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Comentários preliminares: Lei 13.431/17

Agenda 07/04/2017 às 16:24

Considerando a edição da Lei 13.431/17 e seus reflexos na legislação, principalmente a processual penal, faz-se necessário o estudo detido da questão.

Trata-se de uma legislação nova que visa adequar o ordenamento à proteção internacional conferida ao tema. O tema em baila é tratado na convenção internacional dos direitos da criança (Decreto federal 99.710/90) e na resolução 20/2005[1] da ECOSOC (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas) que trata especificamente do assunto.

Interpretação – artigo 6º, § único: Nos casos omissos da norma aplicar-se-á o ECA e a Lei Maria da Penha.

Destinatários: (a) Criança e adolescentes vítimas de violência; (b) Crianças e adolescentes testemunhas de violência.

Conforme determina o artigo 3º, § único da lei 13.431/17, a norma será aplicada obrigatoriamente às crianças e adolescentes, podendo ser aplicada, quando necessária, na situação do chamado “jovem adulto”, pessoa na faixa entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos, nos termos do artigo 2º, § único do ECA.

Revelação espontânea – Ato de espírito do menor, através do qual ele traz ao conhecimento de alguém violência sofrida ou presenciada. O artigo 4º, § 1º determina que nestas hipóteses o menor terá atenção do Estado, com adoção do procedimento necessário e se for o caso será ouvido através de escuta especializada ou depoimento especial.

Violência - artigo 4º: A nova legislação disciplina o que será considerado violência, para fins de aplicação da norma, dividindo em: (a) Física; (b) Psicológica; (c) Sexual; (d) Institucional.

Violência física – artigo 4º, I: Entendida como aquela destinada ao menor que ofenda sua integridade física ou lhe cause sofrimento.

Violência psicológica – artigo 4º, II: (a) Condutas discriminatórias, depreciativas ou desrespeitosas, inserindo-se aqui inclusive a prática de bullying; (b) Alienação parental; (c) Condutas que exponham o menor, direta ou indiretamente, a crime violento, tornando-a testemunha. Aqui é importante frisar que a legislação pátria limitou a proteção ao menor testemunha nos casos de crime violento, sendo certo que a resolução da ONU, em seu item IV, 9, a confere a proteção independente do crime.

Violência sexual – artigo 4º, III: Utilização do menor para fins sexuais: (a) Abuso sexual, inserindo-se aqui não só a prática do ato, mas também o testemunho de ato sexual, inclusive por meio digital; (b) Exploração sexual; (c) Tráfico de pessoas.

Violência institucional – artigo 4º, IV: Qualquer ato praticado por instituição pública ou conveniada.

Direitos e garantias – artigo 5º: (a) Prioridade absoluta; (b) Tratamento condizente com sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; (c) Proteção a intimidade e condições pessoais; (d) Proteção contra discriminação; (e) Receber informações adequadas; (f) Assistência jurídica e psicossocial; (g) Proteção contra sofrimento; (h) Prioridade na tramitação do processo e garantia de celeridade – Neste caso, em conjunto com o direito de “prioridade absoluta”, os feitos envolvendo menores preferirão todos os demais, devendo tramitar com celeridade; (i) Inquirição no melhor horário para o menor, sempre que possível; (j) Segurança; (k) Assistência por profissional capacitado; (l) Reparação; (m) Conviver em família e comunidade; (n) Tratamento confidencial de suas informações, com proibição de repasse a terceiros, exceto nos casos de assistência a saúde ou necessidade de persecução penal; (o) Adaptação para casos de deficiência ou língua diferente do português; (p) Medidas protetivas; (q) Resguardo de contato, mesmo que visual, com o autor/acusado/suspeito ou qualquer outra pessoa que represente ameaça/coação/constrangimento ao menor, conforme artigo 9º da lei.

Medidas protetivas – artigo 21: Constatado que o menor apresenta-se em situação de risco a Autoridade Policial poderá requisitar ao Juiz a concessão de medidas protetivas. (a) A lei faz uso do termo “requisição”, não gozando, tal previsão, de caráter técnico, aqui, certamente, estamos diante de real representação; (b) A lei não faz menção à defensoria e ao MP como legitimados, contudo a melhor dicção, inclusive seguindo a doutrina da “proteção integral” do menor, permite o uso deste instrumento por parte dos mencionados; (c) A lei faz uso do termo “em risco”, denotando uma proteção potencial, não sendo necessária a presença de um evento concreto para sua comprovação; (d) A lei em questão admite, em seu artigo 6º, § único, a aplicação subsidiaria da Lei Maria da Penha, considerando que o artigo 21 faz uso da expressão “entre as quais” ao elencar as medidas protetivas em espécie, pode-se concluir que as medidas protetivas presentes na LMP serão aplicáveis aos menores objetos desta lei.

Medidas protetivas em espécie: A adoção da expressão "entre as quais" deixa patente a escolha do legislador em adotar um rol exemplificativo, são ela: (a) Evitar contato direto com o autor; (b) Afastamento cautelar do investigado, em caso de pessoa com contato; (c) Prisão preventiva do suspeito, em caso de indícios de ameaça ao menor; (d) Inclusão em órgãos socioassistenciais; (e) Inclusão em programas de proteção; (f) Requerer ao MP ação cautelar de produção de provas, quando a demora possa causar prejuízo ao menor.

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Forma de inquirição: (a) escuta especializada – artigo 7º: Trata-se de entrevista perante órgão da rede de proteção, com relato limitado para o cumprimento de sua finalidade; (b) depoimento especial - Ato formal de oitiva perante autoridade policial ou judiciária. Entendo que o artigo 11 da lei na verdade cria duas formas de depoimento especial, uma forma tradicional, para todos os casos e uma forma qualificada, tratado nos mesmo termos da coleta judicial antecipada de prova.

Depoimento especial qualificado – artigo 11: Trata-se de procedimento judicial cautelar de antecipação de prova, nos casos de: (a) Criança com menos de 07 (sete) anos, a lei fala em adolescente, mas obviamente se configura um erro, já que não existe adolescente com menos de 07 (sete) anos ou (b) Caso de violência sexual. Sempre que possível o depoimento será feito uma única vez, a título de produção antecipada de prova judicial. O depoimento especial não será repetido, salvo em caso de justificada e imprescindível necessidade, com concordância do menor ou de seu representante. Aqui é importante frisar que a lei faz uso da conjunção aditiva e e não alternativa “ou’, assim, não basta um dos fatores, é fundamental a presença de ambos e anuência do menor ou de seu representante.

A norma cria uma modalidade diferenciada de depoimento especial, nos casos elencados pela norma a oitiva será realizada em juízo, mesmo que durante o inquérito policial, sempre que possível. Entendo que: (a) Nos casos em que não demandar urgência absoluta, como por exemplo uma investigação criminal, tem o dever o delegado de “representar” ao Ministério Público, nos termos do artigo 21, VI, a propositura de ação cautelar de antecipação de prova; (b) Por outro lado, tratando-se de situação de urgência, como por exemplo uma prisão em flagrante, o depoimento pessoal seguirá o protocolo normal.

Local – artigo 8º: Apropriado e acolhedor, com estrutura e espaço físico que garantam a privacidade. A conjugação do artigo 8º com o artigo 12, III dá a entender que os menores não serão ouvidos na “sala de audiência” e sim em local especial, com transmissão ao vivo para a sala de audiências.

Protocolo do depoimento especial – artigo 12: (a) Conduzido por profissionais especializados que esclarecerão os direitos/procedimentos, contudo o depoimento poderá ser prestado diretamente ao juiz (artigo 12, § 1); (b) Livre narrativa do fato, com intervenção pontual e adaptação das perguntas para plena compreensão do menor acerca do necessário; (c) Após a narrativa as perguntas a serem feitas pelos sujeitos processuais serão em bloco, indeferindo o Juiz as impertinentes, evitando uma "vitimização secundária"; (c) No curso de processo judicial o depoimento será transmitido para a sala de audiência, preservando o sigilo; (d) Sempre gravado em áudio e vídeo; (e) O juiz garantirá a proteção a intimidade e sigilo; (f) Segredo de justiça, conforme artigo 12, § 6º; (g) Não contato visual com o autor dos fatos.

Profissionais especializados: A lei 13.341/17 não esclarece quem seriam os tais “profissionais especializados”, nesta interpretação me socorro do item IV, 9, b da resolução 20/2005 da ECOSOC que engloba qualquer pessoa que no contexto de sua função atua em contato com menores vitimas ou testemunhas de crime ou pessoas responsáveis por representar esses menores na sistema de justiça. A aludida representação traz em seu corpo rol exemplificativo destas pessoas: “child and victim advocates and support persons; child protection service practitioners; child welfare agency staff; prosecutors and, where appropriate, defence lawyers; diplomatic and consular staff; domestic violence programme staff; judges; court staff; law enforcement officials; medical and mental health professionals; and social workers”. Percebe-se claramente que nesse contexto os servidores policiais, promotores. Serventuários da justiça e do MP e até mesmo o próprio Juiz podem figurar como “profissionais especializados”.

Afastamento do autor – artigo 12, § 3º: O profissional especializado comunicará ao Juiz quando a presença do réu, na sala de audiência, pode trazer risco ao menor ou atrapalhar o depoimento pessoal, quando então este será retirado do local.

Política de atendimento: (a) Qualquer do povo que tome conhecimento de violação comunicará imediatamente o serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, o conselho tutelar ou a Polícia, que se encarregará de cientificar imediatamente o MP, conforme determina o artigo 13; (b) Ouvidora – artigo 15: Os entes federativos poderão criar mecanismos de coleta de informações, nos moldes do atual 181, sendo que os dados serão repassados à autoridade policial, para apuração, ao conselho tutelar, para medidas de proteção, e ao MP, para atuação específica.

Interessante que nas questões referentes a políticas públicas (artigos 15, 16, 17 (saúde), 19 (assist. Social) e 20 (seg. Pública)) a lei faz questão de usar o verbo “poderá” e não “deverá”, deixando patente que a criação de programas, serviços ou equipamentos de atendimento, a criação de ouvidorias e outros são faculdades. A despeito de se consubstanciarem em normas programáticas, a adoção da forma "deverá" denota um compromisso maior, afastando a ilusão de que as políticas públicas aqui previstas são mera faculdade do administrador.

Delegacias especializadas – artigo 20: É facultado ao poder público a criação de delegacias especializadas que tratarão especialmente do objeto desta lei. A delegacia especializada gozará de equipe multidisciplinar, inexistindo delegacia especializada os casos em questão serão encaminhados à Delegacia que trate de assuntos referentes à garantia de direitos humanos.

Varas especiais – artigo 23: Poderão ser criadas varas em crimes contra a criança e o adolescente, na ausência deles, os processos tramitarão nas varas especializadas em violência doméstica.

Crime novo.

Art. 24. Violar sigilo processual, permitindo que depoimento de criança ou adolescente seja assistido por pessoa estranha ao processo, sem autorização judicial e sem o consentimento do depoente ou de seu representante legal.

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O crime em questão segue a lógica do artigo 5º, XIV desta lei, inexistindo violação quando a divulgação da informação objetivar a persecução penal ou assistência à saúde do menor.

Sujeito ativo: Qualquer pessoa, desde que tenha acesso legal às informações.

Sujeito ativo: Estado, sendo o menor vítima secundária.

Objetividade jurídica: Sigilo processual.

Objeto material: Depoimento do menor.

Causa de atipicidade: Autorização judicial e consentimento do menor/representante.

Aplicação do artigo 325 do CP: (a) Violação do sigilo em inquérito policial, já que a norma faz uso da expressão “sigilo processual”; (b) Divulgação verbal, já que o tipo faz uso da expressão “permitir que o depoimento seja assistido”.


[1] Guidelines on Justice in Matters involving Child Victims and Witnesses of Crime

Sobre o autor
Jose Carvalho dos Reis Júnior

Delegado de Polícia em MG, Professor Universitário e eterno estudioso do Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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