1. Introdução
O instituto familiar é base da sociedade e deve receber especial proteção do Estado, conforme determinação da norma constitucional em seu art. 226. Por semelhante proteção, o art. 227 preceitua que é dever do Estado assegurar a proteção dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes com prioridade absoluta.
Nesse sentido, a reflexão a respeito da concretização do direito à convivência familiar e comunitária se faz imprescindível, uma vez que é cediço que em nosso país existe um grande número de crianças e adolescentes que se encontram privados da convivência familiar.
Essa parcela de crianças e adolescentes que se encontra abrigadas corresponde a quase 47 mil pessoas em nosso país, as quais encontram-se protegidas em entidades de acolhimento, sob os olhares de equipes especializadas e do Judiciário. Entretanto, algumas passam anos à espera de uma definição que garanta a tão ansiada convivência familiar por meio da adoção.
O referido instituto é milenar e já foi alvo de diversas reformas em seu regramento no Brasil. Atualmente, os dispositivos que regulam o procedimento da adoção ganharam espaço não apenas em nosso Código Civil, como também estão regrados de forma ampla e detalhada no Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual ganhou novas diretrizes com as modificações trazidas pela Lei Nacional de Adoção, que presentemente, também está sendo alvo de revisão e consulta pública com o escopo de encontrar estratégias que possam acelerar e desburocratizar o procedimento e assim, efetivar o direito ao convívio familiar de milhares de crianças e adolescentes que se encontram à espera de um lar.
2. Considerações preliminares
A seguir, abordaremos os aspectos jurídicos inerentes ao instituto da adoção, no que diz respeito ao seu conceito, sua evolução legislativa, seu procedimento, natureza jurídica, suas modalidades, e principalmente, o regramento atual a partir das alterações advindas da Lei nº 12.010/2009.
Posteriormente, teceremos comentários a respeito da minuta do anteprojeto apresentado pelo Ministério da justiça como forma de garantir celeridade nos procedimentos, bem como faremos a análise de dados coletados no Cadastro Nacional de Adoção que relatam o perfil de adotantes e adotados em São Luís e no Brasil. Ademais, relataremos as entrevistas feitas com especialistas com o objetivo precípuo de identificar os avanços e os entraves para a concretização do direito à convivência familiar e comunitária.
2.1 Conceito
Ao conceituar este instituto, Gonçalves (2014, p. 381) o define como “um ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”.
Na mesma linha de raciocínio, Pontes de Miranda (apud GONÇALVES, 2014, p.381) acrescenta que “adoção é ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação”
De forma mais extensa e detalhada, Maria Helena Diniz (apud GONÇALVES, 2013, 381), em remate, afirma que:
A adoção é o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consaguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filha, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.
No tocante aos aspectos caracterizadores existentes em nossa legislação pátria, é possível extrair peculiaridades do instituto a partir da leitura dos dispositivos que o regulam, portanto, vejamos a redação, in litterus do art. 39, §1º:
Art. 39, §1º: A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.
Logo, depreende-se que a adoção é também caracterizada como uma das formas de colocação em família substituta, ao lado da guarda e da tutela. Salienta-se ainda que este instituto jurídico deve ocorrer de maneira excepcional, tendo em vista que a prioridade é que as crianças ou adolescentes vivam em suas respectivas famílias naturais ou extensas[1].
Conforme descrito alhures, a excepcionalidade e a irrevogabilidade são essenciais no conceito acima apresentado, contudo, além desses aspectos jurídicos, é inegável as nuances nobres e de afetividade que envolvem a relação entre adotante e adotando, visto que, é um ato que demonstra altruísmo, amor e que, prioritariamente, deve ser motivado por proporcionar uma vida digna e saudável a criança ou ao adolescente. Por esta razão, que um dos destaques do atual conceito de adoção é a observância do princípio do melhor interesse da criança.
Perceba-se também que não obstante os diversos conceitos apresentados pelos autores civilistas, todos reconhecem o caráter de uma fictio iurus, conforme pontua Gonçalves (2014, p.381), ou seja, o instituto busca imitar a natureza à medida que todo processo ocorre de forma igual a filiação biológica.
Frisa-se que a excepcionalidade só reforça o empenho do legislador em garantir que a criança ou adolescente permaneça ligado a família natural ou extensa.
2.2 Escorço histórico
Por ser considerado um dos institutos mais remotos, faz-se necessário um escorço histórico, a fim de vislumbramos a evolução conceitual e legislativa no Brasil e no mundo.
No tocante a sua origem de forma mundial, as primeiras menções a respeito da adoção de maneira legal, constam do Código de Hamurabi, por isso, Lídia Natália Weber (2010, p.40) em sua obra, afirma que o mais antigo conjunto de leis sobre adoção foi escrito no Código de Hamurábi. Em suas origens mais remotas, adoção tinha como objetivo a necessidade de dar continuidade à família, no caso de pessoas impossibilitadas de ter filhos, ou seja, era uma forma de perpetuar o culto familiar.
No Brasil, o primeiro documento a regular o instituto da adoção foi o Código Civil de 1916, o qual legislava a respeito de duas modalidades inspiradas nos princípios romanos: a adoção em sentido estrito e a arrogatio. A primeira, destinava-se a regular a adoção de incapazes (alieni juris), enquanto que a segunda ocupava-se de regular a adoção feita aos capazes (sui juris), cabe acrescentar que na época, tendo em vista a ausência de regulamentação pátria, o preenchimento das lacunas era feito com as fontes romanas[2].
A respeito do procedimento de adoção disciplinado pela legislação vigente em 1916, Gonçalves (2014, p.384) pondera ainda que:
[...]como instituição destinada a proporcionar a continuidade das família, dando aos casais estéreis os filhos que a natureza lhe negará. Por essa razão, a adoção só era permitida aos maiores de 50 anos, sem problemas legítima ou legitimada, pressupondo-se que, nessa idade, era grande a probabilidade de não virem a tê-la.
O aparente desinteresse em regulamentar o instituto, deu-se, provavelmente ante a ausência de previsão sobre filiação civil no Código português de 1867[3].
Esse panorama legislativa e social foi alterado, após a vigência da Lei nº.3.133/1957, que legalizou a adoção por pessoas de 30 anos de idade, tivesse ou não prole natural, tal modificação enalteceu o caráter humanitário, tendo em vista que o legislador dessa vez, facilitou o procedimento e permitiu que um maior número de pessoas obtivesse melhoria de vida, de cunho moral e material. Destarte, a adoção deixou de ser apenas uma tentativa de remediar a esterilidade e se tornou um instituto filantrópico. No entanto, a referida lei não equiparou os filhos adotivos aos filhos legítimos, uma vez que conforme o art.377, a relação de adoção não envolvia a de sucessão hereditária.
Com a chegada da Constituição Federal/88 e a redação dada em seu art. 227, ao afirmar que os filhos, havidos ou não da relação de casamento terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas a filiação, foi instituído o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, findando as antigas discriminações.
Atualmente, a adoção preenche duas finalidades: dar filhos àqueles que não podem ter biologicamente e dar pais aos menores desamparados (VENOSA, 2014), qualquer motivação de adoção que fugir desses parâmetros distorce a finalidade do ordenamento.
2.3 Natureza jurídica e princípios aplicados
No que se refere a natureza jurídica, a adoção é considerada um ato jurídico em sentido estrito e solene, que inclusive, por não ser um negócio jurídico, não pode ter seus efeitos modulados. A solenidade se dá em razão da forma imposta em lei, condicionando sua validade e existência.
Nesse diapasão, é interessante transcrever o resgate histórico e comparativo entre o antigo regime e o atual descrito por Carlos Gonçalves (2014.p.384):
No sistema do Código de 1916, era nítido o caráter contratual do instituto. Tratava-se de negócio jurídico bilateral e solene, uma vez que se realiza por escritura pública, mediante consentimento das duas partes. [...] A partir da constituição de 1988, todavia, a adoção passou a constituir-se por ato complexo e a exigir sentença judicial, prevendo-a expressamente o art. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o art. 1619 do Código Civil de 2002, com a redação dada pela Lei nº 12.010, de 3-8-2009. O art. 227, §5º, da Carta Magna, ao determinar que “a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros” demonstra que a matéria refoge dos contornos de simples apreciação juscivilista, passando a ser matéria de interesse geral, de ordem pública.
Dessa forma, a adoção na concepção atual não possui mais contornos contratualistas, o que se observa são dois principais aspectos (GONCALVES, 20113, p.383): “o de sua formação, representado por um ato de vontade submetido aos requisitos peculiares, e o do status que gera, preponderantemente de natureza institucional”.
Por outro lado, há quem defenda que a adoção é um negócio bilateral, nesse linha de pensamento afirma NADER(2011, p. 325) ao dizer que a adoção “consiste no parentesco civil, entre pais e filhos, estabelecidos mediante negócio jurídico bilateral, solene e complexo, formalizado perante autoridade judiciária”. Contudo, este não é o entendimento majoritário.
Quanto à natureza da sentença que julga a adoção, esta é constitutiva, haja vista operar uma modificação no estado jurídico das pessoas envolvidas, gerando para as partes um vínculo anterior inexistente, bem como desfaz o vínculo anterior da criança ou adolescente. Há ainda efeito ex nunc, de forma excepcional, como no caso da adoção póstuma, que também gera efeito ex tunc, por alcançar a data do óbito.
2.4 Modalidades
Tendo como parâmetro o perfil dos adotantes, é possível traçar as espécies ou modalidades de adoção, de modo doutrinário, quais sejam: adoção conjunta, adoção unilateral, adoção póstuma, adoção de maiores, adoção intuito personae, adoção internacional e adoção à brasileira.
Vejamos brevemente cada uma destas classificações, concomitantemente, ao entendimento dos tribunais pátrios ao conceder ou não as adoções postulados em juízo.
2.4.1 Adoção conjunta ou bilateral
É a modalidade em que o casal postula a adoção de uma criança ou adolescente que jamais possuiu vínculo. Só é possível quando o casal é civilmente casado ou em união estável e com a devida comprovação da estabilidade da família.
De forma excepcional, é possível que casais já divorciados ou que não vivam em união estável possam realizar a adoção em conjunto, devendo observar, sobretudo, o melhor interesse do adotando. Quanto às condições previstas em para que ocorra a situação aludida, vejamos a redação do art. 42, §4º:
Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.
2.4.2 Adoção unilateral
É a hipótese de um cônjuge ou companheiro adotar o filho do outro, contudo, mantém-se os vínculos de filiação entre a adotada e o cônjuge ou companheira do adotante e passa a ser formado novos vínculos com o adotante, ou seja, a adoção unilateral é a possibilidade que a lei oferece àqueles que formaram novos laços afetivos com alguém que já possui uma prole e deseja adotar o filho deste companheiro (a) ou cônjuge. Esta modalidade está prevista e regulada pelo art. 41, §1º, que preceitua:
Art.41 A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
§ 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.
As hipóteses desta ocorrência, são:
-
o filho que foi reconhecido por apenas um dos pais, a ele compete autorizar a adoção pelo parceiro;
reconhecido por ambos os genitores, concordando um deles com a adoção, decai ele do poder familiar;
em face do falecimento do pai biológico, pode o órfão ser adotado pelo cônjuge ou parceiro do genitor sobrevivente.[4]
Vale ressaltar que nessas hipóteses, o infante permanece com o seu registro constando o nome da mãe biológica e mantem também os laços de consanguinidade com os parentes. Com efeito, o poder familiar é exercido por ambas as famílias e é formada uma biparentalidade de fato do filho com o outro cônjuge ou companheiro.
Tem-se, portanto, um caráter híbrido, por permitir a substituição de somente um dos genitores, por essa razão ser chamada também adoção semiplena.
A aludida situação é bem recorrente em nosso país, tendo em vista que em muitos casos, o pai da criança a abandona e esta passar a ter vínculos mais estreitos com o padrasto, sendo assim, Maria Helena Diniz (2015, p.487) assevera ser descabido condicionar a adoção ao consentimento expresso do genitor. Nas hipóteses em que o genitor se insurge contra a adoção, é possível requerer a destituição do poder familiar do pai em razão do abandono, afim de possuir legitimidade ativa para adoção.
É possível ainda o enteado possuir o sobrenome do padrasto ou madrasta, sem a necessidade de autorização do outro genitor, dessa forma, caso haja falecimento do padrasto, em razão do enteado ter criado vínculo parental com o padrasto, o infante tem direitos a benefícios previdenciários, por equiparar-se a filho.
2.4.3 Adoção póstuma
É a hipótese de exceção na qual a sentença retroage à data do falecimento[5]. Não mais se exige o início do procedimento de adoção, contudo, exige-se a comprovação da inequívoca manifestação de vontade do adotante.
Nesse sentido, vejamos o julgado do Supremo Tribunal de Justiça que deferiu o pedido de adoção post mortem após a comprovação de socioafetividade:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADOÇÃO PÓSTUMA. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA VONTADE DO ADOTANTE. LAÇO DE AFETIVIDADE. DEMONSTRAÇÃO. VEDADO REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS.
1. A adoção póstuma é albergada pelo direito brasileiro, nos termos do art. 42, § 6º, do ECA, na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.
2. Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
3. Em situações excepcionais, em que demonstrada a inequívoca vontade em adotar, diante da longa relação de afetividade, pode ser deferida adoção póstuma ainda que o adotante venha a falecer antes de iniciado o processo de adoção.
4. Se o Tribunal de origem, ao analisar o acervo de fatos e provas existente no processo, concluiu pela inequívoca ocorrência da manifestação do propósito de adotar, bem como pela preexistência de laço afetividade a envolver o adotado e o adotante, repousa sobre a questão o óbice do vedado revolvimento fático e probatório do processo em sede de recurso especial.
5. Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 1326728/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 27/02/2014)
2.4.4 Adoção de maiores
Por não ser o objeto deste estudo, em razão dos sujeitos de direito nessa hipótese serem maiores de 18 anos e pela previsão desta modalidade ser regida apenas pelo Código Civil, os comentários a respeito da temática serão sucintos.
Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.
Conforme, dito acima, o art. 1.619 do CC sustenta que a adoção de maiores exige processo judicial e a assistência efetiva do poder público, bem como a anuência do cônjuge ou companheira do adotante e subsidiariamente, aplica-se as regras contidas no ECA. Sendo ainda desnecessário o estágio de convivência e inequívoca vontade de adotante e adotado. As vedações consistem na proibição da adoção por ascendente ou entre irmãos.
2.4.5 Adoção intuito personae
Podendo também ser nomeada de adoção dirigida. Esta modalidade ilustra as situações de pessoas que não estão cadastradas, mas possuem o desejo de adotar a criança por circunstâncias variadas, a exemplo, nos casos em que há o efetivo abandono de crianças no lixo ou em qualquer local e ainda nas situações em que são criados laços afetivos na instituição. Entende-se por adoção dirigida também quando a mãe deseja entregar o filho a determinada pessoa.
São as situações em que a mãe julga não possuir condições de criar o filho e deseja entregar para outrem, seja a patroa, vizinha ou qualquer outra pessoa desejada por ela para cuidar da criança. Apesar do aparente sentimento de amor, o Ministério Público tem ingressado com o pedido de busca e apreensão quando alertado da ocorrência de tal situação e a criança permanece na instituição de acolhimento até que seja deferido o pedido de destituição do poder familiar.
Sob está temática, é interessante registrar que há posicionamento favoráveis por tal ato, sob o argumento que o pai biológico tem o direito-dever de decidir sobre o que lhes parecer melhor para seu filho.
Outra construção doutrinária, por semelhante modo, chamada de adoção de nascituro, a qual a mãe antes mesmo do filho nascer, já decide pela entrega da criança a outrem. Todavia, tal possibilidade não é tutelada, tampouco aceita.
Nesse viés, vale dizer que os Tribunais superiores têm se posicionado a favor da concessão do pedido de adoção em casos como estes, levando em consideração o princípio do melhor interesse.
2.4.6 Homoparental
Atualmente, não existem mais obstáculos para a ocorrência de adoções por um casal de pessoas de mesmo sexo ou pessoas definidas como homossexuais.
Apesar de não estar claramente prevista nas normas, os Tribunais superiores têm se posicionado a favor, vejamos o seguinte julgado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. PEDIDO DE ADOÇÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE VANTAGENS PARA A ADOTANDA.
I. Recurso especial calcado em pedido de adoção unilateral de menor, deduzido pela companheira da mãe biológica da adotanda, no qual se afirma que a criança é fruto de planejamento do casal, que já vivia em união estável, e acordaram na inseminação artificial heteróloga, por doador desconhecido, em C.C.V.
II. Debate que tem raiz em pedido de adoção unilateral - que ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, onde preexista um vínculo biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança -, mas que se aplica também à adoção conjunta - onde não existe nenhum vínculo biológico entre os adotantes e o adotado.
III.A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min.Ayres Britto), trouxe como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo, legalmente viável.
IV. Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios.
V. Apesar de evidente a possibilidade jurídica do pedido, o pedido de adoção ainda se submete à norma-princípio fixada no art. 43 do ECA, segundo a qual "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando".
VI. Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas "(...)têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo". (FARIAS, Mariana de Oliveira e MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi in: Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da Psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009, pp.75/76).
VII. O avanço na percepção e alcance dos direitos da personalidade, em linha inclusiva, que equipara, em status jurídico, grupos minoritários como os de orientação homoafetiva - ou aqueles que têm disforia de gênero - aos heterossexuais, traz como corolário necessário a adequação de todo o ordenamento infraconstitucional para possibilitar, de um lado, o mais amplo sistema de proteção ao menor - aqui traduzido pela ampliação do leque de possibilidades à adoção - e, de outro, a extirpação dos últimos resquícios de preconceito jurídico - tirado da conclusão de que casais homoafetivos gozam dos mesmos direitos e deveres daqueles heteroafetivos.
VII. A confluência de elementos tecnicos e fáticos, tirados da i) óbvia cidadania integral dos adotantes; ii) da ausência de prejuízo comprovado para os adotados e; iii) da evidente necessidade de se aumentar, e não restringir, a base daqueles que desejam adotar, em virtude da existência de milhares de crianças que longe de quererem discutir a orientação sexual de seus pais, anseiam apenas por um lar, reafirmam o posicionamento adotado pelo Tribunal de origem, quanto à possibilidade jurídica e conveniência do deferimento do pleito de adoção unilateral.
Recurso especial NÃO PROVIDO.
(REsp 1281093/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/02/2013) (grifo nosso)
Com efeito, mais uma vez, vê-se que o princípio do melhor interesse tem prevalecido, concomitantemente com a observação de que a adoção apresente reais vantagens ao adotado.
Ademais, é oportuno registrar que tal matéria foi objeto de questionamento o STF em sede de controle de constitucionalidade (ADPF nº132), na ocasião a Corte preferiu que a opção sexual não pode ser motivo de discriminação social. O que deve determinar o deferimento ou não é o melhor interesse da criança.
2.4.7 Adoção Internacional
É uma das modalidades que mais possui dispositivos no ECA, uma das razões é por ser uma das formas mais suscetíveis a fraudes e ilicitudes, além de estar sujeita a diversos tratados acordos internacionais. A partir do art. 51 do ECA, encontram-se os dispositivos que regulam esta modalidade:
Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no Artigo 2 da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo no 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.087, de 21 de junho de 1999. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009)
§ 1º A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado: (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
I - que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; (Incluída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 desta Lei; (Incluída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
III - que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei. (Incluída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2º Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 3º A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional.
Portanto, a adoção é considerada como internacional quando o postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, independentemente da nacionalidade. Dentre os requisitos, vemos que só pode ser vista como possibilidade após o esgotamento das tentativas de localização da família substituta no Brasil para adoção nacional.
2.4.8 Adoção à brasileira
É uma construção doutrinária e jurisprudencial, tendo em vista que sob a óptica jurídica não é considerada como uma forma legítima de adoção, pelo contrário, em nosso ordenamento é tratada como um crime tipificado no Código penal. Vejamos a redação do referido artigo em seu art. 242, caput:
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)
A nulidade do registro é o efeito, todavia, o STJ[6] tem se posicionado favoravelmente, sob a justificativa da paternidade socioafetiva.
2.5 Regramento atual: procedimentos
A lei nacional de adoção é a responsável pelo regimento atual dos procedimentos de adoção previsto no ECA e nela estão arrolados todos os dispositivos que deve reger o instituto. Oportuno acrescentar também que existem dois tratados internacionais incorporados à legislação brasileira, quais sejam: a Convenção relativa à proteção das crianças e à Cooperação em matéria de adoção internacional, conhecida como Convenção de Haia (Convenção sobre os Direitos da Criança).
2.5.1 Pressuposto objetivos
Quanto aos requisitos estabelecidos pelo ECA, inseridos e acrescentados pela lei nacional de adoção para que seja realizada a adoção, podemos listar, de forma didática, os seguintes pressupostos objetivos para alguém que desejar adotar, quais sejam:
a) Idade mínima de 18 anos para o adotante;
b) Diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado;
c) Consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem deseja adotar;
d) Concordância do menor, se contar com mais de 12 anos;
e) Processo judicial;
f) Efetivo benefício para o adotando;
g) Estágio de convivência;
h) Cadastro;
Estes e outros requisitos serão melhor analisados a seguir.
2.5.2 Ação de adoção
Uma vez preenchidos os requisitos listado acima, a pessoa ou o casal interessado[7], podem ir até a foro competente, ou seja, a Vara de Infância e Juventude de sua comarca e dar início ao processo, sem necessidade de estar acompanhado de advogado.
A seção VIII do ECA, no art. 194-A, caput elenca todos os documentos necessários para que o interessado possa se habilitar, vejamos o que dispõe o referido artigo:
Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste
I - qualificação completa;
II - dados familiares
III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável;
IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas;
V - comprovante de renda e domicílio;
VI - atestados de sanidade física e mental
VII - certidão de antecedentes criminais
VIII - certidão negativa de distribuição cível.
Nesse mesmo momento, os candidatos também já podem indicar o perfil da criança ou adolescente que seja adotar.
O procedimento também conta com a presença do MP para que os postulantes e as testemunhas possam ser ouvidas.
Após essa primeira fase documental da habilitação, os candidatos precisam se submeter a um período de preparação psicossocial e jurídica, geralmente são cursos em que os postulantes são orientados e alertados a respeito de diversas nuances que ocorre no processo. Essa etapa conta ainda com a visitação em entidades de acolhimentos, conforme preceitua o §2º, do art. 195-c:
§ 2º Sempre que possível e recomendável, a etapa obrigatória da preparação referida no § 1º deste artigo incluirá o contato com crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com o apoio dos técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento familiar ou institucional e pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.
Concluída esta primeira etapa, ou seja, caso a habilitação seja deferida, o candidato é inscrito no Cadastro Nacional de Adoção.
No tocante ao CNA é interessante dizer que foi uma inovação introduzida pela Lei de Adoção, oportunizando que pretendentes se cadastrem não apenas a nível local, mas nacional. No art. 50 do ECA consta a determinação que cada foro regional ou comarca tenha um duplo registro, sendo que um deve ser referente às crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e outro de candidatos à adoção. Este cadastro deve ocorrer em 48h, e tem como fiscal, o Ministério Público, no tocante à alimentação e convocação dos candidatos.
Além do cadastro local, há também a previsão no ECA de cadastros estaduais e de um cadastro nacional. Vale registrar que foi o Conselho Nacional de Justiça que regulamentou a implantação e funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção de Crianças e Adolescentes, por meio da Resolução 54/08. Tal previsão também deu margem a possibilidade de que uma criança ou adolescente de um determinado estado possa ser adotado por alguém de outro estado.
Concluída esta 2ª etapa de inclusão no cadastro, o candidato aguarda até que surja a criança ou adolescente compatível com o perfil solicitado, no momento que isso ocorre, o postulante é avisado e é dado início a uma nova etapa que é o estágio de convivência.
Sobre esta etapa, sustenta o art. 46 do ECA, in litteris :
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.
§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo
§ 2º A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.
§ 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta)
§ 4º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.
Conforme depreende-se da leitura acima, há situações em que o estágio é dispensado, contudo, quando o postulante não se encaixa em nenhuma das situações descritas acima, é uma etapa obrigatória. Não há um prazo expresso, dependerá de caso a caso. Mas cumprida esta fase, a adoção é estabelecida por sentença judicial e tem eficácia imediata.
Vale frisar que no tocante a ação de adoção, esta é vedada por procuração e é obrigatória a participação do MP. Além disso, possui tramitação prioritária, sob pena de responsabilidade.
Em remate, a sentença é averbada, por meio de mandado judicial, no registro civil, sem constar qualquer observação.
2.5.3 Efeitos jurídicos
Conforme estabelecido na sistemática do ECA, a adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença que a deferiu, com exceção dos casos de adoção póstuma, pois em tais hipótese, a sentença terá força retroativa à data do óbito. Portanto, é a partir da deste momento que são gerados alguns efeitos de ordem pessoal, patrimonial, trabalhistas e previdenciários. Frisa-se que toda adoção gera os mesmos efeitos listados a seguir, visto que trata-se de um ato jurídico em sentido estrito, como já explicado alhures.
Os efeitos de ordem pessoal se referem ao nome, ao parentesco e ao poder familiar. Já os referentes a ordem patrimonial dizem respeito aos alimentos e ao direito sucessório.
Pois bem. De acordo com o art. 41, caput do ECA, “a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres (...)” dessa forma, o filho “adotado” é equiparado ao consanguíneo, visto que a adoção enseja um parentesco entre adotante e adotado, denominado de parentesco civil, salvo melhor juízo, é bem provável que esse efeito seja a principal característica da adoção haja vista que ocorre a integração completa do filho adotado na família do adotante.
Quanto ao poder familiar, o filho adotivo se torna sujeito ao poder familiar do pai adotante com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes, os quais estão previstos nos art. 1.634 do CC, entre eles: administração e usufruto de bens (art.1.689). Isto ocorre porque com a adoção é extinto o poder familiar dos pais biológicos, pois conforme já ressaltado há o desligamento de qualquer vínculo com pais e parentes, exceto os impedimentos matrimoniais. Interessante registrar que caso ocorra a morte do adotante, deverá o menor ser colocado sob tutela, haja vista a não restauração do poder.
No que diz respeito ao nome, a previsão do art. 47, §5e º§6º do ECA permite a modificação do prenome e que caso isto ocorra por requerimento do adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, o referido artigo ainda determina que sejam levadas em consideração o estágio de desenvolvimento da criança ou adolescente e seu grau de compreensão sobre os efeitos da medida, acrescenta ainda o consentimento em audiência quando se tratar de maior de 12 anos. Insta destacar que é direito do adotando possuir o sobrenome dos pais adotantes, sendo importante tal dispositivo nos casos em que os adotantes já possuem outros filhos adotados ou biológicos, pois nesta hipótese o sobrenome deve ser comum, a fim de evitar discriminação. Deve constar desde logo, na petição inicial, o pedido de mudança de prenome.
Em relação aos efeitos patrimoniais, destacam-se os alimentos e direitos sucessórios. Uma vez formado o vínculo de parentesco, são devidos alimentos reciprocamente entre adotado e adotante. Sendo assim, são devidos alimentos pelo adotante nos casos em que o são pelo pai ao filho biológico, de forma semelhante, os adotados possuem o direito de receber alimentos enquanto menores, ao passo que enquanto maiores, somente se estiverem impossibilitados de prover ao próprio sustento, situação em que cabe aos pais quando capazes economicamente, prestarem tal assistência.
Cabe destacar que de acordo com o art. 1.689, incisos I e II, o adotante é administrador e usufrutuário dos bens do adotado, bem como responsável pelas despesas com sua educação e manutenção.
Diante da paridade concedida pelo art. 227§6 da CF, o direito sucessório envolve também a sucessão dos colaterais e dos avós, sendo que na linha colateral, em ocasiões em que falta parentes, o adotivo sucede até o quarto grau, em consequência, pode ser contemplado no inventário por morte dos tios.
É interessante pontuar que na legislação anterior não havia a preocupação de integrar o adotado na família adotante, sob o ponto de vista de normas que garantissem a inserção completa na nova família, tendo em vista que não havia dispositivos que garantissem estes direitos, o que se observava era que as normas anteriores ao prever que adoção era revogável e impossibilidade do adotado representar o pai adotivo na sucessão dos ascendentes deste, por exemplo. Tais objeções ensejaram a prática de condutas criminosas, comuns até hoje. Tal entrave foi solucionado posteriormente pela Lei. nº 4655/65 com o advento da adoção plena.
Por fim, também são assegurados aos adotantes dois direitos de ordem trabalhista e previdenciários, quais sejam: salário-maternidade e benefício previdenciário a ser pago pelo INSS, bem como a adotante goza de licença-maternidade com prorrogação por mais de 60 dias.
Nesse diapasão, Paulo Nader (2011, p.343) pondera que tais direitos se justificam haja vista a “necessidade de a mãe adotiva dispensar maior atenção à criança logo na fase inicial da guarda. Igualmente o benefício previdenciário, em face das despesas que o período de adaptação impõe”.
Ademais, como novidade em nosso regramento, o adotado a partir dos 18 anos pode ter acesso irrestrito ao processo de adoção (declaração de ascendência biológica).