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Perspectiva ético-jurídica do planejamento tributário

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Agenda 30/08/2004 às 00:00

A Constituição Federal tutela o direito ao exercício da autonomia privada, à propriedade e à liberdade contratual, porém, do mesmo modo a Carta Magna também prescreve o dever ético-jurídico ao pagamento do justo tributo.

SUMÁRIO: 1. Apontamentos iniciais; 2. Ética fiscal pública e privada; 3. Perspectiva metodológica para compreensão da Ciência do Direito Tributário e do Direito Tributário no contexto de uma justiça tributária; 4. Epistemologia jurídica e pós-modernidade; 5. Princípios norteadores do planejamento tributário: princípio da liberdade fiscal, princípio da capacidade contributiva e princípio da proporcionalidade; 5.1. Princípio da liberdade fiscal; 5.2. Princípio da capacidade contributiva; 5.3. Proporcionalidade como princípio harmonizador do binômio liberdade fiscal versus capacidade contributiva.

"Há tantas coisa que é escrita hoje simplesmente para defender os interesses do autor ou grupo que dissemina essa idéia, o que é assustador. Se você quer ter uma visão independente, aprenda correndo a observar você mesmo"

Stephen Kanitz – Veja Edição 1.865


1. Apontamentos iniciais.

Entende-se por planejamento tributário a técnica de organização preventiva de negócios jurídicos, visando a uma lícita economia de tributos. [1] Não há dúvidas que a Constituição Federal tutela o direito ao exercício da autonomia privada, à propriedade e à liberdade contratual, porém, do mesmo modo a Carta Magna também prescreve o dever ético-jurídico ao pagamento do justo tributo.

Deste modo, é imperioso que os operadores do direito pensem o planejamento tributário dentro de um contexto ético mais amplo, para que a sociedade brasileira possa avançar nos debates tributários, com o fito de ver no tributo, sua qualidade principal, qual seja, o de ser o instrumento financeiro indispensável à realização da justiça tributária e por conseguinte justiça social.

É no entremear destas singelas premissas que desenvolve o breve estudo que o leitor ora tem em mãos.


2. Ética fiscal pública e ética fiscal privada.

Todo e qualquer planejamento tributário, envolve a tomada de posição frente a questões de diversos matizes éticos. Lembremos que ética é justiça consoante já nos ensinou o professor Olinto A. Pergoraro [2]. Portanto, a justiça está no centro de qualquer discussão ética, e por decorrência no âmago de qualquer tematização atinente ao planejamento tributário. Viver eticamente é viver conforme a justiça. Tributar e gastar de forma ética é tributar e gastar conforme a justiça tributária. Planejar os negócios jurídicos dos contribuintes de forma ética é planejamento segundo a justiça tributária.

O princípio da justiça tributária encontra vida, alma e impulso na virtude da justiça. Esta leva o contribuinte virtuoso a viver como cidadão que luta por uma ordem tributária socialmente mais justa. Somos éticos, justos e virtuosos, no espaço social, ninguém é etico para si mesmo; somos éticos em relação aos outros [3], neste sentido, ética tributária é a prática da justiça tributária, ou, comportamento ético tributário é, antes de tudo, comportamento segundo a justiça tributária, e conforme já sabemos, a ética tributária é fiscal privada (contribuinte) e fiscal pública (Estado), ambos, com deveres e direitos na relação jurídico-tributária.

Para falarmos em Justiça Tributária numa sociedade democrática precisamos notar a presença de pelo menos duas características básicas: i- uma forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade e, - cidadãos-contribuintes que em uma democracia constitucional pagam tributos e mantêm um fundo comum público, destinado a garantir a oferta de bens e de serviços impossíveis de serem assegurados com eqüidade a todos os cidadãos, se entregues ao mercado. A garantia da oferta básica de tais bens materiais e imateriais, passa inexoravelmente pela intributabilidade do mínimo existencial, e a ausência da oferta deste bens à camada pobre da população redunda na perda do sentido humano, na perda da dignidade no âmbito econômico, político, social e jurídico-fiscal. Em uma sociedade democrática há bens primários, cuja característica principal é serem necessários à sobrevivência digna de todos os indivíduos, por força disto devem ser de acesso obrigatório a todos os cidadãos, o mínimo existencial no que diz respeito à moradia, ensino fundamental, saneamento básico, alimentação básica, saúde preventiva etc. A oferta dos bens desta natureza é de obrigação do poder público, ainda que o Estado deva recorrer ao mercado para garanti-los.

No campo da tributação estes bens primários hão que ser protegidos da tributação [4], e é justamente em nome desta proteção que os governos democráticos estão legitimados à coleta de tributos sobre a renda, propriedade e consumo daqueles que efetivamente podem contribuir. Tanto mais evoluída é a sociedade democrática do ponto de vista da tributação, quanto mais ela consiga inserir e garantir livre da tributação, na lista dos bens primários, outros bens que possam elevar o padrão de dignidade humana dos seus cidadãos. Diferentemente das sociedades hierárquicas, nas democracias deve-se reverter para o cidadão, em especial ao cidadão economicamente mais frágil, na forma da oferta de bens primários, o montante da riqueza que cada cidadão-contribuinte produzir com sua participação econômica, política e social.

Por essa razão, nas democracias a pessoa não trabalha para o engrandecimento da pátria, para merecer a salvação eterna, para honrar o monarca, para enriquecer o empregador etc; as pessoas trabalham, galgam melhores cargos e salários, tornam-se cidadãos-contribuintes para verem melhoradas a sua qualidade de vida, a qualidade de vida de sua geração e para verem garantidas a oferta básica de bens primários àqueles que em nome da solidariedade, têm um direito subjetivo à proteção social, trata-se na verdade de um reconhecimento de direitos e deveres gerados pela relação social. É neste contexto histórico que se insere o direito e ao mesmo dever ao planejamento tributário.

Insistirmos em que há no direito tributário duas éticas: uma ética fiscal privada e outra ética fiscal pública. [5]A ética privada é uma ética de condutas que norteia o cidadão-contribuinte que tem o dever fundamental de pagar tributos segundo a sua capacidade contributiva. Ao cidadão-contribuinte não é ético contribuir a menos para o montante da riqueza social, em proporção ao que suas faculdades lhe permitiam pagar, o que não deixa de ser uma exigência aristotélica na teoria da justiça tributária contemporânea. Portanto, não pode o contribuinte valer-se do planejamento tributário para efetuar pagamento de tributo aquém de sua capacidade contributiva.

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Já a ética fiscal pública é informada por quatro valores superiores, a saber, a liberdade, que consiste na aceitação da opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte, desde que respeitada a sua capacidade contributiva; a igualdade, no sentido de que todos que estiverem na mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação; a segurança, que pugna pela não tributação de surpresa, irracional etc, e finalmente; a solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública. Fazer justiça tributária é dentre várias coisas, ser solidário com os carentes que têm direito subjetivo à solidariedade, é garantir aos credores desta solidariedade a oferta de bens primários intributáveis, porquanto os pobres, desempregados, e os assalariados não podem suportar o ônus tributário do Estado, mas, sim, hão que ser suportados pelo Estado via ética tributária da solidariedade mediante a arrecadação e distribuição de riquezas oriundas do pagamento de tributos dos cidadãos-contribuintes.


3. Perspectivas metodológicas para compreensão da Ciência do Direito Tributário e do Direito Tributário no contexto de uma justiça tributária.

A leitura dos limites do planejamento tributário envolve inexoravelmente questões atinentes ao campo filosófico. O conhecimento atual está profundamente marcado e mediado pela linguagem, de maneira que conhecer algo é conhecer a linguagem que torna esse algo compreensível. Agora, atenção! Tenhamos cuidado para que tal assertiva (Linguagem e Direito) seja ampliadora do fenômeno jurídico que é complexo, e não reducionista e mutiladora do Direito.

Pois bem. Vivemos um contexto filosófico onde ressai forte os conceitos oriundos da chamada: Filosofia da Linguagem Contemporânea. Fruto desta concepção filosófica é o alcunhado giro lingüístico que, introduz a novidade epistemológica de que o conhecimento e a linguagem têm sentido apenas no diálogo, e que a relação sujeito-objeto não pode ser vista apenas limitada a essa díade, sendo triádica, sujeito-objeto-comunidade.

Manfredo Araújo de Oliveira traz preciosa lição sobre o tema: "O pressuposto básico dessa concepção é de que a linguagem se radica num acordo prévio a respeito de um sistema de normas e convenções sociais. Insiste-se, portanto, aqui, acima de tudo, no caráter prático e intersubjetivo da linguagem humana. A linguagem passa a ser entendida, em primeiro lugar, como ação e mais precisamente como ação social, que, por essa razão, não pode ser explicada como produto de um único sujeito. Ela é a mediação necessária no processo intersubjetivo de comunicação de tal modo que o ponto de referência de toda a filosofia é, agora, a comunidade de sujeitos em interação, sua práxis comum, realizada de acordo com regras determinadas e originadas a partir do uso das palavras nas comunidades específicas" [6]. Assim, o giro lingüístico se dá com a inflexão da filosofia para o estudo da linguagem como mediadora e constitutiva do conhecimento intersubjetivamente válido. O sujeito e o objeto se relacionam na comunicação com os outros partícipes do discurso. Contudo, a linguagem neste sentido é um índice temático e não um fim temático ensimesmado, isto porque ela só ganha sentido e representação no diálogo com o outro. Se em Kant, a razão prática está associada a um padrão interpretativo que se explica a partir da singularidade do sujeito (o imperativo categórico kantiano é um exemplo), a partir da reviravolta lingüística, a razão prática é substituída pela razão comunicativa, acoplando o conceito de racionalidade ao medium lingüístico, isto é, na razão comunicativa o agir é orientado para o entendimento, para o outro, rompe-se o individualismo e entra-se num jogo dialógico. [7] Noutro dizer, o próprio conceito de validade moral desloca-se de uma consciência moral individual, para o âmbito de uma linguagem pública, realizada através do discurso argumentativo como um entendimento intersubjetivo. [8]

Neste contexto filosófico, o que é o "real"? Certamente, o "real" é o que pode ser representado em proposições verdadeiras, ao passo que o verdadeiro é o que pode ser explicado em relação ao outro no momento que se assevera uma proposição [9], "afinal de contas, a linguagem deseja ser comunicada, e não prescinde da alteridade. É pelo outro que me descubro como eu na vivência do discurso. É nesse sentido que podemos, então, compreender o papel do simbólico como representação social de algo que esta aí". [10]

Direito Tributário e Ciência do Direito Tributário sofrem o impacto direto da filosofia da linguagem contemporânea. Ambos são dos corpos de linguagem, dois discursos de ordem lingüística, da ordem do dever-ser e da ordem das ciências respectivamente, cada qual portador de suas peculiaridades próprias. O ordenamento jurídico tributário é ontologicamente tridimensional, ou seja, compõe-se de uma integração normativa de fatos segundo valores, que dizem respeito à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, cujo estrato de linguagem possui um vetor prescritivo, ou seja, regulam as condutas nas relações interpessoais, prescrevendo comportamentos nos modais deônticos: permitido, proibido e obrigatório.

A linguagem do direito tributário positivo é chamada de linguagem-objeto, quando cotejada com a linguagem da ciência do direito tributário, que é de sobrenível, ou metalinguagem. Ao direito tributário positivo corresponde a lógica deôntica, lógica do dever-ser, em razão disto as normas de direito tributário são válidas ou não-válidas, diferentemente, da ciência do direito tributário, cujos enunciados são verdadeiros ou falsos. [11]

A Ciência do Direito Tributário é um corpo lingüístico, que se desenvolve a partir da análise do direito tributário (que é uma integração normativa de fatos segundo valores voltados para instituição, arrecadação e fiscalização de tributos), objetivando ordená-lo (objeto ou base empírica), declarando sua hierarquia, transmitido conhecimento sobre a realidade jurídico-tributária, clarificando a forma deôntica e valorativa que permeia todo sistema do direito tributário positivo, bem como, suas significações, articulando questões de ordem lógico-jurídicas (normas tributárias), éticas (valores tributários) e histórico-culturais (fatos tributários) A linguagem da ciência do direito tributário é tida como uma metalinguagem, cujo vetor é descritivo da linguagem-objeto, a lógica que preside esta linguagem é a lógica das ciências, ou lógica apofântica, cujos enunciados como já dito, são valorados como verdadeiros ou falsos.

Um parênteses para uma importante e decisiva observação. Trabalhamos com o conceito de "ciência" na acepção de um conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, mediante o uso de um método próprio. Neste sentido é que falamos em ciência do direito tributário. Contudo, a problematização das questões jurídico-tributárias muito embora sejam estruturadas cientificamente, são ontologicamente de natureza prudencial, i.e, diante de múltiplas soluções corretas para uma mesma questão, o intérprete jurídico elege a aceitável, a discursivamente justificável [12].

Se a ciência do direito produzisse interpretações ontologicamente científicas, estaríamos inevitavelmente frente a questões para as quais a ciência jurídica ainda não seja capaz de oferecer respostas, e não como sói acontecer com a ciência do direito que está sempre frente a múltiplas respostas jurídicas. Por isso, acertadamente ao nosso ver, Eros Roberto Grau [13], assoalhado em Aristóteles (Ética a Nicômaco), afirma que a interpretação jurídica (que já é aplicação do direito) é uma prudência, uma virtude cientificamente estruturada cujo conteúdo é a razão intuitiva que não discerne o exato do ponto de vista jurídico, mas sim, o correto, o aceitável, o justificável na comunidade do discurso, daí a interpretação jurídica ser uma juris prudentia e não uma juris sientia. [14]


4. Epistemologia jurídica e pós-modernidade.

Urge ainda situarmos a Ciência do Direito Tributário, que antes de ser tributário é Direito, no quadro das ciências sociais da pós-modernidade. Assim o fazendo, por outras linhas, e em outra época, estamos nós repetidamente invocando as lições de Alfredo Augusto Becker sobre "o sistema dos fundamentos óbvios", só que desta feita, com outros objetivos, que não aqueles que na modernidade animaram o eminente jurista gaúcho.

Boaventura de Souza Santos [15], pondera que estamos no fim de um ciclo de hegemonia de uma certa ordem científica. Na ciência moderna o conhecimento avançava pela especialização, pela busca do racionalismo cartesiano; neste sentido, ele era tanto mais rigoroso quanto mais restrito era o objeto (metodicamente mutilava-se o objeto), sobre o qual incidia, havia uma nítida segregação do saber, por conseguinte, uma compartimentabilização do conhecimento ao mesmo tempo em que imperava uma severa vigilância nas fronteiras das disciplinas, para reprimir o cientista que quisesse transpor tais limites, fazendo do cientista um "ignorante" especializado. Kelsen, na seara jurídica, foi um dos baluartes deste modelo, malgrado pelo conjunto da obra, possa ser facilmente reconhecido como o maior jurista do século passado.

O modelo científico pugnado pela ciência moderna, no campo jurídico, se por um lado produziu um reconhecido avanço racional, por outro reduziu a complexidade da vida à secura de uma dogmática mutiladora e reducionista, que a ciência jurídica da pós-modernidade quer superar ao redescobrir o mundo filosófico, ético, sociológico entre outros, em busca de uma complexidade e uma prudência aristotélica perdida pela modernidade. A verdade que nos foi revelada, ainda que como legado importante da modernidade, é que os fatos observados pelas ciências têm vindo a escapar ao regime do isolamento até então proposto, os objetos têm fronteiras cada vez menos definidas; são nas mais das vezes constituídos por anéis que se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles. Como então criar um isolamento prisional para o objeto jurídico tributário?

No caso das contribuições, cuja natureza foi constitucionalizada, a questão então é dramática. Temas como a natureza jurídica das contribuições; a destinação do valor arrecadado como elemento que influencia ou não na sua natureza jurídica ou não; são trabalhados hodiernamente, mediante teorias que buscam explicá-los através de um conhecimento que extrapole os parcos limites de uma dogmática estritamente normativista [16], indo além fronteiras, ao encontro de uma epistemologia tributária, agregadora, híbrida, plural, lingüística, complexa, porém, acima de tudo compromissada com uma postura ética, tanto do fisco quanto do contribuinte. [17]

Neste sentido, o conhecimento jurídico volta a ser uma aventura encantada, uma busca da totalidade, da complexidade, uma superação dos dualismos natureza/cultura, observador/observado, coletivo/individual etc. O universo jurídico pós-moderno não é de delimitação tão-somente, mas também de mistura, de celebração do cruzamento, do híbrido, do complexo, do plural, do concreto, do retórico. Muito mais do que se ter um objeto jurídico cartesianamente determinado, o que temos hoje são temáticas, agrupamentos de objetos, relações, galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros, formando um enorme mundo jurídico comunicacional, onde ganha cada dia mais relevo estudos ao modo de uma "situação comunicativa" tal como pugnada por Jürgen Habermas [18], ou à moda pontesiana e popperiana, oportunamente lançada por Adriano Soares da Costa [19], ou na linha de uma "semiótica jurídica", tão bem capitaneada pelo professor de Direito Tributário da PUC e da USP, Paulo de Barros Carvalho [20].

Falar em linguagem comunicacional, em relações sujeito-a-sujeito, em temáticas como agrupamentos de objeto é reconhecer a complexidade do conhecimento na pós-modernidade, o complexus como bem ensina Edgard Morin [21]. Significa o que foi tecido junto. De fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o jurídico, o político, o filosófico, o sociológico, o psicológico, o afetivo etc), e há um tecido interdependente, interativo, unindo o todo e as partes e as partes entre si, por isso a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. O que precisamos é substituir um pensamento que separa e reduz por um pensamento que distingue e une. Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese, mas, sim de conjugar. Conjugar é diferente de sintetizar, na síntese se reduz, na conjugação, distingue-se para unir.

É conhecida a lição de Lourival Vilanova quando diz: "Há um abismo entre o ‘mundo do ser’ e o do ‘dever-ser’, a vontade de superar este abismo é o que caracteriza propriamente a ''cultura". [22] Com efeito, não há fusão do dever-ser no ser, contudo o direito é objeto cultural da ordem do dever-se, e o dever-ser o é em direção ao ser, à experiência, razão pela qual só um pensamento que conjugue, um pensamento que separe o ser do dever-ser para uni-los no objeto que cultural que é o direito, poderá fazer com que o direito hodierno tenha força social suficiente para enfrentar e dar respostas aos desafios da complexidade, com os quais o desenvolvimento próprio de nossa era nos confronta inelutavelmente.

Releva assim, a importância da ciência do direito tributário ser encarada sob estas novas perspectivas oriundas da pós-modernidade, para que só assim, possamos alcançar respostas satisfatórias para os problemas tributários que nos afligem no dia a dia, no particular, aqueles que envolvem os limites éticos-jurídico do planejamento tributário. Sentimentos como estes, faz com que juristas como Miguel Reale [23], cheguem a falar num pensamento jurídico conjetural, para significar que o Direito sendo uma das dimensões da vida humana, de sua experiência, não pode deixar de refletir as perplexidades e complexidades conaturais ao ser humano, em cuja atividade individual e coletiva, a flexível conjetura atende mais aos valores existenciais do que a pretensas certezas do racionalismo rigoroso e restrito.

Os limites do planejamento tributário hão quer compreendidos no seio da miséria social que assola este país, miséria esta que é assunto a ser tematizado por todos os ramos do direito, em especial, o direito financeiro e tributário. Para isto, é necessária uma outra forma de conhecimento jurídico, compreensivo, íntimo, e que não mutile e reduza nosso pensamento, mas antes, que nos conjugue com o que estudamos. Não se trata mais do espanto medieval perante uma realidade hostil possuída do sopro da divindade, nem, do racionalismo neutro do iluminisno, ou do ceticismo do século XX, mas, antes de tudo da prudência perante um mundo que, apesar de domesticado, nos mostra cada dia mais a precariedade do sentido de nossas vidas, em meio a um turbilhão de desigualdade social, pobreza e miserabilidade crescentes.

O que acima foi dito, nos remete de imediato à necessidade de uma nova metodologia jurídica, de um novo pensar jurídico, voltado para solucionar os conflitos complexos de uma sociedade pluralista, exigindo, destarte, a consideração na aplicação do direito de conhecimentos que até então eram considerados ajurídicos, como sabiamente aduz o professor Vicente de Paulo Barretto [24], "o direito pós-moderno aparece, então, quando o lemos sob essa nova ótica, não como instrumento de conservação social, mas sim como agente da mudança social".

Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Perspectiva ético-jurídica do planejamento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 419, 30 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5641. Acesso em: 23 dez. 2024.

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