"O homem é o único animal que sabe que deve morrer. Triste conhecimento, mas necessário, pois ele tem idéias".
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"Memento mori" (lembra-te que morrerás – saudação dos monges trapistas)
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho visa tecer breve estudo sobre o fenômeno do suicídio, analisando os dados mais relevantes, e, em especial, seus reflexos no direito criminal (penal), atinentes, em especial, ao futuro arquivamento da investigação policial sobre tal fato.
Para tanto, servimo-nos de literatura básica sobre o tema, passando pelas considerações da medicina legal e, por fim, do estudo de casos, por amostragem, conforme comumente são enfrentados pelos órgãos da Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário.
Nossa pretensão é mostrar, especialmente, os reflexos desse fenômeno na praxe forense penal, com o devido lastro nas ciências afins, sem prejuízo da singeleza que buscamos emprestar ao estudo.
Passamos, então, à análise do tema.
1 – O SUICÍDIO – ASPECTOS HISTÓRICOS.
Conforme refere SHNEIDMAN [1], o suicídio é um fenômeno exclusivamente humano, ocorrente em todas as culturas, variando, contudo, o aspecto valorativo dispensado a tal fenômeno, conforme observam ESTRUCH e CARDÚS [2]:
"...el suicidio há sido valorado de maneras distintas a lo largo de la historia, y no entraña idéntica signifcación em sociedades diferentes. La muerte de sócrates es sublime, pero la de uma mujer menorquina que el verano pasado se tragó el contenido de uma botella de lejía concentrada es vergonoza. El suicidio de Jan Pallach em la Praga invadida por las tropas sovieticas em 1968 es um acto exemplar, pero el de um hombre de menorca que em um lapso de dos semanas perdió súbitamente a su mujer, vicitima de um cáncer, y a su hijo único de veinte años, fallecido em accidente, es em cambio um acto de cobardía. Los pilotos kamikazes japoneses que durante la segunda guerra mundial estrellaban sus aparatos contra la cubierta de los navios enemigos eran unos héroes, pero la muchacha menorquina que se tiró a la cisterna de su casa al descobrir que su prometido había estado engañadola miserablemetne era sin duda uma enajenada mental."
Essa diferença de interpretação sócio-cultural diante do suicídio, variável de época para época [3], é observada a partir do exame da antiga sociedade grega pré-cristã, considerada como "berço da filosofia" [4].
É possível denotar que a alteração no modo de vida dos antigos gregos, com o surgimento das cidades – "polis" – emprestou um caráter diverso na sua concepção de vida e de morte.
Chegando a concepção de um Estado – "cidade-estado" – de cunho racional, o indivíduo não tinha mais decisão pessoal sobre a vida dele, não podendo se suicidar sem a prévia autorização da comunidade. O suicídio inautorizado era, então, considerado uma transgressão.
Contudo, em determinadas situações, como em quase todos os lugares e épocas, o suicídio era tolerado, inclusive sendo considerado um ato corajoso ou nobre, em batalhas ou como forma de negativa de rendição ou traição de seu povo.
Nessa fase histórica, Sócrates é sempre lembrado, pois forçado (ou condenado) que foi ao suicídio, consistente em ingerir cicuta. É que esse filósofo referia nada estar imune à dúvida e só através do conhecimento se chegaria à virtude.
São famosas, nesse sentido, suas duas frases: "Só sei que nada sei" e "Conhece-te a ti mesmo". Logo, pelo perigo de ser corrompida a racionalidade estatal da época, foi Sócrates acusado de desrespeitar as divindades, corromper os jovens e violar as leis, pelo que acusado e obrigado a suicidar-se, na forma adrede narrada.
O estado grego, portanto, não aceitava, naquela época, a transgressão do espírito comunitário, o que era expressado na repulsa ao suicídio pelos demais filósofos da época, como Platão e Aristóteles.
Já nesse momento histórico indicava-se negar aos suicidas o sepultamento em locais sagrados, bem como rituais de escárnio sobre o cadáver. Observa-se, também, no entendimento do fenômeno do suicídio a concepção de combinação de fatores: agressão contra o ambiente, necessidade de vingança e castigo.
Na Roma antiga, durante a República, as regras acerca do suicídio eram semelhantes às dos gregos. O suicídio era reprovado, como forma de enfraquecimento do grupo social, e o interessado em tirar a própria vida deveria apresentar suas razões para o senado, que analisaria o caso.
Entretanto, a doutrina grega do estoicismo, na qual o homem não é o inteiro senhor de seu destino, agregou ao pensamento romano, a aceitação do suicídio em determinadas situações, sempre de cunho "nobre", como a defesa da pátria.
Interessante observar que questionamentos de ordem econômica e política deslegitimavam o suicídio. Os escravos eram proibidos de suicidar-se, pelo prejuízo (eram comprados ou dados em garantias de dívida) que causavam aos seus donos-senhores. Os soldados também eram proibidos de suicidar-se, pois isso enfraquecia o exército. Curiosamente, nesse último caso, o suicídio eqüivalia á deserção, e o soldado que não lograsse matar-se, ele próprio ( no que hoje chamaríamos de "tentativa") era morto, pois essa a pena para o desertor!
Em seguida, a adoção dos credos monoteístas modificou grandemente essas concepções, no tocante à negação do suicídio. Nota-se que a vinculação de gregos e romanos no repúdio ao ato suicida tem conotação de vinculação estatal, e não divino.
No monoteísmo – cristianismo, judaísmo e islamismo – a vida era considerada sagrada, com relevância profundamente teológica. O suicídio passa a ser considerado um ato injusto, não digno, sujeito à punição de não merecer os rituais de velório e enterro. A vida é um dom divino, não patrimônio da comunidade, logo, matar-se era cometer sacrilégio.
Na idade média, surgem com mais vigor as "punições" ao cadáver do suicida, como a negativa de sepultamento em solo consagrado, as mutilações e mesmo rituais especiais, derivados de várias superstições, como o vampirismo [5].
É também na idade média, devido às represálias sobre o cadáver – e conseqüentemente sobre os familiares do suicida – que surgem "tribunais eclesiásticos" encarregados de julgar se a morte de um determinado indivíduo fora ou não suicídio. Passou-se, já aqui, a considerar que somente nos casos de "melancolia" ou "loucura agressiva" estaria isento o suicida de ter vilipendiado seu corpo morto. Essa consideração, contudo, raramente ocorria.
Referentemente ao islamismo, religião fundada pelo profeta Maomé, o suicídio é fortemente repudiado, mais do que em qualquer outra religião, sendo penalizada, inclusive, a família do suicida, que passa a ser desonrada e marginalizada.
No ocidente, o Renascimento, com seu apelo à razão, e o Iluminismo, por seu igual apelo à razão, mas a tolerância e o liberalismo, tenderam a diminuir a repressão ao suicídio, considerando equivocadas as censuras religiosas a esse fenômeno.
Mais adiante, o movimento romântico (séc. XVII/XVIII) teve especial relevância pela concepção "heróica" ou "desdenhosa" do suicídio, consubstanciado na obra "Werther", o qual gerou uma "epidemia" de suicídios na Europa:
"Não é difícil sumariar-lhe o enredo: o jovem Werther, advogado e ‘alma sensível’, retira-se para uma cidadezinha num vale das montanhas, a cuidar de negócios de família, para desembaraçar-se de um envolvimento amoroso. Alie, entregando-se à expansão na natureza, encanta-se pela beleza e simplicidade do lugar e por uma de suas moradoras, Charlotte, filha do bailio. Infelizmente, ela é noiva de um ‘homem distinto’, por quem nutre verdadeira afeição; não obstante, a identidade de suas almas faz nascer entre Charlotte e Werther uma ardente amizade e admiração recíproca. Albert, o noivo, não se lhe opõe, e o trio parece conviver em bucólica harmonia. O movimento da paixão, porém, escapa ao controle de Werther, sem que o mesmo aconteça à sua amada. Para tentar fugir a essa paixão sem esperança, é debalde que o jovem advogado se põe ao serviço de um diplomata; a vida mundana não lhe oferece espaço de realização pessoal. Irresistivelmente atraído, acaba voltando para o vale junto a Charlotte e Albert; crescem-lhe a melancolia e o desespero, até que, pouco antes do Natal, mata-se com um tiro de pistola. É enterrado, como pedira, ao lado do cemitério, sob duas tílias á sombra das quais, nos tempos de idílio, costumava sentar-se para ler Homero. [6]"
Prosseguindo no exame da processo histórico, tem-se que a Revolução Francesa que promoveu a primeira "desincriminação [7]" do suicídio na Europa moderna. Tanto que não há qualquer referência dessa conduta no Código Penal Francês de 1791 ou no Código Napoleônico de 1810.
Com o surgimento da Revolução Industrial, já no século XIX, o tempo passou a ser ditado pelo ritmo produtivo da máquina, pela disciplina do corpo e pela exigência de desempenho.
Ao lado do positivismo de COMTE, o qual considerava que a história da comunidade era condicionada ao avanço do conhecimento, imperava a "moral vitoriana", com fortes regras e proibições sociais. O suicídio foi, nesse momento histórico, considerado um ato de vergonha, recusado e mantido em segredo, pois era tido como indício de patologia mental, cuja possível hereditariedade não deveria ser veiculada à comunidade.
É nessa época que surgem os estudos de DURKHEIM, argumentado ser o suicídio um fenômeno social, não podendo ser cingido ao aspecto meramente individual.
A partir daí, no início do século XX, o suicídio passa a ser objeto da psiquiatria, salientando-se a "escola de Esquirol" (1938), entendendo o suicídio como indício de doença mental, com o reforço da pesquisa estatística sobre o tema, já iniciada com DURKHEIM.
Na idade contemporânea, o fenômeno do suicídio mereceu as mais variadas formas de pesquisa e interpretação psiquiátrica, sociológica e mesmo filosofal.
Destaca-se, no século XX, grandes catástrofes e crises, bem como uma aceleração dos meios de produção e consumo de bens e informações.
Autores como KALINA e KOVADLOFF [8] "definem o suicídio como uma reação psicótica e resultante de uma indução, e não apenas o resultado de uma livre determinação individual", crendo na existência de uma cultura suicida, típica de nosso tempo [9].
A postura da Igreja Católica também se modifica: o suicídio passa a ser encarado como uma decorrência de problemas psicológicos, retirando a "responsabilidade moral" do suicida.
Os códigos penais das nações deixam de considerar o suicídio como um figura delitiva; o último país ocidental a abolir a criminalização da conduta foi a Inglaterra, em 1961.
Por fim, sem pretender adentrar na seara específica sobre o denominado "direito de morrer", passou a fazer parte da cultura popular o questionamento à possibilidade de tirar a própria vida:
"Guillon e Bonniec, na polêmica obra intitulada Suicídio, Modo de usar, refletiram sistematicamente sobre o direito das pessoas em recorrerem ao suicídio como alternativa aos sofrimentos de que padecem. Inclusive dedicam um capítulo especial sobre os meios mais eficazes para se morrer. Partindo da premissa de que somos constantemente assassinados pelo Estado, clamam pelo direito à vida e conseqüentemente pela deliberação circunstancial da morte. [10]"
Constata-se, portanto, que o contexto histórico acerca do suicídio varia de acordo com a concepção que se tem do próprio destino da humanidade, com todos reflexos daí decorrentes.
Extrai-se da análise histórica que três correntes doutrinárias [11] basilam o estudo sobre o tema:
A ) Doutrina psiquiátrica: desde Hipócrates se faz a correlação entre o suicídio e a depressão. Os iniciais estudos nessa área buscaram a correlação entre o suicídio e patologias ou doenças psiquiátricas. Exemplificativamente, a referida doutrina de ESQUIROL afirma que nenhuma pessoa sã eliminar-se-ia ela própria. Logo, todo aquele que comete o suicídio sofre de enfermidade mental, ao menos no momento em que comete o ato.
B ) Doutrina sociológica: segundo esse entendimento, o suicídio é determinado socialmente. Forças externas ao indivíduo são as responsáveis por uma taxa de suicídio estável, numa determinada sociedade. A flutuação dessa taxa ocorre em tempos de conturbação social, como guerras, crises econômicas e transformações sociais. O expoente dessa doutrina é DURKHEIM, que se contrapõe ao entendimento puramente psiquiátrico: "A taxa social dos suicídios não mantém pois qualquer relação definida com a tendência à loucura, nem por via de indução, com a tendência às diferentes formas de neurastenia. [12]
Logo, a taxa de suicídio reflete padrões de relacionamento social dentro da comunidade.
C ) Doutrina psicológica: o argumento defendido por essa teoria é de que a presença de enfermidades mentais ou forças sociais não é suficiente para explicar por que alguém atentaria contra a própria vida. Essa conclusão se afigura lógica quanto outros indivíduos, submetidos ao mesmo problema, não praticam o suicídio. Logo, os fatores pessoais e as motivações particulares (conscientes ou não) são as condições indutoras do suicídio.
A escola psicanalítica, formada por FREUD e seus seguidores, tentou demonstrar que o tema da morte adquire significado patológico em certos casos, ligados a impulsos agressivos inconscientes:
"FREUD (...), então, procurando explicar o suicídio, foi elaborando uma idéia de agência psíquica que poderia justificar a culpa e a auto-acusação como conceitos importantes para o entendimento da depressão e da melancolia. Deste modo, em 1923, na sua obra O ego e o id, formulou o conceito de superego, com funcionamento inconsciente, bem como as suas relações com o ego, que possibilitaram uma melhor compreensão da dinâmica do suicídio. Para o ego viver, precisa de certa dose de auto-estima e apoio das forças protetoras do superego e, assim, o medo da morte, na melancolia, acontece quando o ego se desespera, porque se sente odiado e perseguido pelo superego. O suicídio é uma expressão do fato de que terrível tensão, produzida pelo superego, ficou insuportável. A perda de auto-estima é tão completa que toda esperança de recuperá-la é abandonada. O ego se percebe desamparado pelo superego e se deixa morrer. [13]"
Retomando o que foi acima referido, os vários estudos e tentativas de explicação para o fenômeno do suicídio são claro demonstrativo da polêmica e dúvida que cercam o tema, pela permanente necessidade de o ser humano entender a ele próprio.
2 - O SUICÍDIO – CONCEITO:
Na obra de BLANCA WERLANG [14] é possível encontrar 15 conceituações do suicídio, denotando as múltiplas pesquisas, dos mais variados autores, sobre o tema.
Insta apontar, inicialmente, que o termo "suicídio" é relativamente, recente, podendo-se afirmar que é o nome que a modernidade dá à morte voluntária [15]. Segundo consta, o termo teria sido usado como neologismo, em latim, na Inglaterra, no ano de 1630 [16].
Comumente, contudo, o termo é apontado como utilizado primeiramente, em língua francesa, pelo abade DESFONTAINES em 1734 ou 1737, para significar "o assassinato ou morte de si mesmo", com o seguinte significado etimológico [17]:
Sui = si mesmo;
Caedes = ação de matar
Em peças jurídicas, é comum observar-se o uso do termo "autocídio" como sinônimo de suicídio, já tendo esses termos passado a constar do léxico [18].
Assaz divulgado é o conceito de DURKHEIM [19]:
"Chama-se suicídio todo caso de morte que resulte direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, sabedora de que devia produzir esse resultado. A tentativa é o ato assim definido, mas interrompido antes de resultar em morte."
Sem prejuízo dessa clássica definição, se nos parece mais adequada a conceituação proposta por SHNEIDMAN [20], para quem suicídio é:
"...o ato humano de cessação auto-infligida, intencional" e que pode ser melhor compreendido ‘como um fenômeno multidimensional, num indivíduo carente, que define uma questão, para a qual o suicídio é percebido como a melhor solução’."
Quanto à tentativa e consumação dos suicídios, e o conceito daí advindo, salienta esse autor [21] que "é perigoso fazer suposições sobre suicídios tentados e consumados, já que é impossível se afirmar a priori que são a mesma coisa, ou que são diferentes".
Essa dificuldade de conceituação em nível fático se mostra mais visível na dificuldade de peritos e investigadores em fixar a causa da morte, pois há suicidas que simulam acidentes, ou aqueles que, na verdade, não pretendiam morrer, mas apenas "chamar a atenção".
Outrossim, para se vislumbrar o conceito de suicídio, cremos que o exame do conceito proposto por DURKHEIM, complementado pelo de SHNEIDMAN, é extremamente satisfatório.
3 - O SUICÍDIO E A MEDICINA LEGAL
Em decorrência do fato, aludido alhures, de que por longo período o suicídio foi criminalizado, bem ainda o evento morte receber atenção das legislações penais no mundo inteiro, o tema do suicídio é afeto à medicina legal.
Saliente-se, ainda, que na área das ciências médicas como um todo, o estudo do suicídio é procedido pela AUTÓPSIA PSICOLÓGICA, objeto da tese elaborada por BLANCA WERLANG, e utilizada nesta pesquisa, consistente num exame retrospectivo, com o estudo dos métodos, ouvida de parentes e testemunhas, tudo para a compreensão do suicídio. Assim:
"A autópsia psicológica (...) é uma investigação imparcial, que objetiva compreender os aspectos psicológicos de uma morte em particular, esclarecendo o modo da morte, que pode ser natural, acidental, por suicídio ou homicídio, e que reflete a intenção letal ou não do falecido. Obtém-se essa informação analisando ‘o estilo de vida, a história comportamental e os elementos caracterológicos, como: grau de ambivalência, qualidade das funções cognitivas, estado de organização ou obsessão, estado de fúria e/ou agitação, quantidade de dor psíquica [22]’ (...)"
Outrossim, cingindo-se à medicina legal, primeiramente esbarra-se nas contínuas críticas que sofrem as estatísticas, já que os peritos precisam decidir-se na inclusão do evento morte em exame em uma dos critérios da CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DAS CAUSAS DE MORTE, identificados pela sigla NASH [23]:
N = natural
A = acidental
S = suicídio
H = homicídio
Menciona-se, habitualmente, que as determinantes do suicídio e das tentativas muitas vezes são vagas, imprecisas e de difícil constatação, caso confrontadas com os fatos, inclusive com reservas às palavras dos suicidas sobreviventes, ao deporem perante a autoridade policial.
Tudo isso tem reflexos diretos na consideração sobre as estatísticas, de cujo exame as ressalvas são objeto de praticamente toda doutrina especializada:
"De hecho, y em su utilización abusica, la ‘tasa de suicidios’ puede servir tanto para advertir sobre los peligros de la modernidad – véase, si no, el mito del suicidio em Suecia -, como para contemplar, compadecidos y horrizados, a alguna tribo amazónica o africana de indígenas desnudos que por auítam allá esas pajas se arojan desde lo alto de uma palmera al suelo para expiar quién sabe qué horripilante falta. Asismismo, recientemente hermos podido perder el oremus pensando em el destino del mundo moderno, tras haber asistido como espectadores a lá visión de morbosas imágenes televisivas o fotográficas de suicidios colectivosde ciudadanos del país del progreso y la coca-cola.
He aquí pues uma cifra, uma tasa, que sirve para estigmatizar al país, la comarca o el pueblo que la exhiba demasiado elevada y, de paso, para celebrar el hecho de nuestra no pertenencia a él. [24]"
Posta essa advertência, verifica-se que os critérios para aferição da existência ou não do fenômeno do suicídio não variaram muito no tocante às práticas médico-legais ao decorrer da história.
A anciente obra de FLAMÍNIO FÁVERO [25], amiúde reeditada, cujos estudos baseiam-se na praxe do início do século, ainda é indicada, entre outras da mesma safra, nos cursos de formação jurídica.
A perícia, segundo FÁVERO, deve ser orientada de modo a possibilitar a comprovação de morte voluntária, o meio empregado, fatores "mediatos ou imediatos" e outras questões de interesse para a justiça, por motivos técnico legais adiante demonstrados.
São, então, os passos para a feitura da perícia acerca do possível suicídio [26]:
A ) Inspeção do local e o exame do corpo.
Quanto ao local, deve ser analisados vestígios de existência ou não de luta, excluindo-a ou confirmando-a. A intenção da vítima em matar-se pode ser por esse exame comprovada, pela existência de bilhetes, escritos ou outra forma de indicação quanto a esse aspecto.
O exame do corpo é voltado à constatação de sua posição, quer de modo isolado, quer de modo conjunto às cercanias do local, como, por exemplo, uma posição tão incomum que exclua a hipótese de suicídio, como um enforcamento no qual inexistam móveis ou outros auxílios que permitissem ao morto enforcar-se.
A roupa também deve ser analisada, pois antigas estatísticas [27] dão conta que a maioria dos suicidas encontra-se totalmente vestida, e parcela mínima mata-se com pouca ou nenhuma roupa, talvez por questões de pudor quanto à descoberta do corpo.
As lesões no corpo do suicida ganham especial relevância, com relação à sede, intensidade, extensão, instrumento usado, entre outras. Nesse aspecto surgem as ditas "zonas de eleição" pois:
"Comumente o que tenta contra a própria vida procura atingir uma região que, desde logo, lhe faculte o intento visado: cabeça, pescoço, precórdio, vasos do punho, etc. Há, então, sedes de predileção das lesões. A orientação, a direção e a intensidade das lesões seguem o mesmo intuito. (...)
Também há indícios valiosos decorrentes do instrumento ou meio empregados: tiro no ouvido, a ingestão de veneno, a asfixia por enforcamento, a precipitação de um viaduto, são freqüentemente meios que denotam suicídio."
Ressalva-se, contudo, exceções a essas regras, sem desmerecer a existência de propósitos suicidas.
B ) Instrumentos ou meios: Nesse caso, como em geral refere a doutrina especializada em sua maioria, o suicida emprega em seu desiderato os meios que mais facilmente pode obter, sejam armas, cordas, veneno, entre tantos outros.
C ) Fatores do suicídio: a despeito de FÁVERO buscar uma interação entre possíveis causas físicas e o suicídio, nesse caso os estudos denotam que, conquanto a doença crônica seja comum entre os suicidas [28], não é fator determinante do ato, muito embora sua existência venha a dar suporte a essa específica hipótese.
Por derradeiro, prudente seja feita breve análise sobre os dois tipos penais mais correlatos ao fenômeno do suicídio, os quais devem ter sua caracterização afastada para configurar o impunível ato de matar-se.
São eles o HOMICÍDIO, previsto no artigo 121, do Código Penal, e o AUXÍLIO, INSTIGAÇÃO OU INDUZIMENTO AO SUICÍDIO, elencado no artigo 122, também do Código Penal.
Cingindo a análise à modalidade do homicídio simples para o presente estudo, temos a seguinte previsão legal:
"Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos."
Tem-se, na doutrina penal mais básica [29], que:
"...a conduta típica do homicídio é matar alguém, eliminar a vida de uma pessoa humana, podendo ser praticada de forma livre, por meios diretos ou indiretos, como a de açular um cão ou doente mental contra a pessoa que se quer matar, coagir alguém ao suicídio, colocar a vítima em situação de não poder sobreviver, etc. Os meios para a prática do crime podem ser físicos, químicos, patogênicos ou até morais, como a provocação de susto para matar, ou a condução de um cego para o abismo. Pode ser praticado por ação ou omissão (...) Evidentemente, como em qualquer crime, não se dispensa o nexo causal entre a conduta do agente e a morte do ofendido (...).
(...omissis...)
O dolo do homicídio é a vontade de eliminar uma vida humana (animus necandi ou occidendi), não se exigindo um fim especial, que poderá constituir, conforme o caso, uma circunstância qualificadora ou causa de diminuição de pena. Admite-se perfeitamente o dolo eventual, em que o agente não quer a morte, mas assume o risco de produzi-la."
Referentemente ao delito de induzimento, instigação e/ou auxílio ao suicídio, assim a redação do tipo:
"Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Parágrafo único. A pena é duplicada:
- Aumento de pena
I - se o crime é praticado por motivo egoístico;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência."
A consideração doutrinária básica sobre essa modalidade de delito, da lavra de MIRABETE [30] é no seguinte teor:
"... A pessoa que tenta o suicídio não pode ser responsabilizada criminalmente. Por medida de política criminal, o fato, que é ilícito por atingir bem indisponível, não é tipificado em nossa legislação.
(...)
São três as condutas inscritas no tipo, que descreve crime de ação múltipla ou comportamento variado. A primeira delas é a de induzir, que traduz a iniciativa do agente, criando na mente da vítima o desejo do suicídio. A instigação, nesse tipo penal, traduz o comportamento de quem reforça, estimula, acoroçoa, de forma idônea, a idéia preexistente do suicídio. Por fim, pode ser cometido o crime pelo auxílio dado ao suicida. Em regra, se traduz por ato material (fornecimento de arma, veneno, etc.), mas pode também ser de ordem moral (instruções para por termo à vida etc.). É possível a prática do crime por omissão, que ocorre quanto ao pessoa tem o dever jurídico de impedir o resultado (art.13, § 2º, do CP), como na ortotanásia (...). Indispensável é a existência do resultado morte ou lesão corporal de natureza grave decorrentes do comportamento da vítima. Se esta não sofre lesão ou é esta de natureza leve, o fato é atípico. Exige-se, sempre, que haja uma ou mais vítimas determinadas como destinatárias da conduta típica. Não há crime quando há uma exposição genérica de idéias favoráveis á idéia do suicídio. Também não se configura o crime quando falta o elemento intencional da vítima de por termo à vida. Praticando o agente duas condutas, como induzir e prestar auxílio, responderá por crime único, por ser único o resultado. Evidentemente, não se dispensa a relação de causalidade, ou seja, a demonstração de que a conduta do agente deu causa ao resultado."
Identificados, assim, os tipos penais mais correlatos ao fenômeno do suicídio, tem-se idéia da importância da correta comprovação de não serem os fatos envolvendo o autocídio qualquer dessas modalidades delituosas, a serem examinadas adiante, no estudo de casos reais.