Um casal de adquirentes de unidade residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio Residencial Portal da Barra, no bairro Boa Vista, em São Vicente, litoral de São Paulo, perante a construtora Gávea (o nome da SPE era: Gávea Construtora São Vicente Spe Ltda.), obteve vitória completa perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da manutenção da sentença de primeira instância que havia declarado a quebra do “Instrumento Particular de Contrato de Promessa de Venda e Compra de unidade condominial” por culpa exclusiva da própria incorporadora ante gritante atraso na conclusão e entrega do empreendimento, determinando a devolução à vista de 100% sobre os valores pagos em Contrato aos compradores.
A aquisição do projeto de imóvel na planta ocorreu em maio de 2013, quando então os pretensos compradores assinaram o contrato perante a incorporadora, sendo certo que o prazo de conclusão das obras era até o mês de julho de 2014, já incluída a cláusula de tolerância de mais 180 (cento e oitenta) dias.
Ocorre que a emissão do necessário auto de conclusão de obra ou “habite-se” perante a Prefeitura de São Vicente ocorreu somente em meados de agosto, porém, o documento da Prefeitura estava errado e o novo “habite-se” somente foi expedido em 25 de novembro e a individualização das matrículas somente aconteceu em dezembro de 2014, o que representou a gota d’água para os compradores e após procurar a incorporadora para obter o distrato amigável do negócio e consequente restituição dos valores pagos, a incorporadora simplesmente não se posicionou.
O escritório MERCADANTE ADVOCACIA ingressou com uma Ação de Rescisão Contratual perante o Foro da Comarca de São Vicente, expondo a situação ao Juiz do caso e solicitando o desfazimento do negócio por culpa exclusiva da incorporadora ante o atraso na conclusão das obras e entrega do empreendimento dentro do prazo máximo estabelecido em contrato, bem como a condenação da incorporadora na restituição de todos os valores pagos, inclusive IPTU e taxa condominial.
O Juiz de Direito da 5ª Vara Cível de São Vicente, Dr. Otávio Augusto Teixeira Santos, em sentença datada de 03 de setembro de 2015, afirmou textualmente que, de fato, a incorporadora era a única culpada pelo atraso incontroverso na conclusão das obras e consequente entrega do empreendimento e que por isso, o pleito dos compradores era justo e aceitável, motivo pelo qual julgou inteiramente procedente toda a ação.
Inconformada com a sentença proferida na primeira instância, a incorporadora decidiu seguir com o processo mediante recurso de apelação interposto perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Recurso processado e devidamente distribuído perante a 20ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, tendo como Relator o Desembargador James Siano, acompanhado dos Desembargadores Moreira Viegas e Luis Mario Galbetti, para analisar se o Juiz de Direito na primeira instância agiu corretamente ou não ao condenar a incorporadora na restituição total dos valores pagos em contrato, além do IPTU e taxa condominial.
Por votação unânime, os Desembargadores entenderam por bem manter integralmente a sentença de primeira instância, afastando a fundamentação apresentada pela incorporadora, para o fim de impor a devolução do equivalente a 100% (cem por cento) dos valores pagos em contrato, além do IPTU e taxa condominial, tudo acrescido de correção monetária e juros de 1% (um por cento) a.m. até a data da efetiva devolução.
Para o Desembargador Relator, com a rescisão do negócio motivada por atraso exclusivo da incorporadora, as partes devem retornar ao estado anterior à compra, observando que no caso em análise a incorporadora deve devolver todos os valores pagos pelos compradores.
Nas palavras do Desembargador:
- “Incontroversa a mora da ré, porque o prazo de entrega do imóvel, incluindo a data de tolerância, findaria em julho de 2014 (cláusula 13.1, f.25).
- O “habite-se” foi obtido em 20.08.2014 (f. 35), a individualização das matrículas foi informada apenas em 05.12.2014 (f. 39) e a instalação do condomínio ocorreu em 20.12.2014 (f. 42).
- A alegação de que o atraso decorreu de aquecimento do mercado imobiliário ou por condições climáticas, não justifica a superação do prazo de tolerância estipulado no contrato, porque faz parte do risco da atividade econômica, que não pode ser carreado em desfavor do consumidor.
- É risco passível de previsibilidade. Presente a figura do fortuito interno que não elide a responsabilidade do fornecedor. Inaplicável o art. 393 do CC.
- Incidente a Súmula 161 desta Corte - Não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra, aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos. Essas justificativas encerram “res inter alios acta” em relação ao compromissário adquirente.
- Além disso, os autores não obtiveram financiamento imobiliário junto à CEF por constar no banco de dados da instituição financeira restrição em relação à ré e a um de seus sócios (f. 45). Circunstância obstativa nem sequer impugnada.
- A falha no comportamento contratual da ré impõe sua responsabilização pelo inadimplemento, devendo por consequência responder pelas perdas e danos, na forma do art. 475, in fine, do CC.
- A indenização deve no mínimo representar o retorno da parte inocente ao status quo ante, para evitar o enriquecimento ilícito.
- Não se trata de rompimento contratual por desistência, mas em razão de resolução por inadimplemento, o que impede a retenção de qualquer percentual.
- Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.”
Ao final, por votação unânime, os Desembargadores da 20ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negaram total provimento ao recurso de apelação interposto pela incorporadora para o fim de manter a sentença de primeira instância e condenar a incorporadora na devolução à vista de 100% (cem por cento) dos valores pagos, acrescido de correção monetária e juros de 1% a.m.
Processo nº 1004644-23.2015.8.26.0590
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
Gostou do artigo? Veja a íntegra da decisão judicial em:
http://mercadanteadvocacia.com/decisao/rescisaodistrato-do-contrato-por-ato-do-comprador/
* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.