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A cláusula de "seguro" nas incorporações imobiliárias

Agenda 01/09/2000 às 00:00

Depois do trágico "episódio Encol", restou patente que, mesmo se cumpridas todas as exigências previstas na Lei nº 4.591/64, que disciplina as incorporações imobiliárias, não está protegido o adquirente em sede de compra imóveis em incorporação imobiliária.

Diante dessa constatação, tanto os empresários do ramo imobiliário e a sociedade em geral começaram a pensar maneiras de proteger o adquirente de boa-fé.

Uma das soluções pensadas é o seguro imobiliário, por meio do qual estaria (supostamente) garantida a entrega do imóvel ao comprador.


O que é o seguro imobiliário? Ou melhor, o que é seguro?

Em linhas muito gerais, seguro, seja obrigatório ou contratual, é a relação jurídica por meio da qual há transferência de um prejuízo potencial, decorrente de um risco (evento danoso em potencial ou seja, um evento futuro e incerto, causador de prejuízo), do segurado à seguradora, mediante pagamento em dinheiro (prêmio). Na ocorrência efetiva do evento danoso contratualmente previsto (sinistro) é devido ao segurado, por parte da seguradora, o pagamento de uma indenização, correspondente ao prejuízo sofrido, em sua totalidade ou não, conforme se tenha contratado.

Evidentemente, se o sinistro decorre de evento não previsto no contrato, não é ele indenizável, por absoluta ausência de fundamento contratual a ensejar esse direito. Em outras palavras, não se indenizam riscos não cobertos.

Além disso, não recebe indenização quem não é segurado. Essa afirmação, embora aparentemente óbvia, é necessária para o entendimento do tema, como veremos adiante.

Na hipótese em tela, qual seja, de criação de um verdadeiro seguro imobiliário, busca-se afastar o risco de inadimplência da incorporadora, no tocante à entrega do imóvel adquirido livre e desembaraçado de quaisquer ônus no prazo contratado.

Assim, o que se busca é a criação de uma garantia contra um risco. Essa é a motivação do adquirente do imóvel: segurança, econômica e jurídica, na sua aquisição.

Contudo, o contrato de seguro não tem o condão de propiciar, de forma mágica, a entrega da unidade imobiliária adquirida: ele apenas gera um direito pessoal do segurado contra a seguradora, consistente no direito de receber a indenização, se ocorrente o evento previsto. Por criar um direito pessoal, é evidente que a seguradora deve ser empresa economicamente sólida, assim como não é conveniente que pertença ao mesmo grupo econômico da incorporadora.

O seguro que realmente garante o adquirente do imóvel da inadimplência da incorporadora é um seguro que lhe conceda (frisemos: conceda ao comprador!) o pagamento de indenização correspondente ao valor de mercado total do imóvel construído na data prevista, caso ele não lhe seja entregue nessa data em perfeitas condições físicas e sem quaisquer ônus jurídicos.

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Em outras palavras, segurado deve ser o adquirente do imóvel. É ele que deverá receber a indenização da seguradora.

Não deve ser a "construção" ou a incorporadora a segurada. Não está garantido o comprador na hipótese de existência de um "seguro de construção", por meio do qual a incorporadora, na condição de segurada, receberá uma indenização caso a construtora (que ela mesma contratou para a realização da obra) não entregue o imóvel na data contratualmente prevista.

É verdade que esse contrato até pode beneficiar, indiretamente, o comprador, na medida em que protege a situação econômica da incorporadora. Contudo, em regra as incorporadoras não são temerárias a ponto de pagarem pela construção antes do recebimento da obra ou de parcelas da construção prontas. Muito ao revés, por razões óbvias, os pagamentos costumam ser feitos de acordo com a efetiva execução do cronograma da construção.

Na verdade, o risco que corre o comprador não deriva da inadimplência da construtora contratada pela incorporadora, mas sim da própria incorporadora. Se a construtora for inadimplente, cabe à incorporadora a rescisão do contrato de construção sob esse fundamento e a contratação de outra construtora. Poderá a incorporadora ter prejuízo, poderá a obra atrasar. Terá direito o comprador a uma indenização na hipótese de atraso na entrega da sua unidade imobiliária. Contudo, na hipótese de inadimplemento da incorporadora, no tocante a deixar de pagar a construtora, de nada adianta a existência de um "seguro" contra inadimplência da construtora.

É de meridiana clareza, portanto, que é pouco relevante para a segurança do comprador em um empreendimento específico a existência de um seguro de construção, nos moldes tratados.

Disso não decorre, contudo, que esse tipo seguro imobiliário seja falacioso. Ele é útil, mas para proteger a saúde econômica da incorporadora. Por essa razão, protege o comprador apenas de forma muito indireta.

Falaciosa é a utilização do seguro de construção, nos moldes tratados, como argumento mercadológico, no tocante a uma suposta "plena segurança do comprador", que "certamente receberá seu imóvel". Não é verdade, pois o seguro de construção não indeniza o comprador por inadimplência da incorporadora. Se incorporadora quebrar, o comprador terá prejuízo.

Por essas razões, é preciso que o comprador de imóvel em incorporação não seja seduzido pela existência de uma cláusula contratual alusiva a um suposto "seguro" no contrato de aquisição do imóvel: deve o comprador estar atento e verificar se esse seguro realmente existe, evidentemente, bem como o que ele realmente está cobrindo...

Sobre o autor
Bruno Mattos e Silva

Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito e Finanças pela Universidade de Frankfurt (Alemanha). Foi advogado de empresas em São Paulo, Procurador-chefe do INSS nos tribunais superiores, Procurador Federal da CVM e Assessor Especial de Ministro de Estado. Desde 2006 é Consultor Legislativo do Senado Federal, na área de direito empresarial, de regulação, econômico e do consumidor. Autor dos livros Direito de Empresa (Ed. Atlas) e Compra de Imóveis (Edi. Atlas/GEN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Mattos. A cláusula de "seguro" nas incorporações imobiliárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/572. Acesso em: 24 nov. 2024.

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