A Universidade de São Paulo – USP ingressou no Supremo Tribunal Federal com pedido de suspensão de tutela antecipada concedida no Agravo de Instrumento nº 2242691-89.2015.8.26.0000, em trâmite perante a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que determinou o fornecimento da substância fosfoetanolamina sintética para tratamento de câncer e, ainda, a suspensão de liminares e decisões de segunda Instância que possuam objeto idêntico.
A USP, por esta via da STA nº 828, também requereu salvo conduto às suas autoridades universitárias contra as quais tenha sido expedido mandado de prisão por suposto descumprimento de ordem judicial.
O argumento central da USP residiu no fato de que o efeito das múltiplas decisões judiciais liminares atingem não apenas a prestação do serviço público de saúde, mas a própria ordem administrativa e econômica da Universidade, que estará inviabilizada de exercer as atividades de ensino desenvolvidas no laboratório, atualmente sobrecarregado com a produção das pílulas, e terá de despender verbas destinadas à sua finalidade essencial para o cumprimento das ordens judiciais.
O então Presidente do Supremo, Ministro Ricardo Lewandowski, concedeu decisão favorável à USP, nos seguintes termos, no que interessa aqui, in verbis:
“Isso posto, defiro em parte o pedido para suspender a execução da tutela antecipada concedida no Agravo de Instrumento 2242691-89.2015.8.26.0000, em trâmite perante a 11ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim como todas as decisões judiciais proferidas em âmbito nacional no mesmo sentido, indicadas ou não nos autos, que tenham determinado à Universidade de São Paulo o fornecimento da substância ‘fosfoetanolamina sintética’ para tratamento de câncer, até os seus respectivos trânsitos em julgado, mantido, porém, o seu fornecimento, enquanto remanescer o estoque do referido composto, observada a primazia aos pedidos mais antigos.
Concedo, ainda, de ofício, salvo conduto às autoridades universitárias contra as quais tenha sido expedido mandado de prisão por suposto descumprimento de ordem judicial.
Comunique-se com urgência.
Publique-se.
Brasília, 04 de abril de 2016
Ministro Ricardo Lewandowski
Presidente”.
Ora, lendo e relendo a conclusão da decisão do Ministro Presidente do Supremo na STA nº 828 chega-se a duas conclusões: a) a decisão não se refere ao Poder Público (Municípios, Estados ou União); e, b) a decisão protege a USP e sua finalidade institucional precípua, o ensino, assim como evita qualquer sanção processual às suas autoridades universitárias.
Não há, assim, na STA nº 828 qualquer determinação do Supremo para que Municípios, Estados ou União deixem de fornecer a fosfoetanolamina sintética, havendo decisão judicial neste sentido no território brasileiro em favor de determinado paciente.
Ora, a decisão proferida na STA nº 828 é corretíssima. O Supremo deve mesmo velar pela tutela judicial da finalidade principal da USP, que é o ensino. Mas, em verdade, no mundo capitalista, aonde impera a livre iniciativa e a liberdade de comércio e indústria, ninguém estaria obrigado eternamente ou indefinidamente a fornecer determinado bem ou serviço no mercado econômico.
É como se a STA nº 828 atenta à realidade dos fatos e ao sistema econômico vigente dissesse que o Poder Judiciário, de um lado, pode condenar o Poder Público a fornecer determinado medicamento, mas, de outro lado, a empresa ou instituição fabricante não é obrigada a produzi-lo. Assim, todo o processo judicial perderia seu objeto por este fato superveniente.
Vou além do que decidido na STA nº 828. Entendo que, em tese, a USP possui até mesmo seu direito de deixar de existir ou de extinguir determinadores setores do ensino e pesquisa em seus departamentos, assim como qualquer pessoa jurídica de direito privado possui o direito de encerrar suas atividades. Claro, respeitando-se sempre a lei e os estatutos de regência.
Noutras palavras, o que o Supremo disse foi que a USP não é obrigada a produzir fosfoetanolamina sintética. Mas se produzi-la ou tiver essa substância em seus estoques, bem. A USP é obrigada a exercer atividades de ensino, nada mais.
Havendo condenação do Poder Público a fornecer a fosfoetanolamina sintética e, ainda, havendo estoque dessa substância na USP, aí sim deve o primeiro (Poder Público) fornecê-la aos pacientes demandantes.
Não poderá o Poder Público, escudado numa leitura equivoca da STA nº 828, dizer à Justiça que há estoque da fosfoetanolamina sintética na USP, mas mesmo assim não irá fornecê-la. A STA nº 828 não exonera o Poder Público de fornecê-la, mas, sim, retira da USP sua obrigação de fabricá-la. São coisas bem diferentes no mundo jurídico.
Importante salientar que a USP e nenhuma fabricante de medicamentos, regra geral, deve ocupar o pólo passivo das ações de obrigação de fazer em matéria de saúde contra o Poder Público. Pois é este último, o Poder Público, que deve atender ao cumprimento da ordem judicial, adquirindo ou promovendo ao paciente o bem da vida que lhe foi garantido através do Poder Judiciário, sob as penas da lei.
Agora, não havendo mais o bem da vida, seja pelo encerramento das atividades da pessoa jurídica ou outro motivo relevante como a STA nº 828 que desobriga a fabricação de determinada substância (a fosfoetanolamina sintética), o Poder Público deve fazer essa comunicação nos autos do processo judicial, restando ao paciente demandante requerer a extinção do processo sem resolução de seu mérito, no caso de ausência de estoque da fosfoetanolamina sintética, por perda de objeto.