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A proteção social e jurídica dos direitos fundamentais da criança e do adolescente no Brasil

Agenda 26/01/2017 às 11:03

O presente artigo relaciona a trajetória do Direito da Criança e do Adolescente desde o século XIX, com o Código Penal do Império, o Código Penal Republicano de 1890, e os Códigos Menores de 1927 e 1979 até a promulgação da Constituição de 1988.

RESUMO

O presente artigo relaciona a trajetória do Direito da Criança e do Adolescente desde o século XIX, com o Código Penal do Império, passando pelo período republicano, com o Código Penal Republicano de 1890, e os Códigos Menores de 1927 e 1979. Com a promulgação da Constituição Cidadã, em 1998, inicia-se um novo paradigma na evolução dos direitos fundamentais inerentes à infância e adolescência, culminando na edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, ato normativo federal essencialmente protetivo que regulamentou a doutrina da proteção integral disciplinada no texto constitucional.

Palavras-chave: Evolução. Direito da Criança e do Adolescente.

1. INTRODUÇÃO

A temática aborda a evolução dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, através de uma pesquisa bibliográfica.

Especificamente, pretende-se realizar uma abordagem histórica sobre a legislação menorista brasileira, bem como identificar os princípios norteadores do Direito da Criança e do Adolescente. Nesse sentido, observa-se que a “absoluta prioridade” referida no art. 227, caput, da CRFB/88, deve incidir sobre todas as áreas do direito infantojuvenil.

2. Evolução legislativa dos direitos da criança e do adolescente no Brasil: do direito penal do menor à doutrina da proteção integral

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, seguindo o parâmetro internacional, adotou a Doutrina da Proteção Integral, consistente na valorização das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, modificando os modelos disciplinados nos Códigos de Menores de 1927 e de 1979, baseados, respectivamente, no Direito Penal do Menor e na Doutrina da Situação Irregular.

A respeito do direito penal do menor, este permeou desde o surgimento dos primeiros códigos até as primeiras décadas do século XX, e baseou a criação do Código Penal do Império (1830), o Código Penal Republicano de 1890, e o Código de Menores de 1927. Na concepção de Mendez (2016), a doutrina penal do menor consubstancia uma etapa denominada de caráter penal indiferenciado, o qual consistiu em um estágio de tratamento da responsabilidade penal que praticamente não distinguiu a criança e o adolescente dos adultos.

 Nesse contexto foi promulgado, em 16 de dezembro de 1830, por determinação da Constituição de 1824, o Código Criminal do Império. De acordo com esse diploma legal, a imputabilidade penal se iniciava aos sete anos e era atingida plenamente aos catorze. Caso os menores compreendidos nessas idades cometessem crimes com discernimento, deviam ser recolhidos a casas de correção por tempo determinado pelo juiz, desde que os jovens não excedessem o limite de idade de dezessete anos. Segundo Saraiva (2003), o Código de 1830 adotou para a punição de crianças entre sete e catorze anos um sistema biopsicológico, baseado na teoria do discernimento. Nas considerações de Jesus (2006, p. 34), esse sistema estabelece que: “a responsabilidade penal deve ser regulada pela capacidade de compreender a natureza ilícita do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento”.

O critério biopsicológico fundamentou tanto o código de 1830, quanto o código de 1890. Esse sistema também é explicado por Pereira (1993, p. 3), segundo o qual: “[...] o que organizava estes Códigos era a teoria da ação com discernimento que imputava responsabilidade penal ao menor em função de uma pesquisa da sua consciência em relação à prática criminosa”, uma vez que eram adotadas “medidas especiais prescritas para aqueles que, apesar de não terem atingido a maioridade, tivessem praticados atos que fossem considerados criminais”.

Nesta perspectiva, percebe-se que naquela época a criança e o adolescente eram considerados apenas sob o aspecto retribucionista, caracterizado pela forte influência do direito penal sobre a população infantojuvenil sem preocupação com os direitos fundamentais (AZAMBUJA, 2016). Nesse sentido, Sposato (2003, p. 76) assinala que: “o direito buscava responder de forma proporcional à ofensa cometida, e não reformar ou reeducar o delinquente”.

Por outro lado, o Código Penal de 1890 responsabilizava os infantojuvenis entre nove e catorze anos que praticassem um fato delituoso com consciência e capacidade de entendimento. Verifica-se que o primeiro código republicano inovou ao não considerar os menores de nove anos como imputáveis e ao criar centros disciplinares industriais para crianças e adolescentes que cometessem crimes com discernimento sobre sua conduta (BEZERRA, 2016). A criação de instituições disciplinares reflete a maior diferença em relação ao Código do Império e está relacionada à incipiente industrialização da economia. Seus idealizadores entendiam que através do exercício profissional, os jovens se integrariam à sociedade, conferindo ao trabalho um papel regenerador e disciplinador:

A recuperação desses menores, portanto, daria-se não mais pelo simples encerramento numa instituição de correção, mas sim pela disciplina de uma instituição de caráter industrial, deixando transparecer a pedagogia do trabalho coato como principal recurso para a regeneração daqueles que não se enquadravam no regime produtivo vigente (SANTOS, 2010, p. 216).[2]

Além disso, o período republicano é marcado intensamente pela discussão em torno da infância e assistência no Brasil, em que o Estado mostrou-se presente no planejamento e na implantação de políticas públicas direcionadas ao menor (RIZZINI, 2004). Tal movimento culminou na elaboração de leis que regulamentavam a assistência e proteção à infância, a exemplo da Lei 4.242, de 5 de janeiro de 1921 e do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1922 – que estabeleciam o epílogo do critério biopsicológico; e da fundação do primeiro Juízo de Menores, no estado do Rio de Janeiro. Nesse ínterim, surgiu o Código de Menores, consolidado pelo Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, também conhecido como Código Mello Mattos, em homenagem ao primeiro juiz de menores do país.

Embora o contexto político tenha demonstrado uma preocupação especial com a legislação menorista, Fachinetto (2008, p. 22) destaca que: “o eixo dessa legislação se caracterizava pela generalidade de suas normas – avessas à taxatividade de sua incidência, e pela absoluta discricionariedade e arbitrariedade conferidas ao Juiz de Menores, com forte ênfase à internação de crianças”.

De outra parte, Azambuja (2016) atesta que o Código Mello Mattos estava fundamentado nos conceitos de menor abandonado e delinquente, simbolizando a infância pobre e potencialmente perigosa. Tal concepção ressalta a atuação dos juízos de menores que funcionavam como “um órgão centralizador do atendimento oficial ao menor” (RIZZINI, 2004, p. 29). Permitia-se a concentração de diversas funções na autoridade judiciária, como a suspensão do pátrio poder, a apreensão de menores abandonados, bem como a adoção de medidas relativas a sua guarda, educação e vigilância, conforme o Código de Menores de 1927. Para Rizzini (2009, p. 133), cuida-se de uma época em que a infância foi judicializada:

A impressão que se tem é que através da lei em questão procurou-se cobrir um amplo espectro de situações envolvendo a infância e a adolescência. Parece-nos que o legislador, ao propor a regulamentação de medidas “protetivas” e também assistenciais, enveredou por uma área social que ultrapassava em muito as fronteiras do jurídico. O que impulsionava era “resolver” o problema dos menores, prevendo todos os possíveis detalhes e exercendo firme controle sobre os menores, através de mecanismos de “tutela”, “guarda”, “vigilância”, “educação”, “preservação” e “reforma”.

O juízo de menores adotou um modelo de interferência direta sobre o cotidiano das crianças e adolescentes considerados desvalidos e delinquentes, instaurando uma política de internação em instituições reformadas ou construídas para atendê-los. Ocorre que esses estabelecimentos não suportaram a demanda criada pelos próprios juízes, pois estes não recusavam o recolhimento dos menores retirados das ruas. Assim, problemas enfrentados pelas instituições como a superlotação e o funcionamento precário levaram à criação de novas políticas de assistência e estabelecimentos voltados ao atendimento dos jovens infratores, destacando-se o Serviço de Assistência a Menores – SAM, e a Fundação Nacional do Bem Estar do Menor – FUNABEM.

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Assim, na década de 1940, durante o Estado Novo, surgiu o Serviço de Assistência a Menores – SAM. Tratava-se de uma política federal que objetivava a sistematização e orientação dos serviços de assistência ao menor, configurada pela criação de órgãos federais especializados no atendimento dessa categoria. Com isso, foram retiradas dos juízes as funções de ministrar o tratamento dado aos menores, mantendo-se, todavia, a “fiscalização do regime disciplinar e educativo dos internatos, de acordo com a legislação vigente” (RIZZINI, 2009).

Tal instituto realizava um atendimento bastante restrito, consistente na triagem e internação de crianças e adolescentes encaminhados pelos juízes de menores, o que não foi suficiente para melhorar o tratamento dado às crianças e adolescentes no Brasil. Ao contrário, o ex-diretor do SAM, Paulo Nogueira Filho, denunciou uma série de irregularidades persistentes no atendimento aos menores, como casos de corrupção e maus tratos infligidos aos assistidos, culminando em tentativas de extinção do instituto (RIZZINI, 2009).

Essas circunstâncias levaram à criação de um novo instituto com diretrizes opostas ao famigerado SAM. Em 1964, surge a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM, entidade de âmbito nacional assentada na autonomia financeira e administrativa e na repulsão dos depósitos de crianças e adolescentes, nos quais os internatos de menores se transformavam (RIZZINI, 2004). A fundação encontrou um grande desafio, pois precisava afastar o legado deixado pelo funcionalismo de seu predecessor, implantando uma política nacional que efetivamente centralizasse o atendimento, coordenando e fiscalizando as unidades que a executassem (VOGEL, 2009). Azambuja (2016), no entanto, revela que as entidades governamentais se distanciaram dos objetivos norteadores de sua formação, responsabilizando a ideologia repressiva e autoritária do Governo que adotou um regime carcerário de atendimento, desprezando a resolução dos problemas enfrentados pela população infantojuvenil.

Observa-se, pois, que a Doutrina do Direito Penal do Menor através do Código de 1927, consolidou a categoria do menor como a criança e o adolescente abandonado e delinquente. Esse padrão não se modificou com o surgimento da Doutrina da Situação Irregular, consagrada pelo Código de Menores de 1979. Bezerra (2016) informa que o diploma legal tutelava tão somente os jovens que fugissem aos padrões sociais normais, isto é, a criança e o adolescente carentes, abandonados ou infratores, destacando também que tal modelo não proporcionava nenhuma garantia aos menores em situação irregular, mas que apenas se buscava proteger a família.

Nas considerações de Saraiva (2003), embora crianças e adolescentes deixem de serem tratados com o rigor da lei penal, evidenciou-se uma forte tendência à judicialização das questões sociais - como a falta de condições de sobrevivência, saúde e educação – à criminalização da pobreza e à institucionalização. De acordo com Ferreira (1999), essa institucionalização privava os jovens da convivência familiar e comunitária, pois se tratavam de estabelecimentos localizados em áreas distantes de onde moravam as famílias dos menores, muitas delas sem condições de visitá-los. O autor destaca que o Estado não tinha interesse na reintegração do menor, e que as entidades funcionavam como um escopo para as famílias carentes que buscavam na internação de seus filhos a assistência do Estado[3].

Observa-se, pois, como características da Doutrina da Situação Irregular a nítida distinção entre crianças e adolescentes das classes ricas e aquelas que se encontravam em situação irregular; os jovens eram considerados incapazes e objetos de proteção do Estado, em vez de serem tratados como sujeitos de direitos; centralização do atendimento na figura do juiz; não havia distinção entre as crianças e adolescentes infratores e aquelas necessitadas de proteção; privação da liberdade de crianças e adolescentes por tempo indeterminado (SARAIVA, 2003).

Jesus (2006) alega que as diretrizes norteadoras da Convenção Internacional dos Direitos da Criança associadas aos esforços dos setores especializados do poder público federal e de instituições da sociedade civil, a exemplo da ONG Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, viabilizou a elaboração de uma nova lei específica em substituição ao ultrapassado Código de Menores de 1979.

Ishida (2016) também sinaliza a importância da participação da sociedade na criação de uma nova legislação menorista que se concretizou graças à Doutrina da Proteção Integral, que assegurou à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, conforme o art. 227 da Constituição Federal, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A fim de viabilizar a Doutrina da Proteção Integral e regulamentar os preceitos constitucionais relativos à proteção da criança e do adolescente, foi criado, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através da Lei nº 8.069/90. Cuida-se de um instrumento normativo de natureza essencialmente protetiva, considerado um marco na legislação em geral.

[...] A edição do ECA representava o estabelecimento de garantias, da instituição do contraditório nos procedimentos da infância e da juventude e da supressão do denominado “entulho autoritário”, sendo um diploma compatível com o Estado Democrático de Direito. Tratou-se de uma reação à desigualdade. O ECA é uma criação coletiva. É fruto de um grande movimento, de várias categorias. Por exemplo, do Movimento dos Meninos e Meninas de Ruas. Ele nasce da capacidade da indignação da sociedade. Havia uma crítica ao excesso de poder do magistrado no anterior Código de Menores. Todas as contribuições se referiam aos direitos humanos. Costuma-se mencionar que foi a prática que fundamentou a lei menorista (ISHIDA, 2016, p. 27).

O estatuto visou diferenciar-se do aspecto punitivo estabelecido nas legislações menoristas anteriores, refletindo uma série de direitos às crianças e adolescentes, e formas de garanti-los. Os primeiros estão dispostos na parte geral do estatuto, compostos pelos Títulos I a III, enquanto a parte especial é responsável por elencar os instrumentos de defesa e efetivação, dispostos nos Títulos IV a VII.

No Título I, formado pelos arts. 1º a 6, há disposições preliminares elencando normas que reconhecem a condição peculiar da criança e do adolescente ao reconhecerem seus direitos fundamentais, como o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, e também a regulamentação da proteção integral, destacando a participação da família, da sociedade em geral e do Poder Público na sua concretização. Já o Título II é reservado à especificação dos direitos fundamentais pertencentes a esse grupo populacional. Além dos direitos pertencentes a todas as pessoas, como a vida, saúde, liberdade, respeito à dignidade, educação, cultura, esporte e lazer, são inerentes à criança e ao adolescente, o direito à convivência familiar e comunitária, à profissionalização e à proteção no trabalho. Ademais, destina normas próprias Às matérias referentes à família, estado de filiação, colocação em família substituta, guarda, tutela e adoção. A parte geral é finalizada pela preocupação e prevenir a ocorrência de ameaça ou violação desses direitos. Trata-se do Título III, em que há, por exemplo, a vedação de hospedagem de crianças e adolescentes sem autorização dos pais, bem como de viagens dentro e fora do território nacional.

Na parte especial, há a definição da política de atendimento dos direitos da criança e adolescente, delimitando suas linhas de ação e diretrizes, assim como o destaque à descentralização das políticas públicas e democratização do atendimento. Há também normas atinentes às medidas de proteção, aplicadas sempre que os direitos assegurados no estatuto forem ameaçados ou violados, considerando-se àquelas que fortaleçam os vínculos familiares e comunitários, a inimputabilidade dos menores de 18 anos, bem como a garantia de apreensão por ato infracional apenas nas hipóteses de flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente, e a comunicação imediata ao magistrado e à família em caso de apreensão. Além disso, a Lei nº 8.069/90, importando-se com o devido processo legal, assegurou ao adolescente uma série de garantias processuais, como a igualdade na relação processual, a defesa técnica por advogado, produção de todas as provas necessárias à sua defesa, assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente e de solicitar a presença de seus pais ou responsáveis em qualquer fase do procedimento. Outrossim, comporta disposições relativas às medidas socioeducativas, às medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, ao conselho tutelar – suas atribuições, competência, escolha dos conselheiros e impedimentos, e prescrições relativas ao acesso à justiça e aos crimes e infrações administrativas.

O ECA, entretanto não é formado apenas por regras orientando os procedimentos aplicados aos infantojuvenis. Amim (2015), destaca como princípios norteadores do estatuto, a prioridade absoluta, o superior interesse e o princípio da municipalização. Na lição da autora, o princípio da prioridade absoluta é informado pela predominância do interesse infantojuvenil em todas as áreas, a saber, na proteção e socorro; na prestação de serviços públicos e de relevância pública; na destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas à proteção da infância e juventude, bem como na preservação das garantias previstas no estatuto.

Já o superior interesse da criança e do adolescente visa garantir o respeito aos direitos fundamentais, especialmente à dignidade da pessoa humana, considerando as condições peculiares da pessoa em desenvolvimento. Assim, tanto o legislador, na formulação das leis, quanto os operadores de direito, na análise do caso concreto, devem atentar para a proteção ampla dos direitos fundamentais titularizados pelas crianças e adolescentes.

Por fim, a municipalização é decorrência da descentralização e da ampliação da política de assistência, cuja principal finalidade consiste em efetivar a doutrina da proteção integral. A autora sublinha a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), como exemplo da participação dos municípios na formulação e execução das políticas públicas. Anteriormente à referida lei, os programas de execução das medidas socioeducativas era de integral responsabilidade dos entes estatais.

3. CONCLUSÃO

A partir de tais observações, percebe-se uma mudança de paradigma substancial em relação aos sistemas normativos anteriores ao ECA. Enquanto o Código de Menores era fundamentado pela Doutrina da Situação Irregular, em que “valorizava-se” apenas os menores em situação de delinquência e abandono, concebendo-os como objetos de tutela e vigilância do Estado, o Estatuto reforma essa visão por intermédio da Doutrina da Proteção Integral, compreendendo a criança e os adolescentes como sujeitos de direitos em fase peculiar de desenvolvimento. Além disso, a legislação menorista possuía caráter filantrópico, fundamentada no assistencialismo, de gestão monocrática, e decisório centralizado na figura do Juiz. Agora, as normas relacionadas à tutela infantojuvenil são entendidas como políticas públicas, que instrumentalizam os direitos fundamentais da criança e do adolescente, de gestão democrática, representada principalmente pela participação popular nos conselhos de direitos da criança e do adolescente em todos os níveis federativos e pelos Conselhos Tutelares, nos municípios; e decisório participativo. Os aspectos referentes à gestão e decisório foram viabilizados, especialmente pela municipalização do atendimento. É que, a deliberação e execução das políticas de atendimento, antes de responsabilidade da União e dos Estados, passou a ser da esfera municipal.

Por fim, diversamente do Código de Menores, em que não havia diferenciação entre crianças e adolescentes, visto que, aos menores de 18 anos, bastava a situação irregular para aplicação de medidas concernentes, o estatuto discrimina as idades referentes à infância e adolescência, a fim de facilitar as disciplinas pertinentes à responsabilidade pelo ato infracional e à aplicação de medida socioeducativa . Desta forma, para efeitos da Lei 8.069/90, criança é toda pessoa de 0 a 12 anos incompletos, enquanto aquela entre 12 e 18 anos é considerada adolescente.

Somando-se a isso, faz-se mister salientar a participação do estado brasileiro em tratados internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada através do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, e  da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 06 de novembro de 1992, pelo Decreto 678. Assim, o país se compromete a zelar em sua totalidade pelos direitos e garantias das crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS

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[2] Do mesmo modo, Brito (2009, p. 232) entende que: “O trabalho era, neste sentido, o único instrumento capaz de tornar o menor desvalido, um indivíduo válido para a sociedade. O resultado que se esperava desse atendimento era, portanto, a produção de ‘homens úteis e válidos’, capazes de contribuir para a ‘prosperidade da nação’”.

[3] Machado (2003, p.27) confirma a questão da institucionalização e judicialização em torno da pobreza: “A implantação da política da institucionalização acabou por gerar, tão somente, uma condição de subcidadania de expressivo grupo de jovens criados longe de núcleos familiares, nas grandes instituições, que acabaram adultos incapazes do exercício de suas potencialidades humanas plenas. Além de também indigna e absurda retirada arbitrária de expressivo número de crianças de tenra idade da companhia de seus pais para colocação em adoção, sem que houvesse significativa violação dos deveres do pátrio-poder, apenas em razão a carência econômica das famílias”.

Sobre a autora
Juliana de Sousa Soares

Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

Informações sobre o texto

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