CONSIDERAÇÕES FINAIS
A instituição dos Direitos Humanos no plano Internacional, apesar de todos os seus grandes avanços, historicamente marcados por eventos de consequências globais, ainda padece com as “fortes resistências dos adeptos do movimento do relativismo cultural”, conforme descreve a obra de Flávia Piovesan (2015). Em outras palavras, os relativistas consideram que a “noção de direitos está estritamente relacionada aos sistemas político, econômico, cultural, social e moral vigentes em determinada sociedade” e por essa razão, a “cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade”.
Considerando o caráter universal dos Direitos Humanos, fundamentados em sua própria essência, defende-se que o fortalecimento do “universalismo” é um caminho irreversível no atual contexto mundial. Nesse sentido, “acredita-se que a abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de dignidade e direitos, é condição para a celebração de uma cultura dos direitos humanos”, fomentada “pelo ativo protagonismo da sociedade civil internacional, a partir de suas demandas e reivindicações morais”.
Importante destacar que, embora a polêmica da relativização da soberania ainda não tenha encontrado seu fim, “o Direito Internacional dos Direitos Humanos, com seus inúmeros instrumentos, não pretende substituir o sistema nacional”. Conforme se verificou, trata-se de um direito subsidiário, de caráter complementar, que atuará principalmente para superar “omissões e deficiências” dos sistemas internos dos Estados.
Resta evidente que com a “constitucionalização dos direitos humanos” foi inaugurada uma nova fase do desenvolvimento dos Direitos Humanos, onde estes se incorporaram às próprias Constituições dos Estados. Nesse sentido, não mais se sustenta a tese de que os tratados não geram obrigações para seus signatários. Nesse sentido, “a incorporação automática do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo direito brasileiro — sem que se faça necessário um ato jurídico complementar para sua exigibilidade e implementação (...)”, tanto “eleva o particular a invocação direta dos direitos e liberdades internacionalmente assegurados”, quanto “proíbe condutas e atos violadores a esses mesmos direitos, sob pena de invalidação”.
Translado contemporâneo da relativização da soberania estatal frente a efetivação da implantação dos Direitos Humanos Internacional, a Constituição Brasileira de 1988, ao tratar da garantia dos direitos individuas, coletivos e difusos, ao mesmo tempo em que “consolida a extensão de titularidade de direitos, acenando para a existência de novos sujeitos de direitos, também consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela, por meio da ampliação de direitos sociais, econômicos e culturais”.
Conforme visto neste trabalho, se ainda há a discussão da fundamentação dos Direitos Humanos, muito mais imperiosa se faz a criação de mecanismos de implementação que produzam efeitos concretos e efetivos. Isso tudo, sob um cenário de constantes mudanças de valores morais fomentados pela expansão da globalização, a revolução tecnológica, os problemas ambientais, a corrupção, o terrorismo, as novas concepções de gênero, as manifestações populares, entre muitos outros exemplos que impulsionam a sociedade a se transformar, tanto positiva, quanto negativamente. Nesse contexto, além dos desafios atuais, muito do que ainda será exigido dos Direitos Humanos, ainda está em formação, em razão da própria dinâmica social de desenvolvimento, contextualizada sob o avanço da consciência da autonomia conferida ao cidadão. Resta ao Estado garantir que a nação prossiga em prosperidade nesse caminho e cabe ao “novo cidadão”, participar desse processo, não esquecendo que “direito”, também confere “responsabilidade”.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] Parte I. O Estado e suas Crises. Crise conceitual do Estado Moderno: a relativização da soberania como poder absoluto. p. 41. Por Lorena Duarte Santos Lopes.
[2] A teoria do contrato social pressupor-se-ia a organização política com base na divisão dos poderes, onde a lei era de competência exclusiva dos representantes do povo. O cidadão abdicaria de parte de sua liberdade, com base em um contrato ou um pacto firmado entre ele e o Estado, para que este pudesse melhor representá-lo, assegurando-se, de certo modo, sua participação e controle na vida política da comunidade. (SIQUEIRA, 2011).
[3] Parte II. A questão dos direitos humanos. Constitucionalismo transnacional e direitos humanos: irrupção do humano. p. 172. Por Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro Villa.
[4] “O processo de globalização refere-se às transformações na ordem político-econômica internacional visando à integração dos mercados em uma espécie de “aldeia global”, cuja expressão sugere que o mundo contemporâneo tomou forma uma comunidade mundial concretizada pela agilidade no transporte e na troca de informação, que resulta na interligação dos mercados e do sistema produtivo.” (ROGÉRIO TAIAR, 2010).
[5] Organizações das Nações Unidas. “A ONU é alvo de criticas, entre as quais a impossibilidade de efetiva aplicação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, por excessivo respeito à soberania dos Estados, ao direito de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança, à falta de poder coercitivo de suas decisões, por ausência de recursos próprios e pelo fato de depender excessivamente dos Estados mais poderosos. (...) Independente das criticas, é inegável a relevância da ONU no cenário mundial e sua importância na busca do ideal da igualdade entre os povos e da paz mundial.” (MALUF, 2010).
[6] Friedrich Wilhelm Nietze, apud Morais (2014). Expressão e obra de mesmo título, “em que nos convida a percorrer o ‘mundo interior que se chama homem’ (...)”.
[7] Tradução livre - do latim: "direito entre as gentes" ou "entre os povos".
[8] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
[9] O reinado de João Sem Terra caracterizou-se pela opressão dos súditos, cobrança de pesados impostos, detenções arbitrárias, dentre outros desmandos reais. Diante de tal situação, a nobreza se rebelou e, estabelecendo uma aliança com o Clero, obrigou o rei a firmar em 15 de junho de 1215 um documento que pode ser considerado como o primeiro esboço de uma Constituição escrita: a Magna Carta. (SIQUEIRA, 2011).
[10] A título de exemplo contemporâneo da essencialidade da lei, Siqueira (2011) cita o Art. 5º, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em Jun./16.
[11] “Entre aproximadamente 1947 e 1989-1991, EUA e URSS competiram pela construção e consolidação de esferas de influência, lastreados em diferentes projetos políticos”. (MUNHOZ, 2015).
[12] Nesse contexto, Ulrich Beck denominou em 1986, a sociedade em que vivemos de “sociedade do risco”. Outros autores conceberam diferentes expressões como: “sociedade pós-moderna, “sociedade da informação”, “sociedade tecnológica”, sociedade pós-industrial”. (MONTE, 2012. p. 102.).
[13] “Na atualidade, outro marco histórico que deixou a humanidade perplexa fora o atentado terrorista às Torres Gêmeas em Nova York (...)”. (MORAIS, 2014, P. 173).
[14] “A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento marco na história dos direitos humanos. Elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de Dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos.” Acesso em Maio/2016. Disponível em: http://www.dudh.org.br/declaracao/
[15] Flexibilização da soberania dos estados em matéria penal na sociedade global de riscos – a possibilidade de um direito penal transnacional. Por Adriana Maria Gomes de Souza Spengler, p. 111. (MONTE, 2012)
[16] Em tradução livre (inglês): "o rei não erra" ou "o rei não pode errar".
[17] Frase de Celso Lafer citada por Rogério Taiar (2010) p. 280: “Os direitos humanos representam, no plano jurídico, uma inversão da figura deôntica originária, ou seja, significam uma passagem do dever do súdito para o direito do cidadão. [...]. Essa mudança do dever do súdito, determinada pelo soberano, para o direito do cidadão representa a legitimação plena da perspectiva dos governados e promove uma domesticação da perspectiva dos governantes. Contém e limita, consequentemente, o realismo da razão do Estado, pois o governo é democraticamente para o indivíduo e não o indivíduo para o governo”.
[18] Boutros Boutros-Ghali (1922-2016), foi o sexto secretário-geral da Organização das Nações Unidas de janeiro de 1992 a dezembro de 1996. Fonte: pesquisa livre realizada pela autora.
[19] “Na atual acepção, o Estado figura como um agrupamento humano em território definido, política e juridicamente organizado que, em geral, guarda a ideia de ‘nação’. Daí a construção do conceito sintético de nação política e juridicamente organizada para definir conclusivamente o termo ‘Estado’”. (ROGÉRIO TAIAR, 2010).
[20] Nesse sentido, destaca-se o texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, logo no Artigo 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
[21] No Brasil, a Ditadura Militar iniciou-se em 1964 e teve seu término em 1984. Em síntese, durante esse período, em que o país foi comandando por militares, diversos direitos e garantias fundamentais foram suprimidos em observância ao regime totalitário. A promulgação da Constituição Brasileira de 1988 resgatou esses valores e reinseriu o país no plano democrático. Fonte: <http://www.uel.br/editora/portal/pages/arquivos/ditadura%20militar.pdf>. Acesso em Jun./16
[22] CFR/88, art. 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)”.
[23] Texto completo da Declaração Universal dos Direitos Humanos disponível em: http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf. Acesso em Jun./16.
[24] “Esses argumentos sustentam a conclusão de que o direito brasileiro faz opção por um sistema misto disciplinador dos tratados, sistema que se caracteriza por combinar regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos e outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos — por força do art. 5º, § 2º — apresentam hierarquia constitucional, os demais tratados internacionais apresentam hierarquia infraconstitucional. (FLÁVIA PIOVESAN, 2015).
[25] Conferência das Nações Unidas (ONU). “Em 17 de julho de 1998, na Conferência de Roma, foi ineditamente aprovado o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. (...) até a aprovação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, o sistema global de proteção só compreendia as atividades de promoção e de controle dos direitos humanos, não dispondo de um aparato de garantia desses direitos. Em 1º de julho de 2002, o Estatuto de Roma entrou em vigor”. (FLÁVIA PIOVESAN, 2015).
[26] Lista disponível na obra PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional / Flávia Piovesan. – 15. ed., rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2015. p. 387 a 388.
[27] Decreto nº 4.388, de 25 de Setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm. Acesso em Jun./16.
[28] Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm#art1. Acesso em Jun./16.