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A contribuição de Thomas Kuhn para a filosofia da ciência

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Agenda 11/03/2017 às 13:25

Analisar o pensamento de Kuhn significa perceber como sua obra desencadeou uma rediscussão sobre as relações entre a ciência e sociedade.

Analisar o pensamento de Kuhn[1] significa perceber como sua obra desencadeou uma rediscussão sobre as relações entre a ciência e sociedade.

Sua obra intitulada “Estrutura das relações científicas” publicada em 1962 foi impactante e gerou pelo menos dois efeitos colaterais poderosos, a saber: o surgimento da possível concretização de tendência de se ter questões extremamente técnicas e, de certa forma, estéreis e, ainda, acirrou o debate sobre a querela sobre o lugar que a ciência ocupa, ou pelo menos, deveria ocupar na sociedade.

Assim tendo propiciado a liberação involuntária, recolocando o debate em torno da interface existente entre a ciência e a sociedade, apesar de sua revelia.  Sendo imperiosa uma reavaliação sobre as teses principais para se compreender a questão sobre a interação entre os fatores racionais e os valores sociais.

Kuhn corresponde a mais influente figura na filosofia da ciência de origem inglesa da segunda metade do século XX. E sua atividade é atestada pelos inúmeros trabalhos acadêmicos que o enfoca, e sua obra mesmo depois de mais de meio século ainda é consagrado como o maior best-seller da história da epistemologia[2], tendo marcado seu valor nos debates sobre as questões filosóficas referentes à ciência.

Kuhn é apresentado como doutrinador envolvido com Stephen Toulmin[3], Irene Pacatos e Paul Feyerabend[4], entre outros, na formulação da uma nova concepção de ciência contraposta àquela defendida pelo positivismo lógico, sendo responsável pela mudança de paradigma na epistemologia inglesa.

Kuhn atribuiu papel epistemológico importante à história e, não meramente ilustrativo, na construção da racionalidade científica. A lógica da ciência não seria indutivista e o método científico não seria um critério de demarcação suficiente e nem seria a metafísica necessariamente nociva à ciência.

Assim, produziu-se uma nova imagem da ciência. A chamada nova filosofia da ciência ou filosofia histórica da ciência é apenas uma das faces da mesma moeda, sendo outra tradição positivista, pois Kuhn ainda concebe a ciência de forma unificada, contendo a mera inversão da ênfase da observação e do experimento para a teoria.

A reconstrução da ciência por Kuhn, a forma como o pensador articulou o distanciamento apesar de dar margem a uma reaproximação entre os domínios do social e do científico; analisando o paradigma[5] da ciência normal[6] e a revolução científica.

Ademais, o papel da história da ciência para Kuhn com o fito de decifrar a verdade sobre o lugar ocupado pela ciência perante a sociedade. E, a relação de rejeição com os defensores do mencionado inicialmente, de forma clara, os desdobramentos de suas teses originárias.

O desenvolvimento científico se dá na tensão essencial entre o normal e o revolucionário. Mas o intento de Kuhn era defender a autonomia e a independência da ciência, e a evolução estratégica do que chamou ciência normal.

A ciência normal é formada pelo binômio indissociável com o paradigma. A ciência entra numa fase normal, quando guiada por um paradigma. A ciência normal, segundo Kuhn, significa a pesquisa fomentada e baseada em uma ou mais realizações científicas do passado.

As realizações científicas desempenham o papel de um exemplar que o primitivo sentido do paradigma.

Duras críticas são dirigidas e à polissemia que envolve o conceito de paradigma elaborado por Kuhn, vindo até substituir o termo por “matriz disciplinar” que é composta por quatro elementos principais: exemplares, generalizações, simbólicas, modelos e valores. E, em seus últimos trabalhos também se encontra o termo “léxico”.

Os paradigmas[7] possibilitam o advento do consenso o que é visível nas revistas especializadas bem como nos manuais acadêmicos sobre os fundamentos da prática científica.·.

De posse dos paradigmas cessam os debates de ordem metodológica e que apontam os meios aptos a investigação de ordem epistemológica (que apontam a natureza das entidades investigadas).

A dita ciência normal visa o aperfeiçoamento de questões relacionadas com os três domínios. Além disso, a referida modalidade de ciência ocupa-se das operações de limpeza que se refere à depuração das inconsistências dos paradigmas.

A maioria dos cientistas se ocupa dessas operações de limpeza durante toda a sua carreira. Traduz-na pura ciência, o que parece ser a tentativa de encaixar a natureza dentro dos limites prefixados e relativamente inflexíveis fornecidos pelos paradigmas. É tarefa formidável e emoldurante.

Visam os cientistas se aprofundar no conhecimento de fatos pré-selecionados pelo paradigma, buscando otimizar a correlação desses fatos com o paradigma.

Conclui-se que de certo modo, tudo já foi previsto pelo paradigma, qualquer novidade, seja a inovação de uma teoria, seja a descoberta de um fato, deve ser ignorada de modo a garantir a subsistência da ciência normal.

A normalidade científica ocorre quando a pesquisa é conduzida sob a forma de resolução de quebra-cabeças. Kuhn veio a descontentar alguns pensadores e até cientistas ao afirmar que a motivação é a busca da verdade, mas sim, solucionar os quebra-cabeças, ou seja, promovendo a habilidade para tornar o aparentemente anômalo (o que pode corresponder a um contraexemplo do paradigma) resultando em um problema solúvel através do paradigma[8] vigente.

Assim o paradigma exerce para ciência, uma função semelhante ao dogma para religião (aliás, há um trabalho de Kuhn sob o título de “A função do dogma na investigação científica”).

A ciência normal qualificada, por Kuhn corresponde à pesquisa especializada. Pois o pensador acreditava que a especialização é a condição para o progresso científico. Mas com o passar do tempo, reduziu Kuhn a relevância dada à especialização na obtenção do progresso científico e tal imbricação já é notada na obra “A estrutura das revoluções científicas”.

O pressuposto principal da especialização segundo Kuhn é o de haver o consenso que, por sua vez, remonta ao conceito de paradigma. Pois o paradigma instaura a concordância em torno das questões fundamentais, de forma que se torna necessário discutir quais feitos devem ser investigados, quais métodos devem ser empregados, nem quais soluções devem ser encontradas.

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O referido consenso é o grande responsável pelo avanço na solução dos problemas. O desiderato do conhecimento científico é mesmo o progresso, concluiu Kuhn. Apesar de não ser necessariamente cumulativo, pois é uma diferença específica da ciência em face das outras formas de conhecimento.

Todas as suas reconstruções tendem a ratificar o progresso da ciência, seja no sentido normal ou no sentido revolucionário ou de ruptura.

O que já não mina a autoridade cultural exercida pela ciência. Afinal o consenso justamente assegura a possibilidade de crescimento de conhecimento científico. O progresso científico é decorrência do consenso engendrado pelo paradigma.  Na ciência normal, o progresso é linear e cumulativo. O que não ocorre quando se tem a concepção descontinuísta de progresso concernente às revoluções científicas.

O progresso queniano ocorre por duas formas diferentes, a saber: (mas são complementares) o progresso contínuo que ocorre na ciência normal e o progresso não cumulativo (que eclode nas revoluções científicas).

A noção de ciência normal foi criticada por Popper[9] que via grande perigo nisso, na suposta atitude dogmática e possibilidade de ter que se tornar normal com o aumento da especialização (o que é o perigo para a nossa civilização).

A crítica também foi acompanhada por Watkins e Feyerabend que possuía estilo incisivo quando disse: “Pois tudo indica que o crime organizado é a solução de enigmas por excellence”.

Todo enunciado feito por Kuhn sobre a ciência normal permanece verdadeiro. Já indicara em sua obra que os níveis descritíveis e prescritíveis são praticamente inextricáveis. Logo, a reconstrução implica como deve acontecer na ciência, e nas coisas.

Assim, a ciência perde uma atitude crítica que é numa característica salutar do conhecimento científico (ou seja, a não aceitação passiva da transmissão do conhecimento e de valores).

Mas não é preciso que os cientistas pensem da mesma forma, apesar do consenso sobre os fundamentos, pois existem pontos passíveis de aperfeiçoamento.·.

O acordo sobre os fundamentos é o que distingue a ciência como uma forma bem-sucedida de conhecimento das demais formas. Com o paradigma, a ciência não perde tempo em discussões e poderia lograr o progresso.

Há uma recomendação indesejável ao cientista, no sentido de ser acrítico e deixar de pensar filosoficamente. Enfim, há de se enfrentar o falso dilema de escolher entre o aprofundamento do conhecimento e o debate reflexivo, uma vez que ambos podem e devem andar juntos.

Kuhn com razão equiparou o debate crítico e reflexivo à filosofia e que só se deve recorrer quando não mais vige o consenso.

Assim, a filosofia funcionaria como remédio para anormalidade. A separação entre a ciência e a filosofia fora constatada com o advento da modernidade[10].


A revolução científica

Para Kuhn as revoluções científicas eram episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma velho é total ou parcialmente substituído por um novo paradigma incompatível com o anterior.

Ao enfraquecer, aparentemente, o papel dos argumentos na decisão entre paradigmas rivais[11] a maioria dos interesses, julgou Kuhn, estaria defendendo que a irracionalidade impera na ciência.

Se não há espaço para a força do argumento, abre-se o flanco para o predomínio do “argumento da força”, costuma-se pensar.

As controvérsias entre paradigmas oponentes[12] não poderiam ser decididas de maneira normal, por isso, Kuhn, comparou a revolução científica às experiências da psicologia gestalt[13], à revolução política, à conversão religiosa, para mencionar as mais extremadas.

Tais analogias provocaram a ira dos defensores da prática científica entendida como o paradigma da racionalidade. Afinal, como os filósofos analíticos[14] da ciência poderiam admitir que o seu objeto de estudo fosse igualado à política, religião (esferas tidas como da decisão e da crença) e não, da evidência e/ou demonstração que são peculiaridades do conhecimento científico.

Dentre as recepções favoráveis, destaca-se a de Rorty[15] que qualificou entusiasticamente Kuhn como sendo um grande filósofo.

Penso que filósofo é a descrição mais apropriada para alguém que remapeia a cultura, que sugere um novo e promissor modo para pensarmos a respeito das relações entre as várias grandes áreas de atividade humana.

Para Rorty, Kuhn contribuiu para atenuar a fronteira de demarcação entre o cientifico e os demais domínios. Estendendo o conceito de ciência normal ao restante da cultura como um todo.

Rorty advoga a tese que termos como racionalidade e objetividade são menos uma questão de correspondência com a realidade dos fatos do que a concordância entre os sujeitos cognoscente.

O discurso normal não seria privilégio da ciência, mas encontrável em toda cultura onde impede o consenso. É possível haver uma literatura e política racionais e objetivas. Assim como a física newtoniana é objetiva e racional. De maneira que Rorty saudou a obra de Kuhn, pois ajudou a minar a autoridade e superioridade epistêmicas da ciência.

Kuhn analisou apenas a esfera científica sem a pretensão de que a descrição extrapolasse as demais esferas.  A obra “A estrutura (...)” propiciou o acalorado debate que veio a determinar a agenda da filosofia e da ciência na segunda metade do século XX.

A tese da incomensurabilidade é uma das controvérsias suscitadas por Kuhn. A incomensurabilidade deve combinar com o progresso científico. Apesar disto, a tese foi vista como uma grave ameaça à racionalidade científica[16].

Na escolha de paradigma, como nas revoluções políticas, não existe o critério superior, ao consentimento de comunidade relevante. Para avaliar as revoluções científicas são produzidas, devemos examinar, não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas igualmente, às técnicas de argumentação persuasiva que são eficazes no interior de grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas.

O desfecho das revoluções científicas não é determinado por critérios estritamente lógico-empíricos em seu sentido clássico. Em outras palavras, não se pode recorrer à correspondência com os fatos nem à coerência interna da teoria, de modo a decidir sobre o conflito entre paradigmas.

Isso porque um paradigma é incomensurável com outro. Abre-se espaço para as evidências. E mais, uma vez que os argumentos, seja de ordem lógica, sejam de ordem empírica não possuem força superior e suficiente para decidir a controvérsia científica, parece surgir a força para o Estado, para a política e os grupos sociais, onde predomine.

Kuhn não se pronuncia a esse respeito, mas admite que esferas externas à ciência podem atuar diretamente sobre a ciência e sobre as revoluções científicas, sem aprofundar a questão.·.

Admite-se também Kuhn que os fatores não-científicos podem atuar, quando a ciência pode deixar de ser um assunto somente de cientistas nas oportunidades em que ela deixa de funcionar normalmente.

Os fatos não podem ser o tribunal de disputas científicas por serem moldados pelos paradigmas, a rigor, não existe fato puro, uma vez que toda observação está carregada de teoria.

Kuhn não aceitou bem como outros filósofos, a distinção entre os termos observacionais e termos teóricos. Por isso, se afirma que aa filosofia da ciência seria dominada pela teoria. Mas o conceito de paradigma[17] não é sinônimo de teoria.

A questão do conceito de paradigma tem sua carga inicial semântica e parece ser mais rica. Ademais, a racionalidade testabilista tão comum aos positivistas lógicos e a Popper foi posta em xeque por Kuhn e pelos demais representais da nova filosofia da ciência.

As chamadas experiências cruciais não passariam de idealizações de genuína atividade científica. Para fugir do rótulo de relativista/irracionalista sem o recurso de algoritmos neutros, Kuhn ressaltou a atuação de critérios epistêmicos na escolha entre as teorias.

Tais critérios seriam resultados da própria filosofia da ciência tradicional e sendo os mais importantes para formulação de boas teorias científicas. São estes a exatidão, consistência, alcance, simplicidade e fecundidade.

Mas, não funcionam como regras matemáticas[18], mas como valores, ou seja, apesar de garantirem a objetividade da ciência, estes são aplicados de forma subjetiva.

Por vezes os cientistas concordam sobre essas matérias, mas defiram quanto aos pesos relativos a ser acordados a estes ou a outros critérios quando forem vários os critérios se desenvolvem em conjunto.

Não apenas a aplicação individual dos valores varia de importância atribuída a eles, os que se modificam com o tempo e/ou de uma área para outra.

O discurso sobre a atuação de valores da ciência Lacey[19] desenvolve o argumento central segundo o qual deveríamos traçar distinção entre valores sociais e valores epistêmicos pelo menos a ciência contemporânea (vide o caso de transgênicos) não desfrutando mais autonomia (em função de interesses comerciais do mercado) e nem da neutralidade, que costuma ser imparcial.

Lacey defende ainda a ideia de recuperar o ideal da ciência moderna, com seus respectivos valores além da manutenção da imparcialidade resgatando a genuína neutralidade e a autonomia de linhas de pesquisa sem perder de vista a função social da ciência.

Durante uma revolução científica o mundo muda e às vezes de Kuhn destacou três aspectos que acompanharam inevitavelmente as mudanças científicas.

O primeiro aspecto se refere ao holismo teórico: os termos e/ou sentenças ganham seu significado dentro da teoria.

O segundo aspecto se refere à linguagem e mundo em sua concepção de uma revolução de um todo, com concepção idealista (alhures do pragmatismo[20]).

As mudanças científicas alteraram os próprios objetos e situações dos quais são aplicados os termos. Nas mudanças científicas destacou Kuhn que as metáforas[21] e as analogias são descartadas, ou melhor, substituídas.

O tema da incomensurabilidade é indissociável ao tópico da revolução científica, não sendo aceito o relativismo feito pelos filósofos analíticos em geral bem como o irracionalismo ou subjetivismo.

A interpretação mais corrente da incomensurabilidade é a de que esta implicaria na quebra de comunicação entre os cientistas. Davidson procurou refutar tese referida, argumentando que seria tributária de uma ideia equivocada, a saber, a de esquema conceitual.

Não existiria o mundo lá fora e, separadamente, as teorias que o descrevem. Putnam[22], por sua vez, tentou mostrar as contradições subjacentes à incomensurabilidade, alegando que seus defensores afirmam a incompatibilidade entre teorias distintas, mas logo em seguida passam a descrever minuciosamente os dois lados em querela, como se estivessem em um ponto arquimediano[23], incorrendo, portanto, em argumentos contraperformativos.

Respondeu Kuhn que a incomensurabilidade não é sinônima de ausência de comunicação. Ainda alegou que tomou emprestado da matemática, na qual significa composições que não possuem uma medida comum.

Não significando que nas mudanças científicas, as teorias conflitantes não possam ser equiparadas. Mais tarde, Kuhn passou a defender o chamou de incomensurabilidade local, ou seja, as revoluções científicas e alguns termos antigos possuem alguma correspondência direta com os novos termos embora outros, não.

Tal formulação parece conflitar diretamente com sua tese do holismo teórico que representa apenas uma das estratégias utilizadas por Kuhn com o fito de dar cabo das acusações do relativismo e o irracionalismo dirigidos a ele, principalmente a questão a ser tratada exclusivamente em termo linguístico.

Kuhn passou a usar o texto e o “léxico” [24] em lugar de paradigma ou de exemplar, ou mesmo de matriz disciplinar, o que representa o maior indício de que o pensador passou a abordar a ciência, no geral, e não apenas a incomensurabilidade na perspectiva tão-somente linguística.

Esse aspecto linguístico foi homenageado pelo filósofo Quine, e veio a defender o bilinguismo científico quando se trata da comunicação entre portadores de léxicos distintos. O que acena o fracasso de Kuhn de superar as implicações relativistas da tese[25].

Para Mario Biagioli, a incomensurabilidade de ser pensada em ampla perspectiva, envolvendo aspectos políticos, sociais e antropológicos. A incomensurabilidade passa a ocorre como estratégias de consolidação de novos grupos científicos.

Biagioli[26] não aborda a ciência em sua relação com a sociedade, entendida em sentido mais amplo. Já Kuhn entende melhor a questão da relação entre a ciência e a sociedade, reavaliando as relações a história da ciência e a filosofia da ciência que são disciplinas autônomas e, ao mesmo tempo, complementares.

É relevante ressalvar que o tipo da história da ciência à qual Kuhn se refere é aquela denominada internalista apesar de reconhecer os fatores externos (interesses sociais) sobre a atividade científica. Quando Kuhn sustenta a tese de que a ciência madura (ciência normal) é relativamente indene.

Stephen Brush aponta que Kuhn é praticamente ignorado nos trabalhos mais recentes da história da ciência, o que seria um mau sinal; pois a nova historiografia interpretou inadequadamente a máxima de Kuhn, segundo a qual o historiador deveria por de lado a ciência que ele mostraria de poder discutir com especialistas da área.

Brush retratou Kuhn como um historiador preocupado com conteúdo cognitivo da ciência. Apesar de reconhecer o valor das abordagens sociológicas, ele apresentou Kuhn como um historiador bem distante dos estudos sociais e das ciências mais radicais.

O pressuposto principal da historiografia desenvolvida por Kuhn consistiu na recomendação compreender teorias ultrapassadas em seus próprios termos.

Ou seja, as teorias atuais não deveriam ser vistas como o aprimoramento de erros das teorias obsoletas. A chamada historiografia whig cometeria um grave equívoco metodológico na media em que procura explicar o desenvolvimento da ciência em termos de processo cumulativo.

Verifica-se a filosofia da ciência deixou de desfrutar o privilégio de ser única disciplina capaz de fornecer uma imagem acerca de atividade científica[27], uma vez que à história da ciência for atribuído um status epistemológico social.

De acordo com Fuller, Kuhn compartilhava do fenômeno elitista que, remontando Platão perpassa a história do pensamento ocidental como um todo, da dupla verdade. Não se trata da crença de que a verdade não seja uma e una, mas sim, de que esta deve ou pude ser conhecida por alguns, o que implica na existência de uma aristocracia espiritual.

A doutrina de Kuhn se caracterizou por tensão e ambiguidade postura jamais explicitamente endossada.

Kuhn defendeu dois tipos de histórias, frontalmente conflitantes; uma narrada pelos próprios cientistas ou divulgadores da ciência e, a história contada pelos historiadores que parece ser mais fidedignas às práticas científicas.

O desvio de Kuhn dessa doutrina (dupla verdade) é que a plebe passa a ser comunidade científica e muitos dos seus simpatizantes.  E, a elite e os historiadores.

Antes de Kuhn, os defensores das verdades esotéricas escondiam-se da visão pública por meio de perseguição. Depois de Kuhn, eles fazem piadas entre si diante de demonstração pública da autoridade pública.

A crítica feita por Fuller dirige também aos estudos mais recentes sobre a ciência. Kuhn identifica os historiadores como membros de uma elite intelectual da qual fazia parte.

Fuller adota a atitude de desmascaradamento podendo enxergar as razões contingentes e autobiográficas e, ainda, tratar questões filosóficas.

Os adeptos do programa forte saudaram-no como um dos inspiradores da nossa sociologia, dando primazia do caráter comunitário da ciência. Enfim, pode-se dizer que Kuhn[28] desejou se aproximar de seus seguidores e, por outro, afastar-se de outros seguidores.

Torna-se urgente uma reavaliação de seu pensamento no interior da zona de fronteira entre a filosofia da ciência e os novos estudos empíricos da ciência, avançando no debate atinente à interface ciência/sociedade.

A ciência resgata a tradição moderna que leva em consideração, primordialmente, seu compromisso epistemológico e ontológico com a verdade.

Ressalte-se que o mais irônico é que, embora dirigido às ciências naturais, basicamente à física, o relato de Kuhn obteve uma recepção mais favorável justamente nas humanidades, especialmente nas ciências sociais. Quando os cientistas sociais ficaram encorajados a procurar paradigmas em seus respectivos campos de saber.

Sumariza a doutrina de Kuhn: “Talvez a característica mais impressionante dos problemas normais da pesquisa que acabamos de examinar seja seu reduzido interesse em produzir grandes novidades, seja no domínio dos conceitos, seja no dos fenômenos”.

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

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