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O inventário negativo

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Agenda 18/02/2017 às 13:30

Quando uma pessoa morre, seu patrimônio, além de ser dividido entre seus herdeiros, também servirá para pagar suas dívidas. E quando a pessoa morre deixando dívidas, sem deixar patrimônio? Os herdeiros serão responsáveis pelo pagamento? Como se proteger?

Resumo: Quando as pessoas morrem, abre-se a sucessão dos direitos, bens, patrimônio e dívidas deixados pelo autor da herança, conhecido ainda, como de cujus. À soma de tudo quanto deixado pelo falecido dá-se no direito o nome de monte mor partível. Desta forma, há a necessidade de se efetuar um inventário a fim de haver a reunião do monte mor e a consequente partilha junto aos herdeiros e legatários, o que possibilita também o recolhimento de eventuais tributos devidos ao Estado.

Quando o falecido deixa dívidas, a somatória de sua herança servirá para efetuar a quitação dos débitos que contraiu em vida, pagando-se a todos os credores, sejam eles privados ou o Poder Público, no exato limite da herança, o que quer dizer que sendo a herança menor do que as dívidas, estas últimas serão saldadas no valor limite da herança, ficando eventual remanescente sem ser pago, visto que os herdeiros e legatários por força de lei, não responderão com seu patrimônio particular por dívidas deixadas pelo falecido. Ocorre que não é incomum que a pessoa que vem a falecer deixe apenas dívidas, não deixando qualquer bem, direito ou patrimônio a seus sucessores, não podendo suas dívidas recaírem sobre os mesmos. Por esta razão a fim de resguardar o patrimônio particular dos sucessores, embora não haja qualquer previsão legal, a doutrina majoritária na voz de mestres e juristas como Humberto Theodoro Júnior, Silvio de Salvo Venosa, Cristiano Pereira Moraes Garcia, dentre outros, e na força da jurisprudência dominante dos tribunais de justiça brasileiros, preveem e aceitam a prática do inventário negativo, como forma probante da inexistência de bens do de cujus a serem partilhados, com o objetivo de salvaguardar o patrimônio particular dos sucessores, para que os credores não recaiam sobre seus bens, além de servir como prova para outras necessidades legais exploradas neste trabalho, como o afastamento de causa suspensiva para a contração de novas núpcias pelo cônjuge sobrevivente. Para se concluir acerca da existência e da importância do inventário negativo, houve a necessidade de pesquisa e uso de um referencial teórico pautado na doutrina e na jurisprudência pátria, a fim de demonstrar a relevância do presente estudo.

 Palavras-chave: Direito Civil. Morte. Sucessão. Inventário. Inventário Negativo.


1 Introdução

No direito brasileiro, suceder trata da substituição legal do titular de um direito por outra pessoa, sendo assim, de acordo com o professor Silvio de Sávio Venosa, “suceder é substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe uma substituição do titular de um direito[2]”.

Desta feita, considerando o disposto acima, temos que, quando o conteúdo ou objeto de uma relação jurídica permanece o mesmo, mudando o seu titular, ocorre uma sucessão dada à substituição operada por esta transmissão de direito.

O mestre Venosa assim como outros doutrinadores delimitam a sucessão por meio de uma linha divisória, separando-a em duas partes distintas. Assim, aponta a sucessão que ocorre por meio de atos entre vivos, tal qual o contrato de compra e venda, por exemplo, onde ocorre a transmissão de um bem, em que o vendedor transfere direito ou objeto ao comprador pelo preço e condições entre eles ajustados, havendo a substituição do proprietário, que passa agora a ser o comprador, e aquela sucessão originada por razão da morte (causa mortis), em face da qual, os direitos e obrigações da pessoa que morre são transferidos para os herdeiros e legatários[3].

Na ciência jurídica quando fala-se em direito das sucessões, trata-se de um campo específico do direito civil brasileiro, sendo aquele que aponta a transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte, posto o direito hereditário, o direito de herança.

A herança é “o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas, que sobreviveram ao falecido[4]

Sendo assim, tem-se que com a morte abre-se a sucessão, e de acordo com o artigo 1.784 do Código Civil Brasileiro, aberta a sucessão a herança passa, transmite-se, de forma imediata aos herdeiros legítimos e testamentários, sendo legítimos aqueles indicados por lei, dentro da vocação hereditária prevista pelo artigo 1.798 e seguintes do mesmo Codex, e os testamentários aqueles legitimados em testamento que esboça a declaração de última vontade do falecido.

Operada a sucessão pela morte, caberá aos herdeiros e legatários proceder com a partilha dos bens deixados pelo falecido, também chamado de de cujus, a fim de que cada um receba a proporção legal ou de última vontade do morto, dando-se a cada uma dessas partes o nome de quinhão.

Contudo, importante salientar que na sucessão os herdeiros, recebem como herança os direitos, os bens e as dívidas do falecido, sendo que, em se tratando das dívidas deixadas pelo morto, por força do artigo 1.997 do Código Civil Brasileiro, a herança irá responder pelo pagamento de referidas dívidas, sendo que obviamente caso haja a partilha de bens, atribuindo a cada herdeiro o seu respectivo quinhão, estes com base no mesmo dispositivo legal, responderão pelo pagamento apenas na proporcionalidade dos bens e direitos que receberam de herança, não atingindo seu patrimônio próprio/particular.

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Como já mencionado, com o falecimento abre-se a sucessão, passando todos os direitos, bens e dívidas, este chamado também de patrimônio hereditário, aos herdeiros que sucedem seja por força de lei, seja por manifestação de última vontade esboçada em testamento.

Ocorre que referido patrimônio hereditário transmite-se uno aos herdeiros, de forma que a herança é considerada a princípio um bem imóvel para efeitos legais, pertencendo em sua totalidade a todos os herdeiros de forma indivisível, devendo haver a partilha desse patrimônio a fim de que haja a divisão dos quinhões e seja entregue a cada herdeiro a sua quota parte de forma individualizada.

A partilha do patrimônio hereditário dá-se por meio do inventário, no qual será elaborada uma descrição pormenorizada dos bens da herança, para possibilitar o recolhimento de tributos, o pagamento de credores e a partilha dos bens a quem de direito.

Note-se que o inventário não se reputa apenas a partilhar os bens deixados pelo autor da herança dentre aos herdeiros que o sucederam, mas ainda, e antes disso, é instrumento importante para em primeiro lugar pagar os credores do falecido.

É certo que o inventário tem por finalidade segundo Venosa de “achar, descobrir, descrever os bens da herança, seu ativo e passivo, herdeiros, cônjuge, credores etc[5]”, o que possibilitará no caso dos credores, receber por seu crédito segundo as forças da herança do falecido (artigo 1.997 do Código Civil), e aos herdeiros demonstrar e comprovar por meio do inventário a totalidade dos bens deixados pelo morto, especialmente aos seus credores, que só receberão cada qual o seu crédito no limite dos bens deixados pelo autor da herança, o que obviamente declina que se não houver bens nesta herança, mas tão somente dívidas, os credores não receberão absolutamente nada.

Equivocadamente muitas pessoas acham e isto por falta de informação, que o inventário serve apenas para reunir os bens deixados pelo falecido, e distribuí-los entre os herdeiros, sendo que em situações nas quais o morto deixa apenas dívidas, não há qualquer preocupação em proceder com o inventário já que não haverá a divisão de qualquer direito ou bem.

Contudo, o inventário serve ainda para comprovar perante terceiros, os bens deixados e seus respectivos valores, a fim de serem partilhados entre os herdeiros, e em havendo dívidas, sejam quitadas com a herança até o seu limite.

Se os herdeiros respondem pelas dívidas do falecido até o limite das forças da herança, em se tratando de situações em que o de cujus deixe apenas dívidas, como os herdeiros poderão livrar-se da constrição e perda de seus bens e patrimônio próprios? Como fazer prova imediata de que o morto devedor, não deixou bens para saldar suas dívidas?

Deverão estes herdeiros inventariar o nada?

Para estas situações, a fim de resguardar os direitos dos herdeiros e legatários, embora a legislação brasileira seja omissa neste aspecto, a doutrina e a jurisprudência majoritárias, a fim de preencher a lacuna legal, prevê e aceitam o que denominam de inventário negativo, este que se dá não para inventariar o inexistente, posto que se não há bens, como levantar, descobrir e relacionar o nada para dividi-lo entre os sucessores?, mas, sim, para declarar que o de cujus não deixou bens por ocasião de seu falecimento, resguardando o patrimônio particular dos sucessores, que de posse do inventário negativo, facilmente conseguem comprovar perante terceiros e em eventuais defesas em ações judiciais, que o falecido não deixou direitos ou bens, não havendo responsabilidade pessoal de nenhum dos herdeiros no pagamento dos débitos deixados pelo morto.

Além do acima exposto, o inventário negativo ainda, tem finalidade legal em outros campos do direito, os quais serão vistos com mais propriedade ao longo deste trabalho de pesquisa.

Destaca-se que nesse processo, o interessado pedirá a declaração formal de inexistência de bens a inventariar, provando a necessidade.


2 Inventário Negativo

De acordo com o doutrinador Cristiano Pereira Moraes Garcia:

O inventário negativo é aquele realizado pelo sucessor com a finalidade de o Poder Judiciário declarar que o morto não deixou bens a inventariar, tornando pública tal situação. A legislação não regulamenta esse tipo de inventário.

A doutrina majoritária e a pacífica jurisprudência aceitam a utilização do inventário negativo[6]

Desta forma, conforme Silvio Venosa orienta, mesmo sendo o inventário o instrumento necessário para a apuração dos haveres existentes na herança, poderão ocorrer situações em que haverá a necessidade de se fazer prova de que o de cujus não tenha deixado qualquer patrimônio, e que não existe bem algum a inventariar.

Na mesma toada vale transcrever o entendimento do mestre civilista Humberto Theodoro Júnior:

O inventário negativo é, nessa conjuntura, o expediente criado pela praxe forense para provar que o óbito se deu sem deixar bens a partilhar. Trata-se de medida de jurisdição voluntária, que preenche lacuna da lei e merece aplausos da doutrina e jurisprudência. O procedimento sumário instituído pela experiência do foro consiste em acusar, em petição, o óbito ao juiz, assumindo o requerente o compromisso de inventariante, com citação dos demais interessados e audiência do Ministério Público e da Fazenda Pública. Prestadas as declarações com a menção de ausência total de bens a inventariar, e havendo concordância de todos os convocados ao processo (que tanto pode ser expressa como tácita), o feito se encerra com sentença de homologação do declarado pelo inventariante a qual, através de certidão, servirá de documento para instruir o processo de casamento do cônjuge viúvo, ou para qualquer outro fim legal[7]

Embora o mundo jurídico seja vasto, e as situações do cotidiano possam ser impensáveis, tem-se algumas razões mais usuais que demonstram a necessidade do inventário negativo ser proposto pelos herdeiros, tais como: a declaração judicial de ausência de bens deixados pelo de cujus para salvaguardar o patrimônio particular dos herdeiros perante aos credores do morto, ou para que o cônjuge sobrevivente possa evitar a aplicação das sanções decorrentes do descumprimento da causa suspensiva prevista no artigo 1.523, I, do Código Civil Brasileiro. 

2.1 O inventário negativo para salvaguardar o patrimônio dos herdeiros

De acordo com o artigo 1.791 do Código Civil de 2002, ainda que vários sejam os herdeiros, a herança é um todo unitário, sendo que até que haja a partilha deste universo único, o direito de todos os herdeiros quanto a propriedade e posse dos bens herdados, é indivisível, regulando-se pelas normas relativas ao direito de condomínio, previstas pelo mesmo diploma legal.

Existem situações em que o de cujus morre sem deixar qualquer patrimônio para ser partilhado, mas ao contrário, deixa dívidas a serem saldadas.

Ocorre que por força do artigo 1.792 do Código Civil de 2002 os herdeiros não poderão sofrer constrição a seu patrimônio particular a fim de quitar dívidas do autor da herança.

A previsão legal determina assim, que não responderá nenhum dos herdeiros por encargos superiores as forças da herança, ou seja, não responderá pelo pagamento de nenhuma dívida que ultrapasse o limite da herança deixada, devendo contudo, por ordem legal, provar o excesso salvo se houver inventário que a demonstre, comprovando ainda o valor dos bens herdados.

Sendo assim, da mesma forma que um inventário positivo, que elenque os bens deixados pelo de cujus e por conseguinte proceda com a partilha destes mesmos bens aos herdeiros e legatários, tem força probante para demonstrar perante aos credores a relação dos bens deixados e partilhados com seus respectivos valores a fim de comprovar até que ponto poderá ser suprimida as dívidas do morto, igualmente o inventário negativo, tem o condão de por meio de uma sentença declaratória, comprovar perante terceiros que o falecido não deixou patrimônio a ser partilhado entre herdeiros e legatários, razão pela qual não há como saldar as suas dívidas.

Ora, de posse do inventário negativo, os herdeiros têm em mãos prova suficiente de que não receberam qualquer patrimônio do de cujus não devendo saldar com recursos próprios as dívidas deixadas pelo autor da herança, evitando contra si cobranças e constrição de bens, sejam por dívidas privadas, sejam por débitos de responsabilidade fiscal perante aos entes estatais, como por exemplo, o fisco municipal, estadual, e ou, federal. 

2.2 O inventário negativo para evitar a aplicação das sanções decorrentes do descumprimento da causa suspensiva prevista no artigo 1.523, I, do Código Civil de 2002. Novo casamento do cônjuge sobrevivente

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1.523, inciso I, prevê que “Não devem casar: I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros[8]”.

A previsão legal acima transcrita revela-nos uma das causas suspensivas do casamento, as quais visam apenas impedir a realização do matrimônio, mas que não tem força de anulá-lo, visto que se realizado o consórcio com sua infringência, o casamento será válido, impondo a lei apenas sanções de natureza diversa.

Sendo assim, o casamento celebrado com a inobservância da causa suspensiva do artigo 1.523, inciso I, em comento, tornará como obrigatório o regime da separação de bens, conforme previsto pelo artigo 1.641, inciso I, do mesmo instrumento normativo, sendo que os bens do de cujus permanecerão sob a administração exclusiva do cônjuge sobrevivente, até que haja o inventário e a partilha dos bens entre os herdeiros e legatários.

Outra sanção legal imposta ao casamento contraído maculado pela causa suspensiva em análise é a determinação do artigo 1.489, inciso II do Código Civil de 2002, que impõe que haverá aos filhos hipoteca legal sobre os imóveis do pai ou da mãe que passar a outras núpcias antes de fazer o inventário do casal anterior.

Tais circunstâncias visam evitar a confusão de patrimônios, já que o casamento de cônjuge sobrevivente antes da realização do inventário e da partilha poderia trazer dificuldades para identificação do patrimônio das distintas proles que possam existir, ora, a filiação havida entre o cônjuge sobrevivente e o autor da herança, e a filiação vindoura entre o sobrevivo e o novo nubente.

Desta feita, caso o de cujus não deixe patrimônio a ser partilhado, basta que o viúvo ou a viúva faça um inventário negativo visando ficar livre para contrair novas núpcias, não incidindo na causa suspensiva do artigo 1.523, inciso I, do Código Civil de 2002. 

Sobre a autora
Michele Bonilha da Conceição Andrade

Bacharel em direito pela Universidade Nove de Julho – Uninove Campus Memorial da América Latina na Barra Funda – SP, formada desde dezembro de 2007, é advogada inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil desde junho de 2008, sendo uma das sócias fundadoras do escritório de advocacia Andrade & Andrade Advogados, criado em maio de 2012 na cidade de Osasco. É professora de direito no Centro Paula Souza, lecionando nas Escolas Técnicas do Governo do Estado de São Paulo, em cursos como Técnico em Serviços Jurídicos, Administração, Logística, Recursos Humanos e Contabilidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Michele Bonilha Conceição. O inventário negativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4980, 18 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55837. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Este artigo foi elaborado para ser submetido a Faculdade Legale, como trabalho de conclusão de curso, apresentado para o término de minha Pós Graduação em Direito Civil e Processo Civil.

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