necessitam ser cada vez mais ágeis, pois as cargas transportadas tem tempo, ou melhor horário pré-determinados para entrega e carregamento.
Insta ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana por ser uma baliza mestra, na qual, gravitam todo os demais direitos fundamentais, estes necessário a sua proteção fora colocado no começo da Carta da República.
Verificamos que a intenção do legislador constituinte quando da feitura da denominada constituição cidadã fora proteger o ser humano.
Verificou-se também com referida conduta do legislador que este visou demonstrar que o Estado deve servir ao cidadão e não este ao estado. Tendo em vista as alterações interpretativas da legislação que ocorreram no decorrer dos anos, que alteraram todo um ideário construído durante décadas a Constituição Federal de 1988, revoluciona os ordenamentos anteriores, pois coloca o ser humano colocado em um estado de proteção ímpar.
Nesse passo, verificamos que o ser humano como possui dignidade não pode ser tido como uma coisa, não coisificação do ser humano, em uma visão kantiana, o homem não deve ser coisificado, tratado como um objeto, pois como ser humano feito a imagem e semelhança de Deus, possui dignidade.
Neste sentido, Barcellos, (2002, p. 107) dispõe: “pode-se dizer que, para Kant, o homem é um fim em si mesmo – e não uma função do Estado, da sociedade ou da nação – dispondo de uma dignidade ontológica. O Direito e o Estado que deverão estar organizados em beneficio dos indivíduos.”
Na vertente do acima apresentado verificamos que o texto do artigo 235 – C, parágrafo 8º da CLT vai de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, isso, porque ao mensurar que o tempo de espera não será computado na jornada de trabalho, faz com que esta consequentemente se eleve.
Verificamos que dentre outras prejudicialidades de índole financeira, principalmente o texto infraconstitucional, coloca em risco a saúde do trabalhador, na verdade o sentido da lei deveria ser o de limitar o tempo de trabalho protegendo a saúde do trabalhador, não de extirpar da jornada de trabalho tempo efetivamente laborado.
Da forma como o texto legislativo se apresenta verifica-se uma afronta a vida do trabalhador, sua integridade física e moral, de condições mínimas para uma existência digna, pois se coaduna com um alargamento da jornada de trabalho, fazendo com que o trabalhador deixe de existir como pessoa humana, passando apenas a efetivamente trabalhar.
O ser humano tem direito como pessoa, a dedicar-se a sua família, seus afazeres domésticos ao ócio. Na forma como o texto infralegal se apresenta na realidade o ser humano trabalhador deixa de existir como pessoa, sendo privado dos direitos constitucionalmente assegurados, como limitação da jornada de trabalho.
Referido texto legislativo fere o princípio da dignidade da pessoa humana no sentido de que não respeita o ser humano, sendo lhe impingido um alargamento de sua jornada de trabalho, pois como o período em que o trabalhador aguarda o descarregamento de produtos não é considerado tempo a disposição do empregador, seria como se aquele não estivesse laborando, referido fato faz com que sua jornada de trabalho seja estendida de sobremaneira.
Cabe ressaltar que o aumento do número de horas trabalhadas tendo em vista o stress do trabalho, pois necessita de atenção constante na condução do veículo de carga, como também com os demais usuários da via pública coloca em risco não apenas a saúde do obreiro mais de todos os transeuntes, pois o risco de acidentes nas estradas aumenta de forma vertiginosa.
6.3. Da violação da norma ao princípio do não retrocesso social ou da proibição da revolução reacionária
O presente tópico tem o sentido de se demonstrar que a norma guerreada, artigo 235 – C, parágrafo 8º da CLT, mesmo que de certa forma indiretamente, acaba por conferir um acréscimo à jornada de trabalho dos profissionais que se ativam no transporte de cargas e de passageiros.
Insta se mais uma vez ressaltar que a luta da classe operária por uma jornada de trabalho compatível com sua dignidade e que garanta convívio com o meio ambiente social, no Brasil e no mundo vem de longa data, remontando-se na Europa a partir da industrialização e no país após a abolição da escravidão com a vinda dos imigrantes que se ativavam nas fábricas nacionais.
Nesse passo, sob esse ângulo temos que o artigo 7º inciso X da CRFB, estabeleceu que a jornada de trabalho fosse limitada a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
Assim, verificamos uma norma infraconstitucional que, de maneira até mesmo reflexa queira exasperar referido limite de trabalho deve ser tida por inconstitucional, pois afronta o princípio do retrocesso social como se demonstrará neste tópico.
Temos que o referido princípio não se apresenta revestido de clara delimitação conceitual. Sua origem remonta a década de 1970, quando a Alemanha atravessou período de dificuldade econômica que fora agravada pelo agigantamento do Estado Social, fato que gerou forte discussão sobre a legitimidade de se restringir ou de se suprimir benefícios sociais assegurados aos cidadãos. O debate em torno do princípio da proibição do retrocesso social (ou da irreversibilidade dos direitos fundamentais) foi neste país intensificado, sobretudo porque, diferentemente de outros sistemas constitucionais, a Lei Fundamental de Bonn não previu expressamente nenhum direito fundamental social.
O professor Ingo w. Sarlet (SARLET, 2009, P.11) define o princípio da vedação do retrocesso da seguinte forma: “toda e qualquer forma de proteção de direitos fundamentais em face de medidas do poder público, com destaque para o legislador e o administrador, que tenham por escopo a supressão ou mesmo restrição de direitos fundamentais (sejam eles sociais, ou não)”
Nessa linha de raciocínio podemos considerar o princípio da vedação do retrocesso como sendo um direito constitucional de resistência que se opõe ao poder legislativo quanto à reversibilidade de leis concessivas de benefícios sociais.
O princípio da vedação do retrocesso social, admitida a sua previsão no plano interno, haja vista que a aceitação deste princípio se apresenta de maneira conturbada em relação a doutrina e aos pensadores do direito, caracteriza-se por parâmetro eficaz de contenção das investidas do poder legislativo contra a supressão ou restrição do conteúdo dos direitos e garantias fundamentais, em especial os sociais.
Não se desconhece que na doutrina pátria se mostra controvertido o reconhecimento da inclusão do princípio da vedação do retrocesso social no texto constitucional brasileiro, já que é difundida a ideia de que não há norma expressa que o ampare, no entanto, na linha de entendimento que nos perfilhamos a CRFB o traz ínsito, a misturar-se ao próprio Estado Democrático de Direito, caso da República Federativa do Brasil.
Ocorre que em estudos recentes o professor J.J. Gomes Canotilho (2004, p. 111) reviu seu posicionamento, inclinando-se no sentido de que o princípio pode ser relativizado, ressaltando que o princípio seria rígido e inflexível.
Nesse passo, transcrevo o entendimento esboçado pelo ilustre doutrinador:
[..]O rígido princípio da ‘não reversibilidade’ ou, formulação marcadamente ideológica, o ‘princípio da proibição da evolução reaccionária’ pressupunha um progresso, uma direcção e uma meta emancipatória e unilateralmente definidas: aumento contínuo de prestações sociais. Deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizámos noutros trabalhos. ‘A dramática aceitação de ‘menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário e para todos’, o desafio da bancarrota da previdência social, o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social.
Já no pensar de alguns doutrinadores referido princípio não teria arrimo positivo na ordem constitucional, nem apoio em critérios de razoabilidade, pois pressupõe uma concepção da história, uma interpretação da história. Ocorre que o delicado tema deve ser verificado muito além do erro ou do acerto, pois a norma constitucional deve ser interpretada de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas.
Nesse passo, o princípio da vedação do retrocesso social não deveria constituir, em termos absolutos, um óbice intransponível as leis que possam vir a suprimir direitos fundamentais. No entanto, para que tais atos normativos tenham sua validade constitucional certificada, será necessário que resistam ao teste tríplice da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
Insta ressaltar que mesmo se não se considerasse a existência do princípio da vedação do retrocesso, não implica conceder carta branca ao legislador para suprimir ou para restringir livremente qualquer direito social já assegurado em favor dos cidadãos. Não. Há parâmetros constitucionais que continuam a viger, dentre eles a noção de “desrazoabilidades legislativas”, as quais hão de ser submetidas ao juízo de proporcionalidade.
No entanto, em que pese os argumentos contrários e a conturbação exarada pelo indigitado princípio temos que procurar compreende-lo como modalidade do princípio da proporcionalidade, que veda ao Estado exercer uma “proteção insuficiente” dos direitos fundamentais, nos termos dos ditames estabelecidos pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes.
O princípio em testilha se conecta, assim, ao conjunto de direitos sociais conquistados e alicerçados em normas constitucionais, que não podem sofrer a ação deletéria do poder legislativo, mediante alterações desvantajosas da sua eficácia, salvo se criados outros mecanismos compensatórios de equivalente valor em substituição dos direitos e garantias alterados.
No campo específico do direito do trabalho merece destaque a visão de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazari (2009, P. 100), que defendem a localização do princípio no caput do artigo 7º, da Constituição, quando assim lecionam:
Princípio da vedação do retrocesso social – princípio bem tratado por Marcelo Leonardo Tavares”consistente na impossibilidade de redução das implementações de direitos fundamentais já realizadas”. Impõe-se, com ele, que o rol de direitos sociais não seja reduzido em seu alcance (pessoas abrangidas, eventos que geram amparo) e quantidade (valores concedidos), de modo a preservar o mínimo existencial. Tal princípio, como salienta Vilan Bollmann, ainda que não expresso de forma taxativa, encontra clara previsão constitucional quando da leitura do ss2º do art. 5 da Constituição e mais ainda, a nosso ver, no art. 7º caput o qual enuncia os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social. Diante de tal princípio, padecem de inconstitucionalidade, em tese, normas infraconstitucionais como as que limitam o pagamento de salário família e auxílio-reclusão aos segurados de baixa renda.
Nessa linha de entendimento, podemos afirmar que o princípio da vedação do retrocesso social tem o sentido de evitar que sejam suprimidos, reduzidos ou tenham sua essência alterada, por mudanças de legislação infraconstitucional, os direitos sociais já disponibilizados a sociedade brasileira em sede constitucional.
Em sede de direito do trabalho, o constituinte originário expressou referidos direitos no caput do art. 7º, quando salientou haver necessidade de atuação para a proteção do trabalhador e de referidos direitos.
Nessa medida, verificamos que o artigo 235 – C, parágrafo 8º da CLT, padece de inconstitucionalidade também na vertente acima apresentada, pois vai de encontro ao princípio acima aduzido quando salienta que o tempo denominado de espera não se considera tempo a disposição do empregador, fato que faz com que a jornada de trabalho seja estendida, pois seria considerado apenas como tempo de trabalho o efetivamente utilizado para a condução do veículo de transporte.
A legislação fere os direitos já consagrados na carta da república e adquiridos após tensos conflitos de classes de possuir uma jornada de trabalho compatível com os parâmetros constitucionais.
Insta ressaltar também que as alterações que foram trazidas pela Lei 13.150 trazem um grande retrocesso, na jornada, no tempo de descanso e na remuneração se comparadas aos direitos adquiridos com a Lei 12.619/2012.
Nada obstante temos que a legislação deve ser interpretada de forma a proteger o trabalhador e não a suprimir direitos que já possuíam, desse modo incompatível com referido princípio e passível de inconstitucionalidade por afronta ao referido ao princípio em comento, porque introduziu medida retrocessiva aos direitos sociais.
7. DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.103/2015
Como já explanado em linhas acima a profissão de motorista profissional carecia de regulamentação no tocante a jornada de trabalho, sendo que neste passo, visando cumprir este mister fora promulgada primeiramente a Lei 12.619/2012.
Referida Lei trouxe balizas fincadas em novos conceitos jurídicos como também visando a proteção da saúde dos motoristas profissionais como também dos demais usuários das vias públicas.
No entanto, com a vigência da Lei 13.103/2015, vários dos artigos daquela legislação foram revogados, sendo que na realidade a intenção desta legislação seria a de dirimir controvérsias existentes na Lei anterior, na verdade a nova Lei acabou por precarizar e reduzir os direitos anteriormente conquistados, sendo que tornou-se um desafio promover a sua interpretação em conformidade com os preceitos constitucionais para se evitar o retrocesso social como demonstrado em tópico próprio deste trabalho.
Tendo em vista os preceitos legislativos podemos conceituar o tempo de espera nas hipóteses em que o motorista profissional abrangido pela novel legislação se encontra aguardando o carregamento do veículo de transporte, descarga ou fiscalização da mercadoria transportada.
O famigerado tempo de espera, fora inicialmente previsto pela Lei 12.619/2012 sendo que nesta legislação as matérias se apresentavam com maior simplicidade, nesse passo, transcrevo o dispositivo daquela legislação:
Lei n. 12.619/2012 – CLT Art. 235-C [...] § 8º São consideradas tempo de espera as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias. § 9º As horas relativas ao período do tempo de espera serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30% (trinta por cento).
Tendo em vista a greve geral dos profissionais de transporte, sobretudo dos profissionais autônomos, fato que se deu em fevereiro de 2015, fora aprovada a nova Lei dos Motoristas – Lei 13.103/2015, que sucedeu a Lei 12.619/2012.
Temos que o novo diploma normativo fora resultado das pressões exercidas sobretudo ao poder executivo tendo em vista referida greve, como pode ser verificado pela análise dos dispositivos legais em uma interpretação literal ela será aplicada aos motoristas profissionais devidamente habilitados junto a autoridade de trânsito, que transportam cargas e passageiros pelas vias públicas urbanas e rurais, como também em rodovias estaduais e interestaduais.
Verificamos que a nova legislação trouxe profundas alterações e retrocessos na legislação do motorista profissional, em especial ao combatido tempo de espera.
Visando demonstração das alegações supra necessário a transcrição do novel dispositivo:
Lei n. 13.103/2015 – CLT Art. 235-C [...] § 8º São considerados tempo de espera as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computados como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias.
[...]§ 12. Durante o tempo de espera, o motorista poderá realizar movimentações necessárias do veículo, as quais não serão consideradas como parte da jornada de trabalho, ficando garantido, porém, o gozo do descanso de 8 (oito) horas ininterruptas aludido no § 3º.
Como pode ser verificado pela análise do parágrafo 8º do artigo 235 – C, a nova redação do artigo trouxe algumas alterações em relação à antiga redação.
Podemos citar como exemplo na Lei 12.619/2012 a definição de tempo de espera fazia menção direta ao motorista de transporte rodoviário de cargas, já a nova legislação faz referência ao motorista profissional empregado.
Nesse passo, podemos concluir que em uma barreira fiscal não só o veículo de cargas, mas também o de transporte de passageiros deverá ser fiscalizado.
Nessa ordem de ideias o motorista que se ativa em transporte de passageiros também será submetido ao tempo de espera, mas somente enquanto o veículo estiver passando por procedimento de fiscalização, não há que se cogitar para este a aplicação no que diz respeito à “carga e descarga”, pois aqui teremos apenas o “embarque e desembarque” dos passageiros.
Ocorre que o cerne do presente trabalho acadêmico e consequentemente o maior problema jurídico trazido pela nova legislação diz respeito ao parágrafo 8º, no final de referido dispositivo, quando a Lei enquadra qualquer período em que o motorista profissional se encontre nas condições citadas em referido parágrafo, como tempo de espera, independentemente de haver o condutor do veículo ultrapassado a jornada diárias de oito horas de trabalho ou não.
Nessa toada, mesmo se já exaurido o limite legal estabelecido para a jornada de trabalho, o empregado precisar efetuar o carregamento ou descarregamento de mercadorias, como também passar por fiscalização não receberia o adicional de horas extras, pois não seria computada o tempo como de efetivo trabalho.
Nessa linha de raciocínio enquanto o tempo em que referidos expedientes perdurarem serão considerados como tempo de espera e não como tempo a disposição do empregador ou como tempo efetivamente de trabalho.
Podemos nos valer do exemplo do motorista profissional que se ativa laborando nos portos, sendo que é sabido que é necessário, durante o dia e da noite, efetuar pequenas movimentações “puxar a fila”, sendo que ao analisarmos gramaticalmente a legislação referido tempo de trabalho em que o trabalhador se ativa a disposição de seu empregador não seria computado na jornada de trabalho.
Como pode ser observado a nova legislação criou uma verdadeira anomalia jurídica, isso porque o tempo de espera não é considerado como tempo de trabalho efetivo, não sendo computado na jornada de trabalho do motorista.
Nessa medida, ao fazermos uma interpretação sistemática verificamos que referida legislação entra-se em conflito com todo o sistema legal, primeiramente com a Constituição Federal e após com a Consolidação das Leis do Trabalho.
7.1. Definição de Tempo de Trabalho Efetivo
Tendo em vista as alterações legislativas acima propostas verificamos que o grande problema é o de se identificar o que entende por tempo de trabalho. Isso, porque temos que fazer uma distinção entre o tempo e trabalho e o período de descanso, pois este como é sabido também ocorre durante o turno de trabalho, tem-se que destacar o que seja tempo de trabalho efetivamente realizado.
Isso, pois, não basta a imposição de um limite máximo de jornada de trabalho, nos dias atuais é extremamente importante estipularem mecanismos de contagem de tempo que considerem como tempo de descanso somente aquele período em que o trabalhador dispõe efetivamente de tempo livre para o pleno desenvolvimento de sua personalidade, entendendo-se como tempo para a convivência de vida social.
Nesse passo, não basta apenas se limitar a jornada máxima de trabalho, pois esta limitação está condicionada ao modo de se computar a jornada, temos que para que haja uma limitação efetiva é necessário se estabelecer critérios adequados para computa-la.
Segundo os ditames estabelecidos pelo artigo 4º da CLT, temos que se entende como tempo efetivo de trabalho aquele período temporal em que o colaborador se encontra a disposição do empregador aguardando e cumprindo ordens.
Como se verifica foi feita uma opção pelo critério “sujeição ao poder de disposição do empregador”, para a configuração do que seja trabalho efetivo, não sendo necessário que o colaborador esteja no exercício de sua atividade como dentro da empresa cercado pelos “muros das fábricas” em uma concepção do sistema fordista já a muito ultrapassada.
Desse modo se o trabalhador se encontre dentro do caminhão aguardando ordens para carregamento ou descarregamento, há que se considerá-lo em trabalho efetivo.
Ocorre que a legislação que tinha o intuito de proteger o motorista profissional acaba por prejudica-lo no sentido de que considera como tempo de trabalho efetivo aquele em que o trabalhador se encontre a disposição do empregador só que no exercício de suas atividades, realizando as funções próprias da condução do veículo de transporte somente durante a circulação dos mesmos nas vias públicas.
Temos que aqui a legislação estabeleceu um verdadeiro contrassenso, pois considerou como tempo de espera aquele em que o empregado se encontra a disposição do empregador sem prestar trabalho efetivo, por razões de espera, expectativa de serviço, conferencia de documentação.
Temos de ser prejudicial, pois o limite de 44 horas semanais será aplicado apenas ao período de trabalho efetivo de modo que o tempo de espera não será computado para o cálculo da jornada e para o efeito de limitação de horas extras, sendo que como exaustivamente aqui demonstrado, esta por ocorrer uma frontal limitação ao direito fundamental a jornada de trabalho deste setor de atividade econômica, que ficarão à disposição do empregador em detrimento de sua liberdade de disposição do tempo livre.
Cabe ressaltar que o período de descanso do trabalhador se configura na atualidade como o mais importante limite a jornada laboral, para que se proteja principalmente a saúde do trabalhador, pois nem todo período de não trabalho pode ser considerado como de descanso, pois no caso do tempo de espera temos que o colaborador continua exercendo atividade laborativa e não descansando.
7.2. Definição de Tempo de Espera, tempo efetivamente trabalhado
Tendo em vista o sentido da Lei, verificamos que este é o de regular e disciplinar a jornada de trabalho e tempo de direção do motorista profissional, verifica-se dois aspectos: a jornada de trabalho com o escopo de se definir o tempo de trabalho, efetivo limitado pelo tempo de descanso e o tempo de direção estabelecendo um limite geral para condução dos veículos pelos motoristas sendo eles empregados ou não.
Verifica-se que a finalidade social da lei é oferecer proteção aos trabalhadores e por extensão a toda a população, visando a evitar o grande número de acidentes de trânsito, nesse sentido o limite do controle de jornada do motorista profissional passa ser um direito fundamental.
Ocorre que a grande novidade trazida pela nova legislação fora a exclusão do tempo de espera da jornada de trabalho efetivo, não apenas dos intervalos para refeição, repouso diário e descanso semanal.
A justificativa constante do projeto de Lei fora a de que países da comunidade Europeia, o Chile e os Estados Unidos, já contam com normas nesse sentido, pois levam em consideração a especialidade do serviço realizado pelo motorista profissional.
Nesse passo, termos que o tempo de espera poderia ser definido como aquele em que o empregado encontra-se a disposição do empregador executando ordens, pois estará aguardado o carregamento ou o descarregamento, como também o tempo gasto com a fiscalização de mercadorias transportadas em barreiras alfandegárias, sendo permitida até mesmo movimentações do veículo de transporte, sendo que referido tempo não será computado na jornada diária de trabalho.
Nos termos da nova legislação o tempo de espera será aplicado a todos os profissionais que se ativam na categoria econômica de transporte sendo ele de carga ou de passageiros, incidindo até mesmo para os profissionais autônomos, pois a nova Lei não faz mais a distinção entre empregado e os motoristas autônomos denominados de “agregados”.
Nessa medida, na ordem de ideia do apresentado temos que a legislação se encontra crivada pela inconstitucionalidade, pois fere o artigo 7º incisos XIII, pois referido dispositivo fixa um limite intransponível de 44 horas semanais ainda que em computo anual (banco de horas), tendo em vista o deletério a saúde do trabalhador com o transpasse deste limite.
Referido período será transpassado, pois como o tempo de espera ao não adentrar a jornada diária de trabalho fará com que o trabalhador tenha que efetivamente realizar um número maior de horas de trabalho para se atingir o limite constitucional estabelecido.
Da definição acima construída temos que existe uma verdadeira inconstitucionalidade, pois durante o tempo de espera o trabalhador encontra-se inteiramente a disposição do empregador principalmente quando do descarregamento de carga de fiscalização da mercadoria, sendo que se configura como tempo de efetivo trabalho realizado.
Na realidade quando de uma tentativa de importe da legislação alienígena pelo poder legislativo este se esqueceu de que o ordenamento jurídico brasileiro já possuía leis que regulavam a jornada de trabalho do empregado, sendo que como se verifica a legislação pátria privilegiou o tempo a disposição do empregador para a configuração da jornada de trabalho.
7.3. Análise do artigo 25 bis do Código do Trabalho do Chile
Visando demonstrar a incompatibilidade entre os estatutos jurídicos estabelecidos entre no direito chileno e no direito brasileiro temos que fazer uma análise de referidas legislações visando a demonstração de que são dispares.
No tocante a jornada de trabalho temos que o código do trabalho chileno, assim dispõe:
Art. 25. La jornada ordinaria de trabajo del personal de choferes y auxiliares de la locomoción colectiva interurbana, y de servicios interurbanos de transporte de pasajeros, será de ciento ochenta horas mensuales. En el caso de los choferes y auxiliares de la locomoción colectiva interurbana y de los servicios interurbanos de transporte de pasajeros, el tiempo de los descansos a bordo o en tierra y de las esperas que les corresponda cumplir entre turnos laborales sin realizar labor, no será imputable a la jornada y su retribución o compensación se ajustará al acuerdo de las partes.
Todos los trabajadores aludidos en el inciso precedente deberán tener un descanso mínimo ininterrumpido de ocho horas dentro de cada veinticuatro horas.
Cuando los choferes y auxiliares de la locomoción colectiva interurbana arriben a un terminal, después de cumplir en la ruta o en la vía, respectivamente, una jornada de ocho o más horas, deberán tener un descanso mínimo en tierra de ocho horas.
En ningún caso el chofer de la locomoción colectiva interurbana podrá manejar más de cinco horas continuas, después de las cuales deberá tener un descanso cuya duración mínima será de dos horas.
El bus deberá contar con una litera adecuada para el descanso, siempre que éste se realice total o parcialmente a bordo de aquél.
Já o artigo 25 bis da mesma legislação assim determina o que seja tempo de espera:
Art. 25 bis. La jornada ordinaria de trabajo de choferes de vehículos de carga terrestre interurbana, no excederá de ciento ochenta horas mensuales, la que no podrá distribuirse en menos de veintiún días. El tiempo de los descansos a bordo o en tierra y de las esperas a bordo o en el lugar de trabajo que les corresponda no será imputable a la jornada, y su retribución o compensación se ajustará al acuerdo de las partes. La base de cálculo para el pago de los tiempos de espera, no podrá ser inferior a la proporción respectiva de 1,5 ingresos mínimos mensuales. Con todo, los tiempos de espera no podrán exceder de un límite máximo de ochenta y ocho horas mensuales. El trabajador deberá tener un descanso mínimo ininterrumpido de ocho horas dentro de cada veinticuatro horas. En ningún caso el trabajador podrá manejar más de cinco horas continuas, después de las cuales deberá tener un descanso cuya duración mínima será de dos horas. En los casos de conducción continua inferior a cinco horas el conductor tendrá derecho, al término de ella, a un descanso cuya duración mínima será de veinticuatro minutos por hora conducida. En todo caso, esta obligación se cumplirá en el lugar habilitado más próximo en que el vehículo pueda ser detenido, sin obstaculizar la vía pública. El camión deberá contar con una litera adecuada para el descanso, siempre que éste se realice total o parcialmente a bordo de aquél.
Como acima verificado temos que a legislação que trouxe ao direito brasileiro o tempo de espera na verdade tem o mesmo sentido da lei chilena. Ocorre que ao verificarmos a legislação temos que a chilena, aduz que o tempo de espera não será computado à jornada de trabalho, no entanto, referido tempo será pago tendo em vista acordo firmado entre as partes.
Temos que a legislação pátria em outro giro se mostra prejudicial, pois ressalta que o tempo de espera não será computado a jornada de trabalho ocorre que não trata a lei de forma de pagamento de referidas horas.
O tempo de descanso e o tempo de espera não serão considerados como jornada de trabalho e a retribuição se ajustará em comum acordo, não podendo ser inferior em horas à proporção de 1,5 salários mínimo mensal16. Todavia, o tempo de espera não poderá exceder oitenta horas mensais, conforme artigo 25 bis.
Importante ressaltar a definição de tempo de espera previsto na legislação chilena, pela ordem de serviço nº 3917/151:
Aqueles tempos que implicam para o motorista, manter-se à disposição do empregador, seja no estabelecimento do empregador ou fora dele, sem realizar trabalho, porém requerem necessariamente sua presença com objetivo de iniciar, reiniciar ou terminar seus trabalhos (CÓDIGO DEL TRABAJO, 2002, p. 33 “tradução livre”).
O trabalhador deve ter um descanso ininterrupto de no mínimo oito horas dentro do período de cada 24 horas. Os domingos e feriados serão considerados dias de descanso, salvo as atividades autorizadas pela lei para trabalhar nestes dias.
A legislação estabelece que o motorista não poderá conduzir o veículo por mais de cinco horas continuas, depois disso, deve haver um período de descanso com duração mínima de duas horas. Na condução continua por tempo inferior a cinco horas, o condutor terá direito ao descanso com duração mínima de vinte e quatro minutos por hora trabalhada.
Esta obrigação deverá ser cumprida em local habilitado mais próximo em que o veículo possa ser estacionado, sem nunca impedir a circulação de outros veículos pela via pública. O caminhão deverá contar com leito adequado para descanso, sempre que o descanso se realize a bordo.
O tempo de espera tem fundamento na previsão legal do ordenamento jurídico Chileno, com a diferença de que o tempo de espera chileno é remunerado com adicional de cinquenta por cento sobre o salário mínimo local e limitado ao máximo de oitenta horas mensais.
Nessa medida, mesmo que não fazendo parte da jornada de trabalho referido tempo se encontra remunerado, no entanto, o tempo de espera que consta na legislação pátria não prevê que as horas serão remuneradas, sendo que o tempo efetivamente trabalhado será efetuado de maneira graciosa.
8. DA AFRONTA DA LEGISLAÇÃO AO ARTIGO 7º DA CRFB
Temos que o trabalho por ser de extrema importância para o desenvolvimento da nação fora tutelado já no começo da Carta da República, sendo que coube ao artigo sétimo estabelecer as balizas norteadoras da proteção do trabalho.
O artigo 7º, inciso XIII, da CRFB adota a terminologia “duração do trabalho normal”, sendo que deve ser entendido como a jornada de trabalho regular que não afete a saúde do trabalhador, como também não o exponha a riscos para si e para a coletividade. Nessa linha o inciso XII do mesmo dispositivo legal salienta que:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:[....] XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;[...]
Como pode ser verificado referido dispositivo encontra-se violado tendo em vista a redação do artigo da nova Lei que cuida do denominado tempo de espera, isso, porque ao não ser computado na jornada regular referido tempo ressalte-se efetivamente trabalhado a jornada de trabalho dos motoristas sofrerá acréscimo considerável.
Insta também se levar em consideração que o intuito da legislação fora o de proteger a categoria dos motoristas profissionais, principalmente ao estabelecer o controle da jornada de trabalho limitando o grande volume de horas extras que estes se encontram subjugados a realizarem.
Isso, porque com a exclusão do tempo e espera da jornada efetiva do motorista profissional temos que a limitação da jornada de trabalho estabelecida pelo artigo 7º estará violada, haja vista que será aumentado o risco de acidentes de trabalho corridos pelo cansaço devido a jornada extenuante de trabalho.
Como se não bastasse verificamos que o artigo 170 da CRFB também se encontra violado pela nova legislação, pois o dispositivo constitucional ressalta que as relações de trabalho devem ser valorizadas, sendo que esta tem por fim garantir ao ser humano existência digna: como se verifica do abaixo transcrito:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]
Nesse sentir verificamos que a legislação que atualmente rege a matéria não garante aos trabalhadores que se ativam na função de motorista profissional uma existência digna, pois desrespeita a limitação da jornada de trabalho necessária a que a pessoa possa garantir sua saúde como também o convívio familiar, como também integra-se a sociedade.
8.1. Da ofensa da legislação a jornada de trabalho estabelecida no artigo 4º da CLT
No tocante aos ditames estabelecidos pela consolidação das Leis do Trabalho no que diz respeito à jornada de trabalho e tempo a disposição do empregador a legislação que regula o tempo de espera também contra aquela se embate, como pode ser observado pelo dispositivo legal abaixo transcrito:
[...]Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.[...]
Verificamos que o conflito da nova lei, com o sentido de tempo a disposição do empregador é latente.
Como acima verificado a legislação trabalhista, sempre considerou como “serviço efetivo” todo o tempo em que o colaborador estivesse à disposição do empregador, assim estabelecendo-se no artigo supra transcrito, como período a ser computado para todos os efeitos quando o empregado estiver aguardando ou executando ordens.
Segundo Amauri Mascaro Nascimento (2011. p. 769.)
[...]o critério do tempo à disposição do empregador no sentido restrito funda-se na natureza do trabalho do empregado, isto é, na subordinação contratual, de modo que o empregado é remunerado por estar sob a dependência jurídica do empregador e não apenas porque e quando está trabalhando.
Em 15 de dezembro de 2011 a Lei n. 12.551 veio modificar o artigo 6º da CLT, estabelecendo que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, inserindo o parágrafo único que especifica as novas ferramentas válidas para tanto, ao prever que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Tal se deu em decorrência do intenso desenvolvimento da tecnologia da informação no século XXI, que veio possibilitar a utilização de novas ferramentas para supervisão e comando à distância, provocando alterações legais significativas ao descolar o conceito de pessoalidade da presença física.
Destarte, ao reconhecer a validade jurídica dos meios telemáticos e informatizados para medir a jornada efetivamente cumprida e o tempo à disposição nas atividades externas, em que não há relação presencial contínua, a alteração do artigo 6º da CLT veio criar novos instrumentos de compatibilidade, reduzindo o alcance do conceito anteriormente referido pelo inciso I do artigo 62 do mesmo estatuto.
Assim, segundo o dispositivo celetista temos que quando do tempo de espera o motorista se encontra efetivamente a disposição do empregador, sendo que em algumas vezes até mesmo cumprindo ordens haja vista os meios telemáticos de comunicação.
Tendo em vista as considerações acima estabelecidas não se verifica como atribuir constitucionalidade ao dispositivo legal que rege os motoristas profissionais.
Cabe nessa medida, ao interprete se questionar, como pode o motorista permanecer em uma operação com o veículo e esta não ser considerada como tempo efetivo de trabalho?
Temos que durante o tempo de espera o motorista profissional não se encontra em horário de descanso ou de repouso para alimentação, isso, porque nestas hipóteses o colaborador tem como dispor de seu tempo livre da maneira que entender. Já no tempo de espera o motorista não pode deixar o posto de trabalho, pois tem que fiscalizar a operação realizada.
No tocante ao § 12 do artigo 235-C, o legislador permitiu que o tempo gasto para a realização de pequenas movimentações durantes as hipóteses configuradoras como sendo de tempo de espera, em hipótese alguma serão computados na jornada de trabalho.
Referido procedimento irá ocorrer quando se estiver o motorista em situação de carga ou descarga, ou durante procedimento de fiscalização, sendo que em referidas condições serão necessárias movimentações rápidas.
Insta ressaltar que enquanto realiza os expedientes acima delimitados o motorista encontra-se trabalhando e exercendo as funções para as quais fora contratado.
Quando o motorista se ativa na condução do veículo de transporte ainda que por pequeno espaço de tempo, está praticando atividade contratual devendo ser computável em sua jornada de trabalho.
O preceito estabelecido no parágrafo 12º prevê uma regra contrária aos Princípios do Direito do Trabalho, pois ocorre uma hipótese de trabalho em que não se computa como jornada de trabalho. O dispositivo legal trouxe uma anomalia jurídica, pois verificamos a permissão legislativa para a realização de um trabalho que não é remunerado e também não é computado na jornada de trabalho.
8.2. Empregado como cidadão e proteção à saúde do trabalhador
Com a entrada em vigor da emenda constitucional 45 temos que a Justiça do Trabalho passo a ser competente para dirimir todas as controvérsias oriundas da relação de trabalho em sentido amplo, dirimindo controvérsia que por muito persistira em relação a competência da Justiça Comum.
Partindo desta premissa temos que as balizas propostas pela Lei 13.103/2015, devem ser exigidas para todos os motoristas empregados, como também para os motoristas prestadores de serviços autônomos chamados de “agregados”, sendo que estes mesmo sem ser considerados empregos poderiam discutir as suas controvérsias perante a Justiça especializada.
Há nos dias atuais principalmente devido à crise econômica que vem assolando o país a necessidade de evitar a concorrência desleal devido aos baixos custos de produção das empresas que não cumprem a legislação, e dos custos elevados dos fretes daquelas que a cumprem rigorosamente, ocorre que a limitação da jornada de trabalho é destinada a proteger o trabalhador, sendo esta sem sombra de dúvidas a mens legis do legislador a ser verificada na Lei 13.103/2015.
Temos que o sentido da norma quando da realização da interpretação dos dispositivos legais que alteram a Consolidação do Trabalho deve ser no sentido de sempre visar proteger a saúde do trabalhador evitando que existam possibilidades de burla de se evitar a feitura de horas extras de forma desenfreada.
Isso, porque a legislação vem sinalizar de forma clara que além de sua condição protetiva, a limitação da jornada do profissional de transporte também está destinada a assegurar condições para o exercício do labor de forma responsável, em benefício do entorno social que atua, evitando que o cansaço coloque em risco a integridade física, saúde do trabalhador e dos demais usuários das vias públicas.
Embora não haja um efetivo cruzamento de dados no país sobre acidentes envolvendo veículos de transportes quando da elaboração da tese de doutorado do professor Waldvogel, este informou que nos anos de 1991 a 1992 os acidentes de trabalho mais ocorridos que resultaram em morte de pessoas do sexo masculino se encontravam os acidentes envolvendo veículos a motor no Estado de São Paulo.
Cabe também ressaltar que para conseguir cumprir metas apara realização de entregas de mercadorias transportadas, que muitas vezes possuem horário para ser realidas os profissionais têm que praticar uma jornada de trabalho de até 15 (quinze) horas por dia trabalhadas.
O professor José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2013, pag. 116) analisando acidentes de trânsito envolvendo motorista profissionais, que são considerados acidentes de trabalho ressalta que:
Basta recordar que em 2008 houve, no Brasil, 428.970 acidentes de trânsito, com 38.273 mortes. Ademais considerando o NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - , houve no Brasil em 2008, 755.980 acidentes de trabalho (como gênero), dos quais apenas 551.023 com CAT emitidas. Destes, 27.456 aconteceram apenas no transporte coletivo de passageiros e no transporte de cargas
Temos que, importante registrar também o Acordo sobre Transporte Internacional Terrestre existente entre o Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, notadamente o constante do artigo 4º, item 1, ao dispor que:
Aplicar-se-ão às empresas que efetuem transporte internacional, assim como a seu pessoal, veículos e serviços que prestem no território de cada país signatário, as leis e regulamentos nela vigentes
Nesse passo, a importância da correta interpretação dos dispositivos em debate neste trabalho, pois temos que como pode ser verificado será utilizado por todos os trabalhadores, mesmo que de outros países que se encontrarem exercendo seu mister em solo pátrio.
A fixação de um limite de jornada, não adstrita aquela meramente contratual, ampliando sua exigência para a proteção da integridade física do trabalhador e de todos os usuários das vias públicas, temos que a nova regra promove um encontro do direito do trabalho com suas origens, qual seja a luta por uma correta e limitada jornada de trabalho, visando também a proteção da saúde do trabalhador que se esvairá com o desgaste proporcionado pelo excesso de trabalho.
Nesse sentido Sebastião Geraldo (2011. p 147), ao ponderar que:
A redução dos riscos inerentes ao trabalho sempre foi o norte, a preocupação central, o ponto de partida e de chegada de qualquer programa sério sobre prevenção de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. Em razão dessa constatação axiomática, a Constituição de 1988 expressamente estabeleceu como direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (artigo 7º, XXII). Estamos, portanto, diante de um princípio fundamental sobre a promoção de medidas preventivas nos locais de trabalho. Ocorre que, apesar de todas as evidências, a doutrina não concedeu ao mencionado princípio o devido reconhecimento e nem o mesmo enquadramento como tal. É provável que a preocupação com as consequências dos acidentes e das doenças ocupacionais tenha desviado os estudos para o campo da infortunística, restando pouca dedicação ao desenvolvimento das técnicas e das normas de prevenção. [...]”
8.3. Análise da ADI 5322, que discute a constitucionalidade da Lei 13.103/2015
O pressente trabalho monográfico não se encontra solitário no árduo trabalho de interpretar e demonstrar a inconstitucionalidade do famigerado tempo de espera.
Isso, porque, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, com pedido de liminar, para questionar a Lei 13.103/2015, que regulamenta o exercício da profissão de motorista profissional nas atividades de transporte rodoviário de cargas e passageiros.
De acordo com a confederação, a chamada “Lei dos Caminhoneiros”, sancionada pela Presidência da República, em março de 2015, retirou dos trabalhadores em transporte direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e na Lei 12.619/2012, que também trata do exercício da profissão de motorista profissional.
Na visão da CNTTT, o artigo 4º da lei, que modificou o parágrafo 5º do artigo 71 da CLT e reduziu os horários de descanso e alimentação intrajornada do trabalhador, afronta o inciso XXII do artigo 7º da Constituição Federal, que prevê como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Referida ADI também instigou o Supremo Tribunal Federal, pois este o Tribunal constitucionalmente competente para a verificação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma legislação a se manifestar sobre a inconstitucionalidade do parágrafo 8º, que trata do tempo de espera.
Como no presente trabalho, a ação direta de inconstitucionalidade que ora se analisa, demonstra que a nova redação do parágrafo 8º suprime o tempo de espera da jornada de trabalho do motorista, sendo que nessa medida, após referido tempo o trabalhador ainda terá que cumprir a jornada legal de oito horas diárias.
No entanto, temos que a referida ação discute a inconstitucionalidade do artigo legal sob outros fundamentos que não os esboçados no presente trabalho, sendo que aqui deve merecer críticas.
Como pode ser verificado pela análise argumentativa do tópico que trata da malfadada inconstitucionalidade aqui vergastada temos que a ação direta apenas se limita a argumentar no sentido de que a Consolidação das Leis do Trabalho em seu artigo 244, parágrafo 3º traz a figura do tempo de prontidão, informando que por uma interpretação analógica é aplicada aos motoristas.
Informa a referida ação que a prontidão não pode prejudicar a saúde e a remuneração do trabalhador, pois salienta que o artigo 7º da Constituição Federal tem artigos que visam suavizar o desgaste do trabalhador preservando as boas condições de trabalho, ressaltando ser o valor social do trabalho um dos fundamentos do Estado democrático de direitos.
Nesse passo transcrevo trecho argumentativo:
Ocorre que essa prontidão não pode ter o condão de infirmar tanto a saúde quanto a remuneração do trabalhador. Diz-se isto uma vez que o art. 7º da Constituição Federal traz em si uma gama de mandamentos legais consecutivos, que tem o claro condão de suavizar o desgaste do trabalhador, preservando-lhe as boas condições de trabalho, haja vista, repisando, ser o valor social do trabalho um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Nesse viés, a sistemática eleita no art. 7º tem toda uma consonância terminológica, ao que instaurada preliminarmente no caput, prediz que os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais visam a melhoria de sua condição social. Nessa esteira o inciso XIII encampa, na terminologia “duração do trabalho normal”, uma situação geral que acomoda em si aquela jornada considerável como homeostásica3 para o trabalhador, ou seja, que não lhe afeta a saúde, in verbis (ADI 5322)
Como pode ser verificado a argumentação acima apresentada se limita a informar que a inconstitucionalidade do dispositivo legal que trada do tempo de espera deve ser considerada inconstitucional apenas por ofender o artigo 7º da Constituição da República.
No que diz respeito a violação a princípios temos que a tese argumentativa apresentada em referida ação apenas se limita a trazer à baila o princípio da alteridade, informado que esse princípio veda a transferência de riscos do negócio ao trabalhador, como pode ser verificado pelo abaixo transcrito:
Trazendo o facto sem olvidar o ficto, tem-se que a nova redação do § 8º do art. 235-C ao modificar o instituto do tempo de espera, decotando-lhe da jornada de trabalho, permite que mesmo após horas de espera, que não necessariamente significam o descanso, um trabalhador seja submetido a jornadas que podem chegar a 12 horas consecutivas, frontalmente dissociado do “PRINCÍPIO DA ALTERIDADE, que veda a transferência dos riscos da atividade econômica para o empregado. ADI 5322
Em arremate o texto apresentado pela ação pleiteia pela inconstitucionalidade no seguinte sentido:
Ao emergir no texto de forma divorciada da sistemática de proteção e valoração do trabalho viola frontalmente os comandos encartados nos arts. 1º, (inc. IV), 5º (inc. XIII), art. 7º (inc. XXII e XXXIV), 170, 193 da Constituição da República
Ocorre que como demonstrado no presente trabalho monográfico hodiernamente é pacífica a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais tomando-se como referência a violação a princípios constitucionais.
Nesse passo, com a não apresentação de violação do referido dispositivo em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana a argumentação trazida pela ação direta de inconstitucionalidade se mostra desamparada de força argumentativa.
Isso, porque com a exclusão do tempo de espera da jornada de trabalho dos profissionais que se ativam no transporte de cargas e de pessoas sendo eles empregados ou autônomos encontra-se prejudicado principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois a legislação acaba por “coisificar” o ser humano, pois este terá de cumprir após o período em que se encontrava aguardando o tempo de espera a jornada de trabalho legal, sendo que esse fato irá gerar consequências desastrosas principalmente no que diz respeito também a saúde do trabalhador.
O presente tópico da peça que discute a constitucionalidade da legislação deveria possuir maior atenção, devido a latente e gritante inconstitucionalidade com que esta revestida a legislação que trata do tema.
9. CONCLUSÃO
Com base no que fora verificado, pode-se afirmar que a emergência do neoconstitucionalismo acarretou uma influência importante na nova interpretação do direito constitucional, redefinindo o lugar da Constituição e permitindo uma interpretação diferenciada das instituições contemporâneas, aproximando-se as ideias de constitucionalismo e de democracia, produzindo verdadeiramente uma nova forma de organização política.
Entre as grandes transformações que foram operadas no conhecimento convencional do direito constitucional, insere-se o reconhecimento da força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova interpretação constitucional.
No plano prático, isto significou que a legislação se encontra crivada de inconstitucionalidade, pois fere os princípios da dignidade da pessoa humana e da vedação do retrocesso social, como também prejudica a saúde do trabalhador.
Como demonstrado a legislação se apresenta contrária aos parâmetros estabelecidos pela Carta da República ao informar que não se considera como tempo de trabalho efetivo realizado como a disposição do empregador, nesse passo, não computando referido tempo à jornada de trabalho do empregado.
Assim, verificamos que a legislação no que diz ao tempo de espera deve ter sua inconstitucionalidade declarada pelo Pretório Excelso, tendo em vista os motivos acima aduzidos, pois demonstrado que se encontra flagrante o descompasso com a Carta da República.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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