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Crimes contra o consumidor: notas penais das leis nº 8.078/90 e 8.134/90

Agenda 29/01/2017 às 11:06

O objetivo deste ensaio é analisar as notas penais inseridas nas Leis 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor e Lei 8.137/90.

RESUMO

O objetivo deste ensaio é analisar as notas penais inseridas nas Leis 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor e Lei 8.137/90, duas legislações que tutelam o mesmo bem jurídico, as relações de consumo, e publicadas que simultaneamente. Do estudo se verificou algumas controvérsias quanto à possibilidade da segunda lei tutelar bem jurídico inicialmente definido na primeira, ainda mais tendo sido esta a responsável pela implantação de uma Política Nacional para as Relações de Consumo com base Constitucional. Constatou-se, também, que apesar da intenção do legislador ser a de punir os infratores, o que se verifica é certo simbolismo destas normas, uma vez que sua aplicação não está sendo eficaz.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor, Normas penais. Aplicação. Eficácia

  1.    O DIREITO DO CONSUMIDOR, Direito Penal do Consumidor E CRIMES CONTRAS AS RELAÇÕES DE CONSUMO.

                         O Direito do Consumidor surgiu como verdadeira política pública com o discurso de JOHN KENNEDY, em mensagem ao Congresso dos EUA, em 15 de março de 1962, na qual foram definidos os quatro direitos fundamentais dos consumidores: o direito à segurança, o direito à informação, o direito de escolha e o direito de ser ouvido e consultado[2].

                        Emergem pois, dessa consciência, uma série de leis que visam regrar as relações de consumo, civilizando o Mercado, criando um novo microssistema. Microssistema esse justificado pelo bem jurídico tutelado – relações de consumo e pelos vulnerabilidade dos destinatários – os consumidores[3].

                        No Brasil, a Constituição da República em seu artigo 5ª, XXXII, estabelece que ‘o estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor’. Também o artigo 170 da CF ao listar os princípios a serem observados pela ordem econômica, em seu inciso V, coloca o princípio de defesa do consumidor.

                        A Constituição Federal, além de disciplinar a iniciativa legislativa na matéria, na órbita dos tributos também estabeleceu, no art. 150, § 5.°, que "a lei determinará medidas para que os consumidores  sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços". E, em relação à prestação de serviços públicos, diretamente ou por concessão e permissão, o seu art. 175 atribuiu à lei ordinária a missão de dispor sobre os "direitos dos usuários".

                        Em meio a isto, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, num momento de transição do regime anterior para o atual e de aplicação da nova Constituição, determinou que o Congresso nacional elaborasse o Código de Defesa do Consumidor. Como se vê, o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, encontra sustentação na própria Constituição, e a opção pela denominação de Código contribuiu para dar maior embasamento a ramo do direito do consumidor, fortalecendo o tratamento da matéria.

                        Inspirou-se o Código de Defesa do Consumidor em modelos legislativos vigentes no estrangeiro. Com efeito, desde a Resolução nº 39/248, 09.04.1985, da Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas, identificada como a origem dos direitos básicos do consumidor, além da legislação comunitária européia, as legislações francesa, espanhola, portuguesa, alemã, mexicana, canadense e norte-americana foram as fontes de inspiração para o Código brasileiro,[4] que conta com seis títulos, que tratam dos direitos do consumidor, das infrações penais, da defesa do consumidor em juízo, do sistema nacional de defesa do consumidor, da convenção coletiva de consumo e das disposições finais.

                      Dentre as diversas inovações do CDC está introdução de um sistema sancionatório administrativo e penal, sobre o qual se deterá a análise do presente trabalho.

                        O Direito Penal do Consumidor é um ramo do Direito Penal Econômico que tem por finalidade o estudo de toda a forma de proteção penal à relação de consumo, como bem jurídico imaterial, supra-individual e difuso. O direito penal econômico circula em torno dos crimes contra o consumidor, os quais são forma de abuso de poder econômico que atentem contra a ordem econômica geral devam ser coibidos, é pois, um conjunto de normas que se desenvolvem em torno das infrações cometidas nas relações de consumo[5].

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                        Elementos comuns dos crimes contra as relações de consumo são: Sujeito Ativo – é o fornecedor; Sujeito Passivo – principal, a coletividade, secundário, o consumidor; Objeto Material – é o produto. Elemento Subjetivo – é o dolo de perigo (vontade livremente dirigida no sentido de expor o objeto jurídico a perigo de dano). É admitido o direto e o eventual.

                        Os crimes provenientes das relações de consumo é matéria ampla, pois, além dos delitos capitulados no próprio Código de Defesa do Consumidor, encontramos ainda outros previstos nas Leis 8.137/90, 1.521/51, 4.591/64 6.766/79, 8.137/90, sem esquecer aqueles tradicionais do Código Penal, capitulados no Capítulo III, que trata "Dos Crimes contra a Saúde Pública", dentre outras.

                        A lei 8.137/90 surgiu num momento em que se preconizava por um recrudescimento das normas incriminadoras e das penas como forma de desestimular a sonegação fiscal, vivia-se a era Collor com seu slogan “Caçador de Marajás”. A lei veio substituir a lei 4.729/65 que continha dispositivos redundantes, eis que enunciava regras decorrentes de princípios já consagrados  como a legalidade penal impossibilidade de aplicação retroativa da norma penal mais gravosa, atualmente dispostos nos incisos xxxix e XL da Constituição Federal.

                        Neste contexto a Lei 8.137/90 surge definindo os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, este último o tema que se analisará a seguir. 

2. Notas Penais das Leis 8.078/90 e 8.137/90

                        No CDC as infrações estão no Título II, do capítulo 61 ao capítulo 80. Na lei 8.137, o capítulo 7, inciso I usque IX, lista os crimes Contra a Economia e as Relações de Consumo.

                        Os crimes contra as relações de consumo da lei 8.078/90, em que pese a o CDC ter sido publicado primeiro, face a vacatio legis, somente entrou em vigor após a segunda.

                        Esta situação sofre críticas, pois houve publicação quase que simultânea de duas legislações que tutelam o mesmo bem jurídico. Em outras palavras, em 1990 houve a produção de dois diplomas que sem qualquer critério lógico usou expressões conceituais distintas como consumidor no CDC e freguês na Lei 8.137.

                        Além disso, consignou Penas diferentes para as mesmas violações, penas não superiores a dois anos no CDC e pena de dois à cinco anos e multa na Lei 8.137.

                        Devido a isto, as ações dos tipos previstos no CDC podem tramitar nos Juizados Especiais Criminais enquanto que os da Lei 8.137 seguem o procedimento ordinário.

                        Em apertada análise, à época, o tipo penal do art. 7º da lei 8.137 estaria abarcado pelo procedimento sumaríssimo pela interpretação favorável do art. 2º, da lei 10.259/11[6] que estabelecia novo conceito de infração de menor potencialidade o que derrogou o art. 61 da lei 9.099/95. Neste caso os crimes do art. 7º da lei 8.137 que têm pena de dois à cinco anos ou multa, se encaixaria no procedimento sumaríssimo sendo considerado de menor potencial ofensivo, pois um crime que pode ser punido por multa, não poderia ter pena de cinco anos. No entanto, com a edição da Lei  11.313/06 foram alterados os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal, não cabendo mais esta interpretação, ainda que forçada.

                       Como referido antes, a Constituição de 1988 estabeleceu uma proposta a ser cumprida, no plano de garantias individuais e dos princípios gerais da atividade econômica, mas a CF não conceituou o que seja relação de consumo e nem estipulou possibilidade de criminalização;

                       O conceito de relação de consumo somente está previsto no Código de Defesa do Consumidor, o CDC criou e implantou a Política Nacional para as Relações de Consumo. Desta forma, o Estado só pode tutelar penalmente a relação estabelecida no CDC, pois é nele que estão os conceitos de consumidor, fornecedor, produto e serviço que embasam o conceito de relação de consumo.

                       Assim endo a lei 8.137 não poderia tutelar criminalmente as relações de consumo como faz em seu artigo 7º, ainda mais com as discrepâncias existentes.

                      Surgiu daí um conflito de normas que foi bem detectado por Miguel Reale Jr:

“Questão semelhante surgiu referentemente ao Código de Defesa do Consumidor, que estatuiu normas incriminadoras relativas à relação de consumo, teve vacatio legis de seis meses, de setembro de 1990 à marco de 1991. Neste interregno, foi publicada, com vigência imediata, a lei nº 8.137 de dezembro de 1990, trazendo no seu bojo, normas incriminadoras, relativas também, às relações de consumo. A lei posterior, ou seja, o Código de defesa do Consumidor, pois sua vigência se deu depois, em março de 1991, revogou os dispositivos da Lei nº 8.137/90 por tratar inteiramente da mesma matéria, aplicando-se na espécie o disposto no art. 2º da lei de introdução ao Código Civil.  Parcela da jurisprudência  entende que houve apenas revogação parcial relativamente  aos dispositivos da lei 8.137/90 incompatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, o que não me parece cabível , pois o tratamento sistemático da matéria na Código de Defesa do Consumidor  tem o significado de absorver por inteiro , revogando-se inteiramente o capítulo acerca dos crimes contra as relações de consumo da lei 8.137/90.” 

           

                       Além disso, o CDC ao revogar quaisquer dispositivos em contrário ao seu conteúdo normativo, nos termos do artigo 119, estabelece ser este o único instrumento legal capaz de tipificar condutas inerentes ao bem jurídico relação de consumo. 

                      Outro ponto que merece ser discutido é a eficácia dessas normas pelas de relação de consumo. Seriam elas apenas de caráter preventivo buscando a efetividade das normas de natureza civil do CDC.

                      Não é esta a opinião de José Geraldo Brito Filomeno ao afirmar que “as penas sugeridas para os comportamentos delituosos previstos são efetivamente para os responsabilizados por fraude na venda de produtos ou prestação de serviços, sim, e não para os fornecedores de bens e serviços que agem corretamente, assim como também são passíveis de pena corporal rigorosa os autores de crimes de homicídio, roubo, estupro, etc.”[7]

                      A intenção do legislador talvez tenha sido mesmo a de punir os infratores, mas raramente se ouve falar sobre condenações por crimes relacionados às normas penais das relações de consumo.

                       A extinção da punibilidade, que acontece nos delitos fiscais como decorrência do adimplemento da obrigação tributária antes do recebimento da denúncia (art. 34 da Lei 9.249)[8] não pode induzir a um entendimento equivocado de que, depois de satisfeito o dever decorrente de uma determinada relação de consumo se teria como  resultado uma “extinção da punibilidade”

                      Embora o artigo acima citado se aplique a Lei 8.137/90, ele somente se aplica aos crimes decorrentes das fraudes fiscais e não às relações consumo.  

3.       CONSIDERAÇÕES FINAIS

                     O Código de Defesa do Consumidor criado em 1990 realmente foi um marco na história na preservação dos direitos do consumidor, aquele hipossuficiente, para que não seja enganado, lesado, em suas relações de cosumo, relações estas que são extremamente necessárias para todos.

                     A lei 8.137/90 que também alberga regras penais sobre as relações de consumo se afiguram como acessórias as do Código de Defesa do Consumidor no objetivo de punir infratores.

                   Mas para uma solidificação dos direitos dos consumidores, e a eficácia destas normas como um todo, é preciso que as sanções penais nelas contidas não caia em desuso, o poder judiciário deve preconizar a atribuição da pena independente do delito ter sido sanado na esfera cível, se o crime ocorreu deve o agente ser punido com rigor. Será somente assim, que as normas penais estarão, de fato, cumprindo seu um propósito  preventivo e não apenas servindo de ameaça como se nota hoje em dia.

                  Os cidadãos também devem estar informados quanto aos seus direitos e quanto as penas que podem ser impostas àqueles que o infligirem, e exigir o cumprimento da Lei.

REFERÊNCIAS

Barroso Filho. José – A tutela penal das relações de consumo. Disponível em BuscaLegis.ccj.ufsc.br.

CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Comentado Pelos Autores do Anteprojeto, 7ª edição, Forense Universitária, revista e ampliada até 2001, p. 604

FIGUEIREDO TEIXEIRA. Sálvio de. A Proteção ao Consumidor no Sistema Jurídico Brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 108, ano 27, p. 185-211, out./dez. 2000. Disponível em:< http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32698-40208-1-PB.pdf>

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>

BRASIL. Lei 8.078/90 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>

BRASIL. Lei 8.137/90 de 27 de novembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm>

BRASIL.Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995. ispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>

BRASIL. Lei 10.259 de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10259.htm>

BRASIL. Lei 11.313 de 28 de junho de 2006. Altera os arts. 60 e 61 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e o art. 2o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, pertinentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Estadual e da Justiça Federal.Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11313.htm>


[2] Barroso Filho. José – A tutela penal das relações de consumo. Disponível em BuscaLegis.ccj.ufsc.br. acesso em 28.05.2013

[3] Ibdem

[4] FIGUEIREDO TEIXEIRA. Sálvio de. A Proteção ao Consumidor no Sistema Jurídico

Brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, n. 108, ano 27, p. 185-211, out./dez. 2000. Disponível em:< http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32698-40208-1-PB.pdf> acesso em 30.05.2013

[5] José Barroso Filho – A tutela penal das relações de consumo. Disponível em BuscaLegis.ccj.ufsc.br

[6] Art. 2o Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo.
        Parágrafo único. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa. (revogado)

[7] CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Comentado Pelos Autores do Anteprojeto, 7ª edição, Forense Universitária, revista e ampliada até 2001, p. 604

[8] Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Sobre a autora
Kathiana Isabelle Lima da Silva

Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGDIR-UFRN) em 2015, Área: CONSTITUIÇÃO E GARANTIA DE DIREITOS, Linha de Pesquisa 1: CONSTITUIÇÃO, REGULAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Especialista em Direito Internacional Público pela UFRN em 2011(CEDIP-UFRN). Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar - UnP, aprovada no exame de ordem 2009.2 (sem recurso) quando ainda cursava o 10º período. Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Seccional do Rio Grande do Norte sob o nº 8.530. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Internacional, Direito Tributário, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Ex-conciliadora Federal atuou junto a 3ª vara da JFRN. Também possui graduação incompleta em Administração de Empresas e Nutrição, ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Paper apresentado ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a aprovação na Disciplina Direito Penal Econômico sob o foco Constitucional ministrada pelo Prof. Dr. Ivan Lira de Carvalho.

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