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Julgamento e Verdade:um impasse da modernidade

Agenda 14/02/2017 às 14:17

O texto, que trata sobre verdade à maneira Nietzschiana, analisa o impasse hermenêutico em que se encontra o direito moderno.

“Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que outra pessoa sente é ser ela.” – Fernando Pessoa

Compreender é sentir, e quando não compreendemos, julgamos. Mal e bem não existem, existem as verdades, e de verdades todos morremos cheios. A noção humana de que o ser humano pode chegar a conhecer – através de seus sentidos e daquilo que chamamos de consciência – algo que chamou de verdade – além de descrevê-la por meio da linguagem – é apenas o que nos move, aquilo que permite que nos enxerguemos como sujeitos em relação a objetos, que são compreendidos e descritos – através da linguagem – pelo sujeito. Cambaleantes pela mãe Gaia, vindos do caos e ainda o sendo, não desejamos mais sê-lo. Queremos a ordem, padrões cada vez mais eficazes para chamarmos de ciência e coisas afins.

A linguagem como metáfora que é, por essência, gera a necessidade de sentido. É aí que está a mais inquietante questão de nossa existência: a busca por sentido, a hermenêutica. Julgar é mais uma vez exercitar essa mesma metáfora, é mais uma vez declamar uma verdade contra uma mentira. O julgamento de Galileu ilustra essas afirmações como nenhum outro: um homem decide negar uma verdade, e é então punido por aqueles que a cultivam.

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Ao julgar, colocamo-nos diante de uma situação complexa, construída por múltiplos fatores, motivações e uma infinidade de particularidades, enquadrando-a numa metáfora daquilo que chamamos de justiça, que nada mais é do que uma verdade das mais nebulosas e complexas.

É por conta dessa complexidade que, aos crimes cometidos contra os bens tutelados mais importantes, por exemplo, a lei (outra metáfora) nunca bastou. Desde o julgamento de Orestes na Grécia, passando pela condenação de Cristo, chegando ao nosso moderno tribunal do júri, o julgar transcende à obviedade das normas e dá lugar a um outro tipo de compreensão. É por isso que, mesmo após responder positivamente sobre a materialidade e a autoria de um crime doloso contra a vida, o conselho de sentença responde a outro quesito: o jurado absolve o acusado?

O Direito vive um de seus maiores desafios. Vivemos em tempos em que a hermenêutica jurídica se propõe a não só resolver conflitos interindividuais, mas também quer dar conta de aspectos tipicamente políticos e do campo social, construindo princípios e pressupostos que, de certa forma aliados à teoria da argumentação, procuram nos livrar do impraticável objetivismo, sem cair no “relativismo” pós-moderno.

Porém, é de conclusão fácil que nada mais relativista do que a nossa atual metodologia hermenêutica. O Direito, mais do que nunca, é a ciência do “depende”, pois assim é a vida. É culpado? É condenável? É constitucional? Qual princípio deve prevalecer? É golpe? Depende. Todos sabemos que, na maior parte das vezes, essas perguntas ficam sempre sem uma resposta absoluta, e isto acontece porque, quando tentamos tirar o fato da própria realidade, transportando-o para linguagem, numa tentativa de encaixá-lo numa outra metáfora, dessa vez moral (julgamento), muita coisa precisa ser ignorada para possibilitar essa viagem. Quanto mais objetiva é uma verdade, quanto mais tentamos emitir um juízo concreto e absoluto sobre qualquer coisa, mais nos aprofundamos na mesma metáfora, num processo de caricaturamento da realidade.

Concluindo, todo julgamento é uma metáfora de uma realidade transmitida através de uma metáfora para se encaixar em outra metáfora de um conceito de verdade obtido através de metáforas. Bom seria se jamais tivéssemos que julgar, e que sempre pudéssemos apenas nos empenhar em compreender, mas não é este o mundo em que vivemos.

A verdade é apenas uma metáfora que esqueceu que é uma metáfora. Perceber e compreender esse aspecto do pensamento humano é somente o primeiro passo para sairmos dessa cilada hermenêutica na qual estamos atolados.

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