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Algumas restrições ao princípio da força obrigatória dos contratos no compromisso de compra e venda de imóvel

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01/12/2000 às 00:00
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INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe-se a demonstrar, por meio de estudo legal, doutrinário e jurisprudencial, algumas restrições ao princípio da força obrigatória no contrato de promessa de compra e venda de imóvel a prazo.

Buscaremos primeiramente o entendimento acerca do princípio da força obrigatória, tido como regra no direito atual, por intermédio de diferentes conceitos dados pela doutrina, seus requisitos de validade, já que tal princípio só tem efeito após preenchidos certos pressupostos.

Por tratar-se de um contrato de trato sucessivo, prosseguiremos verificando sua situação em face da legislação pertinente aos imóveis urbanos loteados, aos imóveis não-loteados e aos imóveis rurais, estes mencionados a título exemplificativo, como forma de diferenciarmos dos demais. Ao analisarmos o art. 1.088 do Código Civil Brasileiro, o decreto-lei n.º 58/37, a lei n.º 6.766/79 e a lei n.º 8.078/90, trataremos da questão da irretratabilidade, de certas exceções, bem como, das conseqüências ao inadimplemento da avença.

Destarte, após considerações a respeito da obrigatoriedade dos contratos como regra mesmo no compromisso de compra e venda de imóvel urbano em prestações, analisaremos em seguida algumas restrições a este princípio.

Por derradeiro, com o intuito de dirimir eventuais dúvidas e fortalecer o entendimento, abordaremos os atuais posicionamentos adotados pelas nossas mais altas cortes a respeito da temática proposta.


1 O PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS.

1.1 O que se entende por força obrigatória dos contratos.

Para compreendermos o significado do Princípio da Força Obrigatória dos Contratos, é necessário identificarmos a sua posição dentro do ordenamento jurídico e para isso, precisamos fazer uma breve abordagem do conceito de contrato, de sua origem histórica e de seus requisitos de validade.

Conforme Orlando Gomes (Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 10), contrato é "o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam".

Segundo ensinamentos de Maria Helena Diniz (Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 770), poder-se-á dizer que "contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial".

Assevera ainda Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. III. p. 2), que "contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos", ou sinteticamente, é o "acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos" (ibidem).

Modernamente, o magistrado paulista Rogério Marrone de Castro Sampaio (Direito Civil: Contratos. 2. ed. São Paulo, Atlas, 1999. p. 17), atesta que "entende-se por contrato o negócio jurídico (espécie de ato jurídico) bilateral que tem por finalidade gerar obrigações entre as partes".

Assim, podemos entender que o contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, ou seja, para a sua celebração exige-se o concurso de duas ou mais pessoas, com a finalidade de regular interesses privados das partes e por isso a ele se submetem.

Os contratos, conforme assevera o jurista Gustavo Tepedino (Contratos, Cursos Jurídicos em Vídeo - fita de vídeo. Tele-Jur. Rio de Janeiro, 1 Fita, 112:51 min, col, sonorizado, VHS), possuem a sua formulação em bases advindas do Direito Romano que, além deles, disciplinava também uma figura jurídica denominada de pacto. Ambos pertencentes ao gênero convenção (convencio), que diferenciavam-se fundamentalmente em virtude de possuírem os contratos a chamada actio, ou seja, dotados de cláusulas coercitivas para fazer valer o que neles estava estipulado, diferente dos pactos que não eram dotados de actio, por considerá-los como uma "obrigação natural", o que tornava-os menos importantes. Também distinguiam-se pelo fato do ordenamento jurídico prever taxativamente (numerus clausus) a respeito dos contratos, exigindo para a sua celebração, solenidades muitos especiais por causa da força vinculante dos contratantes, para materializá-lo de forma que não pairasse dúvidas quanto à sua celebração, o que não ocorria da mesma maneira com os pactos. Devido essas solenidades especiais para a sua celebração, os contratos se dividiam em verbis ou in verbis, contratos re, contratos literis e, posteriormente, em contrato consensual. Os contratos verbis ou in verbis eram aqueles em que se exigia o enunciado de palavras ditas "sacramentais" pelos contratantes no momento da celebração. Os contratos re exigiam além da entrega (traditio) da coisa, a publicação da sua celebração. Já os contratos literis eram aqueles contratos que exigiam o registro das suas cláusulas no livro próprio do credor (códex), para assegurar aos interessados, a publicidade do conteúdo que estava a regular. Somente após muito tempo, o Direito Romano veio aceitar os contratos consensuais, semelhantes aos contratos dos tempos atuais, já que desprovidos de qualquer solenidade conhecida naquele direito.

No Direito Brasileiro, refere-se ainda o autor supra mencionado, que os pactos se "identificam" com os contratos, não mais existindo aquela distinção de antigamente.

Quanto aos requisitos de validade e eficácia dos contratos, serão tratados de forma detalhada no item referente aos limites de atuação dos contratantes (item 1.3 infra), mas podemos nos antecipar dizendo que o contrato, como qualquer outro ato jurídico, para ter validade, é necessário que tenha agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei (art. 82,CC)[1] e o consentimento real dos contratantes. Com relação a este último requisito, nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, necessário se faz ainda a outorga uxória (art. 235, I, CC)[2].

Assim, feitas todas essas considerações preliminares, passamos a comentar o significado do Princípio da Força Obrigatória dos Contratos, a fim de chegarmos a um entendimento acerca do mesmo.

O Princípio da Força Obrigatória dos Contratos é um dos princípios fundamentais das relações contratuais que recebe, desde os tempos antigos, denominações diversas, tais como: Pacta Sunt Servanda, princípio da força obrigatória ou vinculante dos contratos em relação aos contratantes, princípio da obrigatoriedade da convenção, princípio da intangibilidade, princípio da obrigatoriedade dos contratos, dentre outras.

Leciona a mestre gaúcha Cláudia Lima Marques (apud Nelson Zunino Neto. Pacta Sunt Servanda x Rebus Sic Stantibus: uma breve abordagem. Santa Catarina. 10 Agosto. 1999. Informação por correio eletrônico. www.jus navigandi.com.br), que a força obrigatória tem como fundamento absoluto a vontade das partes. Conforme a jurista, "uma vez manifestada esta vontade, as partes ficariam ligadas por um vínculo, donde nasceriam obrigações e direitos para cada um dos participantes, força obrigatória esta, reconhecida pelo direito e tutelada judicialmente".

Consiste tal princípio, conforme posicionamento da doutrina, na regra de que os contratos fazem lei entre as partes. Esta manifestação acontece a partir do momento em que o contrato, uma vez celebrado preenchendo todos os seus requisitos de validade e eficácia (item 1.3 infra), deve ser executado como se fosse dispositivo legal coercitivo. Assim, como bem leciona Orlando Gomes (op. cit. p. 36), "estipulado validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória". Daí dizer-se que as pessoas são servas (escravas) do cumprimento do que pactuaram (Pacta Sunt Servanda).

O magistrado e professor Rogério Marrone de Castro Sampaio (op. cit. p. 20) leciona:

"O princípio da força obrigatória dos contratos ou das convenções que leva à intangibilidade dos contratos é aquele segundo o qual o contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda). Isto é, uma vez aperfeiçoado o contrato e preenchido os requisitos de validade, as obrigações geradas devem ser fielmente cumpridas, respondendo o inadimplente com seu próprio patrimônio".

Pelo Princípio da Força Obrigatória dos Contratos entende Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações - 2.ª parte. 27. ed. São Paulo, Saraiva. 1994. v. 5. p. 9) que, "(...) aquilo que as partes, de comum acordo, estipularam e aceitaram, deverá ser fielmente cumprido (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o devedor inadimplente."

Para De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 569), por "(...) obrigatoriedade do contrato entende-se a obediência efetiva ao que nele se convenciona, tão logo passa a surtir efeitos jurídicos, por se mostrar concluído e perfeito".

Ao mesmo tempo que o contrato adquire força obrigatória em decorrência das condições acima mencionadas, este não poderá, uma vez estipulado seus termos pelos contratantes, ter suas cláusulas alteradas por mera liberalidade unilateral e nem mesmo por ordem estatal. Este é um princípio intrínseco ao da força obrigatória, denominado de princípio da intangibilidade do conteúdo dos contratos, que também recebe pela doutrina e jurisprudência outras denominações, tais como: princípio da imutabilidade, da inalterabilidade ou da irrevogabilidade das cláusulas contratuais. A respeito deste, assevera Maria Helena Diniz (op. cit. p. 35) que "se os contratantes ajustaram os termos do negócio jurídico contratual, não poderá alterar o seu conteúdo, nem mesmo judicialmente, qualquer que seja o motivo alegado por uma das partes (...)".

Acrescenta ainda o professor Orlando Gomes (op. cit. p. 36) quanto à imutabilidade do conteúdo dos contratos que, "se ocorrem motivos que justificam a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo". Justifica-se também em virtude do "(...) princípio da autonomia da vontade, uma vez que a possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade de contratar" (ibidem).

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O contrato, como regra, é intangível, exceto quando houver rescisão voluntária de ambas as partes ou por caso fortuito ou força maior (art. 1.058, parágrafo único, CC)[3].

Quem desobedece o que fora avençado torna-se inadimplente, infringindo assim o princípio da força obrigatória sofrendo as sanções estabelecidas na lei, além das inclusas no contrato.

Com relação às penalidades advindas em decorrência do inadimplemento do que fora contratado, Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 34/35. v. 3) assegura que o credor possui o poder de executar o patrimônio do devedor invocando o Poder Judiciário.

A finalidade do efeito da força obrigatória dos contratos consiste em dar segurança às partes do cumprimento daquilo que fora avençado, acrescentando o advogado catarinense Nelson Zunino Neto, (op. e loc. cit.), "para preservar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a segurança jurídica de que os instrumentos previstos no nosso ordenamento jurídico são confiáveis".

O princípio da força obrigatória dos contratos apesar de estar, como regra, mantido atualmente em nosso direito, não é absoluto, sofre atenuações, pois a doutrina e a jurisprudência vem adotando, em decorrência do "dirigismo contratual" (Maria Helena Diniz. op. e vol. cit. p. 35), a teoria da imprevisão, exteriorizada freqüentemente pela cláusula conhecida pelo brocardo em latim "Rebus Sic Stantibus".

A teoria da imprevisão ocorre quando um fato superveniente ao contrato vem a torná-lo excessivamente oneroso a uma das partes em benefício inesperado da outra. Para isso o juiz poderá revisá-lo, com o intuito de restabelecer o equilíbrio contratual, podendo alterá-lo, afetando deste modo o princípio da intangibilidade.

Algumas restrições ao princípio da força obrigatória dos contratos no compromisso de compra e venda de imóvel, dentre as quais o caso fortuito, a força maior e a teoria da imprevisão, serão analisadas com mais detalhes no capítulo 3 deste trabalho.

1.2 Fundamentos da obrigatoriedade dos contratos.

O Contrato é o negócio jurídico que mais se propaga, já que diariamente se realiza em todos os lugares, abrangendo as atividades econômicas e jurídicas. Vem se difundindo por toda a história, passando pela antigüidade até os nossos dias, onde tem sido usado como meio de dirimir embaraços em todos os ajustes de vontades.

Os fundamentos da obrigatoriedade dos contratos se traduzem, deste modo, por meio de diversos pensamentos ao longo dos tempos, o que fez Miguel Maria de Serpa Lopes (Curso de Direito Civil Brasileiro. Fontes das Obrigações: Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996. v. 3. p. 43/44), ao analisar a questão, referir-se a vários pensadores mencionando como primeira corrente que funda a força obrigatória dos contratos aquela seguida por GROZIO, PUFFENDORF e BURLAMAQUI, baseada no Princípio da Sociabilidade ou do Pacto Social, em que o homem se compromete a manter-se fiel à palavra dada. Prosseguindo, destaca HEGEL, KANT e WURTH, os quais entendiam que o fundamento da obrigatoriedade contratual advinha da ocupação ou da posse, no qual o homem cede o seu próprio direito; outros entendem que se funda no abandono da própria liberdade do promitente. BENTHAN, acreditava que a obrigatoriedade advinha do próprio interesse do homem em manter o compromisso. AHRENS, era adepto de que a obrigatoriedade contratual surgia da consciência e da razão do homem. Para GRATZ, a explicação da obrigatoriedade estava na integração da moral com o interesse. Finalmente, VICO, FRIES, BÉLIME e TISSOT acolhem o pensamento de GIORGI GIORGIO, achando que o fundamento da obrigatoriedade dos contratos está no dever de veracidade, pois o homem deve se manter fiel ao seu compromisso por imposição da própria lei natural, que o obriga a dizer a verdade.

Para outros doutrinadores, o fundamento da obrigatoriedade dos contratos se explica por um conjunto de motivos diversos, conforme assevera Arnaldo Rizzardo (Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988. v. 1. p. 37):

"Em verdade, o contrato obriga em função de várias razões, todas de ordem prática, sem necessidade de teorizar os fundamentos. É necessário o cumprimento em virtude da palavra dada, e mais porque a lei ordena a obediência às cláusulas, cominando sanções aos infratores. A estabilidade da ordem social e a necessidade de dar segurança às relações desenvolvidas são outros fatores que ensejam a irretratabilidade".

1.3 Limites de atuação dos contratantes.

De acordo com ensinamentos do advogado catarinense Nelson Zunino Neto (op. e loc. cit.), "(...) pacta sunt servanda é o princípio segundo o qual o contrato obriga as partes nos limites da lei".

Deste modo, o contrato só passa a ter obrigatoriedade entre as partes contratantes a partir do momento em que estiverem preenchidos todos os pressupostos de validade estabelecidos em lei.

Como espécie de ato jurídico, para ter validade e eficácia o contrato necessita de certos requisitos até então considerados pela lei como indispensáveis, consoante enuncia o artigo 82 do Código Civil Brasileiro, "in verbis": "Art. 82. A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145)".

a) Agente Capaz:

A capacidade dos contratantes consiste, conforme assegura Rogério Marrone de Castro Sampaio (op. cit. p. 22), "na aptidão para, em nome próprio, contrair obrigações e contrair direitos (trata-se, aqui, da capacidade de fato ou de exercício e não da de direito ou gozo que decorre da personalidade jurídica)". Verifica-se quando os contratantes não estão na situação dos elencados nos artigos 5.º (absolutamente incapazes) e 6.º, caput (relativamente incapazes) do Código Civil Brasileiro.[4]

Deste modo, os contratos serão nulos (art. 145, I, CC) ou anuláveis (art. 147, I, CC) se a incapacidade, absoluta ou relativa, não for suprida pela representação ou pela assistência (art. 84, CC).[5]

b) Objeto lícito:

Também como pressuposto para a validade e eficácia dos contratos temos o objeto lícito, que, conforme ensinamentos de Arnaldo Rizzardo (Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988. v. 3. p. 25), Caio Mário da Silva Pereira (op. e vol. cit. p. 14), dentre outros, precisa também ser possível, determinado e ter algum valor econômico.

Ser lícito significa não atentar contra a lei, a moral, a ordem pública ou os bons costumes. Quando é imoral, os tribunais aplicam o princípio de que ninguém pode valer-se da própria torpeza ("nemo auditur propriam turpitudinem allegans"), com fundamento no Código Civil, artigos 97, que trata do dolo e da torpeza bilateral em que ninguém pode invocá-las para anular o ato ou reclamar indenização, e 971, que proíbe a restituição do pagamento quando este estiver sido feito com o intuito de obter fim ilícito, imoral ou proibido por lei [6].

Ser possível implica em ter que pactuar-se uma prestação realizável. A impossibilidade, por sua vez, pode manifestar-se de duas formas: fisicamente ou juridicamente. A impossibilidade física significa contratar contrariando as leis da natureza e as forças do homem. Esta impossibilidade deve ser absoluta, ou seja, existente para todos os homens, que não poderão superar os impecilhos à sua realização, resolvendo o vínculo contratual por motivo de força maior. Se for relativa, atingindo deste modo apenas a pessoa do devedor ou do credor, não constitui embaraço ao negócio jurídico (art. 1.091, CC).[7] Já a impossibilidade jurídica, conforme assevera Orlando Gomes (op. cit. p. 46), manifesta-se quando o ordenamento jurídico proíbe que "certos interesses sejam objeto de relação contratual", como por exemplo, contratar sobre herança de pessoa viva (art. 1.089, CC), sobre bens que o titular não pode dispor, dentre os quais, podemos citar a venda de coisas dotais e do imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade.[8]

Deste modo, sendo o negócio jurídico ilícito ou impossível o seu objeto, o ordenamento jurídico, no artigo 145, II, do Código Civil Brasileiro, declara-o como nulo ("ad impossibilia nulla obligatio").[9]

Ser determinado ou determinável o objeto contratual, pois do contrário a avença será inexeqüível. Segundo ensinamentos de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 3. p. 25), "o contrato deverá conter, portanto, os elementos necessários (especificação do gênero, da espécie, da quantidade ou dos caracteres individuais) para que se possa determinar o seu objeto, de modo que a obrigação do devedor tenha sobre que incidir".

O contrato deve possuir algum valor econômico. Esse pressuposto da economicidade implica em dizer que o objeto do contrato, conforme asseguram Arnaldo Rizzardo (op. cit. p. 25) e Maria Helena Diniz (op. cit. p. 25), dentre outros, tem que importar em algum valor econômico capaz de se transformar, direta ou indiretamente, em dinheiro, pois se não tiver valor econômico não interessará ao mundo jurídico, já que não terá suporte para uma ação judicial. Assim, a venda de apenas um grão de alguma espécie de cereal, por não representar algum valor econômico, não interessa ao mundo jurídico por não ser suscetível de apreciação econômica, já que tão insignificante quantidade não despertaria nenhum interesse no credor para mover ação judicial a fim de reclamar do devedor o cumprimento da obrigação.

c) Forma prescrita ou não defesa em lei ("forma dat esse rei, ou seja, a forma dá ser às coisas"):

Segundo ensinamentos modernos de Miguel Maria de Serpa Lopes (op. e vol. cit. p. 79), Maria Helena Diniz (op. e vol. cit. p. 25/26) e Carlos Roberto Gonçalves (Direito das Obrigações: parte especial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 6. p. 6), a forma pela qual os contratos são realizados pode ser livre ou especial. Em regra é livre, pois em direito civil não há severidade quanto à forma, bastando apenas a aceitação e a proposta, ou seja, a declaração de vontades das partes para se estabelecer o laço obrigacional entre estas, que por sua vez pode manifestar-se de forma expressa, se dada verbalmente ou por escrito, e tácita, se decorrer de fatos que autorizem o seu reconhecimento, conforme assegura o artigo 1.079 do Código Civil Brasileiro, "in verbis": "Art. 1.079. A manifestação de vontade nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa".

Deste modo, quando a lei nada exigir, gerará o contrato efeitos jurídicos independente da forma que se revista, seja ela oral ou escrita (por instrumento público ou particular), segundo disposição do artigo 129, primeira parte, do Código Civil Brasileiro. A exceção à liberdade de forma ocorre quando houver exigência expressa da lei, de acordo como dispõe o artigo 129, segunda parte, do mesmo diploma, em que a lei irá exigir a devida forma especial para a avença a ser celebrada, como fundamento de sua real validade e eficácia jurídica tal como sucede, v. g., na hipótese do art. 134 do CC.[10]

Assim, determinados contratos em que a lei exige forma especial devem ser revestidos dessas formalidades para sua validade e eficácia, sendo que o seu não cumprimento leva a nulidade do ajuste, segundo dispõe o artigo 145, III, do Código Civil Brasileiro.[11] Também consolida a argumentação o previsto no artigo 130 do mesmo diploma quando estatui não valer o ato que deixar de revestir a forma determinada na lei, exceto quando esta cominar sanções diferentes contra a preterição da forma exigida.[12]

Exemplificando:

Consoante a Lei n.º 6.015, de 31.12.73 (Registros Públicos), é admissível o registro de contratos de promessa de compra e venda à margem da matrícula do imóvel para surtir efeitos contra terceiros, forte no artigo 167, I, ns. 9 e 20, sendo conseqüência do não registro a inoposição dos pré-contratos em face de terceiros, " in verbis":

"Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I – o registro:

(...)

9) dos contratos de compromisso de compra e venda, de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações;

(...)

20) dos contratos de promessa de compra e venda de terrenos loteados em conformidade com o Dec. Lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando o loteamento se formalizar na vigência desta lei;"

É importante não confundirmos a forma com a prova dos contratos, pois apesar de estarem intimamente ligados, são inconfundíveis. A forma, segundo Clóvis Bevilácqua (apud Maria Helena Diniz. op. e vol. cit. p. 26), "é o conjunto de solenidades, que se devem observar para que a declaração de vontade tenha eficácia jurídica", enquanto a prova "é o conjunto de meios empregados para demonstrar, legalmente, a existência de negócios jurídicos". Portanto, bastante próximo é o vínculo que liga a forma do contrato à prova, por exemplo, se a única forma do contrato for por instrumento público, somente esta será a sua prova , de acordo como determina o artigo 366 do Código de Processo Civil Brasileiro, "verbis": "Art. 366. Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta".

Se, entretanto, ao contrato não se exigir forma especial, qualquer meio de prova será aceito pela ordem jurídica, desde que esta não seja obtida de maneira ilícita (art. 5.º, LVI, CF/88), conforme assevera o artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro.[13]

Por ser o contrato uma espécie de ato jurídico complexo, as mesmas normas que regem as provas dos negócios jurídicos irão lhe regular, estando estas previstas nos artigos 131 a 144 do Código Civil Brasileiro.

Além desses elementos gerais e comuns para a validade e eficácia do ato jurídico, em se tratando de contrato, conforme ensinamentos de Orlando Gomes (op. cit. p. 48-53), existe mais um elemento considerado como especial e essencial, que é o consentimento recíproco ou acordo de vontades, para exprimir a incorporação de vontades diversas, devendo estas serem manifestadas com a intenção real de realizar o contrato, sob pena de ter sua validade afetada em face dos vícios ou defeitos dos negócios jurídicos: (erro, ignorância, dolo, coação, simulação e fraude).

Assim, atendidos todos esses pressupostos de validade, o contrato como regra geral de conduta obriga as partes. Podem surgir eventos e fatos, supervenientes ao contrato ou não, alheios a vontade dos contratantes ou não, que podem intervir na válida execução do contrato, implicando em exceções que confirmam a regra geral.

Sobre as limitações reportamo-nos aos saberes da professora Cláudia Lima Marques (apud Nelson Zunino Neto. op. e loc. cit.), que leciona:

"A limitação da liberdade contratual vai possibilitar, assim que novas obrigações, não oriundas da vontade declarada ou interna dos contratantes, sejam inseridas no contrato em virtude da lei ou ainda em virtude de uma interpretação construtiva dos juízes, demonstrando mais uma vez o papel predominante da lei em relação à vontade na nova concepção de contrato".

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Sobre o autor
Sidney Campos Gomes

advogado em Santarém (PA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Sidney Campos. Algumas restrições ao princípio da força obrigatória dos contratos no compromisso de compra e venda de imóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/566. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Monografia do Departamento de Ciências Jurídicas do Instituto Luterano de Ensino Superior de Santarém - ILESS - ULBRA como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito, elaborado entre os meses de Agosto e Novembro de 1999, com defesa oral aprovada perante Banca Examinadora constituída por três advogados militantes na área cível, sob orientação do professor e advogado Dr. Mighel Borghezan.

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