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Código de Proteção e Defesa do Consumidor:

o advogado e sua responsabilidade civil

Agenda 11/08/2004 às 00:00

O direito de proteção e defesa do consumidor surgiu em razão da existência de diversas questões sociais preementes na sociedade moderna. Quer dizer, nasceu para atender demandas concretas onde reconhecidamente havia uma relação desigual, sendo um o vulnerável em face do poder econômico, tecnológico, científico do outro. Portanto, o direito protetivo vem buscar o equilíbrio jurídico entre as partes da relação sob sua tutela.

A Constituição Federal de 1988, assim, ante ao clamor por parte da sociedade, determinou como direito e garantia fundamental do indivíduo o dever do Estado em providenciar uma proteção adequada no que se refere à tutela dos direitos e interesses do consumidor (1), e para tanto, determinou a elaboração do Código de Defesa e Proteção do Consumidor. (2)

Assim, em 11 de setembro de 1990 foi promulgado a Lei n.8078, contendo normas de ordem pública, o que significa dizer, inderrogáveis por vontade dos interessados integrantes da relação jurídica, tendo por finalidade maior resgatar a coletividade de consumidores do poderio abusivo dos detentores do poder econômico, intelectual, científico e tecnológico, além de dotá-la de instrumentos adequados para o exercício do direito constitucional de acesso à justiça.

Esta relação jurídica é formada, portanto, por sujeitos denominados consumidor e fornecedor. Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire bens ou contrata a prestação de serviços, como destinatário final, ou seja, para uso e satisfação própria, conforme exata redação da lei. Também é consumidor aquele que não tenha intervindo na relação de consumo, mas esteja exposto às práticas consumeristas. (3) Este consumidor é por decorrência fática e jurídica o vulnerável – presunção absoluta – na relação de consumo, e por esta razão, aquele que recebe a tutela protetiva da lei. (4)

Por seu turno, fornecedor é aquele profissional que coloca no mercado de consumo produtos e serviços à disposição do consumido, através da realização de atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização. Este fornecedor, na redação do art. 3º da Lei Consumerista pode ser pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, e inclusive um ente despersonalizado, demonstrando assim a intenção do legislador em prover integralmente a proteção do consumidor, sob todos os aspectos.

Finalmente, é objeto desta relação de consumo, como já referido o produto ou serviço postos à disposição do consumidor. O produto será qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, que venha a satisfazer uma necessidade daquele que o adquire, sendo irrelevante, inclusive, a existência de remuneração. De outra banda, serviço será a atividade, benefício ou satisfação comercializados no mercado profissional, o que leva a interpretação, de acordo com o artigo 3º§2º do Código do Consumidor, da necessidade de remuneração para que a relação seja considerada de consumo.

Traçada a relação jurídica de consumo, faz-se necessário referir sinteticamente acerca dos direitos básicos do consumidor que estão referidos no artigo 6º da lei sob análise, e que foram fixados com o fito de regular dentro do espírito da igualdade jurídica as relações jurídico-contratuais firmadas entre sujeitos que possuem uma enorme desigualdade entre si, o fornecedor e o consumidor.

Com tal intervenção do Estado nas relações entre seus particulares, acabou-se por diminuir a liberdade contratual de que dispunham as partes da relação de consumo, entretanto, este intervencionismo justifica-se plenamente, eis que vem atender interesses de ordem pública, essenciais, qual seja, tutelar o consumidor, que está sempre em desvantagem nas relações que estabelece com o fornecedor.

Assim, são direitos básicos do consumidor, os direitos à informação (5); à proteção da sua incolumidade física e psíquica; à proteção contratual abusiva; ao acesso aos órgãos jurisdicionais e não jurisdicionais, para tutela destes direitos; à reparação dos danos sofridos individual ou coletivamente. É a partir destes direitos fixados que se traçou a linha de atuação do Código Consumerista.

Merece destaque, no caso, o direito a reparação dos danos patrimoniais e morais sofridos. A responsabilidade no Código de Proteção e Defesa do Consumidor é via de regra objetiva. A responsabilidade civil tem dois objetivos primordiais: o caráter pedagógico e preventivo e a condição pela qual é obtido o ressarcimento. Assim, existem duas órbitas de proteção. A primeira garante a incolumidade físico-psíquica, protegendo a saúde e segurança contra os chamados acidentes de consumo, enquanto que a segunda protege a incolumidade econômica contra os referidos incidentes de consumo. Eleita a responsabilidade objetiva pelo CDC ressalte-se que o estabelecimento desta modalidade, baseada na ausência da culpa não desonera o consumidor de realizar suas provas no processo. O consumidor deve provar o dano e o nexo entre este dano e o produto ou serviço, não necessitando provar o defeito. Entretanto, ao mesmo tempo, eis que há a presunção legal absoluta de sua vulnerabilidade, no plano processual o código autoriza a inversão do ônus probatório, a critério do juiz, quando houver verossimilhança da alegação e segundo as regras de experiência.

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Sinteticamente, apresentadas noções básicas referentes ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, passa-se de imediato a analisar o tema proposto, qual seja a inserção da atividade advocatícia como atividade de consumo e a regulação de sua responsabilidade.

Primeiro, há que se afirmar que a atividade advocatícia insere-se perfeitamente nas relações de consumo. É ele profissional, e portanto exercendo suas atividades com habitualidade, que contrata a prestação de um serviço, remunerado por honorários, comprometendo-se a utilizar as melhores técnicas, teorias, meios... para obter o resultado esperado.

Profissão liberal é aquela de nível superior caracterizada pela inexistência de qualquer vinculação hierárquica e pelo exercício predominantemente técnico e intelectual de conhecimentos. Portanto, é o prestador de serviço solitário, que faz do seu conhecimento o instrumento de sobrevivência. Assim, advogados, médicos, dentistas, administradores e outras profissões de nível superior em que não haja vínculo hierárquico, enquadram-se na espécie.

Entretanto, apesar do Código de Proteção e Defesa do Consumidor estabelecer como regra a responsabilidade objetiva, no que diz respeito ao profissional liberal, a lei excetuou, fixando para estes a responsabilidade subjetiva, na forma do artigo 14§4º. E isto se justifica na medida em que os profissionais liberais são contratados ou constituídos com base na confiança que inspiram aos clientes.

Ademais, o advogado exerce obrigação de meio, quer dizer, se obriga a empenhar todos os esforços possíveis para a prestação de determinados serviços, não existindo compromisso com a obtenção do resultado específico.

Neste diapasão a jurisprudência:

HONORÁRIOS PROFISSIONAIS. ADVOGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. A responsabilidade civil do advogado é subjetiva, e, portanto, apurada mediante a verificação de culpa, a teor do art. 14, § 4º, do CDC, aplicável aos profissionais liberais. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Os autos não evidenciam culpa do procurador capaz de gerar obrigação de indenizar. Se inércia houve foi do cliente que consultou em setembro de 1994 e em abril/95 ainda não havia providenciado nos documentos necessários à lide. Também não há prova que o cliente fora informado que a ação já havia sido ajuizada e seguia seu trâmite normal. Impõe-se, por isso, sentença de improcedência. Sentença reformada. Recurso de apelação provido. Sucumbência redefinida. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70004837548, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: GENACÉIA DA SILVA ALBERTON, JULGADO EM 26/03/2003)

Ora, nas obrigações de resultado, o profissional vende o seu serviço, prometendo a obtenção de um resultado específico, pelo qual o consumidor se sente estimulado a pagar o preço correspondente. Neste caso a responsabilidade é objetiva, cabendo ao profissional ressarcir o consumidor eis que o eventual vício no serviço decorreu de falha somente imputável ao fornecedor.

Entretanto, nas obrigações de meio, onde o profissional não tem possibilidade de comprometer-se com resultado certo, há que se perquirir da existência de culpa para que surja o dever de indenizar.

Neste sentido aliás, a doutrina: "O advogado está obrigado a usar de sua diligência e capacidade profissional na defesa da causa, mas não se obriga pelo resultado, que sempre é falível e sujeito às vicissitudes intrínsecas ao processo. (...). Não devemos esquecer que o advogado é o primeiro juiz da causa e intérprete da norma. Deve responder, em princípio, se ingressa com remédio processual inadequado ou se postula frontalmente contra a letra da lei. No entanto, na dialética do direito, toda essa discussão será profundamente casuística. É fora de dúvida, porém, que a inabilidade profissional evidente e patente que ocasiona prejuízos ao cliente gera dever de indenizar. O erro do advogado que dá margem à indenização é aquele injustificável, elementar para o advogado médio. (...). No exame da conduta do advogado, deve ser aferido se ele agir com diligência e prudência no caso que aceitou patrocinar." (6)

Assim, a obrigação do advogado é promover a defesa de seu cliente com zelo, diligência e técnica adequada, não se responsabilizando pelo sucesso ou insucesso da ação, salvo em hipóteses em que realmente agir dolo ou culpa grave no que o outorgante do mandato efetivamente perdeu, ou no êxito que provadamente poderia ter obtido mediante conduta diversa. Assim, a sua responsabilidade é de meio e não de resultado. Para o profissional do direito ser responsabilizado deve restar comprovado o dolo ou culpa, nos termos do estabelecido no artigo 927 do novo Código Civil.

Nesta linha também a jurisprudência:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. O dever de indenizar se estabelece quando o advogado age com culpa. Trata-se de responsabilidade contratual e subjetiva, que reclama prova cabal e inarredável. (...). CULPA OU DOLO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. Se a autora não obteve êxito em demonstrar a versão que trouxe aos autos, qual seja, a propositura da demanda trabalhista não dependia do adiantamento de parte dos honorários, posto que contratado era o pagamento de honorários de 30% ao final da lide, a improcedência da ação é medida que se impõe, forte no art. 333, I, do CPC. Sentença de improcedência mantida. Recurso de apelação improvido. (AC n° 70004360244, rel. Desa. Genacéia da Silva Alberton, 16ª Câmara Cível, TJRS, j. em 19.03.2003).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS À IMAGEM. OBRIGAÇÃO DE MEIO. A obrigação do advogado é de meio de não de resultado e sua responsabilidade depende da perquirição de culpa, não há que se falar em responsabilidade do profissional do direito, mormente quando sequer houve demonstração da existência dos alegados danos e do nexo de causalidade. Sentença parcialmente procedente em primeiro grau. Apelo provido para julgá-la improcedente. (AC n° 598140010, rel. o hoje Des. Antonio Correa Palmeiro da Fontoura, 6ª Câmara Cível, TJRS, j. em 28.02.2001).

Aliás, a desídia do advogado é responsabilizada pela doutrina e jurisprudência a partir da teoria francesa da ‘perda de uma chance’, segundo a qual "Perda de uma chance é uma expressão feliz que simboliza o critério de liquidação do dano provocado pela conduta culposa do advogado. Quando o advogado perde o prazo, não promove a ação, celebra acordos pífios, o cliente, na verdade, perdeu a oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação integral ou completa de seus direitos (art. 5º, XXXV, da CF). Não perdeu uma causa certa; perdeu um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso. Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, o juiz deverá, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance." (7)

A propósito, o Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior quando Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, julgando a Apelação Cível 591064837, que tratava da responsabilidade do advogado pela perda do prazo de interposição de recurso assim se manifestou: "... causaram à autora a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Professor François Chabas: Portanto, o prejuízo não é a perda de aposta ( de resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la ( La perte d´une chance en Droit Française, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS. Em 23.05.90.)"

Ressalte-se, entretanto que ainda que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor tenha afastado no caso a responsabilidade objetiva, não alterou o entendimento de que o consumidor continua sendo o beneficiário de todas as demais normas protetivas. Assim o ônus da prova poderá e deverá ser invertido, até porque a natureza da atividade do profissional liberal já lhe atribui uma superioridade técnica evidente em relação ao consumidor, que por presunção legal é vulnerável. Neste sentido já se manifestou a jurisprudência: " (...) Da leitura do artigo legal se infere que o legislador afastou a responsabilização objetiva em face de erros praticados por profissionais liberais, tais como médicos – como é o caso dos autos – e advogados, pois a relação é fundada basicamente na confiança. Ocorre que tal norma legal de nenhuma forma estabelece a impossibilidade de inverter-se o ônus probatório em favor do consumidor, porque evidente a condição hipossuficiente deste em relação ao outro." (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70005785118, julgado em 27.05.2003).

Também afirma a doutrina: "(...) se o dispositivo comentado afastou, na espécie sujeita, a responsabilidade objetiva, não chegou a abolir a aplicação do princípio da inversão do ônus da prova. Incumbe ao profissional prover, em juízo, que não laborou em equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho de sua atividade." (8)

Finalmente, observe-se que o parágrafo fala em profissional liberal, tratando diretamente com o consumidor, não sendo o caso portanto de serviços profissionais prestados pelas pessoas jurídicas. Caso o profissional de determinada área integre uma pessoa jurídica a regra aplicável será a da responsabilidade sem culpa, dirigida à empresa prestadora de serviço.

Ante o exposto, fica clara a perfeita adequação da relação estabelecida entre o profissional advogado e seu cliente como verdadeira relação de consumo, constatando-se a regulação de sua responsabilidade civil pelo microssistema criado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Decorre daí a percepção da necessidade real e urgente de constante qualificação e atualização da classe para que possa utilizar os melhores meios no exercício da atividade, valorizando assim o profissional.


NOTAS

  1. Artigo 5º, XXXII, CF.
  2. Artigo 48, ADCT.
  3. Artigos 2º, parágrafo único, 17, 29, todos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
  4. Artigo 4º, I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
  5. Subdividindo-se este em direito à educação, direito à informação sobre produtos e serviços e direito à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva e contra as práticas comerciais condenáveis
  6. Sílvio de Salvo Venosa, in Direito Civil, Vol. IV, Ed. Atlas, 3ª edição, pág. 175 e seguintes.
  7. Ênio Santarelli Zuliani in Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, vol. 21, pág. 136.
  8. Ada Pellegrini Grinover e outros in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001, p. 175/176.
Sobre a autora
Simone Grohs Freire Simões Pires

advogada em Rio Grande (RS), professora universitária, mestre em Desenvolvimento Regional, especialista em Direito Tributário pelo IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Simone Grohs Freire Simões. Código de Proteção e Defesa do Consumidor:: o advogado e sua responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 400, 11 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5582. Acesso em: 25 nov. 2024.

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