Adoção:aspectos jurídicos e os desafios em seu regramento

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22/02/2017 às 11:33
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3. DOS PROCESSOS DE ADOÇÃO NO BRASIL

Com o escopo de termos uma visão breve do cenário dos processos de adoção e do número de crianças e adolescentes abrigados no Brasil, vejamos a seguir os dados colhidos no site do CNJ.

3.1 Dados atuais de crianças e adolescentes em instituições de acolhimento

De acordo com os dados coletados no Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA) do Conselho Nacional de Justiça [8], atualmente, há mais de 46 mil crianças e adolescentes no Brasil em instituições de acolhimento. Dessa quantia, apenas cerca de 7 mil estão aptas para adoção. Em contrapartida, o mesmo cadastro mostra que há mais de 37 mil pessoas interessadas em adotar.

Isso revela uma diferença grande entre os perfis de pretendentes cadastrados e o perfil de crianças e adolescentes que aguardam para serem adotadas, bem como dificuldades no processamento dos pedidos de adoção.

No Maranhão, até fevereiro de 2017, 2.042 crianças e adolescentes já haviam sido inserida em alguma entidade de acolhimento, não necessariamente disponíveis para adoção, mas aguardando a (re) inserção familiar. Existem 33 lugares no Maranhão aptos para acolher 2.042 crianças e adolescentes, de maneira estimativa, são quase 62 para cada 1 abrigo.

Atualmente, em todo Brasil, existem quase 47 mil crianças em situação de acolhimento e a maioria são meninos.

Ante as informações apresentadas, constatamos que no Brasil há mais de 7 mil crianças disponíveis para adoção, enquanto que há mais de 37 mil inscritos no cadastro. Ante essa grande diferença, questiona-se:

  • Se existem mais pretendentes do que crianças disponíveis por que essa lista ainda não foi findada?

Entre as possíveis respostas encontramos a exigência de perfil escolhida pelo pretendente. O maior contingente é de crianças pardas, maiores de 10 anos e possuem irmãos, enquanto que a maioria dos pretendentes desejam crianças abaixo de 10 anos, sem irmãos e muitas vezes com preferência quanto a cor diferente das opções possíveis.

Sobre esta disparidade, Antonio Carlos Berlini, Presidente da Comissão de Direito à Adoção da OAB-SP, advogado e presidente da Comissão Especial de Direito a Adoção, em entrevista, afirma que os entraves não estão na legislação, mas sim na exigência dos pretendentes e por vezes, no processo de destituição do poder familiar[9], na oportunidade, afirmou que:

Existem no Brasil 37 mil pretendentes enquanto que o número de crianças e adolescente cadastradas são 7 mil, as contas não fecham porque na maior parte, os pretendentes querem crianças no sexo feminino, branca, até 2 anos, que não tenham defeito físico e mental, que não faça parte de grupos de irmãos e nem tenha vivencia com o crack. Querem perfis utópicos, porque a maioria são negras, com grupos de irmãos e vivencia de rua [...] O poder judiciário e as sociedades civis organizadas precisam alargar o horizonte dos pretendentes, precisam parar de esperar um filho perfeito.

Dentre outras necessidades para que o processo de adoção ganhe mais impulso é preciso também que haja mais estrutura nas varas para o pontual prazo dos processos em andamento.

Essa realidade discrepante, revela também um aparente desprezo pelo princípio do melhor interesse da criança, que parece não estar sendo observado adequadamente, pois o cadastro aparenta ser mais favoráveis aos pretendentes do que as crianças e adolescentes.

Devido ao grande número de crianças que ainda estão a margem de um lar, é necessário repensar as normas e procedimentos para que seja garantido o direito à convivência familiar.

É nesse contexto que surge o anteprojeto apresentado pelo Ministério da Justiça, o qual veremos posteriormente.

3.3 Comentários ao anteprojeto do Ministério da Justiça

A respeito da importância do instituto e novos rumos que tem se delineado na perspectiva jurídica e social, a psicóloga Maria Lourdes Nobre Souza da equipe de divisão psicossocial da 1ª Vara da Infância e da Juventude quando indagada a respeito sobre a adoção como instrumento de efetivação ao direito à convivência familiar, afirmou que:

Me preocupa o lugar que a adoção está tomando na sociedade atual, como se fosse a única solução para as crianças que estão fora de uma família, ela precisa ser e é uma medida excepcional, porque não adianta incentivar a adoção sem tratar a raiz do problema (apesar de louvável e ajudar na diminuição do preconceito, porque as pessoas passam a ver que o que é mais importante não é a genética mas a construção dos vínculos) pois sempre haverá crianças chegando aos abrigos[...] Mas antes é preciso tratar a raiz do problema e evitar com que essas crianças cheguem até o local de acolhimento.

Com o intuito de analisarmos as tentativas de efetivação ao direito da convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, que se encontram abrigadas, bem como visualizar os avanços e entrave, vejamos as principais propostas de mudanças que constam no anteprojeto a seguir. Aliado isso, quando possível, compará-las com o regramento atual.

Sobre o projeto, impende esclarecer que consiste em um projeto elaborado pelo Ministério da Justiça e tem por objetivo buscar garantir o direito a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes que estão na fila de adoção por meio de revisão dos procedimentos e atualização das diversas estratégias voltadas à efetivação.

Estava disponível para qualquer pessoa acessar e contribuir até o dia 4 de dezembro de 2016, no site pensando.mj.gov.br/adoção, que inclusive poderiam ser vistas e avaliadas na plataforma online. E que posteriormente, será deve ser mais debatido, em audiências públicas.

Ademais, no tocante a tramitação, após o encerramento do debate público, o Ministério da Justiça e Cidadania fará uma análise de todas as contribuições enviadas pela população.

Dentre algumas inovações está o estabelecimento de prazos para cada etapa do processo de adoção com o objetivo de reduzir o tempo dos trâmites. Espera-se que isso garanta a agilidade e dê mais vazão a fila de crianças e adolescentes que aguardam uma nova família. Contudo, é cediço que o fator tempo é apenas uma das dificuldades a serem superadas, outras alterações são àqueles referentes aos prazos, apadrinhamento afetivo, acolhimento familiar, adoção internacional e a adoção de pessoas especiais.

A especialista Dayse Bernardi[10], em debate na "TV Folha", afirma que a discussão teria de ser ampliada para que se observasse os vários ângulos da questão. "Essas crianças, em geral, vêm machucadas, feridas, e têm experiências que precisam ser elaboradas. Não dá para você fixar um tempo como se todas as crianças precisassem se encaixar nele", avalia. "A criação de vínculos com essas crianças não se mede em dias, mas na qualidade na relação que se estabelece."

Para a efetivação deste direito, uma das medidas necessárias é a reestruturação das varas, tendo em vista que há outras demandas em uma vara, além da adoção, por isso, deve existir uma nova reestruturação das varas quanto a infraestrutura física e infraestrutura humana (técnica).

Observa-se ainda algumas tentativas do judiciário como forma de promover e estimular ao realizar audiências concentradas, cursos preparatórios de adoção e mutirões de conciliação.

Sobre a temática, em entrevista Dayse Bernardi, ainda afirmou que a lei não muda a realidade sozinha e que a adoção não deve ser vista como uma política pública que pudesse estar esvaziando o serviço de acolhimento, como se todas as crianças que tivesse sido acolhidas estivessem sido literalmente abandonadas e possuem como única possibilidade de desenvolvimento a adoção, tal visão é uma leitura parcial da realidade.

É perceptível que o projeto tenta acertar a questão de estabelecer prazos, contudo, ele parte do mesmo ponto que aconteceu em 2009, quando os grupos de apoio a adoção elaboraram um projeto de lei que fixava um tempo mínimo para destituição do poder familiar considerando que adoção deveria ser procedida para o maior número de crianças que estavam sendo acolhidas

Nota-se ainda que infelizmente o serviço de acolhimento ainda são utilizadas como uma medida de proteção para crianças que tem família, e essas muitas vezes precisam se utilizar do serviço de acolhimento para dar acesso aos seus filhos os direitos básicos de dignidade humana, como habitação, saúde, alimentação ou seja grande parcela de crianças acolhidas além de ser grupos de irmãos, entram por volta por 5 anos de idade e possuem um perfil específico, pois veio de uma situação de pobreza.

Embora a lei estabeleça que a medida de acolhimento não deveria ser aplicada nos casos dessa natureza e sim em situações em que o Estado assumisse a responsabilidade junto com a sociedade, articuladamente, de prover as condições para que a família pudesse prover os seus filhos, visto que a grande maioria das crianças e adolescentes acolhidas tem família e até mantém vínculos com essa família de origem.

A adoção precisa estar centrada no melhor interesse da criança, a lógica não pode ser invertida como acontecia no código de menores.

Insta ressaltar que nem sempre a adoção é a melhor solução, ela deve funcionar como já bem estabelecida, apenas como medida excepcional.

Os principais alvos de reformas ou destaque, são os seguintes:

a) Prioridade a família natural versus Disponibilidade para adoção

§ 1º-A Considerado o disposto no § 1º, a Justiça da Infância e da Juventude deverá intimar o suposto pai, quando possível, conferindo-lhe a oportunidade de manifestar, em cinco dias, se pretende comprovar a paternidade e exercer o poder familiar, visando a manutenção da criança na família natural;

§ 1º-B Considerado o disposto no § 1º, havendo registro civil de nascimento e caso o pai não seja encontrado, a Justiça da Infância e da Juventude poderá contatar a família extensa, formada por parentes próximos com os quais a gestante, a mãe ou a criança convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade, desde que não se coloque em risco a integridade física e psíquica da gestante ou mãe.

Este dispositivo demonstra a intenção do legislador em mais uma vez reforçar a prioridade em manter a criança ou adolescente na família de origem, e oportunizando o pai, em caso de desconhecimento da criança ou até mesmo uma “segunda chance” a reconhecer a paternidade. Este é um dos artigos com mais comentários em discordância, sob a alegação que o pai muitas vezes é desconhecido, quanto ao outro parágrafo, outros afirmam que nem sempre é viável ou mais seguro manter a criança na família de origem.

Malgrado estas discordâncias, o dispositivo é um avanço no sentido de primeiramente, esgotar as possibilidades entre a família natural e extensa, para só posteriormente recorrer a adoção como opção.

Por outro, os dispositivos a seguir, viabilizam a adoção que inclusive consta um prazo determinado de 30 dias para que essas crianças sejam desde logo disponibilizadas para adoção:

§ 1º-C Caso a genitora não indique a paternidade e decida entregar voluntariamente a criança em adoção, terá sessenta dias a partir do acolhimento institucional para reclamá-la ou indicar pessoa da família extensa como guardião ou adotante.

§ 1º-D Expirado o prazo referido no § 1º-C, a destituição do poder familiar será deferida imediatamente e a criança cadastrada para adoção.

§ 1º-E Serão cadastradas para adoção recém-nascidos e crianças acolhidas sem registro civil não reclamadas por suas famílias no prazo de trinta dias. (NR)”

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b) Apadrinhamento afetivo

Art. 19-A. As crianças e adolescentes em programa de acolhimento institucional poderão participar de programas de apadrinhamento afetivo.

§ 1º O papel do padrinho ou da madrinha é estabelecer e proporcionar aos afilhados vínculos externos à instituição, tais como visitas, passeios nos fins de semana, comemoração de aniversários ou datas especiais, além de prestar assistência moral, afetiva, física e educacional ao afilhado, ou, quando possível, colaborar na qualificação pessoal e profissional, por meio de cursos profissionalizantes, estágios em instituições, reforço escolar, prática de esportes entre outros.

Também é uma novidade a previsão desta modalidade que gera à convivência comunitária, à medida que possibilita que pessoas maiores de 18 anos inscritos ou não no CNA e independente do estado civil possam criar vínculos externos à instituição com crianças, tendo prioridade àquelas com deficiência, grupos de irmãos e crianças acima de 8 anos. Insta ressaltar que já era prevista outras espécies do gênero de apadrinhamento, ou seja, o apadrinhamento financeiro e voluntário.

c) Prazos

É cediço que o prazo para “aprender a conviver com a familiar” criar vínculos e estabelecer vínculos de confiança não se mede em dias, e sim, na qualidade da relação, tendo em vista que muitas crianças vem muito machucada e ferida e com sérias experiências ruins de vida.

Por isso, não é viável fixar um tempo como se todas as crianças pudessem se encaixar nesse tempo. Estatisticamente não aparece, mas há um número de crianças que foram adotadas e foram devolvidas, configurando um novo abandono.

A inclusão de prazos, dar-se-á em razão da ausência de prazos definidos em diversas etapas do processo de adoção, visto que em sua grande maioria, o estabelecimento de prazos depende da avaliação da justiça de caso a caso, a exemplo, o estágio de convivência, neste caso, o projeto propõe que haja um prazo máximo de 90 dias para estagio de convivência e após esse processo, na hipótese de ter ocorrido de forma positiva, a adoção seja concluída em até 120 dias, vejamos:

Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de noventa dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso.

§ 3º O prazo máximo estabelecido no caput poderá ser prorrogado por igual período, mediante decisão fundamentada pela autoridade judiciária.

§ 5º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, preferencialmente na comarca de residência da criança ou adolescente, ou em cidade limítrofe, quando, por qualquer razão não puder ser realizado na primeira, será de, no mínimo quinze e no máximo quarenta e cinco dias, respeitada, em qualquer hipótese, a competência do juízo da comarca de residência da criança.

§ 6º O prazo previsto no § 5º é improrrogável devendo, ao seu final, ser apresentado laudo fundamentado, pela equipe técnica mencionada no § 4º, que deverá recomendar ou não à autoridade judicial o deferimento da adoção.” (NR)

d) Adoção internacional

Outro ponto que poderá sofrer alteração é quanto a adoção internacional, pois o projeto pretende estimular e flexibilizar mais a adoção internacional, a intenção é que a criança que estiver há mais de um 1 ano sem que ter sido adotado no Brasil, ela seja desde logo encaminhada para um adotante estrangeiro, bem como o prazo para estagio de convivência seja menor, ou seja, de 15 a 45 dias.

e) Grupos de irmãos e pessoas especiais

Quanto ao descompasso dito anteriormente, a adoção internacional pode se apresentar como uma possibilidade para resolver esse impasse, contudo, é importante ressaltar que a rápida mudança de cultura, realidade, relações afetivas é um grande desafio de adaptação e fica comprometida a identidade. Tem que se ponderar também se isso não é estar abrindo mão de muitas crianças brasileiras só por pensar que está fora do perfil brasileiro.

Contudo, dispensar a oportunidade, não pode ser algo preconceituoso e nem restritiva de oportunidade ou de garantias de direito, por outro lado não pode ser um franqueamento a caracterizar que nós brasileiros somos um povo que entrega seus filhos.

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