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Construção da política pública de recuperação de empresas no Brasil

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Agenda 06/03/2017 às 03:01

Reflexões sobre a política pública em construção por trás da recuperação de empresas no Brasil: um cenário complexo de providências ainda impede o sucesso pleno da Lei nº 11.101/2005.

1 INTRODUÇÃO

Há quase uma década o Brasil adotou um novo arquétipo de enfrentamento das crises econômico-financeiras experimentadas pelo devedor empresário[1]. Com efeito, evidenciando-se a deficiência do Decreto-lei nº 7.661/1945 (Antiga Lei de Falências) para o contexto econômico do início da década de 90, entrou na agenda governamental a necessidade de estabelecer outro modelo.

Nessa perspectiva, seguindo uma tendência mundial, o legislador nacional se baseou em um valor extremamente relevante para evitar maiores danos em virtude da insolvência do empresário, qual seja, o princípio da preservação da empresa. Esta concepção, longe de trazer qualquer privilégio para o empresário, representa, a rigor, o objetivo de manter unidades produtivas, preservando os interesses dos trabalhadores, do Fisco, dos consumidores (mantendo-se um ambiente concorrencial adequado) e da própria economia, tendo em vista que o encerramento de atividades pode ensejar uma ruptura na cadeia produtiva. Acrescente-se ainda a necessidade de tutelar o crédito, estimulando os investimentos necessários para viabilizar o financiamento da economia nacional por atores públicos e privados.

Com este desiderato, vislumbra-se, a partir daquele momento, a formulação e a implementação efetivamente de uma política de recuperação de empresas. Agora, passados quase dez anos, torna-se adequada a avaliação dessa política pública, a fim de corrigir eventuais deficiências e, portanto, melhorar o ambiente de negócios no Brasil, conferindo maior solidez à economia nacional.

Para tanto, importante observar que nos últimos anos, a dinâmica do Estado vem sendo compreendida por intermédio do instrumental analítico das políticas públicas[2]. Deveras, a partir dos anos 80 o modelo baseado nos grandes sistemas de planejamento exibiu sinais de decrepitude motivados por novas variáveis como as grandes crises financeiras e do petróleo. Assim, fez-se necessária a introdução de mecanismos de respostas estatais mais flexíveis, surgindo nesse contexto a gestão estratégica[3].

                         Nesse período, outrossim, houve uma cobrança crescente por maior participação democrática, facilitada pelo avanço no campo das comunicações e da informática. Esse conjunto de circunstâncias incorporou à análise estrutural da administração pública uma visão dos fluxos de decisão, isto é, do próprio funcionamento estatal. Tratava-se da construção da ação da máquina administrativa a partir da noção de políticas públicas, um sistema de decisões públicas condicionadas pelo fluxo de reações e valores dos agentes sociais influentes com o desiderato de alcançar determinados fins[4].

                        A esse respeito, faz-se mister observar que, para além da utilização do sofisticado instrumental das políticas públicas, a análise da recuperação de empresas sob esse enfoque implica em uma interpretação pelos Tribunais de natureza diversa da ordinariamente empregada. Nesse sentido, impende recordar a clássica distinção entre política, princípios e regras, proposta por Ronald Dworkin. Desta forma, a política se constitui em um padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, de natureza econômica, política ou social. De outro lado, os princípios dizem respeito a padrões que impõem valores como justiça e equidade. A seu turno, as regras jurídicas são aplicáveis na forma do “tudo-ou-nada” e não possuem dimensão de peso ou importância[5].

                        Sob essa perspectiva, a apreciação do tema realizado pelos Tribunais encontra sua legitimidade na medida em que, em um juízo de ponderação, pautado pelo princípio da proporcionalidade, corrige entraves para a persecução da política pública. Nos últimos anos, o controle jurisdicional das políticas públicas vem sendo exercido amiúde pela jurisprudência, mormente garantindo direitos fundamentais como saúde e educação. Entrementes, a política pública de recuperação de empresas não trata de direitos fundamentais, garantindo muito mais o ambiente propício para o desenvolvimento nacional. Assim, o juízo a ser manejado pelos magistrados deve observar a adequação entre meios e fins da política.

                        Não se desconhece a dificuldade (e talvez impossibilidade) de se formular um conceito jurídico de políticas públicas[6]. Esses obstáculos, contudo, não impedem uma análise jurisdicional para as políticas públicas, malgrado tenham natureza excepcional. À guisa de ilustração, um direito individual (ainda que não fundamental) pode ser reconhecido com o fundamento de se encontrar afinado com os objetivos traçados por determinado programa governamental.

A todas as luzes, muitas questões nessa temática permanecem indefinidas, o que, aliás, é natural em face da sua interdisciplinaridade, com problemas envolvendo direito, política, administração, economia, entre outros campos. Não obstante, o desenvolvimento teórico tem se mostrado capaz de lançar novas perspectivas na administração pública. Com este desiderato, será realizada uma decomposição da política pública de recuperação de empresas no Brasil. Os estudos acerca das políticas públicas têm se utilizado da divisão em etapas do ciclo de vida da política, de maneira a capturar mais precisamente a interação entre os atores sociais envolvidos. Nesse sentido, fragmenta-se o estudo da política pública em quatro fases: agenda; formulação; implementação; e avaliação. Em seguida, será realizado o estudo com base em cada uma dessas etapas[7].

2 AGENDA

Nesse sentido, como visto, a primeira fase da política pública é identificada com a agenda, ou seja, o momento em que um determinado tema passa a ser objeto de preocupação dos atores sociais e para o qual se vislumbra um conjunto de medidas com o condão de atender aquela demanda. Assim, no início da década de 90, percebeu-se que o Decreto-lei nº 7.661/45 possuía uma série de deficiências, como por exemplo, morosidade excessiva no trâmite do processo, um procedimento mais direcionado para a liquidação da empresa (o que ensejava o encerramento de empresas economicamente viáveis) e ineficiência na maximização dos ativos, resultando em baixa recuperação dos créditos.

Não seria despiciendo observar que a legislação falimentar possui uma grande importância no desenvolvimento econômico nacional. Deveras, a tutela do crédito é fundamental para o funcionamento do capitalismo na atualidade. Não se imagina a realização de negócios em massa sem a utilização frequente do crédito, enquanto troca de bens ou serviços no tempo. Assim, o endividamento é consequência da própria dinâmica econômica atual pelo ambiente altamente competitivo. No exercício ordinário de sua atividade, os empresários contraem dívidas com a expectativa de saldá-las com os ganhos futuros.

Naturalmente, por diversas razões (má administração, crises financeiras, perda de competitividade, mudança do mercado consumidor, surgimento de novos produtos, inadimplência, entre outras), os esperados lucros podem não ser alcançados, surgindo dificuldade no pagamento dos credores. A busca individual pelos ativos do estabelecimento empresarial[8] pode levar a um desmonte ineficiente das unidades produtivas, tornando o procedimento altamente prejudicial para todos os interesses envolvidos na manutenção da empresa; afinal de contas os trabalhadores perderão o seu emprego, o Estado deixará de arrecadar tributos, a cadeia produtiva será rompida, os consumidores deixarão de contar com os produtos daquele empresário e o sistema concorrencial será prejudicado pela saída de um agente econômico produtor.

Além disso, a maior parte dos credores não receberá a totalidade dos seus créditos e, consequentemente, elevará os custos da transação na próxima oportunidade para compensar as perdas e o risco. Com maiores gastos para fomentar a produção, os produtos brasileiros perdem competitividade no mercado externo e mesmo internamente com a concorrência dos importados. Assim, a tendência é gerar menos empregos, tributos etc. Em uma situação extrema, experimenta-se uma crise financeira nacional.

Para evitar esses efeitos extremamente maléficos da inadimplência do empresário, os países desenvolvidos têm estabelecido um processo de bancarrota organizando os credores. Na realidade, a depender do grau da crise experimentada pelo devedor, opta-se por um procedimento de reorganização (no caso de viabilidade econômica do empreendimento) ou de alienação imediata dos ativos. Neste caso, realiza-se o ativo e há um rateio do produto da arrecadação seguindo uma ordem de prioridades, que no Brasil, em síntese, começa por despesas administrativas da massa falida, salários, créditos segurados, tributos, créditos não-segurados (fornecedores, por exemplo), e acionistas.

A legislação falimentar brasileira (Decreto-lei nº 7.661/45) previa os dois procedimentos (a falência e a concordata), contudo se mostrou inoperante. Com efeito, não era capaz de maximizar os ativos (a falta de transparência e a sucessão de obrigações para os adquirentes do estabelecimento deterioravam o patrimônio) e não conseguia reabilitar empresas viáveis, já que apenas aumentava em até dois anos o prazo de pagamento de dívidas (art. 156, Decreto-lei 7.661/45). Ademais, o processo falimentar era extremamente demorado (demorava em média mais de dez anos), resultando no título de mais lento do mundo. Com essa mesma lei, o Brasil possuía a menor proteção ao credor, inferior inclusive à África Subsaariana e à América Latina, com prejuízos significativos ao mercado de crédito, ao spread das taxas de juros e à taxa de recuperação dos credores[9].

Outrossim, a concordata não passava de um reescalonamento ou abatimento de dívidas (não promovia qualquer reestruturação do empresário) e de efeito restrito aos credores quirografários. Os credores com garantia real podiam executar ativos indispensáveis para a manutenção da atividade. Também os prazos eram excessivamente curtos e os percentuais de pagamento altos (pagamento em dois anos, sendo 50% ao final do primeiro ano), o que praticamente inviabilizava qualquer recuperação. Ademais, a concordata se tratava de um favor legal, com a questão da viabilidade econômica sendo decidida pelo Judiciário, sem a expertise necessária. A legislação ainda não estimulava qualquer acordo extrajudicial, uma vez que, para tanto, seria necessária a aprovação pela unanimidade dos credores para que se tornasse vinculante. Por fim, as dívidas contraídas pela massa não gozavam de prioridade com relação a determinados créditos, o que elevava demasiadamente o custo do crédito para a continuação da atividade em virtude do risco elevado de inadimplemento[10].

No que tange ao processo falimentar, o seu fracasso também era evidente. De início, ainda que o síndico fosse escolhido preferencialmente entre os maiores credores (art. 60, Decreto-lei 7.661/45), não havia interesse na assunção do encargo, uma vez que muitas vezes os ativos eram exauridos nas dívidas tributárias e trabalhistas, que possuíam prioridade até mesmo com relação à remuneração do síndico (art. 124, caput, Decreto-lei 7.661/45). O desespero de gerar caixa pelo empresário acaba, muitas vezes, gerando um passivo considerável de natureza tributária e trabalhista, desestimulando a atuação de credores com escala de prioridade inferior e mesmo de terceiros com experiência profissional no ramo. Acrescente-se ainda que um tipo de fraude se tornou comum por meio da prioridade de créditos trabalhistas, isto é, havia o registro de parentes ou amigos como empregados com salários excessivos que ficavam com boa parte do ativo do empresário.  Também não havia prioridade para a venda em conjunto dos bens (art. 116, Decreto-lei 7.661/45), o que levava à depreciação de bens ilíquidos e específicos para aquela atividade empresarial[11].

Com esse cenário, a necessidade de reforma da legislação falimentar passou a compor a agenda governamental, mormente com as crises econômicas experimentadas pela América Latina ao longo da década de 80. Era o momento de criação de uma lei compatível com a dinâmica econômica da atualidade.

3 FORMULAÇÃO

  

No início da década de 90, iniciou-se a segunda fase do desenvolvimento de uma política pública: a formulação. Dessarte, a Portaria nº 233 do Ministério da Justiça instituiu uma Comissão que foi responsável pelo anteprojeto publicado em 27 de março de 1992 no Diário Oficial da União para fomentar os debates sobre o tema. Desse anteprojeto, foi apresentado o Projeto de Lei nº 4.376/1993. Após mais de dez anos de tramitação e um intenso processo de negociação no Congresso Nacional, foi sancionada em 9 de fevereiro de 2005 a Lei nº 11.101, com publicação na mesma data e entrada em vigor 120 dias após.

O texto aprovado trouxe uma série de alterações para o sistema de enfrentamento das empresas em crise. Com relação à liquidação, previu limitação do crédito trabalhista a 150 salários mínimos (art. 83, I, Lei 11.101/2005)[12], preferência do crédito segurado com relação ao Fisco (art. 83, II, Lei 11.101/2005)[13]; previsão de alienação do estabelecimento logo após a arrecadação dos bens, preferencialmente, por inteiro (art. 139, Lei 11.101/2005)[14]; isenção do adquirente do estabelecimento com relação às obrigações do devedor (arts, 60, parágrafo único, e 141, II, Lei 11.101/2005)[15]; e prioridade com relação aos créditos surgidos no bojo do processo de reorganização no caso de falência (art. 84, Lei 11.101/2005).

De outro lado, o processo de recuperação judicial possui distinções relevantes em comparação com a antiga concordata. Isso porque aquele admite negociação entre credores e devedor (art. 58, Lei 11.101/2005) e estabelece o automatic stay, ou seja, durante o prazo de 180 dias são suspensas as ações e execuções contra o empresário (art. 6º, § 4º, Lei 11.101/2005)[16], permitindo uma efetiva reorganização da atividade. Por fim, a nova lei ainda trouxe a possibilidade de recuperação extrajudicial (arts. 161/167, Lei 11.101/2005), reduzindo custos nos Tribunais e perda de reputação, e uma modalidade mais simplificada para as microempresas e empresas de pequeno porte (arts. 70/72, Lei 11.101/2005).

Com relação à formulação, pode-se até mesmo traçar uma analogia com o paradigma de Kuhn[17]. Evidencia-se a instituição dos princípios metafísicos com o núcleo axiológico da lei, traçado nos arts. 47 e 75. Nesses dispositivos, são enunciados valores a serem perseguidos como função social, estímulo à atividade econômica, manutenção da fonte produtiva, preservação da empresa, emprego dos trabalhadores, interesse dos credores e preservação e otimização da utilização produtiva dos bens, ativos, inclusive intangíveis, e recursos produtivos da empresa.

De outro lado, há as normas de ação consistentes, em síntese, nos institutos da falência (processo de execução coletiva contra o devedor empresário para pagamento aos credores na ordem estabelecida na lei), da recuperação judicial (acordo celebrado no bojo de um processo judicial para implementação de um plano de recuperação econômico-financeira da empresa) e da recuperação extrajudicial de empresas (acordo celebrado extrajudicialmente entre credores e empresário que pode ser levado à homologação judicial para a produção de determinados efeitos). A rigor, a maior parte das empresas experimenta crises de diversas ordens: financeira, econômica, patrimonial, entre outras. Para o enfrentamento desses momentos difíceis, em primeiro lugar, elas se valem dos mecanismos próprios do mercado, como alterações na gestão, operações societárias, negociação de dívidas, obtenção de financiamento, mudança no rumo dos negócios, redução de custos etc. O agravamento da crise, entretanto, exige a intervenção estatal de maneira a proteger os diversos interesses envolvidos. Nesse sentido, surgem os institutos da falência, da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial com o regramento estabelecido na Lei nº 11.101/2005.

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Ressalte-se que alguns setores estratégicos demandam um acompanhamento ainda mais próximo do Estado, razão pela qual existem leis específicas. À guisa de ilustração, os bancos podem sofrer, por parte do Banco Central, intervenção, liquidação extrajudicial e Regime de Administração Especial Temporária, conforme a Lei nº 6.024/74, nos dois primeiros casos, e o Decreto-lei nº 2.321/87, regulando o RAET. A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) pode determinar intervenção ou regime especial de administração das seguradoras, com base no Decreto-lei nº 73/66 e na Lei nº 10.190/2001 (art. 3º, parágrafo único), o mesmo podendo ocorrer com as sociedades de capitalização, nos termos do Decreto-lei nº 261/67. A SUSEP acompanha, outrossim, as entidades de previdência complementar abertas, nos termos da Lei Complementar nº 109/2001. A Agência Nacional de Saúde (ANS), por sua vez, é responsável pela fiscalização das operadoras de planos de saúde e pode determinar regimes especiais, de acordo com a Lei nº 9.656/98. As entidades de previdência complementar fechada são fiscalizadas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) e também possuem regime especial, com possibilidade de intervenção, liquidação extrajudicial e administração especial (Lei nº 12.154/2009).

Como terceiro elemento da matriz disciplinar, temos a metodologia caracterizada tanto pela celebração de acordos entre devedor e credores (dentro ou fora de um processo judicial) quanto pela alienação forçada do estabelecimento no processo falimentar. É importante observar que, malgrado a impressão inicial aponte em sentido contrário, a falência também visa à preservação da empresa, contudo sob a titularidade de outro empresário. A falência é do empresário (empresário individual, EIRELI ou sociedade empresária) e não da empresa. Enquanto atividade esta apenas deixa de ser exercida por haver se tornado inviável. O processo falimentar deve ser célere exatamente para evitar a depreciação dos ativos.

Por derradeiro, o paradigma fica completo com os instrumentos postos à disposição dos atores. O art. 50 da Lei nº 11.101/2005 demonstra a amplitude dos meios que podem ser utilizados pelo empresário para superar uma crise econômico-financeira. São exemplos medidas de natureza financeira (remissão parcial e concessão de prazos mais longos), providências societárias (fusões, cisões, transformações, cessões de cotas etc.), alienação do estabelecimento, alteração do controle, mudanças na administração, emissão de valores mobiliários, entre outras. Essa gama de medidas é um dos maiores avanços da nova lei e abre a possibilidade de grandes transformações na empresa, tornando muito efetiva a possibilidade de reerguimento da atividade.

4 IMPLEMENTAÇÃO

A implementação da política pública (terceira etapa) consistiu no reposicionamento dos atores sociais com base na aplicação da própria legislação. Na metáfora do jogo social, houve uma jogada reguladora e se examinam agora as jogadas acionadoras, levando em consideração o conceito de situação[18]. Nesta fase, cabe referência aos novos papéis desempenhados pelo juiz, promotor, administrador judicial, credores (trabalhadores, Fisco, bancos, fornecedores etc.) e empresários. É importante destacar que se trata de uma abordagem backward mapping, ou seja, os elaboradores da política de recuperação de empresas não possuem qualquer controle acerca da execução do programa[19].

A política de recuperação de empresas, aliás, guarda interessantes peculiaridades com relação às demais. Isso porque, em regra, a análise de políticas públicas pelo Judiciário ocorre excepcionalmente com base em alegação de inobservância de direito fundamental por parte do Poder Executivo. Em se tratando de recuperação de empresa, ao revés, não há direito fundamental, e os Tribunais são a arena adequada para a construção de acordo entre empresário e credores ou mesmo para a liquidação do ativo. Não há sequer um órgão gerencial que acompanhe o desenvolvimento da política em âmbito nacional.

Inicialmente, digno de registro que a Lei nº 11.101/2005 foi publicada em Edição Extra no Diário Oficial da União do dia 9 de fevereiro de 2005, com vacatio legis de 120 dias, iniciando sua vigência no dia 9 de junho de 2005. Ademais, o art. 192 da Nova Lei Falimentar estabeleceu que os processos de falência ou concordata iniciados na vigência do Decreto-lei nº 7.661/45 seriam concluídos com observância desta lei.

Alguns efeitos, contudo, tiveram aplicação imediata aos processos em curso, como a vedação da concordata, a possibilidade de alienação independentemente da consolidação do quadro-geral de credores e do encerramento do inquérito judicial, a possibilidade do pedido de recuperação judicial e a incidência da Lei 11.101 para as falências decretadas sob a égide da nova lei desde que decorrentes de convolação de concordata ou de pedido de falência anterior.

O primeiro jogador com atuação modificada é o magistrado. Deveras, com a atribuição do poder de deliberar pela aprovação do plano de recuperação judicial aos credores (art. 58, Lei 11.101/2005), em tese, o magistrado teria reduzido seus poderes no âmbito dos processos recuperacionais. Não obstante, outras questões se levantam em torno do papel meramente homologatório ou soberano do juiz. Com efeito, devido à função pública de um processo falimentar, pertinente a discussão sobre a apreciação jurisdicional do plano de recuperação judicial.

Neste ponto, em primeiro lugar deve ser analisada a possibilidade de o magistrado exercer um controle de legalidade. Essa temática foi bem discutida por ocasião da I Jornada de Direito Comercial, organizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em outubro de 2012, editando-se enunciados que consagraram a interpretação dominante do tema. Assim, o juiz deve realizar zelar pela observância da legislação de regência (“Enunciado CJF 44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade.”).

De outro lado, cabível a aplicação da teoria do conflito de interesses na recuperação judicial, naturalmente reservada para situações de abuso de direito (“Enunciado CJF 45. O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito.”). Por fim, caso o plano tenha sido aprovado, não pode o magistrado substituir a vontade dos credores com relação à análise da viabilidade econômica da empresa (“Enunciado CJF 46. Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores.”)[20].

A segunda questão com relação aos poderes do magistrado concerne à possibilidade de utilização do instituto norte-americano do cram down no direito brasileiro. Com efeito, à luz do Bankruptcy Code de 1978 dos Estados Unidos, o magistrado pode aprovar um plano de recuperação judicial rejeitado pelos credores, desde que observados determinados critérios subjetivos. Na Lei nº 11.101/2005 (art. 58, § 1º), houve a introdução de um mecanismo semelhante, contudo de acordo com os parâmetros exigidos, há a necessidade de aprovação pela maioria dos credores, tornando-se, a rigor, apenas uma forma de aprovação alternativa e não propriamente uma maneira de o juiz derrubar o veto dos credores. De qualquer forma, a lei utiliza a palavra “poderá”, dando azo a questionamentos.

Desta forma, encontram-se posições que vislumbram uma discricionariedade judicial[21] e que restringem a apreciação do juiz ao cumprimento dos requisitos para aprovação do plano[22].  Malgrado a tese não seja pacífica, os Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul já concederam recuperação judicial com base nesse instituto[23] [24].

Com relação à atuação do Ministério Público, ocorreu uma restrição na sua participação no processo falimentar. Isso porque houve veto presidencial ao art. 4º da Lei nº 11.101/2005, que estabelecia a intervenção do promotor em todos os processos de falência e recuperação judicial, bem como naquelas em que a massa falida fosse parte (como previsto no art. 210 do Decreto-lei 7.661/45).

Com isso, a atuação do Parquet ocorre nos casos expressamente previstos na lei, a saber: art. 8º - impugnação de crédito; art. 19 – pedido de exclusão, reclassificação ou retificação de créditos; art. 22, § 4º - conhecimento do relatório do administrador judicial no caso de imputação penal; art. 30, § 2º - pedido de substituição do administrador judicial ou dos membros do Comitê de Credores; art. 52, V – intimação do deferimento da recuperação judicial; art. 59, § 2 – recurso contra a decisão que concede a recuperação judicial; art. 99, XIII – intimação da sentença que decretar a falência; art. 104, VI – requerer informações ao falido; art. 132 – mover a ação revocatória; art. 142, § 7º – intimação da alienação de bens; art. 143 – impugnação à alienação de bens; art. 154, § 3º - manifestação acerca das contas do administrador judicial; art. 187 – propositura da ação penal.

O veto foi justificado com o intuito de evitar morosidade pela participação do MP em todos os atos, evitando-se ainda a sobrecarga de trabalho desnecessário das promotorias de justiça. É bem verdade que ainda existem entendimentos no sentido de que as atribuições constitucionais (art. 129, III, CF) do órgão impõem a intervenção do promotor na falência por tratar de interesses difusos e coletivos, o que seria reforçado pelo disposto no art. 82 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente em virtude do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da desnecessidade de intimação do Ministério Público antes da sentença de quebra[25] [26]. Aliás, curiosamente, na primeira decisão citada se faz referência ao desconforto institucional gerado no Ministério Público por ocasião do veto do art. 4º, havendo, inclusive, crítica ao promotor em virtude da arguição da nulidade do feito em virtude da ausência de sua intimação. Na época, houve até mesmo recomendações institucionais no sentido da intervenção em todos os feitos em que fosse parte a massa falida, como, por exemplo, o Aviso nº 70/2005 da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo[27].

Entrementes, passados alguns anos da vigência do texto legal, ao que parece, o próprio órgão acabou considerando interessante a restrição para se concentrar nos atos em que o interesse público resta mais evidente. Assim, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Recomendação nº 16, de 28 de abril de 2010, prevendo no art. 5º, XII, que é desnecessária a intervenção do MP antes da decretação de falência ou do deferimento do pedido de recuperação judicial[28].

Ressalte-se que a participação do Ministério Público nos processos de recuperação judicial e de falência permanece de grande relevância. Não é a toa que há uma Promotoria Especializada para cuidar desses processos (no MPDFT, por exemplo, é a Promotoria de Justiça de Falências e de Recuperação de Empresas – PROFALE).

O terceiro jogador com atuação alterada foi o administrador judicial. A rigor, este personagem teve sua natureza substancialmente modificada. O antigo síndico (na falência) ou comissário (na concordata) era escolhido preferencialmente entre os credores. Todavia, como visto, pela ausência de privilégio com relação aos créditos tributários e trabalhistas, o cargo de síndico não era interessante, já que a chance de recebimento, seja do crédito originário, seja da remuneração pelos seus misteres, era reduzida.

Com a Lei nº 11.101/2005, entretanto, esse cenário foi alterado. Isso porque o art. 84 previu como créditos extraconcursais a remuneração do administrador judicial, recebendo antes dos credores tributários, trabalhistas e reais, o que normalmente garante o adimplemento. Ademais, a nomeação passou a ser de livre decisão do magistrado, não recaindo mais, como regra, sobre um dos credores, o que evidenciou sua natureza atual de auxiliar do juízo. A garantia da remuneração, naturalmente, está criando um mercado para o exercício desse múnus público, com atuação frequente de profissionais e pessoas jurídicas especializadas.

Os empresários, outrossim, receberam bem a novel legislação. Conforme números demonstrados adiante, os dados apontam para uma crescente quantidade de pedidos de recuperação judicial. Em 2013, houve o recorde de 817 pedidos (com dados até novembro), demonstrando que os empresários têm confiado no portfólio de soluções da Lei nº 11.101/2005, já que a rejeição dos credores ao plano de recuperação implica na falência da sociedade empresária (art. 56, § 4º, Lei nº 11.101/2005).

A seu turno, os credores são divididos em diversas classes com interesses diversos. No caso dos trabalhadores, a Lei nº 11.101/2005 manteve o crédito como privilegiado no art. 83, I, e estipulou prazo máximo para o pagamento dos salários na recuperação judicial (um ano para os créditos vencidos até o pedido de recuperação e 30 dias para o pagamento de até 5 salários-mínimos de créditos salariais vencidos nos três meses anteriores ao pedido – art. 54 da Lei 11.101). Há inclusive a previsão de os trabalhadores assumirem a gestão da sociedade empresária (art. 50, VII, Lei 11.101).

Com relação aos bancos, a lei foi benéfica, uma vez que garantiu posição de prevalência até mesmo sobre o Fisco (normalmente as instituições financeiras representam os credores com garantia real em virtude de contratos de mútuo), conforme art. 83, II, da Lei de Recuperação de Empresas. Outrossim, em um processo falimentar mais efetivo, o Fisco ganha na arrecadação com a manutenção das unidades produtivas. Ressalte-se que os tributos gerados após a recuperação judicial também são extraconcursais, conforme art. 84, V, do multicitado diploma legal.

De uma forma geral, os atores receberam bem a nova legislação. As suas jogadas respeitam as balizas estabelecidas pela matriz disciplinar da Lei nº 11.101/2005.

  5 AVALIAÇÃO

A quarta fase alude à avaliação da política. Com este intuito, o primeiro exame a ser realizado concerne à utilização dos institutos de recuperação de empresas, tanto em termos quantitativos (número de sociedades empresárias que se valeram do instituto) quanto em termos qualitativos (se o instituto está sendo utilizado por grandes sociedades, o que impacta de maneira mais evidente a ordem econômico-social).

Sobre o tema, importante sublinhar que a partir do ano 2000 houve uma queda considerável no número de falências e a partir de 2010 o quantitativo se estabilizou, mantendo-se no patamar mais baixo desde que os dados começaram a ser levantados em 1991. Por outro lado, ocorreu aumento substancial no número de recuperações judiciais, com estabilidade a partir de 2009. Naturalmente, esses números decorrem de toda uma conjuntura econômica, mas não deve ser desprezada a relevância da nova lei de recuperações e falências. Na planilha e nos dois gráficos abaixo (p. 18/19), é possível uma visualização completa dos números.

A esse respeito, impende observar que das 4.234 sociedades empresárias que ingressaram com o pedido de recuperação após o advento da Lei nº 11.101/2005 até o final de 2013, 1.023 (24%) obtiveram a aprovação do plano pelos credores. Ademais, grandes empresas têm sido preservadas por meio da nova lei, como demonstram os casos da Eucatex S/A Indústria e Comércio (setor moveleiro e de construção civil; mais de 2.000 funcionários)[29] e da Leon Heimer S/A (setor de grupos geradores e soluções em energia)[30], ambas recuperadas.

Nos processos de recuperação, são comuns operações de fusão e aquisição. Foram casos relevantes os do Grupo Rede Energia S/A (32.000 colaboradores e atendimento de 5 milhões de unidades consumidoras; está sendo adquirido pela Energisa S/A)[31], da Celpa (Centrais Elétricas do Pará S/A, com mais de 2.000 funcionários; aquisição pela Equatorial Energia)[32], do Frigorífico Independência S/A (aquisição pela JBS S/A)[33], da Parmalat do Brasil (mais de 3.000 empregos; aquisição pela Laep Investimentos e sentença do dia 18/12/2013 no sentido do encerramento do processo)[34], da Varig (Viação Aérea Rio-Grandense, que já foi uma maiores companhias aéreas privadas do mundo; boa parte dos ativos foram adquiridos pela Gol Linhas Aéreas, mantendo unidades produtivas, e, posteriormente, a Varig teve a falência decretada)[35], do Grupo Infinity Bio-Energia (mais de 7.000 funcionários; aquisição do controle acionário pela JBS S/A)[36] e da Casa & Vídeo (varejista; controle adquirido por Fábio Carvalho e posteriormente pela Polo Capital Internacional Gestão de Recursos)[37].

Nessa linha de raciocínio, a importância social da recuperação judicial também deve ser levada em consideração. Evita-se o desemprego de milhares de pessoas, bem como a redução de unidades produtivas, permitindo, outrossim, o estímulo à atividade econômica. À guisa de ilustração, ainda pode-se fazer referência ao pedido de recuperação judicial do Grupo Lácteos Brasil (LBR), maior fabricante de laticínios do Brasil, com produção de mais de 2 bilhões de litros de leite por ano, 5 mil funcionários e cadeia de 56 mil produtores de leite em todo o país (recuperação concedida por sentença do dia 23/10/2013)[38]. Do mesmo modo, a Mabe Brasil Eletrodomésticos, detentora das marcas GE, Continental e Dako, terceira maior fabricante de eletrodomésticos do país, com 4 mil empregados, ajuizou pedido de recuperação judicial no dia 03 de maio de 2013 (recuperação concedida por sentença do dia 09/01/2014)[39].

Inclusive, recentemente, houve o pedido da maior recuperação judicial no Brasil, do Grupo OGX (de petróleo e gás; dívida de 11,2 bilhões de reais)[40] e do Grupo OSX (de construção naval; 500 milhões de reais, aproximadamente, de tributos recolhido até julho de 2013)[41]. Também está em trâmite a recuperação judicial do Grupo Hermes (terceira maior empresa em venda por catálogos; 1.800 funcionários diretos e mais de 500.000 revendedores; dona do site “Comprafácil”)[42].

A existência de casos conhecidos com êxito, contudo, não oculta os inúmeros desafios a serem enfrentados por uma política de recuperação de empresas. Na realidade, a maior parte das recuperações judiciais não logra a reestruturação esperada[43]. Alguns exemplos de grande repercussão e impacto social foram os casos da VASP (2.000 funcionários e filiais em todas as capitais e principais cidades; recuperação judicial concedida em 24/08/2006 e falência decretada em 04/09/2008 – ainda não houve trânsito em julgado)[44] e do Grupo Agrenco (ramo de agronegócios e bioenergia; recuperação judicial concedida em 22/06/2009 e falência decretada em 02/08/2013 -  ainda não houve trânsito em julgado)[45].

Muitos motivos ainda entravam o sucesso das recuperações, mormente das pequenas empresas. Em primeiro lugar, há empresas que se tornam inviáveis pelo endividamento, pela obsolescência, pela mudança do mercado, por crises internacionais, entre outros fatores. Ademais, o empresário protela em demasia a adoção de providências para resolução da crise (muitas vezes, quando ingressa com o pedido de recuperação judicial a crise já se tornou irreversível). De outro lado, o acesso ao crédito fica muito difícil em uma situação de crise, o que praticamente inviabiliza qualquer reestruturação (as grandes empresas se valem, muitas vezes, de fundos de investimentos).

Ressalte-se ainda que o custo do processo é muito elevado, tendo em vista que demanda profissionais especializados. No Brasil, outrossim, ainda não há uma cultura de participação dos credores na recuperação, de forma que se torna difícil convencê-los a trocar os créditos por participação acionária. Muitos empreendedores, na qualidade de sócios-administradores, também não estão dispostos a alienar o controle da sociedade empresária (tratando a recuperação simplesmente como um mecanismo de reescalonamento da dívida).

Não obstante, há uma questão de suma importância nessa temática que não pode passar despercebida. Com efeito, indubitavelmente, o reconhecimento da recuperação de empresas enquanto política pública provoca efeitos práticos muito relevantes. O fato de haver uma política de recuperação de empresas dá azo a uma interpretação judicial distinta da ordinariamente empregada, levando em consideração a distinção proposta por Ronald Dworkin, entre políticas, princípios e regras[46]. Alguns temas que chegaram ao Judiciário demonstram esse raciocínio, como nas exigências tributárias estabelecidas na legislação, no prazo para suspensão das ações e execuções contra o empresário e nos limites da atuação jurisdicional com relação à aprovação do plano de recuperação judicial.

Deveras, o art. 57 da Lei nº 11.101/2005 impõe a juntada de certidão negativa de débito tributário para a concessão da recuperação judicial, exigência também constante no art. 191-A do Código Tributário Nacional. Ademais, o art. 155-A do CTN estabelece no § 3º que haverá lei específica dispondo sobre o parcelamento de créditos tributários do devedor em recuperação judicial e o § 4º do mesmo dispositivo determina que, enquanto não editada a lei específica (que ainda não foi editada), haverá a aplicação das condições gerais de parcelamento fixadas pelo ente da Federação, não podendo o prazo ser inferior ao da lei federal. Ressalte-se que a lei de parcelamento da União (Lei nº 10.522/2002) permite o pagamento em sessenta parcelas mensais (art. 10).

Entrementes, o Judiciário tem afastado a interpretação literal, que exigiria a adesão ao parcelamento em sessenta meses enquanto não editada a lei específica, para privilegiar a recuperação de empresas, dispensando a certidão negativa[47]. Esse entendimento foi adotado na I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, no Enunciado nº 55: “O parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e no art.191-A do CTN”. No julgado referido, ainda há a referência à suspensão indireta do processo de execução fiscal, malgrado a lei estabeleça que não ocorreria suspensão, nos termos do art. 6º, § 7º, do diploma recuperacional.

Outro tema que ilustra esse entendimento diz respeito à prorrogação do período de suspensão das ações e execuções contra o devedor empresário. Com efeito, a dicção do art. 6º, § 4º, dispõe que o prazo de 180 dias a contar do deferimento da recuperação judicial não será prorrogado em “hipótese nenhuma”, bem como que, transcorrido esse prazo, os credores poderão cobrar seus valores independentemente de decisão judicial. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a interpretação de que o mero decurso do prazo não autoriza a retomada das ações e execuções se a demora não puder ser atribuída ao devedor[48].

Por fim, a Lei nº 11.101/2005 exige para a recuperação judicial do empresário a aprovação do plano na assembleia-geral de credores. Autoriza, todavia, que, na hipótese de rejeição pelos credores, o juiz possa conceder a recuperação, desde que obedecidos os seguintes critérios constantes no art. 58, § 1º: voto favorável de credores representativos de mais da metade dos créditos presentes à assembleia; aprovação de duas das três classes (credores trabalhistas; credores com garantia real; credores quirografários, com privilégio geral, com privilégio especial e subordinados); e voto favorável de mais de 1/3 na classe que o houver rejeitado, sendo que nesta classe não pode haver tratamento diferenciado. Percebe-se que o legislador não concedeu poderes amplos para o juiz deliberar acerca da aprovação de um plano rejeitado pelos credores.

Não obstante, nos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul, podem ser encontradas decisões que aplicam o instituto norte-americano do cram down, por meio do qual o juiz, atendidos determinados princípios, pode aprovar um plano rejeitado pela maioria dos credores[49] [50]. O tema não é pacífico, mas bem demonstra a disposição da magistratura nacional em conferir efetividade à tentativa de recuperação das empresas.

Como visto, ainda há grandes desafios em matéria de recuperação de empresas no Brasil. Contudo, a sua análise enquanto política pública pode oferecer melhores instrumentos para garantir a manutenção das unidades produtivas e, consequentemente, o desenvolvimento nacional. Isso porque as ferramentas jurídicas são insuficientes ao desiderato de preservação da empresa, fazendo-se mister um estudo transdisciplinar, próprio das políticas públicas.

Ressalte-se, a esse respeito, que, ainda que não enunciada de modo explícito, o reconhecimento de uma política pública de recuperação de empresas tem ensejado, por parte dos Tribunais, uma interpretação teleológica da legislação de regência. Nesse sentido, apresenta-se de grande utilidade um aprofundamento do tema que leve em consideração todos os elementos do paradigma instaurado com a Lei nº 11.101/2005, de maneira a propiciar soluções que maximizem os objetivos da política.

  

Planilha 1

Ano

Falências

Recuperações Judiciais

Recuperações

Extrajudiciais

Concordatas

Requeridas

Decretadas

Requeridas

Deferidas

Concedidas

Requeridas

Homologadas

Requeridas

Deferidas

1991

3.474

1.132

-

-

-

-

-

738

572

1992

19.518

2.289

-

-

-

-

-

767

601

1993

12.899

2.644

-

-

-

-

-

470

285

1994

12.544

2.532

-

-

-

-

-

628

553

1995

31.468

3.142

-

-

-

-

-

2.359

1.590

1996

48.169

6.043

-

-

-

-

-

1.072

924

1997

33.386

6.508

-

-

-

-

-

552

373

1998

31.869

6.156

-

-

-

-

-

736

456

1999

26.093

6.266

-

-

-

-

-

463

356

2000

13.923

4.909

-

-

-

-

-

221

174

2001

11.594

3.810

-

-

-

-

-

282

158

2002

19.891

4.774

-

-

-

-

-

276

250

2003

20.671

4.389

-

-

-

-

-

270

217

2004

13.925

3.497

-

-

-

-

-

156

121

2005

9.548

2.876

110

53

1

-

-

83

68

2006

4.192

1.977

252

156

6

2

-

-

14

2007

2.721

1.479

269

195

18

9

5

-

2

2008

2.243

969

312

222

48

14

6

-

1

2009

2.371

908

670

492

151

15

5

-

-

2010

1.939

732

475

361

215

7

2

-

-

2011

1.737

641

515

397

151

7

1

-

-

2012

1.929

688

757

618

189

5

1

-

-

2013

1.758

746

874

690

244

4

2

-

-

Planilha elaborada a partir de dados do Serasa Experian[51].

Gráfico 1

Gráfico 2

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.  REsp 1187404. Corte Especial. Julgamento em 19/6/2013. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=25988123&sReg=201000540484&sData=20130821&sTipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 29 jan. 2014.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Julgamento em 16/9/2010. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=12079173&sReg=200802066650&sData=20101020&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 4 jan. 2014.

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Sobre o autor
Gerardo Alves Lima Filho

Presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do DF e Oficial de Justiça do TJDFT. Bacharel em Direito pela UFBA, Especialista em Direito pela ESMA/DF e Mestre em Direito pelo UniCEUB. Foi diretor e gestor de diversas entidades representativas de servidores públicos, exerceu o cargo de Policial Rodoviário Federal e foi professor de diversas faculdades de Direito de Direito Empresarial, Civil, Processual Civil e Prática Civil. Publicou inúmeros artigos em sites e revistas jurídicas especializadas. Possui experiência em Direito Administrativo, Previdenciário, Constitucional, Empresarial, Tributário, Civil, Processo Civil, Trabalho, Processo do Trabalho, Penal e Processual Penal.

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Artigo elaborado quando cursei a disciplina Políticas Públicas com o Professor Frederico Barbosa no Mestrado do UniCEUB.

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