Depois do trágico "episódio Encol", restou patente que, mesmo se cumpridas todas as exigências previstas na Lei nº 4.591/64, que disciplina as incorporações imobiliárias, não está protegido o adquirente em sede de compra imóveis em incorporação imobiliária.
Diante dessa constatação, tanto os empresários do ramo imobiliário e a sociedade em geral começaram a pensar maneiras de proteger o adquirente de boa-fé.
Uma das soluções pensadas é o seguro imobiliário, por meio do qual estaria (supostamente) garantida a entrega do imóvel ao comprador.
O que é o seguro imobiliário? Ou melhor, o que é seguro?
Em linhas muito gerais, seguro, seja obrigatório ou contratual, é a relação jurídica por meio da qual há transferência de um prejuízo potencial, decorrente de um risco (evento danoso em potencial ou seja, um evento futuro e incerto, causador de prejuízo), do segurado à seguradora, mediante pagamento em dinheiro (prêmio). Na ocorrência efetiva do evento danoso contratualmente previsto (sinistro) é devido ao segurado, por parte da seguradora, o pagamento de uma indenização, correspondente ao prejuízo sofrido, em sua totalidade ou não, conforme se tenha contratado.
Evidentemente, se o sinistro decorre de evento não previsto no contrato, não é ele indenizável, por absoluta ausência de fundamento contratual a ensejar esse direito. Em outras palavras, não se indenizam riscos não cobertos.
Além disso, não recebe indenização quem não é segurado. Essa afirmação, embora aparentemente óbvia, é necessária para o entendimento do tema, como veremos adiante.
Na hipótese em tela, qual seja, de criação de um verdadeiro seguro imobiliário, busca-se afastar o risco de inadimplência da incorporadora, no tocante à entrega do imóvel adquirido livre e desembaraçado de quaisquer ônus no prazo contratado.
Assim, o que se busca é a criação de uma garantia contra um risco. Essa é a motivação do adquirente do imóvel: segurança, econômica e jurídica, na sua aquisição.
Contudo, o contrato de seguro não tem o condão de propiciar, de forma mágica, a entrega da unidade imobiliária adquirida: ele apenas gera um direito pessoal do segurado contra a seguradora, consistente no direito de receber a indenização, se ocorrente o evento previsto. Por criar um direito pessoal, é evidente que a seguradora deve ser empresa economicamente sólida, assim como não é conveniente que pertença ao mesmo grupo econômico da incorporadora.
O seguro que realmente garante o adquirente do imóvel da inadimplência da incorporadora é um seguro que lhe conceda (frisemos: conceda ao comprador!) o pagamento de indenização correspondente ao valor de mercado total do imóvel construído na data prevista, caso ele não lhe seja entregue nessa data em perfeitas condições físicas e sem quaisquer ônus jurídicos.
Em outras palavras, segurado deve ser o adquirente do imóvel. É ele que deverá receber a indenização da seguradora.
Não deve ser a "construção" ou a incorporadora a segurada. Não está garantido o comprador na hipótese de existência de um "seguro de construção", por meio do qual a incorporadora, na condição de segurada, receberá uma indenização caso a construtora (que ela mesma contratou para a realização da obra) não entregue o imóvel na data contratualmente prevista.
É verdade que esse contrato até pode beneficiar, indiretamente, o comprador, na medida em que protege a situação econômica da incorporadora. Contudo, em regra as incorporadoras não são temerárias a ponto de pagarem pela construção antes do recebimento da obra ou de parcelas da construção prontas. Muito ao revés, por razões óbvias, os pagamentos costumam ser feitos de acordo com a efetiva execução do cronograma da construção.
Na verdade, o risco que corre o comprador não deriva da inadimplência da construtora contratada pela incorporadora, mas sim da própria incorporadora. Se a construtora for inadimplente, cabe à incorporadora a rescisão do contrato de construção sob esse fundamento e a contratação de outra construtora. Poderá a incorporadora ter prejuízo, poderá a obra atrasar. Terá direito o comprador a uma indenização na hipótese de atraso na entrega da sua unidade imobiliária. Contudo, na hipótese de inadimplemento da incorporadora, no tocante a deixar de pagar a construtora, de nada adianta a existência de um "seguro" contra inadimplência da construtora.
É de meridiana clareza, portanto, que é pouco relevante para a segurança do comprador em um empreendimento específico a existência de um seguro de construção, nos moldes tratados.
Disso não decorre, contudo, que esse tipo seguro imobiliário seja falacioso. Ele é útil, mas para proteger a saúde econômica da incorporadora. Por essa razão, protege o comprador apenas de forma muito indireta.
Falaciosa é a utilização do seguro de construção, nos moldes tratados, como argumento mercadológico, no tocante a uma suposta "plena segurança do comprador", que "certamente receberá seu imóvel". Não é verdade, pois o seguro de construção não indeniza o comprador por inadimplência da incorporadora. Se incorporadora quebrar, o comprador terá prejuízo.
Por essas razões, é preciso que o comprador de imóvel em incorporação não seja seduzido pela existência de uma cláusula contratual alusiva a um suposto "seguro" no contrato de aquisição do imóvel: deve o comprador estar atento e verificar se esse seguro realmente existe, evidentemente, bem como o que ele realmente está cobrindo...