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Algumas restrições ao princípio da força obrigatória dos contratos no compromisso de compra e venda de imóvel

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Agenda 01/12/2000 às 00:00

2 A PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.

Faz-se necessário o estudo acerca da Promessa de Compra e Venda de Imóvel já que nos propomos a analisar as restrições relativas ao cumprimento das mesmas.

Para melhor compreendermos o que vem a ser a Promessa de Compra e Venda de Imóvel é importante sabermos qual o conceito de Promessa de Compra e Venda no qual se inclui tal bem.

É inequívoco o entendimento doutrinário, embora se trate de um instituto público em evolução, de que a promessa de compra e venda, que tem por objeto um bem imóvel, também chamada de compromisso de compra e venda, é um contrato preliminar, ou pré-contrato, e tem por fim a celebração da compra e venda de imóvel, chamado de contrato futuro ou definitivo.

Está direcionada aos indivíduos que, conforme leciona Altino Portugal Soares Pereira (A Promessa de Compra e Venda de Imóveis no Direito Brasileiro. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1997. p. 21), "desejando realizar a compra e venda, todavia não podem [ou não querem] fazê-lo, em dado momento, por motivos diversos, e, destarte, se obrigam à sua realização, em data futura [futuro contrahere]". É notório este acontecimento quando, v.g., o indivíduo se vê impedido de realizar uma avença típica, ou quando esta de manifesta inoportuna oferecendo certas condições desfavoráveis ao estipulante.

Este contrato, de acordo com ensinamentos de Orlando Gomes (op. cit. p. 239), é autônomo em relação ao contrato definitivo de compra e venda de imóvel pela particularidade trazida em seu conteúdo, pois está em futuro ajuste contratual.

No cotidiano, bem como podemos perceber no decorrer do presente estudo, várias são as designações oferecidas pela lei, doutrina e jurisprudência do país a esta espécie de contrato, tais como: compromisso, promessa, compromisso de compra e venda, promessa de venda, promessa de compra e venda, promessa bilateral de compra e venda, promessa sinalagmática de compra e venda, contrato de compromisso, contrato de promessa de compra e venda, contrato preliminar de compra e venda, dentre outros.

A promessa quanto aos seus efeitos pode ser unilateral ou bilateral. Daí podermos dizer que sua conceituação é variável de acordo com o que expressar. Passaremos a analisar cada um tipo de promessa com o intuito de dirimir qualquer controvérsia existente entre estes institutos jurídicos, embora não seja o nosso objetivo estudarmos a promessa unilateral, pois o que nos interessa é a promessa bilateral de compra e venda (de imóvel) devido está relacionada ao tema proposto, qual seja, "Algumas restrições ao Compromisso da Força Obrigatória dos Contratos na Promessa de Compra e Venda de Imóvel".

a) Promessa Unilateral

Neste caso, apenas uma das partes assume obrigações ("ex uno latere"), sendo também denominada de contrato de opção. Assevera ainda Orlando Gomes (op. cit. p. 239) quanto à promessa unilateral que, "na formação, é negócio jurídico bilateral, nos efeitos, contrato unilateral. Tanto pode ser contraída pela parte que pretende vender, como pela que quer comprar, tendo caráter vinculante para um ou para o outro contraente, conforme o caso."

b) Promessa bilateral

b.1) Conceito

O que nos interessa, entretanto, em decorrência do tema proposto, estando regulada por lei, é a promessa bilateral ou recíproca de compra e venda (de imóvel), em que uma das partes se obriga a vender e a outra a comprar (no futuro), determinado bem (imóvel), cujo preço na maioria das vezes é pago em prestações. Segundo assevera Arnoldo Wald (op. cit. p. 305), "satisfeitos os deveres das partes (documentação do alienante e preço pago pelo adquirente), assina-se a compra e venda (impropriamente chamada de escritura definitiva)".

Conforme a doutrina dominante, de acordo com a legislação pátria, a promessa bilateral é um contrato preliminar em que as partes se obrigam a celebrar um contrato futuro, que é a compra e venda (de imóvel). Fundamentam a referida corrente doutrinária os pensamentos de autores como Orlando Gomes (op. cit. p. 241) e Arnoldo Wald (op. cit. p. 305).

b.2) Evolução histórica

A origem dos loteamentos, na visão de Arnaldo Rizzardo (Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 17-18), foi uma confirmação ao dinamismo da sociedade, já que por estar em constantes transformações em todos os seus setores, quais sejam, sociais, políticos, econômicos, comerciais etc., deve-se buscar adaptações para solucionar os conflitos de interesses decorrentes dessas modificações.

Teve como marco a Revolução Industrial, pois até então as pessoas viviam sob o regime do individualismo, onde se dividiam em classes com características peculiares. Com esta, passou-se a ter duas classes distintas, existentes até hoje: a dos patrões (capitalistas e burgueses) e a dos proletários (trabalhadores assalariados). O loteamento vem justamente em decorrência desta última classe, de forma a adaptar a propriedade à sua capacidade econômica, já que passaram a fixar-se nos grandes centros urbanos onde se localizavam as indústrias com aumento crescente de mão-de-obra.

No Brasil, conforme o mesmo autor, a Revolução de 1930 deu impulso ao desenvolvimento das cidades em que se teve a venda de terrenos em prestações como nova modalidade de comércio, com o intuito de adaptar as condições econômicas das pessoas. O comprador não dispunha do valor pedido pelo vendedor, então permitiu-se que ele pagasse o preço em prestações, incorporadas à sua situação financeira.

Na maioria das vezes, o dono do terreno se comprometia a vendê-lo em prestações periódicas, mas no contrato já se estipulava a cláusula resolutiva expressa no caso de inadimplemento. Estipulava-se, ainda, a cláusula do decaimento, em que estando o promissário comprador inadimplente, perdia todas as prestações já pagas. Tolerava-se assim a mora com o intuito de rescindir o contrato e "locupletar-se" com o que já havia recebido[14].Saía assim em prejuízo o promissário comprador, pois além de perder as quantias já pagas, tinha ainda a desvantagem de perder o imóvel.

Esta situação não podia passar desprovida de qualquer solução. Os legisladores preocupando-se com o fato, começaram a regulamentar os loteamentos por meio de decretos-leis. Em 1936, um projeto de lei dispondo sobre a compra e venda de imóveis à prestações foi apresentado à Câmara dos Deputados.

Tramitando pela Câmara, sofreu algumas alterações, mas quando Getúlio Vargas impôs o golpe de Estado, foi o projeto para o Senado. O Congresso Nacional sendo dissolvido, o projeto foi transformado pelo Poder Executivo no decreto-lei n.º 58, de 10.12.1937, posteriormente regulamentado pelo Dec. n.º 3.058, de 15.09.1938.

b.3) Artigo 1.088,CC

"Art. 1.088, CC. Quando o instrumento público for exigido como prova do contrato, qualquer das partes pode arrepender-se antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem o prejuízo do estatuído nos arts. 1.095 a 1.097".

Enquanto alguns contratos para terem validade e eficácia necessitam apenas da aceitação e da proposta (forma livre), ou seja, da manifestação livre da vontade, outros precisam de forma especial, ou seja, preencher certos requisitos expressos na lei, v.g., quando condiciona a validade e eficácia dos contratos à exigência de instrumento público (art. 133, CC).

Desta maneira, enquanto este contrato não revestir a forma especial expressa na lei, não terá plena validade e eficácia, não se tornando ainda obrigatório, o que confere a faculdade de arrependimento às partes de tal avença, desde que não venha prevista a impossibilidade de sua ocorrência.

Assim, insere-se no contexto o contrato de compromisso de compra e venda de imóveis (art. 134, II, CC) de qualquer natureza, exceto os excluídos por lei, conforme leciona Altino Portugal Soares Pereira (op. cit. p. 71):

"Em nosso direito positivo, podemos subordinar o estudo da forma às modalidades de promessas existentes.

Teremos assim: (...) 3.º) as promessas atinentes a imóveis de qualquer natureza, (...), se enquadram na disposição do art. 1.088 do Código Civil vigente".

Exercendo a parte o direito de arrependimento, não mais aceitando cumprir a promessa, não poderá ser forçada, nem mesmo por intervenção do Poder Judiciário, a assinar a escritura definitiva de compra e venda apta a transferência de bens imóveis.

Entretanto, o mencionado artigo, ao mesmo tempo que dá a faculdade de arrependimento, atribui a parte que queira exercê-la o dever de indenizar a outra nas perdas e danos, que segundo o disposto no art. 1.059 do Código Civil Brasileiro incluem, além daquilo que a parte efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar.[15]

Observa-se ainda, conforme o art. 1.088 do CC, que além das perdas e danos a parte que se arrependeu estará sujeita ao disposto nos arts.1.095 a 1.097 do mesmo Código (arras penitenciais ou de arrependimento), ou seja, quem deu causa perderá as arras, pois se for o compromissário comprador perderá em proveito da outra parte, e se for o compromitente vendedor o causador restituí-las-á em dobro. A respeito assim se posicionou o STF conforme Súmula 412, "in verbis":

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"Súmula 412. No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem as deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo".

Percebe-se, deste modo, que o artigo em estudo não é corolário ao Princípio da Força Obrigatória dos Contratos em virtude de se ter a possibilidade de arrependimento, embora atribua penalidades ao exercê-lo, restringindo assim a autonomia da vontade daquele que primava pelo cumprimento do contrato.

2.1 A situação em face do decreto n.º 58/37

Perante o Direito Civil Brasileiro, o compromisso de compra e venda de imóvel não está expressamente regulado, mas, como assevera Arnaldo Rizzardo (op. cit. p. 20-21), este teve no entendimento de alguns autores seu embrião perante o art. 1.088 do Código Civil Brasileiro e que apesar do conflito de opiniões existente acerca da aplicação ou não do referido artigo, o compromisso não tinha mais fundamentação total em outro dispositivo legal.

Em face do art. 134, II, do Código Civil Brasileiro,[16] que exige o instrumento público como forma especial para a validade e eficácia do negócio jurídico referente a imóvel de valor superior a cinqüenta mil cruzeiros, o arrependimento, também denominado pela doutrina de desistência, se tornava sempre cabível. Deste modo, não gerando efeitos reais contra terceiros, a única conseqüência no caso de inadimplemento seria as perdas e danos (indenização em dinheiro) e não a execução coativa.

Maria Helena Diniz (Código civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 687), assim define perdas e danos:

"Seriam as perdas e danos o equivalente do prejuízo suportado pelo credor em virtude de o devedor não ter cumprido, total ou parcialmente, absoluta ou relativamente, a obrigação, expressando-se numa soma de dinheiro correspondente ao desequilíbrio sofrido pelo lesado".

Sobre a necessidade do legislador estabelecer normas de proteção aos adquirentes de lotes , Arnaldo Rizzardo (op. cit. p. 306) assim leciona:

"Não havia garantia alguma para o promitente comprador no sistema então vigente, pois a inflação galopante fazia com que a devolução simples ou mesmo em dobro do pagamento recebido não correspondesse à real valorização do terreno, o legislador decidiu estabelecer normas adequadas para a proteção dos adquirentes de terras loteadas".

Em decorrência desta situação surgiu o Decreto-lei n.º 58, em 10.12.1937, baseado na Lei uruguaia n.º 8.733, de 17.06.1931, como forma de coibir o abuso, com nova disciplina sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações, com os seguintes "considerandos", dentre outros, que traduzem sua razão de ser:

"(...)

Considerando que as transações assim realizadas não transferem o domínio ao comprador, uma vez que o art. 1.088 do Código Civil permite a qualquer das partes arrepender-se antes de assinada a escritura de compra e venda;

Considerando que esse dispositivo deixa praticamente sem amparo numerosos compradores de lotes, que tem assim por exclusiva garantia a seriedade e boa-fé e a solvabilidade das empresas vendedoras;

Considerando que, para segurança das transações realizadas mediante contrato de compromisso de compra e venda de lotes, cumpre acautelar o compromisso contra futuras alienações ou onerações dos lotes comprometidos;

(...)"

Nota-se que este Decreto-lei veio com o escopo de proteger interesses da coletividade, recebendo, assim, todos os seus dispositivos, o caráter de ordem pública. Há no entanto, em face do exposto, a restrição pelo Estado da autonomia da vontade das partes contratantes, de forma a proteger os interesses daqueles que na maioria das vezes eram vítimas de promessas não cumpridas. Deste modo, as disposições expressas neste Dec-lei terão que ser fielmente observadas, pois se algum contrato for realizado contrariando-as, será nulo.[17]

Acerca desta não prevalência das cláusulas contrárias ao Dec-lei n.º 58/37, Altino Portugal Soares Pereira (op. cit. p. 25), assim exemplifica:

"Não raro, vemos promessas de compra e venda de imóveis celebradas, em que se declara que o respectivo conteúdo é mera obrigação de fazer, ficando, por isso, vedado o registro do contrato, que, se for efetuado, será, segundo os termos da convenção, nulo de pleno direito. Isso porém, é inaceitável, em direito".

Dentre as disciplinas trazidas pelo Dec-lei n.º 58/37 (regulamentado posteriormente pelo Dec. n.º 3.079, de 15.09.38), referente ao compromisso de compra e venda de imóvel loteado para pagamentos em prestações temos:

a) Que o loteamento de imóveis urbanos ou rurais fosse precedido de memorial e planta no registro de imóvel local:

"Art 1.º. Os proprietários ou co-proprietários de terras rurais ou terrenos urbanos, que pretendam vendê-los, divididos em lotes e por oferta pública, mediante pagamento do preço a prazo em prestações sucessivas e periódicas, são obrigados, antes de anunciar a venda, a depositar no Cartório do Registro de Imóveis da circunscrição respectiva:

I – um memorial (...)

II – planta do imóvel (...)

III – exemplar de caderneta ou do contrato-tipo de compromisso de venda dos lotes";

b) Averbação no registro dos contratos de compromisso de venda, sua transferência e rescisão:

"Art. 4.º. Nos Cartórios do Registro Imobiliário haverá um livro auxiliar na forma da lei respectiva e de acordo com o modelo anexo:

Nele se registrarão, resumidamente:

a) por inscrição[18], o memorial de propriedade loteada;

b) por averbação[19], os contratos de compromisso de compra e venda (...), suas transferências e rescisões

". (grifo nosso)

"(...)".

c) O registro do imóvel como hábil para ensejar a concessão de direito real ao compromissário comprador

"Art. 5.º. A averbação atribui ao compromissário direito real oponível a terceiros, quanto à alienação ou oneração posterior e far-se-á à vista do instrumento de compromisso de venda, em que o oficial lançará a nota indicativa do livro, página e data do assentamento".

O supracitado art. 5.º do Dec.-lei n.º 58/37 foi considerado pela doutrina como o marco para a evolução do contrato de promessa de compra e venda de imóveis no Direito Brasileiro, sendo uma garantia que visa o conhecimento deste contrato pela sociedade, merecendo o seu respeito.

Segundo assevera o juiz Rogério Marrone de Castro Sampaio (op. cit. p. 81), deu proteção ao contrato de compromisso de compra e venda de imóveis loteados tornando-o irretratável, desde que o referido instrumento fosse levado a registro no Cartório de Registro Imobiliário. Transformando, assim, o direito do compromissário comprador do lote de direito pessoal que era em direito real oponível a terceiros, sendo indubitável o seu valor "erga omnes", passando o adquirente a ter direito de impedir a válida alienação do imóvel loteado a terceiros.

O abalizado Altino Portugal Soares Pereira (op. cit. p. 27-28) leciona que, de acordo com a nova concepção dada pelo Dec.-lei n.º 58/37, o contrato de promessa de compra e venda de imóvel loteado distingue-se do contrato definitivo de compra e venda, em face de sua formalização perante o Registro Imobiliário, o que impõem considerá-los como contratos autônomos, pois têm efeitos próprios. Prossegue ensinando que ambos os contratos, em virtude do Dec.-lei, passam a ser analisados sob a égide de dois efeitos – pessoais e reais.

Efeitos pessoais vistos sob o prisma obrigacional, em que o contrato de compra e venda "encerra a obrigação de transferir o domínio de certa coisa, mediante o pagamento de certo preço em dinheiro (CCB, art.1.122), e o segundo, a recíproca obrigação de contratar a compra e venda, em data futura".

E em efeitos reais, que dá ao contrato de promessa de compra e venda "um direito de prioridade à aquisição do domínio", e à compra e venda, "o próprio direito de domínio".

d) Concessão ao comprador de adjudicação compulsória na hipótese de recusa do vendedor de assinar a escritura definitiva

"Art. 15. Os compromissários têm o direito de, antecipando ou ultimando o pagamento integral do preço, e estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda".

"Art. 16. Recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva no caso do art. 15, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo".

O art. 1.088, CC[20], possibilitava ao promitente vendedor arrepender-se antes de assinar a escritura definitiva de venda do bem imóvel (instrumento público), limitando-se a restituição ao compromissário comprador do valor pago mais perdas e danos ou as arras (Súmula 412, STF), favorecendo-se o promitente com a supervalorização do imóvel antes comprometido. Já o Decreto-lei n.º 58/37 veio para modificar tal situação, pois, de acordo com Arnaldo Rizzardo (op. cit. p. 160/161), sendo o compromisso de compra e venda de imóvel uma obrigação de fazer, o seu objeto consubstancia-se na ação do devedor em fazer um contrato futuro, ou seja, na obrigação do promitente vendedor em outorgar a escritura definitiva. Assim, conforme os dispositivos mencionados, em não querendo assinar a escritura definitiva a que se obrigou, estando formalizado e quitado o instrumento contratual, não poderá o promitente vendedor ficar desobrigado de cumprir com a avença. O referido Decreto-lei veio proteger o interesse da parte compradora. Deste modo, o Estado é chamado a intervir, fazendo uso de sua autoridade para impor o cumprimento da obrigação, suprimindo a manifestação espontânea da vontade do inadimplente por meio de uma sentença constitutiva, permitindo a adjudicação compulsória.

A respeito, o Supremo Tribunal Federal assim se posicionou: "Súmula 166. É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao Dec. lei 58, de 10.12.37".

O procedimento da ação de adjudicação compulsória, na vigência do antigo Código de Processo Civil de 1939, era regulado pelos arts. 345 a 348, já com a vigência do atual Código de Processo Civil, de 11.01.1973, é tratado pelos arts. 287 no procedimento comum e 632 a 645 quando cabível a execução da obrigação de fazer.

No caso do compromissário comprador que já pagou todo o preço, mas não registrou o compromisso, e o promitente vendedor se recusa a outorgar a escritura definitiva, há grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial da imprescindibilidade ou não do registro como condição para a ação de adjudicação compulsória.

O direito à adjudicação compulsória, nesta situação, em conformidade com a Súmula 167 do STF, fica condicionada ao registro do contrato no Cartório Imobiliário, "in verbis": "Não se aplica o regime do Dec. –lei 58, de 10.12.37, ao compromisso de compra e venda não inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro".

Posteriormente a matéria foi regulada pelos arts. 639, 640 e 641 do Código de Processo Civil, em que dilatou o uso da ação de adjudicação compulsória, "in verbis":

"Art. 639. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado".

"Art. 640. Tratando-se de contrato, que tenha por objeto a transferência da propriedade de coisa determinada, ou de outro direito, a ação não será acolhida se a parte, que a intentou, não cumprir a sua prestação, nem a oferecer, nos casos e formas legais, salvo se ainda não exigível".

"Art. 641. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida".

A respeito, Arnaldo Rizzardo (apud Bruno Mattos e Silva. Compra de Imóveis: aspectos jurídicos, cautelas devidas, análise de riscos. São Paulo. 09 set. 1999. Informação por correio eletrônico. www.yahoo.com.br), assim atesta:

"Os obstinados opositores da adjudicação compulsória por falta de registro têm seus argumentos postos por terra diante das normas inseridas nos arts. 639, 640 e 641 do CPC. Esquecem que sua renitência deixa de ter eficácia se o interessado buscar a solução através da execução especialmente prevista no art. 640 (...)".

Para se autorizar a aplicação do art. 639, do CPC, é necessário que no contrato de compromisso de compra e venda de imóvel haja cláusula impedindo o arrependimento, desobrigando assim o registro do referido instrumento no cartório imobiliário, conforme vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça deixando de aplicar a Súmula 167 do STF, de acordo com a Nota 4, ao art. 16, do Dec. lei 58/37, Theotonio Negrão, Código Civil, 15. ed:

"SÚMULAS SOBRE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA (as Súmulas 167 e 413 do STF não vêm sendo aplicadas pelo STJ, que não exige, para a ação de adjudicação compulsória ou a prevista no art. 639 do CPC, que o compromisso conste do registro de imóveis):

(...)

Súmula 167 do STF: "Não se aplica o regime do Dec. –lei 58, de 10.12.37, ao compromisso de compra e venda não inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro".

Súmula 413 do STF: "O compromisso de compra e venda de imóveis, ainda que não loteados, dá direito à execução compulsória, quando reunidos os requisitos legais".

É importante ressaltar que a falta de registro do contrato de compra e venda de imóvel, conforme o art. 15 do Dec. –lei 58/37, não dá ao compromissário direito real oponível a terceiros. Destarte, se o promitente vendedor não honrar a avença, descumprindo-a, vendendo o imóvel para uma terceira pessoa antes do ingresso da ação de adjudicação compulsória, torna-se impossível esta ação em favor do compromissário, resolvendo-se o contrato em perdas e danos. Prevalece, para este caso de duas escrituras do mesmo imóvel, a regra do art. 186 da Lei n.º 6.015/73, em que terá prioridade na aquisição, para se tornar o proprietário daquele imóvel, quem fizer em primeiro lugar o protocolo[21] no registro imobiliário, "in verbis": "Art. 186. O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais (...)".

Estendeu ainda este diploma legal, proteção ao compromissário comprador de imóvel não loteado – art. 22 do Dec. –lei n.º 58/37, modificado pela Lei n.º 649, de 11.03.49

A lei 649, de 11.03.49, deu nova redação ao art. 22 do Dec. –lei n.º 58/37 (posteriormente modificado pela lei 6.014, de 27.12.73), estendendo tal proteção aos imóveis não loteados, "in verbis":

"Art. 22. Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda (...) de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma ou mais prestações, desde que inscritos[22] a qualquer tempo, atribuem aos compromissários direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos dos arts. 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil".

Com relação ao uso do direito à adjudicação compulsória, assegura Erasto Villa-Verde de Carvalho (op. cit. p. 59) que esta é permitida nos dois casos, havendo, diferença, pois ao referir-se a imóveis loteados, regulados pelos arts. 15 e 16 do Decreto-lei n.º 58/37, o pedido não depende do registro no cartório imobiliário, enquanto que, em se tratando de imóveis não loteados, abordados no supra citado art. 22 do mesmo diploma legal, o registro era necessário.

Mesmo havendo previsão no contrato de compromisso de compra e venda de imóvel quanto a faculdade de arrependimento, caso já pago integralmente o preço, deverá ser observado, como regra, o seguinte posicionamento do STF (apud Arnaldo Rizzardo. op. cit. p. 147-148): "Inadmissível o arrependimento do promitente vendedor quando o preço já se acha integralmente pago".

Desta forma, efetuado integralmente o pagamento das prestações, presume-se que houve a desistência tácita do direito de arrependimento.

2.2 A situação nos imóveis loteados (lei n.° 6.766/79)

A Lei n.º 6.766, de 19.12.79, dispondo sobre o parcelamento do solo urbano, também regulou os contratos de compromisso de compra e venda de imóvel, nos arts 25 e ss. "Art. 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, (...), os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros".

Da mesma forma dos arts. 15 e 16 do Dec.-lei n.º 58/37, este art. 25 regulando o pré-contrato não admitiu a faculdade do arrependimento, atribuindo ao compromissário comprador um direito real de aquisição desde que sejam tais títulos registrados no competente cartório de imóveis e, estando quite o adquirente, tem este o direito de promover a ação de adjudicação compulsória. Percebe-se, então, que o registro não é condição para adquirir o direito de se ingressar com esta ação.

No caso de haver inadimplemento culposo, responderá o devedor pelo cumprimento da prestação mais as penalidades previstas no contrato e na lei.

2.3 O art. 53 do Código de Defesa do Consumidor.

Dentre os princípios norteadores da relação contratual, convalidando o da força obrigatória, temos o princípio da autonomia da vontade.

Esta autonomia volitiva é indispensável, haja vista ser necessária para o ajustamento das cláusulas contratuais pelas partes. Porém, modernamente esta liberdade em face da nova concepção social do conceito de contrato, passa a ser limitada, com a finalidade não só de restabelecer o equilíbrio contratual como também de preservar o interesse da sociedade como um todo, daí ser regulada por normas de ordem pública.

Em conseqüência, o Estado, através das leis, interfere nas relações contratuais limitando a vontade das partes, por meio de normas consideradas pelo direito de imperativas.

Para tanto, a conceituada doutrinadora Cláudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 51), assim prevê as expectativas para o poder limitador estatal nas relações contratuais:

"Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social. É o contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade de consumo, mas, assim como o direito de propriedade, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função social".

Segundo os ensinamentos desta mesma autora (op. cit. p. 54-56), o Estado que antigamente separava-se da sociedade em virtude da filosofia do estado liberal, cuja intervenção não se permitia nas relações contratuais dos particulares, hoje toma novo rumo com o intuito de combater os abusos decorrentes da livre manifestação da vontade dos indivíduos, v.g., na proscrição da usura e na declaração da ineficácia de certas cláusulas exonerativas. Tudo isso com o fim de satisfazer a função social do contrato, já que este é tido como meio movimentador de riquezas e realizador dos interesses dos particulares.

Nesse contexto, surge a Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor - CDC, sendo o mais atual agrupamento de normas com a finalidade de disciplinar as relações contratuais entre fornecedor e consumidor, conforme a nova concepção da teoria contratual.

Este Código dispõe basicamente "sobre a proteção e defesa do consumidor". São disposições de ordem pública e de interesse social (art. 1.º, do CDC), com fundamentação nos arts. 5.º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal de 1988 e art. 48 de suas disposições transitórias, a saber:

"Art. 5.º, XXXII, CF/88. O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;"

"Art. 170, V, CF/88. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

V - defesa do consumidor;"

"Art. 48, ADCT. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor".

Embora hajam entendimentos doutrinários conflitantes sobre o assunto, colocar determinados bens imóveis dentre os produtos de consumo é realidade que se mostra de todo recomendável fazendo com que sejam também disciplinados pela Lei n.º 8.078, de 11. 09.90, conforme lecionam José Cretella Júnior e René Ariel Dotti (Comentários ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 185), nos seguintes termos:

"Mesmo que se ponha a discussão a respeito de serem ou não os bens imóveis equiparados aos produtos, tais como definidos no art. 3.º, § 1.º do CDC (dado que parte da doutrina - ainda que entenda ser necessária a proteção contra os abusos cometidos contra adquirentes de bens imóveis excluídos da categoria de produtos de consumo, pois a sua aquisição exige instrumento formal e solene, não são, via de regra, objeto de negociação em massa e possuem um regramento próprio por parte do direito comum), a verdade é que tais bens efetivamente foram alcançados pela lei. E, como tal, ficam sujeitos à regra especial do art. 52".

Como forma de enquadrarmos o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel entre as relações de consumo reguladas pelo CDC, necessário se faz, à luz deste diploma, estabelecermos os conceitos dados às partes contratantes (fornecedor/consumidor), bem como do objeto desta relação (produto). Ao nosso ver, contudo, somente os imóveis loteados é que se sujeitam ao CDC, em vista de vincularem considerável número de adquirentes, todos consumidores de objetos de um mesmo fornecedor.

Deixando o compromissário comprador de cumprir com a sua obrigação de pagar as prestações avençadas, pode o promitente vendedor, conforme leciona o magistrado Rogério Marrone de Castro Sampaio (op. cit. p. 82), "valer-se da ação de rescisão contratual (ou resolução) cumulada com pedido de reintegração de posse". Para isso, entretanto, exige-se a interpelação prévia do compromissário comprador inadimplente para constituí-lo em mora, conforme exige a Súmula 76 do STJ, "in verbis": " A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor".

Tratando-se de imóvel loteado (urbano) terá o compromissário devedor o prazo de 30 dias para purgar a mora, conforme enuncia o art. 32 da Lei n.º 6.766/79, e de 15 dias no caso de imóvel não loteado (a título de esclarecimento), de acordo com o art. 1.º do Decreto-lei n.º 745/69, "in verbis":

"Art. 32. Vencida e não paga a prestação, o contrato será rescindido 30 (trinta) dias depois de constituído em mora o devedor.

§ 1.º. Para os fins deste artigo o devedor-adquirente será intimado, a requerimento do credor, pelo oficial do registro de imóveis, a satisfazer as prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionados e as custas de intimação.

§ 2.º. Purgada a mora, convalescerá o contrato.

§ 3.º. Com a certidão de não haver sido feito o pagamento em cartório, o vendedor requererá ao oficial do registro o cancelamento da averbação".

"Art. 1.º. Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-lei n.º 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que deles conste cláusula resolutiva expressa, a constituição em mora do promissário comprador depende de prévia interpelação, judicial ou por intermédio do cartório de Registro de Títulos e Documentos, com 15 (quinze) dias de antecedência".

Havendo a resolução contratual do compromisso de compra e venda de imóvel por sentença judicial e reintegrado na posse o promitente vendedor, proíbe-se a estipulação contratual que permita a perda total das prestações pagas pelo compromissário comprador, em face do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor - CDC, no Capítulo VI (Da Proteção Contratual), Seção II (Das cláusulas abusivas), art. 53, caput, "in verbis":

"Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado".

Sobre o autor
Sidney Campos Gomes

advogado em Santarém (PA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Sidney Campos. Algumas restrições ao princípio da força obrigatória dos contratos no compromisso de compra e venda de imóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/566. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Monografia do Departamento de Ciências Jurídicas do Instituto Luterano de Ensino Superior de Santarém - ILESS - ULBRA como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, elaborado entre os meses de Agosto e Novembro de 1999, com defesa oral aprovada perante Banca Examinadora constituída por três advogados militantes na área cível, sob orientação do professor e advogado Dr. Mighel Borghezan.

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