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Dos critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária

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Agenda 06/08/2004 às 00:00

A prerrogativa da prévia e justa indenização, acrescida dos juros compensatórios e moratórios, encontra fundamento de cunho constitucional aos proprietários que tiveram seus bens afetados ao interesse público.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. ASPECTOS GERAIS DA DESAPROPRIAÇÃO E DO DIREITO DE PROPRIEDADE. 2.1. Evolução do Direito de Propriedade nas Constituições, até o Advento da Carta Federal de 1988. 2.2. A Propriedade e sua Função Social. 2.3. Evolução da Desapropriação no Direito Brasileiro. 2.4. Pressupostos ou Requisitos da Desapropriação. 3. DO PROCEDIMENTO JUDICIAL DE DESAPROPRIAÇÃO. 3.1. Da Declaração Expropriatória por Interesse Social, das normas aplicáveis à Desapropriação para Fins de Reforma Agrária e sua obediência ao Contraditório Especial de Rito Sumário. 3.2. Dos Requisitos da Petição Inicial e da Competência para o Processo e Julgamento da Ação de Desapropriação. 3.3. Citação do Expropriando no Processo Judicial Expropriatório. 3.4. Possibilidades de Desapropriação Amigável e Conciliação. 3.5. Da Perícia no Processo de Desapropriação. 3.6. A Contestação do Expropriado e os pontos sobre as quais ela pode versar. 3.7. Da Sentença, dos Recursos cabíveis e do Duplo Grau de Jurisdição. 4. DOS CRITÉRIOS DA INDENIZAÇÃO E DA APLICABILIDADE DOS JUROS MORATÓRIOS E COMPENSATÓRIOS NA DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. 4.1. Indenização Prévia. 4.2 Indenização Justa. 4.3 Da Correção Monetária. 4.4. Da Aplicação do Juros Compensatórios e Moratórios nas Indenizações, e quando os mesmos começam a incidir. 4.5 São devidos os juros compensatórios, em conseqüência de desapropriação de terra improdutiva, que não esteja cumprindo a sua função social? 4.6. Da Aplicabilidade dos Juros Compensatórios e dos juros Moratórios nos Honorários Advocatícios. 4.7. Das Formas de Pagamento de Indenizações para fins de Reforma Agrária – Uso das TDA´s nas indenizações. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


No presente trabalho, serão abordados os critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária, relacionada com o princípio elencado na nova ordem constitucional que prevê o pagamento de justa e prévia indenização ao proprietário ou possuidor expropriado pelo Poder Público. Tal prerrogativa da prévia e justa indenização, acrescida dos juros compensatórios e moratórios, encontra fundamento de cunho constitucional aos proprietários que tiveram seus bens afetados ao interesse público, e, em razão disso, terão transferido sua titularidade em nome do interesse público, sendo justo ressarci-los dos prejuízos decorrentes da perda da posse do bem, os frutos civis a que os mesmos teriam direito futuramente, bem como o ressarcimento pelo atraso no pagamento do justo preço da indenização. Assim, busca-se nesse trabalho, através de um estudo da doutrina, das leis e da jurisprudência, mostrar os aspectos que envolvem a reparação do dano patrimonial sofrido pelo expropriado que não cumpre a função social da propriedade, estabelecendo em nossa ordem jurídica uma nova definição de atuação estatal, deixando o Estado de se caracterizar como meramente individualista e passando a contemplar formas mais solidárias em seu atuar. É a passagem do Estado-particular para o Estado-social. Antes, porém, para melhor entendermos tal dinâmica indenizatória, falaremos da evolução da desapropriação e da propriedade e sua função social, e do seu procedimento judicial.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata dos critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária, prevista art. 184 da Constituição Federal, definida como o procedimento estatal iniciado pela União e destinado a substituir, compulsoriamente, o direito de propriedade de imóveis rurais improdutivos de grande extensão ou titularizados por proprietários de outros imóveis rurais, por uma indenização prévia, justa e em títulos da dívida agrária.

O poder expropriatório do Estado, fruto de sua soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território, é tipicamente um ato de império, uma vez que se reveste de coercibilidade, submetendo o expropriado ao seu fiel cumprimento. Esse mesmo poder estatal ampara-se no princípio do interesse público, que exige ações rápidas e eficazes do administrador público, tomando-se em consideração as necessidades coletivas.

Esta espécie não se confunde com a desapropriação ordinária, porque seu fundamento é a inobservância da função social rural, porque os bens que atinge são, exclusivamente, imóveis rurais improdutivos de grande extensão, porque é diversa a indenização que enseja (títulos da dívida pública, com ressalva do valor das benfeitorias úteis e necessárias) e, finalmente, porque a competência para decretá-la é restrita à União Federal. Os requisitos para o atendimento à função social dos imóveis rurais estão elencados no art. 186 da Constituição Federal.

Quanto à indenização, deve ser prévia, ou seja, anterior à perda da propriedade, e justa, isto é, suficiente a manter indene o patrimônio financeiro do expropriado, bem como deve ser acrescida dos juros compensatórios e moratórios, que encontram fundamento no fato dos proprietários que tiveram seus bens afetados ao interesse público, e em razão disso terão transferido sua titularidade em nome do interesse público, sendo justo ressarci-los dos prejuízos decorrentes da perda da posse do bem, os frutos civis a que os mesmo teriam direito futuramente, bem como o ressarcimento pelo atraso no pagamento do justo preço da indenização. O pagamento será feito em títulos da dívida agrária, sendo feito em dinheiro quanto ao valor das benfeitorias úteis e necessárias (Art. 184, § 1º), e em títulos quanto ao valor da terra e das benfeitorias voluptuárias (Art. 184, caput).

Quanto ao procedimento, é o da LC 76/93, alterado pela LC 88/96, que é o "procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação", conforme Art. 184, § 3º, da Constituição Federal.

Para a melhor compreensão das questões ora levantadas, tomou-se por prioritário o cuidado em estabelecer, tanto quanto possível, uma seqüência lógica e progressiva do conteúdo a ser explanado. Destarte, para delinear com precisão o que a doutrina e a jurisprudência convencionaram sobre tema do presente trabalho, faz-se de imprescindível importância compreender a evolução de vários institutos jurídicos correlatos ao tema. Portanto, antes de adentrar no tema propriamente dito, faz-se curial a análise do direito de propriedade e a desapropriação e o seu procedimento judicial.


2. ASPECTOS GERAIS DA DESAPROPRIAÇÃO E DO DIREITO DE PROPRIEDADE

2.1 Evolução do Direito de Propriedade nas Constituições, até o advento da Carta Federal de 88

A primeira Constituição brasileira, datada de 1824, no período do Brasil Império, consagrou em seu artigo 179, item 22, o direito à propriedade privada, quando garantiu o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Contudo, previu a mesma que lei estabeleceria que o Poder Público, em caso de utilidade pública, deveria usar e empregar como lhe convier a propriedade, usufruindo dela, sendo, em contrapartida, o cidadão previamente indenizado do valor dela, estabelecendo também, que a lei marcaria os casos com que teria lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.

Com a primeira Constituição republicana, vigente a partir de 1891, a matéria manteve a essência da Constituição de 1824, estabelecendo em seu artigo 72, parágrafo 17, dispondo que, salvo nos casos de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia, o direito de propriedade manter-se-á em toda a sua plenitude.

Entretanto, posteriormente, com a edição da Constituição de 1934, que buscou a inspiração na Carta Federal Alemã da Constituição de Weimar, algo de totalmente novo surgiu no direito brasileiro. A partir de então, constitucionalmente, a propriedade privada passaria a ser condicionada ao cumprimento de sua função social, como se percebe da leitura do seu artigo 113, item 17, dispondo que "o direito de propriedade, não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar".

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Contudo, como bem lembra Hélio Roberto Nóvoa da Costa [1]:

"A análise acurada deste dispositivo revela que o constituinte teria compreendido a questão social, contudo, superficialmente. Ao corroborar a tese liberal do direito de propriedade, que para Locke era "o mais sagrado dos direitos", o constituinte teria assimilado algo da doutrina da Igreja, notadamente o ensinamento da Encíclica Rerum Novarum, na qual Leão XIII expressava a necessidade de condicionar a propriedade à função social".

Vale salientar que a Carta Política de 1934, cuja feitura foi provocada pela Revolução Constitucionalista de 1932, após o movimento revolucionário de 1930, que alçou Getúlio Vargas ao poder, teve vida curta. Com efeito, em 1937, Vargas implanta o chamado Estado Novo e impõe ao País uma nova Constituição, de nítida inspiração na sua congênere polonesa de 1935, o que lhe valeu a alcunha de Polaca. Conseqüentemente, face à abrupta interrupção gerada pela mudança política da "Era Vargas", a Constituição de 1937 não repisou o tratamento dado ao tema pela Constituição anterior assegurando em seu artigo 122, item 14, que dispunha que estaria o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia".

Mais uma vez válida a lição do professor Hélio Roberto Nóvoa da Costa2:

"Eivada de vícios, a Constituição de 1937, cognominada a Polaca, laconicamente garantiu o direito de propriedade (art. 122, nº 14), subtraindo o condicionamento do exercício do mesmo no interesse social ou coletivo, mantendo, contudo, a desapropriação por interesse ou utilidade pública".

Regida pelos ventos da alternância que se fizeram presentes em quase toda a história constitucional brasileira, a Constituição de 1946, sucessora, portanto, da Constituição de 1937, regida pelo espírito da redemocratização resultante do final da Segunda Guerra Mundial, tratou de restaurar a necessidade do cumprimento da função social da propriedade, incluindo-a no seu artigo 147, entre os princípios regentes da ordem econômica e social, dispondo que estaria condicionado o uso da propriedade ao bem-estar social, podendo a lei com a observância do disposto no art. 141, par. 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos, garantindo em suma o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

Esclarece Hely Lopes Meirelles3 que

"bem-estar social é o bem-comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias. Nele se incluem as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados; são as necessidades vitais da comunidade, dos grupos, das classes que compõem a sociedade".

Destaque-se que a Emenda Constitucional n.º 10, de 09.11.64, acrescentou parágrafos ao artigo 147, objetivando possibilitar à União a promoção de desapropriação de imóveis rurais "para os fins previstos neste artigo".Mantendo a mesma disposição estabelecida por sua antecessora, a Constituição de 1967 contemplou a função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica e social,

"todavia, com o fito de realização da justiça social e em substituição ao vago condicionamento do uso da mesma ao bem-estar social previsto nas constituições predecessoras, estabeleceu (art. 157, inciso III) que um dos princípios para este fim é a função social da propriedade, consagrada anteriormente pelo ESTATUTO DA TERRA (art. 2º, § 1º). Esta, nada mais é que o direito e dever resultante do embate filosófico e jurídico entre o princípio liberal do laissez faire, laissez passer e o da intervenção do Estado oriundo da posição da Igreja, tornada pública primeiramente pela Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII".4

Por fim, há de se ressaltar que o direito à propriedade privada restou garantido na referida Carta Constitucional em seu artigo 150, parágrafo 22, com ressalva nos casos de desapropriação. Tal entendimento foi também acolhido pela Emenda 1/69, em seu artigo 153, parágrafo 22, ratificando o princípio da função social da propriedade como forma de realização do desenvolvimento nacional e da justiça social, a da competência exclusiva da União para limitar as zonas prioritárias para a reforma agrária, a exclusividade dos latifundiários em serem indenizados em títulos especiais da divida pública e a delegação de atribuições para a desapropriação de imóveis rurais.

2.2 A Propriedade e sua Função Social

A propriedade configura-se como sendo o direito real mais amplo, congregando, dessa feita, os poderes de usar, gozar, e dispor da coisa, de forma absoluta, exclusiva e perpétua, bem como o de perseguí-la nas mãos de quem quer que injustamente a detenha, e cujo desmembramento implica a constituição de direitos reais parciais, tendo sido com base neste verdadeiro dogma a forma como a propriedade foi vista durante anos. Contudo, evoluiu do sentido individual para o social, visto que antes, "propriedade" e "individual" andavam lado a lado, conjuntamente identificando-se e com o correr dos tempos, a "propriedade" perdeu seu traço individualista e se torna "social".

A propriedade, relação de direito privado, mediante a qual uma coisa, pertencente a uma pessoa, estava, antes, sujeita totalmente à vontade desta, em tudo que não fosse proibido pelo direito público e pela concorrência de direito alheio. Era, então, o senhorio geral e independente da pessoa sobre a coisa, para fins de direito, reconhecido pelos limites estabelecidos pelo direito. Com a evolução dos tempos, hoje a propriedade deixa de ser o direito subjetivo do indivíduo e passa a ser a função social do detentor dos capitais mobiliários e imobiliários.

Assevera José Carlos de Moraes Salles5:

"Na Idade Média, o direito de propriedade era encarado, também, sob o aspecto de sua função social. Com efeito deve a propriedade representar um elemento de ordem e a paz social, prestando-se à organização e ao rendimento da produção. (...). Por outro lado, no direito medieval, havida a terra como sinal de poder e riqueza, só a propriedade imóvel tinha valor, era a propriedade por excelência, sendo a propriedade móvel relegada a um plano secundário, (...)".

Antigamente bem diversa era essa situação, posto que a propriedade, eixo em torno do qual girava o direito das coisas, caracterizava-se pelo seu feitio nitidamente individualista. Tratava-se então de relação jurídica privada e individual, de caráter sagrado e absoluto. Gradativamente, porém, modificou-se esse concepção egoística e individualista, que logo se tornou obsoleta, graças às tendências fundamentais da civilização atual, que reconheceu e proclamou, o predomínio do interesse público sobre o privado.

Note-se que, enquanto a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", de 1789, proclamava ser a propriedade "direito inviolável e sagrado", o Código de Napoleão, de 1804, pretendendo ser individualista, consagrou, como princípio a legitimidade da limitação do Estado sobre a propriedade ao definir esse instituto, no art. 544, como "o direito de gozar e de dispor das coisas de modo absoluto, contando que isso não se torne uso proibido pelas leis e pelos regulamentos". Dessa feita, foi-se condicionando cada vez mais o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social, permanecendo o princípio e alargando o seu alcance, prevalecendo hoje o princípio da função social da propriedade, limitando assim o uso e gozo absoluto pelo dono da propriedade.

Desse modo, o direito de propriedade, outrora absoluto, está sujeito aos nossos dias, a numerosas restrições, fundamentadas no interesse público ou social, e também no próprio interesse privado, de sorte que o traço nitidamente individualista, de que se revestia deu lugar à concepção bastante diversa, de conteúdo social, mas do âmbito do direito público. Apregoa José Afonso da Silva que "a função social da propriedade diz respeito à estrutura dela mesma, e não a um mero sistema de sua limitação". Conclui afirmando que este último diz respeito "ao exercício do direito, ao proprietário; aquela (a função social da propriedade), à estrutura do direito mesmo, à propriedade". Lembra ainda José Afonso da Silva6, que "bastava a disposição contida no inciso XXIII, do artigo 5.º, da Carta Magna, para que toda a forma de propriedade fosse intrinsecamente permeada ao princípio constitucional da função social da propriedade ".

Como bem assevera Artur Vidigal de Oliveira7:

"O bem-estar da sociedade, em especial do indivíduo como membro ativo e participante, passou a ser missão primordial do poder público, fazendo com que a propriedade perdesse seu marcante caráter de direito subjetivo individual para ser considerada sob o prisma de função social, bem da coletividade".

Assim, se o proprietário, negligencia o bem que lhe pertence, abandonando-o, inaproveitando-o, conservando-o improdutivo, não explorando-o, explorando abaixo de suas reais possibilidades, ocorre a hipótese de intervenção estatal na propriedade, medinate a desapropriação, que, retirando a propriedade do dominus negligente, a transfere para quem possa dar-lhe a destinação social prevista, ou seja "a Administração pelo Estado intervém no sentido de transferir a propriedade e a posse a quem melhor se utilize em benefício do bem comum ou em razão do interesse social".8

2.3 Evolução da Desapropriação no Direito Brasileiro

A Constituição Imperial (1824), garantia o direito de propriedade em toda a sua plenitude, ressalvada a hipótese do bem público, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, quando então haveria prévia indenização. Entretanto, a Constituição de 1824 deixou à lei ordinária a definição dos casos de desapropriação, o que foi feito pela Lei n.º 422, de 1826. Referida lei especificou as situações de necessidade e utilidade pública, "mantidas em todas as Constituições posteriores e definidas pelo artigo 590 do Código Civil".

A seu turno, a Constituição de 1934 garantiu o direito de propriedade, conquanto não exercido contra o interesse social ou coletivo. Observam-se duas particularidades ínsitas nessa Carta: a exclusão da expressão "em toda a sua plenitude" contida nos textos das suas duas antecessoras e a exigência expressa de indenização justa (artigo 113, item 17).Contudo, com a Constituição de 1937, em seu artigo 122, item 14, a expressão "justa" restou excluída. Em 21.06.1941, com a edição do Decreto-lei n.º 3.365, ocorreu a unificação das expressões "utilidade pública" e "necessidade pública", referidas no artigo 590 do Código Civil e na própria Constituição, em utilidade pública.

Com a Constituição Federal de 1946, no que pertine à indenização proveniente de desapropriação, esta passou a ser exigida, simultaneamente, de modo prévio, justo e em dinheiro. Com respaldo no contexto político vivido à época, seu artigo 147 previa a justa distribuição da propriedade em consonância com a idéia de supremacia do interesse social. Com a Constituição de 1946 formalizou-se a denominada desapropriação por interesse social sob a inspiração do princípio da função social da propriedade, ainda que em seu texto não se encontrasse tal nomenclatura. Como bem assevera Maria Sylvia Zanella Di Pietro9,

"pela Emenda Constitucional n.o 10, de 9-11-64, foi instituída outra modalidade de desapropriação por interesse social, que visava especificamente a reforma agrária, permitindo-se que a indenização fosse feita em títulos da dívida pública quando se tratasse de latifúndio como tal definidos em lei, excetuadas as benfeitorias úteis e necessárias, que seriam pagas em dinheiro".

Nesse mesmo entendimento, Hélio Roberto Nóvoa da Costa10:

"Marco no estudo do Direito Agrário, a Emenda Constitucional nº 10 reconheceu oficialmente a autonomia da disciplina (art. 1º). Desde então, o novel ramo do direito, incluído na alínea a, inciso XV, do art. 5º do texto constitucional, disciplinou as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra".

A despeito dessa evolução na função social da terra, o Ato Institucional n.º 9, de 25.04.69, veio dispensar o pagamento da indenização, passando nesta mesma o Decreto-lei n.º. 554 a disciplinar a desapropriação para reforma agrária. A Constituição Federal de 1969 manteve as mesmas hipóteses de desapropriação, às quais a atual Constituição de 1988 acrescentou nova modalidade (artigo 182, parágrafo 4.º, inciso III) em que o pagamento da indenização também pode ser feito em títulos da dívida pública. Registre-se que, além da hipótese acima, que retrata uma especial forma de desapropriação por interesse social, há no texto da Lei Maior a previsão de desapropriação sem indenização, o que, segundo alguns autores, corresponde a verdadeiro confisco, incidente sobre áreas onde se cultivem plantas psicotrópicas legalmente proibidas (artigo 243, caput.), sem prejuízo das outras sanções previstas em lei.

2.4 Pressupostos ou Requisitos da Desapropriação

Os pressupostos da desapropriação, ou requisitos como alguns preferem chamar, estão expressamente indicados na Constituição, quais sejam: a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social.

De acordo com o insigne Miguel Seabra Fagundes11,

"seria, a rigor, desnecessário desdobrar em três as causas justificativas do direito de expropriar, pois o conceito de utilidade pública é em si tão amplo, que a menção apenas dessa causa bastaria a autorizar a incorporação ao patrimônio estatal da propriedade privada, tanto quando fôsse útil fazê-lo, como quando tal se afigurasse necessário ou de interesse social".

Ora, então a utilidade não implicaria, obrigatoriamente, numa necessidade ou num interesse social, em strictu sensu, sendo contudo obrigatoriamente de utilidade pública, o procedimento que venha a ser de necessidade pública ou de interesse social.

A diferenciação entre utilidade e necessidade pública, que anteriormente se fazia entre esses dois conceitos, não apresenta atualmente relevância jurídica, posto que o Decreto-lei n.º 3.365/41 não se refere às hipóteses de necessidade pública previstas no Código Civil (art. 590, § 1.º), definindo no seu art. 5.º tanto as hipóteses de utilidade pública, quanto as de necessidade pública previstas na legislação civil mencionada, sob a denominação única de utilidade pública.

Vale ressaltar, que os casos de necessidade e utilidade pública previsto no art. 5.º acima referenciado são expressamente taxativos, e esse tem sido o entendimento de boa parte da doutrina, não podendo dessa feita a lei estadual ou municipal de alguma forma ampliar o seu conceito, tampouco nem a autoridade expropriante promover a desapropriação para fins diversos aos estabelecidos no Decreto-lei 3.365/41, sob pena de nulidade da expropriação.

A necessidade pública é caracterizada quando a Administração está diante de um problema inadiável e que demanda como solução indispensável a incorporação do bem particular ao domínio do Estado. Já a por utilidade pública quando a aquisição de certo bem é oportuna e vantajosa ao interesse coletivo, e por fim haverá o interesse social, quando este tem por fito solucionar problemas de cunho social.

Através de desapropriação apoiada no interesse social, o Estado pretende dar à propriedade privada, seja urbana ou rural, um melhor aproveitamento, atenuando, finalisticamente, as desigualdades presentes na sociedade. Com base no interesse social, as expropriações buscam atender o plano de habitações populares ou de distribuição de terras, à monopolização de indústrias ou nacionalização de empresas quando relacionadas com a política econômico-trabalhista do governo, etc.

Assim, a definição de quais sejam os casos de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social não fica a critério da Administração Pública, já que, como bem se percebe, as hipóteses vêm taxativamente expressadas em Lei. Sendo assim, faz-se indispensável indicar no ato expropriatório o dispositivo legal em que se enquadra a situação observada no caso concreto, não bastando a mera menção genérica de um dos três fundamentos. Tal exigência é totalmente procedente e do interesse do expropriado. De acordo com a hipótese enquadrada no ato expropriatório, serão diversas as circunstâncias a serem verificadas, dentre elas, as referentes à competência, à caducidade, aos beneficiários e à indenização.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Elthon Baier. Dos critérios da indenização e da aplicabilidade dos juros moratórios e compensatórios na desapropriação para fins de reforma agrária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 395, 6 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5548. Acesso em: 23 dez. 2024.

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