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Da ilegalidade da cobrança da "assinatura mensal" dos telefones

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Agenda 16/09/2004 às 00:00

A "assinatura mensal" não é tarifa, pois não corresponde a contrapartida de um serviço prestado, bem como não pode ser taxa, porquanto esta somente pode ser exigida pelo Estado.

SUMÁRIO: I. – Introdução. II – Natureza jurídica: taxa ou tarifa? III. – Da instituição da ‘assinatura mensal’. IV. – Da ilegalidade da ‘assinatura mensal’. V – Abusividade da cobrança da ‘assinatura mensal’. VI – Da abusividade em face do Código de Defesa do Consumidor. VII – Da repetição do indébito. VIII. Conclusões. IX – Bibliografia.


I – INTRODUÇÃO

Os serviços de telefonia no Brasil são regulados pela Lei Geral das Telecomunicações (Lei 9.472/97) que instituiu a forma pela qual os serviços de telefonia passariam para a iniciativa privada. Mesmo diploma legal, criou o órgão regulador – A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), definindo atribuições e prescrevendo a forma pela qual os serviços devem ser prestados, em consonância com o mandamento constitucional que prescreve que, "compete a União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais" (Constituição Federal, art. 21, XI - Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 08/95).

É de notória sabença que desde longo tempo, mesmo antes das privatizações, as empresas de telefonia cobram a chamada ‘assinatura mensal’ de todos os usuários dos serviços de telefonia, residenciais ou mesmo comerciais, como condição para a prestação continuada de tais serviços e, independentemente de utilização da linha telefônica.

Tal pratica, que por longos anos passou despercebida, tem suscitados, mais recentemente, acalorados debates e levado diversos operadores do direito a refletirem sobre a legalidade, ou não, da cobrança dos serviços de telefonia, ainda quando não utilizado, nos moldes atualmente em vigor.

Tendo em vista a atualidade e importância do tema, ousamos desenvolver este modesto trabalho, com a finalidade de contribuir para o debate e para uma melhor compreensão dos aspectos legais que envolvem a cobrança da chamada ‘assinatura mensal’ de telefones.


II – NATUREZA JURÍDICA: TARIFA OU TAXA?

A cobrança da ‘assinatura mensal’, a que todo usuário está obrigado a pagar, independentemente de uso de seu terminal telefônico, alguns classificam como taxa e outros como tarifa. A nosso sentir, não é nem uma coisa, nem outra. A rigor é um nada jurídico, não passando de uma cobrança ilegal e abusiva que não encontra amparo na legislação que rege a matéria e afronta os ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição Federal, conforme se demonstrará a seguir.

A natureza jurídica da tarifa é caracterizada pela contraprestação alusiva aos serviços efetivamente prestados. Logo, a cobrança da tarifa pressupõe a prestação de um serviço, não podendo ser compulsória, nem corresponder a um serviço prestado. Ao tratar da matéria, o mestre José Cretella Junior define a tarifa "como sendo a quantia em dinheiro que os usuários são obrigados a pagar à empresa concessionária quando se utilizam do serviço público" (Curso de Direito Administrativo, 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, p. 378).

Na mesma linha de pensamento, Hely Lopes Meirelles, com a maestria que lhe é peculiar, faz um interessante paralelo entre tarifa e taxa ao definir "tarifa (como sendo) o preço público que a administração fixa, prévia e unilateralmente por seus órgãos, ou, indiretamente, por seus delegados – concessionários e permissionários – sempre em caráter facultativo para os usuários. Nisto (se) distingue a tarifa da taxa, porque, enquanto esta é obrigatória, aquela (a tarifa) é facultativa para os usuários: a tarifa é um preço tabelado pela administração; a taxa é uma imposição fiscal, um tributo" (Direito Municipal Brasileiro, 4ª edição. São Paulo: RT, 1981, pág. 175).

Conclusão que exsurge é que a ‘assinatura mensal’ para que se possa considerar tarifa seria necessário que sua cobrança somente ocorresse após a efetiva utilização dos serviços prestados ou, se cobrados sem a efetiva utilização, que correspondesse a créditos para futura utilização. Desta forma, ainda que a ‘assinatura mensal’ guarde semelhanças com tarifa, ao ser cobrada de forma compulsória e independentemente de uso, foge aos conceitos que rege o instituto.

No que diz respeito à taxa, cuja definição nos é dada pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional, somente pode ser instituída por lei e em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (CF, art. 145, II e CTN, art. 77 e ss). Logo, para que a ‘assinatura mensal’ possa ser considerada taxa, seria necessário que, além de compulsória e estabelecida em lei, correspondesse a um serviço público específico (previamente determinado), e divisível (cujo uso ou consumo pudesse ser medido), prestado ou posto à disposição do usuário para sua eventual utilização. Evidentemente, não é o que acontece com a chamada ‘assinatura mensal’, cobrada pelas empresas de telefonia.

Ademais, para que se possa considerar taxa, deveria atender a alguns requisitos e princípios, constitucionalmente estabelecidos, tais quais: a) deveria ter sido instituída e somente poderia ser aumentada por lei (CF, art. 150, I, e CTN, art. 97, I e II); b) deveria respeitar o princípio constitucional da anterioridade (CF, art. 150, III, ‘b’); c) somente poderia ser cobrada e exigida pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, não podendo ser delegada (transferida) a terceiros, nem pessoas jurídicas de direito público e, muito menos, a particulares, como é o caso das concessionárias (CF, art. 145, caput e CTN, art. 7°); d) somente poderia ser cobrada na exata medida do custo do serviço público efetivamente prestado, e não poderia ser a fonte inesgotável de renda (garantida antecipadamente, mesmo que não haja a utilização dos serviços), sob pena de gerar o enriquecimento indevido e sem causa (CF, art. 145, II, e CTN, art. 77).

Pelo acima exposto, podemos concluir que a ‘assinatura mensal’ não é tarifa, na exata medida em que não corresponde a contrapartida de um serviço prestado, porquanto é cobrado independentemente da utilização ou não do terminal telefônico, bem como não pode ser conceituada como taxa porquanto esta somente pode ser exigida pelo Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), não podendo ser delegada a terceiros, além das outras razões já explicitadas.


III – DA INSTITUIÇÃO DA ‘ASSINATURA MENSAL’

Na atualidade, os serviços de telecomunicações e afins, estão disciplinados pela Lei n° 9.472 de 16 de julho de 1997 e devidamente regulamentadas pelo Decreto nº 2.338 de 07 de outubro do mesmo ano, com as alterações introduzidas pela Lei 9.986 de 18 de julho de 2000 que tratou, especificamente, da gestão de recursos humanos da ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, órgão regulador do sistema de telefonia no Brasil, tudo em obediência ao comando emanado da Ementa Constitucional nº 08 de 1995.

A Lei Geral das Telecomunicações (Lei n° 9.472/97) autoriza a concessão dos serviços de telefonia, prescrevendo que o regime regente da exploração deste tipo de prestação de serviços é o privado e que deverá basear-se nos princípios constitucionais da atividade econômica (art. 126), cuja disciplina da exploração tem por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores, na literalidade do disposto na lei referenciada (art. 127).

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Ocorre que as premissas introduzidas pela lei retro mencionadas, não vêm sendo respeitadas pelas empresas concessionárias que, como é de notório conhecimento público, juntamente com a tarifa cobrada pelos serviços efetivamente prestados pela medição dos chamados ‘pulsos’ telefônicos, cobra dos usuários de seus serviços, uma certa importância adicional, fixa e mensal, a título de ‘assinatura mensal’.

Sabe-se que os serviços públicos, tais quais os de telefonia, são remunerados através de tarifas que se originam a partir da efetiva prestação dos serviços ofertados ao usuário. No caso dos serviços de telefonia, como já dito, a unidade de medição da tarifa telefônica é o chamado pulso, ou seja, chamada efetuada do terminal telefônico respectivo para outro qualquer, cujo fator de medição para cobrança, "é feita pela aplicação de uma unidade de tarifação (pulso) por chamada estabelecida e de unidades adicionais a cada 240 segundos, sendo a primeira cobrança efetuada ao acaso em relação ao início da chamada" (Cf. Contrato de Prestação de Serviço Telefônico Fixo Comutado, disponível no site www.telefonica.com.br.).

Tanto é assim que, utilizando-se o exemplo dos serviços prestados pela empresa que opera no estado de São Paulo – a Telesp, além dos pulsos, das chamadas interurbanas e das chamadas para celulares, os outros serviços prestados adicionalmente aos usuários, vêm discriminados na fatura mensal, de forma específica, como por exemplo: identificador de chamadas, transferidor de ligações, atendimento simultâneo, etc., quando contratados pelo usuário, cujas tarifas a estes títulos são discriminadas separadamente do valor cobrado pelo simples uso.

Na mesma fatura mensal, temos a discriminação dos valores correspondentes aos pulsos efetivamente utilizados, os valores dos serviços adicionais contratados pelo usuário e, os valores sobre a rubrica de ‘assinatura mensal’, compondo campo autônomo e individuado da fatura mensal. Assim, poderíamos afirmar que a conta telefônica é composta por três itens distintos: serviço efetivamente medido (pulsos utilizados), assinatura mensal e outros serviços.

A chamada ‘tarifa mensal’ não tem previsão na lei que regula a matéria, estando prevista no "Contrato de Concessão do Serviço Telefônico Fixo Comutado Local", firmado pela ANATEL e, no caso de São Paulo, com a Telefônica, pelo qual a concessionária oferece aos consumidores o chamado "Plano Básico do Serviço Local". Referido contrato, em seu anexo 03, cláusula 2.1, especifica que a prestadora de serviço poderá cobrar uma tarifa a título de habilitação para acesso ao "Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC", na cláusula 2.2, prevê uma tarifa de assinatura para manutenção do direito de uso do mesmo terminal telefônico e na cláusula 3, disciplina a tarifação do efetivo uso do terminal telefônico (o modelo do contrato está disponível no site da ANATEL).

Pesquisando a origem e a legalidade da ‘assinatura mensal’, encontramos ainda a resolução n° 85/98 da ANATEL, na qual se encontra definido o que seja a assinatura mensal, nos seguintes termos: "Tarifa ou preço de Assinatura: valor de trato sucessivo pago pelo Assinante à Prestadora, durante toda a prestação do serviço, nos termos do contrato de prestação do serviço, dando-lhe direito à fruição contínua do serviço" (art. 3°, XXI).

Assim, a tarifa ou preço de assinatura, encontra previsão de sua existência, exclusivamente no contrato firmado entre a ANATEL e as empresas concessionárias dos serviços de telefonia, porquanto a Resolução retro mencionada, apenas se presta a definir a nomenclatura utilizada no sistema de telefonia.


IV – DA ILEGALIDADE DA ‘ASSINATURA MENSAL’

Conforme ficou assentado, a existência da ‘assinatura mensal’ encontra definição na resolução n° 85/97 da ANATEL e previsão nos contratos de concessão (no exemplo utilizado, no contrato da Telefônica), sendo certo que a Lei n° 9.472/97, ao tratar da tarifa (arts. 103a 109), não menciona a ‘assinatura mensal’ como tarifa a ser cobrada dos usuários dos serviços telefônicos, como condição para a fruição dos serviços ofertados.

Da mesma forma, ao tratar da universalização e da continuidade dos serviços, referido diploma legal deixou assentado que as "obrigações de continuidade são as que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso", não impondo nenhuma condição prévia para que os serviços sejam prestados (art. 79, § 2°).

Ademais, ao atribuir à Agência Reguladora, dentre outras, a competência para "controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas de serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes", referido diploma legal estabeleceu os estritos limites para a atuação do órgão regulador, qual seja, a própria lei (art. 19, VII).

Ainda que se possa alargar a interpretação da autorização que a Lei confere à ANATEL, o que admitimos apenas por amor ao debate, ainda assim, não se pode esquecer que Resolução é um mero ato administrativo que se destina à execução da lei. Resolução não cria, não extingue e nem modifica direitos. Tem, apenas, a finalidade de executar a lei, à qual, aliás, no presente caso, estão vinculados tanto o contrato administrativo celebrado pelo poder concedente e a concessionária, como aquele que esta celebrou com o consumidor.

Só por este aspecto, a ilegalidade é flagrante. Não pode uma resolução criar, ao arrepio da lei, uma obrigação extremamente onerosa para os usuários, denominada de ‘tarifa ou preço de assinatura’, ainda mais, como condição para que os serviços possam ser utilizados. Em verdade, a resolução impôs ao usuário, a obrigação de pagar mensalmente uma quantia fixa, independente de uso, como condição prévia para ter o direito de acesso e uso dos serviços de telefonia, em completa afronta aos princípios da universalização e da continuidade dos serviços contemplados na lei.

Independente da inexistência de previsão legal, a interpretação do próprio dispositivo contido na Resolução acima destacado, deflagra a ilegalidade da cobrança da ‘assinatura mensal’, já que, à toda evidência, não se pode incluí-la no rol dos serviços efetivamente prestados pelas concessionárias. Aliás, como dito alhures, a chamada ‘assinatura mensal’ nem mesmo tarifa poderia ser considerada, na exata medida em que tarifa corresponde ao preço pago pelo usuário frente a um serviço prestado, sendo certo que o pagamento da ‘assinatura’, não necessariamente, corresponde ao pagamento de serviços prestados. Também por este prisma, é visível a ilegalidade da cobrança porquanto o valor cobrado a título de ‘assinatura mensal’, além de não se enquadrar na modalidade de tarifa, não encontra previsão legal na legislação que rege a matéria.

Tal cobrança, da forma impositiva como é realizada, guarda uma certa semelhança com o tributo taxa, na exata medida de sua imposição como condição para a contraprestação do serviço público a ser ofertado pela administração pública, contudo, já tivemos oportunidade de frisar que não se trata de taxa e, reafirmamos, que nem mesmo de tarifa trata-se, sendo à luz da verdade, uma cobrança abusiva e ilegal que não encontra respaldo jurídico para subsistir.

Decorre do exposto, que a ilegalidade da cobrança em tela, advém do princípio da reserva legal, esculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal, ou seja, não havendo lei que autorize tal prática, é patente que indevida a cobrança de quaisquer valores a título de ‘assinatura mensal’, que, aliás, como já demonstrado, não corresponde a qualquer serviço prestado pela empresa de telefonia a seus usuários.


V – ABUSIVIDADE DA COBRANÇA DA ‘ASSINATURA MENSAL’

É latente a abusividade e a ilegalidade da cobrança da ‘assinatura mensal’ de telefone, porquanto fere os mecanismos básicos do próprio regramento jurídico que regulamentou a concessão dos serviços de telecomunicações, posto que os direitos do usuário e consumidor, restaram resguardados pela Lei 9472/97, in verbis: "A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores, destinando-se a garantir: (...) o respeito aos direitos dos usuários" (art. 127, caput e III).

É visível a prática abusiva das concessionárias em exigir o famigerado instituto conhecido por ‘tarifa mínima’, neste caso, de codinome ‘assinatura mensal’, posto que, nos moldes praticados pelas concessionárias, o consumidor, mesmo não se utilizando daquele serviço, se vê, todos os meses, obrigado a contribuir com um valor fixo em prol da operadora, o que garante a esta um lucro, também fixo e certo, todos os meses, pois o pagamento independe dos pulsos consumidos pelos usuários na utilização do terminal telefônico.

Sob risco de redundância, frise-se que referido pagamento corresponde tão somente a contrapartida para que o usuário possa ter a possibilidade de acesso e fruição dos serviços e, cujo pagamento, independe de utilização da linha telefônica.

Para uma melhor compreensão da abusividade e da ilegalidade de tal cobrança, façamos um paralelo com a seguinte situação hipotética: No município de São Paulo, foi implantado recentemente, um sistema de tarifação para o transporte público que prevê que o usuário poderá utilizar-se dos coletivos, por até duas horas com um mesmo bilhete, sem a necessidade de pagamento de nova passagem. Vamos supor que, quando da implantação do chamado ‘bilhete único’ para os transportes coletivos, o órgão encarregado de sua implantação – o SPTrans, determinasse, via Resolução, que "TODOS OS (possíveis) USUÁRIOS DE ÔNIBUS NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, FICAM OBRIGADOS A ADQUIRIR, TODOS OS MESES, O EQUIVALENTE (por exemplo) A 30 BILHETES ÚNICO (com prazo de validade de 30 dias), INDEPENDENTEMENTE DE EFETIVA UTILIZAÇÃO, OU NÃO, DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTES COLETIVOS DO MUNICÍPIO, COMO FORMA DE ASSEGURAR A FRUIÇÃO CONTÍNUA DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS".

Não temos dúvida de que, no hipotético exemplo acima transcrito, as opiniões seriam unânimes em afirmar que seria ilegal e abusiva a cobrança da ‘TARIFA DE ASSINATURA MENSAL DE TRANSPORTES’, seja porque não previsto em lei, seja porque a cobrança seria compulsória e iria se dar sem que houvesse a necessária contra-prestação dos serviços. Não temos dúvidas também em afirmar que ninguém aceitaria de bom grado, adquirir, obrigatória e antecipadamente, a quantidade de bilhetes indicados para uma possível e futura utilização que, em não vindo a ocorrer, significaria a perda dos valores pagos na aquisição dos bilhetes de transportes. Mais ainda, não temos também nenhuma dúvida de que as opiniões seriam unânimes em afirmar que tal cobrança geraria, para a municipalidade, um enriquecimento sem causa, o que é vedado pela legislação pátria.

Perguntamos: qual a diferença existente entre os valores que as concessionárias de telefonia cobram, atualmente dos usuários, a título de ‘assinatura mensal’ e os valores (que hipoteticamente) a Prefeitura de São Paulo cobraria pela ‘assinatura mensal dos serviços de transportes coletivos’, no exemplo acima colacionado?

Portanto, latente a abusividade da cobrança deste verdadeiro tributo, instituído pela ANATEL e cobrando pelas concessionárias de telefonia, chamado de ‘assinatura mensal’.


VI – DA ABUSIVIDADE EM FACE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Não há dúvida de que a relação existente entre os usuários e a empresa concessionária dos serviços de telefonia é de consumo. Para que dúvidas não pairem, é preciso destacar que temos presente, na relação que aqui se discute, as três figuras aptas a ensejar o enquadramento da demanda em seara consumerista, senão vejamos: a) As concessionárias de telefonia são fornecedoras, porquanto são pessoas jurídicas que desenvolve atividade de prestação de serviço (CDC, art. 3°); b) Os usuários de telefone são, a toda evidência, consumidores porquanto perfeitamente enquadrado na concepção de destinatário final dos serviços (CDC, art. 2°); e, c) A telefonia fixa é um serviço e isto está implícito na própria natureza do fornecimento.

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da Política Nacional de Relações de Consumo, além de fixar como objetivo não só o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, fixa também, dentre outros, o princípio da boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores e a racionalização e melhoria dos serviços públicos (Lei n° 8.078/90, art. 4°, III e VII).

Na mesma linha de proceder, o Código, no capítulo terceiro, disciplina que são direitos básicos do consumidor, dentre outros, a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral (art. 6°, X).

Ainda nesse norte, o art. 22 estabelece que "os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". No parágrafo único, estabelece que "nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código".

Ao analisarmos a questão em face do Código de Defesa do Consumidor, contatamos que a cobrança da ‘tarifa de assinatura’, afronta diretamente os princípios retro mencionados e se constitui em prática abusiva, colidindo ainda com o estatuído no art. 39, I e V da Lei 8078/90, que estabelece ser vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; assim como, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.

Ora, é inegável que o consumidor tem a prestação de serviços condicionada a limites quantitativos, ou seja, ainda que não utilize, efetivamente, dos serviços de telefonia, está obrigado a pagar a chamada ‘assinatura mensal’, correspondente a noventa pulsos, sob pena de ser obstado seu acesso ao serviço público em comento e até ficar sem ele, o que transforma a ‘tarifa’ em verdadeiro imposto, desviando a finalidade do instituto. Neste particular aspecto, Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, comentado a matéria preleciona que "as práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas. Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão" (CDC Comentado pelos autores do anteprojeto, 4ª. edição, Revista Forense, p. 237).

Ademais, a imposição da cobrança da ‘assinatura mensal’ pode ser entendida como uma vantagem excessiva, exigida pelas concessionárias de telefonia em face dos usuários/consumidores. Ainda que existisse qualquer permissivo legal para tal cobrança, dadas as características e a natureza da tarifação, sua exigência correria à margem da lei, posto que a lei consumerista, veda práticas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade, o que, à toda evidência, ocorre no presente caso (art. 51, IV).

Além disso, a aplicação da ‘tarifa básica’, na forma em que é erigida pelas concessionárias de telefonia, gera, sem dúvida nenhuma, um quadro de onerosidade excessiva em face do consumidor, desequilibrando, por completo, a relação existente entre as partes (CDC, art. 51, III). Há também que ser considerado, que esta cobrança, provoca um enriquecimento sem causa, haja vista que as concessionárias terminam por se apoderarem de significativa quantia mensalmente, sem que tenha, necessariamente, retribuído qualquer serviço.

Cumpre acrescentar ainda que, do contrato de prestação de serviços celebrado entre a ANATEL e a Telefonica, na Cláusula 1.1, não há redação clara e transparente quanto à cobrança da indigitada ‘assinatura mensal’, fato que contraria o disposto no art. 54, § 3º da lei em comento, haja vista que as cláusulas contratuais devem traduzir, literalmente, sua extensão, para não furtar do consumidor a exata e escorreita interpretação sem necessidade de se recorrer ao confeccionário do contrato. Esta omissão contraria frontalmente os direitos fundamentais do consumidor (art. 6º da Lei 8.078/90).

Ainda que no contrato constasse cláusula de similar teor, a mesma deveria ser declarada nula de pleno direito porquanto não se pode olvidar que estamos diante de um contrato de adesão, e cláusula como esta, se enquadra perfeitamente dentre aquelas chamadas de abusivas. Ademais, conforme asseverou a professora Claudia Lima Marques, "a nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para o qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância". E, conclui a renomada consumerista que na "procura pelo equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como verdadeira legitimadora da autonomia da vontade" (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª. edição, RT 2002, p. 175).

Registre-se ainda, com base nos ensinamentos do mestre Nelson Nery Junior, que "um dos direitos básicos do consumidor é a proteção contra cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços (relações de consumo), conforme disposto no art. 6°, n° IV, do Código". Em seguida o renomado mestre assevera que o rol elencado no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor "não é exaustivo, podendo o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, entender ser abusiva e, portanto nula, determinada cláusula contratual", concluindo que esta autorização está contida no "caput do art. 51 do CDC que diz serem nulas ‘entre outras’, as cláusulas que menciona", fazendo também referência ao contido no Inciso XV para reafirmar sua certeza de que ao juiz é dada a liberdade de identificar cláusulas abusivas fora do rol expressamente descrito no mencionado artigo (Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 4ª. edição, Forense Univ., 1996, p. 341).

Sobre o autor
Nehemias Domingos de Melo

Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP). Professor convidado nos cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Metropolitanas Unidas (FMU), Escola Superior da Advocacia (ESA), Escola Paulista de Direito (EPD), Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de SBCampo, Instituo Jamil Sales (Belém) e de diversos outros cursos de Pós-Graduação. Cursou Doutorado em Direito Civil e Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos, É Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Tem atuação destacada na Ordem dos Advogados Seccional de São Paulo (OAB/SP) onde, além de palestrante, já ocupou os cargos membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Comissão da Criança e do Adolescente; e, Examinador da Comissão de Exame da Ordem. É membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Ed.IOB – São Paulo) e também foi do Conselho Editorial da extinta Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor (ed. Magister – Porto Alegre). Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas, Juarez de Oliveira e Rumo Legal e, dentre os quais, cabe destacar que o seu livro “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum”, foi adotada pela The University of Texas School of Law (Austin,Texas/USA) e encontra-se disponível na Tarlton Law Library, como referência bibliográfica indicada para o estudo do “dano moral” no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Nehemias Domingos. Da ilegalidade da cobrança da "assinatura mensal" dos telefones. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 436, 16 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5699. Acesso em: 22 nov. 2024.

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