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O ISS na exportação de serviços: nova decisão do STJ e avanços do debate do tema

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Agenda 03/02/2017 às 08:08

A nova decisão do STJ renova o debate e concede a prestadores de serviços maiores e melhores chances de argumentação e produção de provas.

INTRODUÇÃO

O Imposto sobre serviços de qualquer natureza consiste em tributo de competência municipal, o qual possui alguns pontos de sua sistemática bastante complexos e questionáveis, acarretando grande impacto econômico e financeiro na realidade dos prestadores de serviços.

Destaque-se, oportunamente, que a ampliação das bases territoriais da prestação de serviços atinge contundentemente a exportação de serviços, modalidade esta incentivada pelas estruturas governamentais, não apenas através de medidas comerciais, mas também de benesses legislativas, tais como isenções, exclusões do espectro de incidência, dentre outros.

Justamente sob esta ótica,  alguns segmentos do ramo da prestação de serviços, em razão do caráter de inovação, qualidade e tecnologia tem ampliado radicalmente sua esfera e espaço de atuação, conquistando mercados internacionais.

De modo inicial o ordenamento previu a não incidência do ISS sobre exportações de serviços através de Lei Complementar; todavia, os Municípios de forma geral e até mesmo o Poder Judiciário, através de suas decisões acabaram por retirar a eficácia desta norma, retirando-lhe praticamente toda a utilidade, em função, a nosso ver, da incorreta interpretação da expressão resultado do serviço.

O cenário acima descrito foi gravemente afetado a partir de julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no RE 831124/RJ, o qual afastou a não incidência do ISS em exportação de serviços, pautado em interpretação restritiva da expressão serviço, desconsiderando importantes aspectos, especialmente o destinatário da prestação e a utilidade do serviço.

Tal posicionamento acabou retirar quase toda utilidade da predita norma legal, além de conflitar com dispositivos legais do próprio Código Tributário Nacional. Em que pese tal ocorrência, no final de 2016 a mesma Corte prolatou nova decisão sobre o tema, a qual traz inovações e avanços importantes ao debate.


O CONCEITO DE SERVIÇO E O A IMPORTÂNCIA DO ELEMENTO RESULTADO

Muito embora o termo serviço represente o cerne da tributação do ISSQN, sua significação não foi normatizada, sendo deixado ao intérprete o preenchimento de seu conteúdo. Análise superficial da palavra permite a conclusão de que a mesma possui conteúdo múltiplo implicando em servir, desempenhar funções, realizar, fazer algo, dentre outros.

Deste cenário surge a necessidade de identificação de quais das possíveis significações guarda relação com a norma instituidora do ISSQN, passando a servir então, como norte para sua aplicação.

Muitos são os debates apresentados pela doutrina, sendo lícita a afirmação de que hoje existe uma convergência para a definição de serviço como uma obrigação de fazer. Tal entendimento foi corroborado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 116.121-3 realizado pelo Supremo Tribunal Federal de cujo conteúdo infere-se que o serviço deve ser entendido como obrigação de fazer, tal qual disposições e descrições trazidas no Código Civil.[1]

Promovendo-se análise da legislação civil tem-se como conceituação de obrigação de fazer um vínculo jurídico firmando entre agentes consistente na realização de um esforço material ou intelectual em favor de outrem, cujo conteúdo seja economicamente aferível.[2]

Partindo desta definição são identificados os elementos necessários para a configuração de uma obrigação de fazer:

Buscando situar a expressão serviço dentro da definição da obrigação de fazer, a vista da grande assertividade da conceituação, destaca-se a definição construída pelo Min. Luiz Fux na relatoria do julgamento do Recurso Especial n. 888852/ES.

(...)

4. Desta sorte, o núcleo do critério material da regra matriz de incidência do ISS e a prestação de serviço, vale dizer: conduta humana consistente em desenvolver um esforço em favor de terceiro, visando a adimplir uma ‘obrigação de fazer’ (o fim buscado pelo credor é o aproveitamento do serviço contratado)

5. É certo, portanto, que o alvo da tributação do ISSQN é o esforço humano prestado em favor de terceiros com um fim ou objeto.

Neste momento, partindo de interpretação sistemática e finalística, identifica-se que na composição da definição de serviço há a necessidade de sua realização a terceiro. Mais do que isto, a vista de seu caráter eminentemente bilateral, tem-se que o serviço é executado em favor de terceiro, buscando sua satisfação ou buscando a satisfação da utilidade pretendida pelo contratante.

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Tal característica torna-se essencial para a configuração da tributação do ISS, especialmente para a caracterização do local onde ocorreu a execução do serviço. Uma vez prestado em favor de terceiro e em função da utilidade que o mesmo proporcionará a terceiro certo que sua execução tem-se por concluída no momento e no local desta satisfação.[3]

Disto resulta que a consideração da ocorrência do resultado – momento e local, passa a ser critério essencial para a eliminação de conflitos aparentes de normas de tributação do ISS e para a correta aplicação do dispositivo constante na Lei Complementar n. 116/2003 voltado para a exportação de serviços.


RESULTADO-UTILIDADE E RESULTADO – CONSUMAÇÃO

Após a identificação do resultado como componente essencial para a justa e legítima aplicação da regra de incidência do ISSQN, faz-se necessária a apresentação de duas compreensões acerca da temática resultado da prestação de serviço.[4]

A primeira é representada pela expressão “resultado-utilidade” consistente na utilidade que o serviço gera ao tomador ou contratante. Representa a efetiva fruição do objeto contratado pelo credor, representando a bilateralidade das obrigações de fazer já exposta.

Vale lembrar que quando do estudo do ISS ou ICMS sobre atividades que resultam em bem, mas podem ser derivadas de um fazer ou um dar, ponto crucial para o apontamento do tributo incidente sobre a operação é justamente a condição do mesmo ter sido produzido com destinatário certo ou se simplesmente construído para a alocação no mercado e aquisição eventual, na medida de interesses posteriores à sua constituição.

Impossível trabalhar o conceito de serviço sem a consideração de que a utilidade gerada para terceiro contratante, ou seja, o resultado é requisito para sua existência.

Assim sendo e considerando a norma do artigo 110 do Código Tributário Nacional, a qual determina a proibição de adulteração de conceitos versados no direito privado quando sua utilização na seara tributária, ilícita a construção da regra-matriz de incidência tributária, em particular seu aspecto material.

Com efeito, são conhecidos na doutrina e jurisprudência equívocos e confusões sobre a individualização do aspecto temporal e espacial de tributos[5] e, os quais têm sido ampliados ao ISSQN relacionado a operações de exportação de serviços.

Pautado nas assertivas acima, não se pode concluir de forma válida (utilizados os métodos de interpretação finalístico e teleogógico) que a determinação do aspecto material da prestação do serviço ocorra pura e simplesmente no local de finalização dos atos materiais do fazer. Isto porque o fazer somente passa a ter significado e amplitude jurídica na medida em que é direcionado a alguém.

Consequência imediata desta construção lógica é a identificação do aspecto material do ISSQN somente quando identificada a oportunidade de utilização do resultado da obrigação de fazer pelo seu tomador ou contratante.

Segunda concepção é denominada “resultado-consumação”, segundo a qual o resultado do serviço seria representado somente pela consumação material do serviço pelo prestador, não se levando em consideração o vínculo obrigacional firmado com o contratante.

Há que se apontar que a concepção resultado-consumação em verdade prestigia a conclusão do esforço despedido na realização do fazer, sem contudo representar utilidade, posto nesta fase ainda não existir bilateralidade, uma vez que o tomador não se beneficiou da prestação.

Considerando as premissas até agora apresentadas, o entendimento acolhido por este trabalho é da adequação ao contexto normativo vigente da concepção resultado-utilidade, especialmente pelo fato de que um serviço somente resta caracterizado pela consecução em favor de terceiro e para a satisfação de seu interesse.

Não obstante, conforme melhor apresentado no próximo tópico, a linha de pensamento do resultado-consumação tem prevalecido em decisões judiciárias.


O ISSQN NAS OPERAÇÕES DE EXPORTAÇÃO

Cuidou a Lei Complementar n. 116/2003 da regulamentação da tributação pelo ISSQN nas operações que envolvessem a exportação de serviços, prescrevendo em seu artigo 2º a não incidência do tributo sobre este tipo de operações.

Sobre esta disposição legal não reside a problemática que envolve a tributação, a qual surge da letra de seu parágrafo único ao normatizar a afastar a aplicação da regra de não incidência acima descrita aos serviços destinados ao exterior, cujo resultado se verifique em território nacional, ainda que o pagamento seja feito por contratante situação no exterior.

De sua análise são conhecidas na jurisprudência e na atividade administrativa desempenhada por Municípios interpretações restritivas da isenção, quase que esvaziando seu conteúdo uma vez somente qualificar como exportação de serviços as situações em que a consumação do fazer ocorreu em território estrangeiro.

A interpretação do parágrafo único do artigo 2º da Lei Complementar n. 116/2003 em conjunto com a Constituição Federal, Código Civil, teleologia da norma e ainda da análise das concepções resultado-utilidade ou resultado-consumação permitirá elucidação da melhor forma aplicação do conteúdo da regra de exoneração do ISS, a fim de não apenas prestigiar o fomento das exportações com impactos importantes na economia, mas também para a manutenção da unidade e consistência do ordenamento jurídico e suas bases de justiça e equidade.

A despeito de já assinalado o entendimento que se entende harmônico à totalidade do ordenamento jurídico, se inicia a verificação de julgamento paradigma sobre a matéria, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça.


PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DO STJ SOBRE O TEMA

Muito embora a temática exportação de serviços tenha grande repercussão econômica, esta ainda não foi objeto de múltiplas análises pelo Poder Judiciário, figurando como paradigma de estudo o julgamento do Recurso Especial n. 831124/RJ, ocorrido em 15/08/2006.

Seu substrato fático é traduzido na contratação de empresa situada em território nacional por empresa situada no exterior para a execução de operações de retificação, reparo e revisão de motores e turbinas de aeronaves. A vista da consecução dos serviços narrados houve autuação da empresa nacional sendo lançado ISS relativo ao valor dos serviços, afastando a norma do artigo 2º da Lei Complementar n. 116/2003, sob o principal argumento de que o resultado do serviço teria ocorrido integralmente em solo nacional.

Tal julgamento centrou-se na definição do que seria resultado, sagrando-se vencedora a concepção resultado-consumação, sendo utilizados pela Egrégia Corte os argumentos de realização de serviços no território nacional, resultados ocorridos em solo brasileiro em função das atividades de reparos e consertos terem ocorridos na sede da empresa nacional contratada e que somente seria permitida a configuração de exportação de serviços na hipótese de nenhum efeito ter sido produzido no Brasil.

A corte ao definir resultado entendeu-o somente como o conserto do equipamento, fato entendido como ocorrido dentro do território nacional. A posição se complementa na afirmação de que apenas se também houvesse a contratação para instalação, esta facção da prestação poderia ser considerada exportação de serviços.

Todavia, considerando a estrutura da norma de incidência do ISS, a definição de obrigação de fazer extraída da legislação civil, a postura governamental de fomento às exportações, impõe a conclusão de que para a solução da lide não foi adotada a melhor concepção da palavra resultado.

Até mesmo a leitura da norma trazida pela Lei Complementar nº 116/2003 permite conclusão diversa. Isto porque a predita norma cria a norma de exportação e também traz em seu bojo a necessidade de localização da fruição do benefício, ou seja, onde o resultado da obrigação de fazer surtiu efeitos.

Da lei somente extrai-se que o utilização dos resultados não podem ocorrer em solo nacional, sob pena de não aplicação da regra de isenção; porém, não há permissão legal para sua restrição e entendimento de que o resultado é a mera conclusão de atividade física ou intelectual.

Conforme já expressado, o fruto da obrigação de fazer somente será considerado para fins de tributação do ISS quando de sua aplicabilidade ao contratante. Esta conclusão decorre da análise objetiva da materialidade do tributo advinda da própria Constituição Federal e institutos previamente definidos pelo direito privado.

Isto porque se entende como característica essencial da obrigação de fazer, na qual o serviço se subsume com perfeição, a bilateralidade. Tem-se, assim, que um serviço só tem existência quando executado em favor de alguém e a vista de seu interesse, a vista de sua necessidade.

Não se pode olvidar que resultado é consequência, efeito, e que tal fenômeno somente pode ser verificado quando as turbinas foram recolocadas nas aeronaves, situadas no estrangeiro, e então aferido que o conserto realizado teve sua utilidade configurada.

Argumenta-se ainda que para a situação examinada no Recurso Especial em cotejo bastaria a exclusão mental da empresa contratante estrangeira de todo o ciclo de operações para atingir-se a conclusão de que as atividades de retífica e reparo perderiam sentido, posto inexistente o beneficiário de seu resultado. Não haveria efeito algum para a atividade de reparo.

Só existe resultado para as atividades executadas pela empresa nacional quando a sua contratante efetivamente valeu-se do produto da obrigação de fazer, ato este configurado apenas quando os motores e turbinas são realocados nos equipamentos, circunstância ocorrida no exterior.

Ainda destaca-se que na situação em tela impossível alegar-se que somente o pagamento teria ocorrido por empresa estrangeira. Por diversas ocasiões houve a demonstração de fruição material dos resultados em solo não nacional.

Novamente ressalta-se a necessidade de não serem cometidos equívocos na identificação do real momento de prestação do serviço, afastando-se da adoção do entendimento de que o resultado significaria a consecução material da atividade, premissa que se entende equivocada.

Sob esta ótica, infirma-se mais uma vez a necessidade de consideração do resultado como a utilidade gerada pela obrigação de fazer a seu tomador ou contratante, representando este momento de fruição o marco para a identificação do momento e local da prestação do serviço.

Por fim, ilustrando a postura ora adotada, transcreve-se trecho do voto vencido exarado pelo Min. Teori Albino Zavaschi.

Penso que não se pode confundir resultado da prestação de serviço com conclusão do serviço. Não há dúvida nenhuma que o serviço é iniciado e concluído aqui. Não há dúvida nenhuma que o teste na turbina faz parte do serviço. O fato de ser testado aqui foi o fundamento adotado pelo juiz de Primeiro Grau e pelo Tribunal para dizer que o teste é o resultado. Mas essa conclusão não é correta: o teste faz parte do serviço e o serviço é concluído depois do teste. Depois disso, a turbina é enviada ao tomador do serviço, que a instala no avião, quando então, se verificará o resultado do serviço.

Desta forma, realizada análise objetiva e científica dos elementos componentes do ISSQN, conclui-se pela necessidade de consideração do resultado como essencial para a caracterização da isenção sobre exportação de serviços. Mais do que isto, a expressão resultado deve ser preenchida em harmonia com seu contexto lógico-jurídico, o qual volta-se não para a conclusão de atividades materiais do fazer, mas para a fração onde se é perceptível a fruição do fazer por seu contratante.

Sobre a autora
Roberta Vieira Gemente

Advogada, formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Puccamp, pós -graduada em Direito Tributário pela Faditu, MBA em Direito Fiscal pela Trevisan Escola e Negócios,certicada em diversos cursos de Direito Tributário ministrados na PUC-SP, GVLaw, Apet, dentre outros. Pós graduanda em Direito de Contratos e Responsabilidade Civil. Atuação na área Contenciosa e Consultiva Tributária desde o ano de 2000, prestando serviços para escritórios de médio e grande porte. Inscrita na OAB, seção SP, sob o número 186.599.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GEMENTE, Roberta Vieira. O ISS na exportação de serviços: nova decisão do STJ e avanços do debate do tema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4965, 3 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55605. Acesso em: 23 dez. 2024.

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