Resumo: O presente artigo busca realizar uma breve análise em torno da vaquejada, considerada uma atividade tipicamente esportiva e cultural no Nordeste, todavia, atualmente proibida em razão da ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) nº4986 proposta em face da Lei cearense nº 15.299/2013, que regulamenta a aludida prática. Ressalte-se, portanto, que, em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria dos votos, julgou procedente a referida ação, o que consequentemente ocasionou a inconstitucionalidade da lei estadual em face da qual foi proposta. Logo, serão expostos os aspectos contrários e favoráveis à prática da vaquejada, levando em consideração o direito dos animais, bem como o contexto fático em que a referida legislação está em vigor, de modo a deixar manifesto que a aludida prática, considerada cultural no Ceará, agride de maneira incontestável o direito ambiental, em razão dos maus tratos sofridos pelos animais. Nesse sentido, como alicerce metodológico, o projeto em tela buscou amparo no ordenamento jurídico vigente, bem como nos votos dos Ministros durante a votação da ADIN.
Palavras-chave: Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. Vaquejada. Direito dos animais.
Sumário: Introdução. 1.Aspectos favoráveis à vaquejada. 2. Aspectos contrários à vaquejada. 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A vaquejada pode ser conceituada como uma atividade cultural de natureza competitiva típica do Nordeste brasileiro, em que uma dupla de vaqueiros a cavalo devem perseguir o boi, de modo a tentar derrubá-lo, puxando-o pelo rabo, com o intuito de dominá-lo.
Nesse sentido, no Ceará era prática regulamentada pela lei nº 15.299/2013, a qual, em seu artigo 1º, sintetiza tal afirmação: “Fica regulamentada a vaquejada como atividade desportiva e cultural no Estado do Ceará”. Atualmente, a aludida lei foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em razão do julgamento da ADIN nº 4986, que tem como argumento basilar os direitos dos animais, defendidos pelos ativistas, em virtude dos diversos tipos de maus tratos sofridos pelos bois durante a prática do evento.
De fato, a referida prática tem sido taxada como “cruel” nos últimos anos, eis que há claros indícios de graves danos à saúde dos animais participantes, tais como: fraturas nas patas e rabos, ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos, eventual retirada do rabo, bem como comprometimento da medula óssea.
Ademais, como principal argumento para combater a vaquejada é utilizado o artigo 225 da Constituição Federal, que trata do meio ambiente, de modo a deixar manifesto que a preservação ambiental se sobrepõe aos valores culturais dessa atividade desportiva. Ressalte-se ainda que, o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais fixa que nenhum animal será submetido a maus-tratos, assim como nenhum animal poderá sentir dor durante a sua morte. E de forma a complementar este raciocínio, combatendo de pronto a vaquejada, o 100º artigo da citada declaração, de cunho internacional, afirma que os animais não devem ser usados para o divertimento do homem.
Todavia, há divergência no que tange à permissão da prática da vaquejada. Assim, os defensores desse ponto de vista alegam que aquela constitui uma manifestação cultural do povo, representando uma prática festiva, o que, portanto, deve ser preservado, conforme acata o artigo 215, §1º, da Carta Magna Brasileira. No mais, são expostos argumentos de cunho econômico, eis que a vaquejada movimenta um grande mercado de investimentos no Nordeste, e, consequentemente, a economia brasileira em seu todo, de maneira que a sua proibição acarretará o fim desse ramo econômico e potenciais ganhos nessa seara, bem como ocasionará um vasto índice de desemprego.
Portanto, neste trabalho serão expostos aspectos favoráveis e contrários à vaquejada, buscando, ao final, fixar um posicionamento no que se refere ao tema discutido.
2. ASPECTOS FAVORÁVEIS À VAQUEJADA
A vaquejada é uma atividade esportiva tipicamente nordestina. Possui raízes muito fortes no Ceará, caracterizando-se por ser uma disputa em que duplas de vaqueiros derrubam um boi puxado pelo rabo entre duas faixas de cal. Vence, assim, a dupla que obtiver o maior número de pontos.
Surgiu, dessa forma, entre os séculos XVII e XVIII, com a necessidade de reunir os animais, pois não havia cercas, sendo criados soltos na mata. Assim, a vaquejada teve início com as festas de apartação. Na ocasião, vários vaqueiros se reuniam para separar os bois nas propriedades, pois não havia cercas que dividissem os vizinhos, além de determinar quais seriam vendidos, castrados ou ferrados. Durante esse manejo, alguns bois resistiam ao chamado do vaqueiro, sendo necessário persegui-lo e derruba-lo, puxando pelo rabo. O vaqueiro, então, ganhava fama e um prêmio que poderia, inclusive, ser o próprio animal. Logo, essa prática passou a ser vista como festividade, aproximando muitos vaqueiros da região.
Contudo, com o passar dos anos, o crescimento da atividade e a visibilidade das práticas com o rebanho, os vaqueiros do Ceará ficaram conhecidos mediante o que se chamava de Corrida de Morão. Acontecia dentro das fazendas, no próprio pátio, onde os vaqueiros se desafiavam na derrubada do boi. Em seguida, com a propagação da modalidade, pequenos fazendeiros passaram a promover o “bolão de vaquejada”, mais semelhante com o que conhecemos hoje. Os vaqueiros pagavam uma quantia para participar da disputa e esse dinheiro era usado para premiar os vencedores, assim como custeava a organização do evento. Com isso, a estrutura ganhou corpo e espaço, pois os cavalos com maior potencialidade passaram a ser usados e a pista foi melhorada, tendo limitações e regras.
Posto isto, temos que a vaquejada é movimento espontâneo popular, tendo em vista se tratar de manifestação expressa do povo. Segundo o artigo 215, §1º, da Constituição Federal de 1988, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Como parte da cultura é a memória e identidade de uma região, devendo ser protegida e valorizada.
Percebemos, portanto, que a vaquejada é um movimento cultural. A sua proibição fará com que a identidade de toda uma região seja esquecida. Tal tradição centenária, que começou com o pastoreio e mantém viva a cultura do povo nordestino em a exaltação ao vaqueiro. A nova vaquejada, contudo, não deixa de lado os costumes passados pelos antigos, mas é a reinvenção, transformação, característica dos processos culturais aos quais toda a sociedade é submetida. É a prova de que mesmo com o passar dos anos, a tradição continua viva e presente nas novas gerações.
Além disso, a vaquejada traz também fortes evidências na movimentação de investimentos, fazendo parte da economia do país. A festa reúne empresários, empresas de cavalos e criadores, que fazem investimentos altíssimos. De acordo com a Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ) estima-se que, durante o ano, mais de 4 mil eventos sejam realizados no Brasil. Pesquisas comprovam que mais de 700 eventos são realizados no Ceará, gerando 600 mil empregos diretos e indiretos, que movimentam mais de R$ 14 milhões.
Desta maneira, percebemos a grande importância da vaquejada, que não é apenas uma tradição que apresenta fatores históricos e culturais, mas também contribui para a economia do país, movimentando altos investimentos nos grandes eventos que são promovidos para apreciar esta tradição.
3. ASPECTOS CONTRÁRIOS À VAQUEJADA
Diante dos pontos positivos apresentados no capítulo anterior, passaremos a analisar os aspectos negativos. Para os vaqueiros e para o público, vaquejada é motivo de festa, porém, para os animais envolvidos, ocorre o inverso.
Ora, durante o evento, os animais são maltratados, perseguidos e derrubados, pois a vaquejada trata-se de um “esporte” que tem a finalidade de agredir e explorar animais. Dessa forma, por mais fortes e bonitos que possam parecer os bois durante a vaquejada, eles sentem dor, visto que os fortes puxões no rabo maltratam. Se compararmos a situação de uma pessoa correndo e de repente alguém puxa o seu cabelo, a dor é intensa, assim como a dor sentida pelo boi quando seu rabo é puxado. Ademais, outro momento torturante para os animais acontece quando seu corpo se choca com chão no momento em que o vaqueiro consegue derruba-lo, pois o impacto é violento.
Não são somente esses momentos que ocasionam sofrimento ao animal. Deveras, merece destaque o fato do boi ser tão agressivo durante a vaquejada, principalmente quando é libertado do brete. É desconhecido o que ocorre momentos antes à liberação do boi, provocando dúvidas acerca do tratamento que esse animal recebe.
Logo, as condutas praticadas dentro do brete para estimular o animal não são devidamente reveladas. O que podemos observar é o sentimento negativo e a dor sentida pelo animal quando sai em disparada.
A continuidade desse “esporte” à custa dos maus-tratos desses animais é inadmissível e constitui, portanto, uma verdadeira atrocidade. O artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais dispõe que nenhum animal será submetido a maus-tratos, assim como nenhum animal poderá sentir dor durante a sua morte. Complementando o artigo 3º, o artigo 100 da mesma declaração afirma que o animal não deve ser usado para o divertimento do homem.
Portanto, facilmente pode ser argumento que a vaquejada se trata de tradição, mas tem sido considerado intolerável que algo tão desagradável continue sendo tradição. A divergência argumenta que os animais utilizados nesses eventos possuem um ótimo tratamento quando não estão competindo, porém, é evidente que não há compensação suficiente para a dor e a tortura.
4. CONCLUSÃO
Vê-se, com o exposto, que há clara colisão entre dois direitos garantidos constitucionalmente: o pleno exercício dos direitos culturais e a preservação dos direitos dos animais.
Logo, faz-se necessário que haja uma ponderação entre as referidas garantias, de modo a definir qual valor se sobrepõe ao outro. Diante deste impasse, o STF decidiu pela prevalência dos direitos dos animais, o que certamente representa um direito de maior relevância diante dos valores culturais de uma sociedade.
De fato, a proteção ao direito dos animais é reconhecida internacionalmente, existindo declarações de cunho universal. Outrossim, fazem-se cada vez mais atuantes as vertentes protetoras dos animais. E, certamente, é claro que a proteção aos animais deve prevalecer, haja vista os diversos maus tratos já evidenciados no decorrer do trabalho.
Portanto, resta indubitável que, com o desenvolvimento social, bem como o contexto fático em que a vaquejada está atualmente inserida, a prática deste esporte não merece prosperar.