Quando falamos IGREJA, certamente nos vem à mente duas constituições: a Igreja enquanto ‘templo’, ‘espaço físico’ e a Igreja enquanto ‘corpo espiritual’, os ‘membros’ propriamente ditos.
Para o Direito Eclesiástico, há uma terceira categoria que deve ser considerada: a Igreja enquanto ente dotado de personalidade jurídica. Ou seja, pessoa jurídica de direito privado, que, como tal, possui deveres e obrigações civis.
Houve um tempo em que a aceitação da condição da Igreja como ente dotado de personalidade jurídica foi questionada, vez que sobressaía a condição da Igreja enquanto órgão espiritual e, como tal, não poderia ser tratada ou regulada pelo direito comum.
Era vista tão somente como uma sociedade espiritual, porque a Igreja não fora instituída para conquistar bens temporais, para promover comércio e indústria ou para assegurar o predomínio político dos seus membros. O fim da Igreja era (e é) muito mais nobre, visto tratar-se de entidade com fim primário de se perpetrar entre os homens a missão de Jesus Cristo, pregando o Evangelho, a Bíblia Sagrada.
Ainda, a Igreja se filia à categoria de sociedades em que ninguém é obrigado a entrar, como são as sociedades comerciais. Ora, o entendimento era de que a Igreja, por ser uma sociedade imposta por uma lei divina não poderia ser tratada como as sociedades comuns (comerciais), tampouco serem geridas pelo Estado.
Daí porque alguns escritores e religiosos pretendiam fazer de toda a Igreja uma associação livre, não regulada pelas leis e sem regras especiais. O Estado não reconheceria nem associações nem pessoas reunidas para os fins do culto, do ensino e da caridade; ele recusa, por isso, todo o poder à Igreja de se personificar. Deste modo, segundo este sistema, a Igreja não passaria duma reunião passageira, fora da lei, por assim dizer, sem direitos nem deveres especiais, suscetíveis de revestir um caráter jurídico, e não tendo outro vínculo além das obrigações morais.
Esta doutrina, é, sem dúvida, inadmissível, tanto que não se sustentou. Ora, a personalidade jurídica evidentemente que é necessária à Igreja, na medida em que as práticas perpetradas reuniam (e reúnem) situações que remetiam a direitos e obrigações.
Esses direitos e obrigações assemelhavam-se aos oriundos das sociedades civis, comerciais. Grosso modo podemos citar alguns: direito de se reunir em um local fechado, implicando o dever de pagar por este local, por exemplo; necessidade de se adquirir bens e administrá-los.
Deste modo, negar à Igreja a personalidade jurídica seria abrir uma exceção inadequada e descabida, em prejuízo da própria entidade e seus beneficiários, que ficariam à mercê de suas próprias intenções individuais, sendo berço de geração de conflitos sem qualquer chance legal de resolução ou ajuste, ou, ainda, ficariam eximidos de usufruir de direitos comuns às sociedades de pessoas em geral.
Temos então que a ideia de associações de pessoas enquanto personificação da pessoa jurídica não é criação libertina das leis, mas um produto natural das tendências do homem, que o Estado não faz mais do que reconhecer, sancionar e regular.
Assim é que a Igreja se dá como uma pessoa jurídica e, portanto, a outra conclusão não poderia se chegar senão de que a Igreja, por sua natureza jurídica, é pessoa jurídica de direito privado, dotada de personalidade típica desta categoria.
Tal condição foi recepcionada por nossa lei pátria, no artigo 5º do Decreto 119/A de 07/01/1890, ainda hoje em vigor:
Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios de culto. (transcrito na forma original)
Estabelecido o reconhecimento da personalidade jurídica das igrejas, marco de separatismo entre Igreja e Estado, haveria que se estabelecer a forma de constituição dessas sociedades, tal qual se fazia para as demais sociedades.
No antigo Direito Romano, a criação da pessoa jurídica era livre. Modernamente, não basta o reconhecimento da personalidade jurídica ou a simples vontade para sua constituição. À lei cabe impor requisitos a serem obedecidos, de acordo com a espécie e tipo, para que a pessoa jurídica possa ser considerada regular e esteja apta a agir com todas as suas prerrogativas na vida jurídica.
Neste sentido, nosso Código Civil, Lei 10.406/2002, determina as espécies de pessoa jurídica:Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.
E especificando os tipos, no que respeita a classe privada: Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações. IV – as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) (grifamos) V – os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003)
Ora, vemos que, por definição legal, as entidades religiosas são especificamente tipificadas como uma categoria das pessoas jurídicas, com personalidade própria e possibilidade de criação e organização livre. Vemos, ainda, que tal categoria foi inserida no Código Civil por intermédio da lei supraindicada (10.825/03).
Com a promulgação desta Lei, como se vê, as organizações religiosas foram inseridas como um ente diverso das associações, um ente jurídico próprio. Criou-se, portanto, a figura de uma verdadeira instituição religiosa, que, com respaldo legal, pode promover sua gerência e organização de forma totalmente individualizada, com base nos seus princípios, doutrina e visão.
Neste sentido, e em virtude da lei em questão, não há mais a obrigatoriedade das Igrejas terem que estabelecer seus ordenamentos e sua forma de organização com base nas diretrizes elencadas nos artigos 53 a 61 do Novo Código Civil, já que deixam de ser meras Associações.
Isto significa que as Igrejas podem ser constituídas e organizar sua administração de forma extremamente específica, sem se ater ao antigo regramento voltado às associações, estabelecendo, verdadeiramente, a liberdade religiosa apregoada em nossa Carta Magna.
Por fim, no que tange à classificação da sua natureza, as entidades religiosas estão inseridas no grupo denominado TERCEIRO SETOR, uma vez que atuam no segmento que não possuiu finalidade lucrativa, mas compreendem a reunião de pessoas para um fim comum, em prol de interesses coletivos, ainda que individualmente alcançados.