4. A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO BRASILEIRO
A Constituição Federal determinou expressamente a aplicação de sanções penais e administrativas às pessoas jurídicas que praticarem condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, no seu art. 225, § 3.º. WALTER CLAUDIUS ROTHENBURG, ao analisar o referido dispositivo constitucional, entende: "O art. 222, § 3.º, é até mais incisivo: para os estritos fins de tutela ao ambiente natural, equiparam-se pessoas jurídicas às físicas, ambas igualmente sujeitas a sanções quer penais, quer administrativas" 19.
O legislador ordinário está obrigado a estipular as sanções penais cabíveis às pessoas jurídicas que praticarem crimes ambientais, por força da norma constitucional em questão, que adotou importante posicionamento renovador, de acordo com as orientações da Comunidade Internacional.
A Organização das Nações Unidas, em seu VI Congresso para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, reunido em Nova Iorque em julho de 1979, no tocante ao tema do delito e do abuso de poder, recomendou aos Estados-membros o estabelecimento do princípio da responsabilidade penal das sociedades. "Isto significa que qualquer sociedade ou ente coletivo, privada ou estatal, será responsável pelas ações delitivas ou danosas, sem prejuízo da responsabilidade individual de seus diretores" 20.
Em relação aos demais crimes praticados pela pessoa jurídica, a Constituição Federal não foi explícita, mas permitiu que a legislação infraconstitucional estipulasse sanções penais cabíveis para a chamada criminalidade econômica, conforme a seguinte redação do seu art. 173, § 5.º:
Art. 173. (...)
(...)
§ 5.º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
As sanções penais são compatíveis com as pessoas jurídicas, conforme verificamos, de um modo geral, com exceção evidente da pena privativa de liberdade, devendo o legislador ordinário adequar as sanções civis, penais e administrativas à natureza dos entes coletivos, sem que isso prejudique a eventual sanção individual dos dirigentes.
Novamente WALTER CLAUDIUS ROTHENBURG, analisando o referido dispositivo constitucional:
Fora de dúvida, entretanto, que a responsabilidade penal da pessoa jurídica está prevista constitucionalmente e necessita ser instituída, como forma, inclusive, de fazer ver, ao empresariado, que a empresa privada também é responsável pelo saneamento da economia, pela proteção da economia popular e do meio ambiente, pelo objetivo social do bem comum, que deve estar acima do objetivo individual, do lucro a qualquer preço. Necessita ser imposta, ainda, como forma de aperfeiçoar-se a perquirida justiça, naqueles casos em que a legislação mostra-se insuficiente para localizar, na empresa, o verdadeiro responsável pela conduta ilícita 21 .
O legislador ordinário deu cumprimento à determinação constitucional explícita de reconhecer a responsabilização criminal da pessoa jurídica no que se refere aos crimes ambientais, por meio da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que, em seu art. 3.º, assim dispõe:
Art. 3.º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
A nossa legislação ambiental, portanto, estipulou a responsabilidade criminal da pessoa jurídica no âmbito dos crimes ambientais, determinando para tal responsabilização dois requisitos:
-
a) Que a decisão sobre a conduta seja cometida por seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado. Nesse passo, a nossa lei considerou a ação institucional de acordo com a sua normatização interna e seu caráter organizacional, conforme expusemos. A decisão deve ser tomada por quem estatutariamente poderia fazê-lo em nome da empresa e seguindo sua determinação organizacional interna.
-
b) Que a infração seja cometida no interesse ou benefício da pessoa jurídica. Mais uma vez, a legislação reputou a ação institucional dentro dos seus caracteres elementares, ao exigir o interesse econômico da empresa como finalidade da conduta infracional praticada.
Notas
1 Expressão em latim que significa "A sociedade não pode delinqüir".
2 Tratado de Derecho Penal: Parte General. Trad. José Luiz Manzanares Samaniego. 4.ª ed. Granada: Editorial Comares, 1993. p. 205.
3 Derecho Penal: Parte General. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Editorial Civitas, 1999. p. 258-259.
4 Principi di Diritto Penale: Parte Generale. 6.ª ed. Milano: Giuffrè Editore, 1994. p. 161.
5 DOTTI, René Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica: uma perspectiva do Direito brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 11, jul./set. 1995. p. 201.
6 A responsabilidade da pessoa jurídica por ofensa ao meio ambiente. Boletim IBCCrim, São Paulo, n. 65, abr. 1998. p. 7. Edição especial.
7 HASSEMER, Winfried. Apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: GOMES, Luiz Flávio (coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e Direito Penal. São Paulo: RT, 1999. p. 71.
8 As pessoas colectivas em face do Direito Criminal e do chamado "Direito de mera ordenação social". Coimbra: Coimbra Editora, 1985. p. 113.
9 Derecho Penal: Parte General. 5.ª ed. Barcelona: [s. n.], 1998. p. 174.
10 Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 45.
11 Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el Derecho comparado. In: GOMES, Luiz Flávio (coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e Direito Penal. São Paulo: RT, 1999. p. 27.
12 Naturaleza de la acción institucional en el sistema de la doble imputación. Responsabilidad penal de las personas jurídicas. In: BAIGÚN, David; ZAFFARONI, Eugenio Raul; GARCÍA-PABLOS, Antonio e PIERANGELI, José Henrique (coords.). De las penas. Buenos Aires: Depalma, 1997. p. 25-59.
13 Op. cit. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 40.
14 Naturaleza de la acción institucional en el sistema de la doble imputación. Responsabilidad penal de las personas jurídicas. In: BAIGÚ, David; ZAFFARONI, Eugenio Raul; GARCÍA-PABLOS, Antonio e PIERANGELI, José Henrique (coords.). De las penas. p. 35.
15 Societas delinquere potest: revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e Direito Penal. In: GOMES, Luiz Flávio (coord.). São Paulo: RT, 1999. p. 89.
16 Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: RT, 1999. p. 78.
17 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 80.
18 Op. cit. Societas delinquere potest: revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina. p. 91-92.
19 A pessoa jurídica criminosa. Curitiba: Juruá, 1997. p. 24.
20 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. p. 45.
21 Op. cit. A pessoa jurídica criminosa. p. 20.