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Crimes de estupro.

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Agenda 30/05/2017 às 15:40

2. Noções de Vitimologia

2.1. Conceito de Vitimologia

Neste capítulo será feito um estudo sobre a vitimologia visando o aspecto global, em relação a todos os delitos, para que assim ao se chegar no real foco da pesquisa possa-se ter uma visão amplificada da culpabilização das vítimas mulheres nos crimes de estupro, porém de uma forma imparcial, observando casos concretos, verificando a cautela necessária para apurar a veracidade dos fatos relatados pelas partes que formam a relação jurídica.

Desse modo, convém adentrar no estudo da criminologia, tendo em vista a vitimologia ser um ramo desta. Assim será estudado histórico da vitimologia, vítima, suas classificações, vitimização, etc.

A criminologia é uma ciência que estuda o fato criminoso, e os fatores internos e externos que contribuíram para a ocorrência deste. São estudados o delito e o delinquente, a dupla-penal vítima e criminoso, e vários outros institutos ligados a essa natureza para assim tentar chegar a formas claras e concretas que impeçam que o crime aconteça.

Alguns doutrinadores definem a criminologia de diversas formas, deste modo é válido salientar estes conceitos. Para Israel Drapkin Senderey apud Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini “a Criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam os fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente e sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo” (2013, p. 11).

Para Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, “estuda-se na Criminologia a causação do crime, as medidas recomendadas para tentar evitá-lo, a pessoa do delinquente e os caminhos para sua recuperação” (2013, p. 11).

No que tange ao objeto de estudo da criminologia Frederico Abrahão de Oliveira ressalta que “o objeto da Criminologia é o estudo do fenômeno natural, considerando os fatores individuais (personalidade) e os fatores sociais (ambiente), e ao mesmo tempo, a luta contra o crime, levando em conta a necessidade de ressocialização do delinquente (tratamento) e de prevenção do crime (profilaxia)” (1992, p. 32).

Convém evidenciar que a criminologia não é uma ciência independente, estando estritamente ligada a biologia criminal, a sociologia criminal.

Neste diapasão observa-se que a criminologia não estuda somente o crime, mas sim todos os fatores sociais e psicológicos não só do delinquente, mas também da vítima, tendo a vitimologia como ramo para evidenciar o papel da vítima dentro da relação criminosa.

Neste contexto, é forçoso conceituar a vitimologia de forma ampla e clara, tendo em vista haver divergência entre diversos doutrinadores referente a sua autonomia científica. Para se ter um conceito mais completo, é relevante analisar este fato, pois seu conceito pode ser reformulado no sentido de ter autonomia científica ou ser apenas um ramo da criminologia, mas, vale ressaltar, que a corrente majoritária é adepta à vitimologia como sendo simplesmente um ramo da criminologia.

Alguns autores como Ramírez Gonzáles (1983) apud Heitor Piedade Júnior, reconhecem a autonomia científica da vitimologia e a conceitua como sendo “o estudo psicológico e físico da vítima que, com o auxílio das disciplinas que lhe são afins, procura a formação de um sistema efetivo para a prevenção e controle do delito” (1993, p. 83).

Dispõe desse mesmo pensamento Kosovski (1990) apud Frederico Abrahão de Oliveira:

“[...] a vitimologia tem estreitas ligações com o conceito de crime; no entanto, o foco da vitimologia é a vítima e não toda a estrutura social e o papel do crime ou da lei criminal nua. As atividades que tratam das vítimas previnem a vitimização, protegem as vítimas, assistem, reduzem o sofrimento e ajudam a adaptação do impacto da vitimização; são as atividades que compreendem o campo no qual a vitimologia opera com sucesso. Historicamente, a vitimologia floresceu dentro da Criminologia; no entanto, os vitimólogos começaram a formular novos questionamentos e desenvolveram caminhos diferentes de interesses e explicações” (1992, p. 95).

No entanto a corrente majoritária, como dito anteriormente, dispõe que a vitimologia é um ramo da criminologia. Assim o doutrinador Henry Ellenberger (1954) apud Heitor Piedade Júnior afirma que a vitimologia é “um ramo da Criminologia, que se ocupa da vítima direta do crime e que compreende o conjunto de conhecimentos biológicos, sociológicos e criminológicos concernentes à vítima” (1993, p. 124).

Seguindo esta mesma linha de raciocínio Raúl Goldstein (1978) apud Heitor Piedade Júnior afirma que a vitimologia é a “parte da Criminologia que estuda a vítima não como oriunda de uma realização criminosa, mas como uma das causas, às vezes, a principal que influiu na produção de delitos” (1993, p. 125).

Assim, a vitimologia é um ramo da criminologia que tem como objetivo o estudo da vítima de uma maneira global.

O estudo dos elementos de um crime é de suma importância na resolução dos fatos delituosos, pois, faz-se mister a averiguação completa destes elementos para que se possa chegar a uma justiça plena e confiável. Algumas vezes as vítimas de maneira inconsciente podem contribuir para a ocorrência do crime, sendo considerada peça fundamental na prática do mesmo. A título de exemplificação, isto acontece com a pessoa que marca um encontro com uma pessoa desconhecida, que conheceu apenas pela internet; quem aceita caronas de estranhos, esses exemplos são muito comuns nos dias atuais.

Destarte, pode-se verificar que em alguns casos a vítima pode contribuir para a ocorrência do fato criminoso, como dispõe Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:

[...] Com as pesquisas de Von Henting, percebeu-se que a vítima pode ser colaboradora do ato criminoso, uma “vítima nata” (personalidades insuportáveis, pessoas sarcásticas e irritantes, homossexuais e prostitutas etc.) (2013, p. 14).

Porém, essa afirmação dos autores acima, não compadece do mesmo pensamento de Edgard de Moura Bittencourt, pois este acredita que a vitimologia não estuda somente o sujeito passivo do delito e a sua contribuição para o mesmo, sendo seu conceito assim elencado pelo autor:

“O conceito de vítima se estende, pois, a vários sentidos: o sentido originário, com que se designa a pessoa ou animal sacrificado à divindade; o geral, significando a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, dos de outrem ou do acaso; o jurídico-geral, representando aquele que sofre diretamente a ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo Direito; o jurídico-penal-restritivo, designando o indivíduo que sofre diretamente as consequências da violação da norma penal, e, por fim, o sentido jurídico-penal-amplo, que abrange o indivíduo e a comunidade que sofrem diretamente as consequências do crime” (1971, p. 51).

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Consequentemente, dentro deste contexto, vale salientar as classificações das vítimas, pois dentro do estudo da vitimologia existem tipologias específicas ao vocábulo vítima, que será analisado no momento oportuno.

No âmbito concernente à vítima e ao ofensor (como objeto de estudo da vitimologia), observa-se que o conceito de vitimologia mais adequado a este contexto é o que aduz Heitor Piedade Júnior:

“A vitimologia hoje destina-se a estudar a complexa órbita da manifestação do comportamento da vítima, face ao crime, ou ao dano culposo, aos abusos de poder, bem como frente a todo e qualquer processo vitimizante numa visão interdisciplinar em seu universo biopsicossocial, procurando encontrar alternativas de proteção material ou psicológica, às vítimas” (1993, p. 23).

O estudo da vitimologia nos crimes de estupro, é de grande importância, ante a máxima de que na maioria dos casos o único meio de prova para a comprovação do delito é a palavra da vítima em face da negativa de autoria do agente. Tais crimes em suma ocorrem em lugares clandestinos, às escondidas, de modo que se torna difícil a sua comprovação, pois os meios de provas são poucos, haja vista as vítimas serem agredidas não só fisicamente, mas também psicologicamente, de modo que se sentem envergonhadas e com medo, o que ocasiona a demora na denunciação do fato.

A vitimologia tem um grau de importância elevado na resolução dos crimes, pois deve-se ser levado em consideração o grau de inocência da vítima e o grau de culpabilidade do agente do delito, o que pode contribuir para a solução de muitos casos, onde somente o estudo do crime e os fatores externos não são suficientes.

 2.2. Breve histórico da Vitimologia

A origem da vitimologia como um estudo programático, com uma finalidade específica, teve surgimento logo após a Segunda Guerra Mundial (1933-1945), tempo em que o mundo presenciou o holocausto judeu ocasionado pelos nazistas, onde vivenciou-se o processo denominado de macrovitimização, que diz respeito a um conjunto de vítimas, onde os crimes cometidos pelos nazistas atingiam grupos determinados e uma grande quantidade de pessoas.

Assim, Beristain afirma que “pode-se dizer que a atual vitimologia nasceu como reação à macrovitimização da II Guerra Mundial e, em particular como resposta dos judeus ao holocausto hitleriano/germano, ajudados pela reparação positivista do povo alemão, a partir de 1945” (2000, p. 83).

Depois desse lamentável episódio que ocorreu na história mundial, tornou-se bastante relevante o estudo da vítima na análise do fato delituoso, porém esta incorporação do estudo do sujeito passivo do crime ainda é recente.

O pioneiro do estudo da vitimologia é Benjamin Mendelsohn, que em 1956 apresentou seu trabalho intitulado de “A Vitimologia”, para Mendelsohn apud Nestor Sampaio Penteado Filho “a vitimologia é a ciência que se ocupa da vítima e da vitimização, cujo objeto é a existência de menos vítimas na sociedade, quando esta tiver real interesse nisso” (2012, p. 70). Hans von Hentig, em sua obra O criminoso e sua vítima também foi um dos percussores do estudo da vitimologia junto com Mendelsohn.

2.3. Vítima

2.3.1. Conceito

A palavra vítima deriva do latim “victima” e no Dicionário da Língua Portuguesa comentado pelo Professor Pasquale está definida da seguinte forma:

“Pessoa ou animal que se imolava a uma divindade. 2 Pessoa morta por outra. 3 Pessoa sacrificada às paixões ou aos interesses de outrem. 4 Pessoa passiva de um crime. 5 Pessoa que sofre o resultado funesto de seus próprios sentimentos. 6 Qualquer coisa que sofre dano ou prejuízo” (2009, p. 606).

Esta definição acima diz respeito ao sentido literal da palavra. Abrangendo essa palavra a um conceito jurídico pleno, Benjamin Mendelsohn (1981) apud Heitor Piedade Júnior, elucida que a vítima é:

“A personalidade do indivíduo ou da coletividade na medida em que está afetada pelas consequências sociais de seu sofrimento determinado por fatores de origem muito diversificada, físico, psíquico, econômico, político ou social, assim como do ambiente natural ou técnico” (1993, p. 88).

A vítima é o objeto principal do estudo da vitimologia, não só porque na maioria dos casos é o sujeito passivo da relação criminal, mas porque a vítima também pode ser sujeito ativo e passivo de um crime ao mesmo tempo, como ocorre com o suicida.

Para alguns doutrinadores a vítima não é só a pessoa que sofre as consequências do ato criminoso, podendo ser vitimada por fatores do acaso, ou de seus próprios atos como dito em linhas anteriores.

Neste seguimento é cabível averiguar a opinião de João Farias Júnior a respeito deste assunto, este em sua obra afirma que “entende-se por vítima, qualquer pessoa que sofre infaustos resultados, seja de seus próprios atos, seja dos atos de outrem, seja de influxos nocivos ou deletérios, seja de fatores criminógenos ou seja do acaso” (1996, p. 250).

2.3.2. Classificação

Para fins de classificação da vítima, têm-se que proferir a primeira e mais importante classificação nas palavras de Benjamin Mendelsohn apud Nestor Sampaio Penteado Filho, onde este leva em consideração a participação ou formas de provocação da vítima na influência para a cometimento do delito por parte do criminoso:

“a) vítimas ideais (completamente inocentes); b) vítimas menos culpadas que os criminosos (ex ignorantia); c) vítimas tão culpadas quanto os criminosos (dupla suicida, aborto consentido, eutanásia); d) vítimas mais culpadas que os criminosos (vítimas por provocações que dão causa ao delito); e) vítimas como únicas culpadas (vítimas agressoras, simuladas e imaginárias)” (2012, p. 70).

Pode-se averiguar que o vitimólogo israelita supracitado respalda sua classificação na correlação existente na contribuição da vítima e do criminoso, relacionando também o papel da vítima na fixação da pena do acusado.

O mestre continua ao dividir a vítima em três grupos, quais sejam:

“a) vítima inocente, que não concorre de forma alguma para o injusto típico; b) vítima provocadora, que voluntária ou imprudentemente, colabora com o ânimo criminoso do agente; c) vítima agressora, simuladora ou imaginária, suposta pseudovítima, que acaba justificando a legítima defesa de seu agressor” (2012, p. 70).

No intuito de ilustrar a relação existente entre criminoso e sua vítima pode-se verificar estes casos nas infrações penais onde ocorre a privação de liberdade do indivíduo, como o sequestro ou cárcere privado, onde a vítima se afeiçoa ao agente do crime e no instinto pela sobrevivência interage com ele. A esse fato é dado o nome de “síndrome de Estocolmo”.

Dessa forma torna-se indispensável o estudo da relação da vítima e o seu ofensor no caso concreto, o que muitos doutrinadores caracterizam de dupla-penal ou par penal.

Deste modo assim se posiciona Edgard de Moura Bittencourt:

“Por ser o delinquente o ponto principal na apuração da ocorrência criminal, não pode permanecer apenas na dissecação exterior dos fatos e circunstâncias de que se reveste a infração, obrigando o exame também da possível e eventual culpa da vítima, ou de sua participação inconsciente no delito, sem a qual este poderia inexistir ou assumir inexpressiva relevância” (1971, p. 19-20).

É muito importante destacar que, em alguns casos, a dupla penal age de forma contraposta, ficando claro no caso concreto que a vítima não contribuiu de forma alguma para a formação do delito. Porém outras vezes acontece o contrário onde ocorre uma composição, podendo haver um consentimento válido para o ato criminoso.

Tais fatos repercutem na forma de aplicação do artigo 59 do Código Penal, as circunstâncias judiciais como primeira fase na dosimetria da pena, em que é averiguado o comportamento da vítima, como no caso do homicídio privilegiado em que é incontestável a participação da vítima para a consumação do crime.

Há outras formas de classificação das vítimas como a de Hans von Hentig apud Frederico Abrahão de Oliveira que as classificam, a exemplo de Mendelsohn, em três grandes grupos:

“1º GRUPO: o criminoso passa a vítima ou a vítima a criminoso sucessivamente (criminoso que se torna vítima; vítima que se torna criminoso). [...]

2º GRUPO: o indivíduo é criminoso e vítima simultaneamente. Um caso bastante típico é o do suicida, pois o desejo de morrer, de matar e de ser morto, são impulsos sempre presentes na origem do suicídio. [...]

3º GRUPO: formado por aspectos desconhecidos da personalidade. São aqueles aspectos que se manifestam bruscamente, transformando determinado indivíduo em criminoso ou em vítima, sem limites precisos entre um e outro [...]” (1992, p. 98-99).

A classificação das vítimas dentro do estudo da vitimologia demonstra a importância do estudo da vítima no contexto da relação criminosa. Contudo deve-se analisar esse enfoque sob diversas formas, haja vista existirem crimes em que a vítima pode contribuir para a ocorrência deste, se auto-vitimizando e em outros casos ocorre totalmente ao contrário, como nos casos da vítima completamente inocente, exemplo disso a criança vítima de crime sexual.

Essa vitimização dita, acontece muitas vezes por parte da sociedade, como ocorre nos crimes sexuais em que a vítima muitas vezes passa por um processo doloroso de ter que provar a veracidade dos fatos, tendo em vista ser um crime cometido na maioria das vezes as escondidas, sem testemunhas, e como dito em linhas anteriores pela demora na denunciação do fato acaba não deixando vestígios que possam ser averiguados, vestígios estes que não se prolongam no decurso do tempo.

2.4. Vitimização       

Depois dos apontamentos sobre a vítima, convém frisarmos o campo da vitimização que são consequências divergentes em aspectos físicos ou psicológicos que um fato nocivo causou.

A criminologia mostra que vitimização se desdobra em três classificações, quais sejam a vitimização primária, secundária e terciária, como elucida Nestor Sampaio Penteado Filho:

• “Vitimização primária: é normalmente entendida como aquela provocada pelo cometimento do crime, pela conduta violadora dos direitos da vítima – pode causar danos variados, materiais, físicos, psicológicos, de acordo com a natureza da infração, a personalidade da vítima, sua relação com o agente violador, a extensão do dano etc. Então, é aquela que corresponde aos danos à vítima decorrentes do crime

• Vitimização secundária: ou sobrevitimização; entende-se ser aquela causada pelas instâncias formais de controle social, no decorrer do processo de registro e apuração do crime, com o sofrimento adicional causado pela dinâmica do sistema de justiça criminal (inquérito policial e processo penal).

• Vitimização terciária: falta de amparo dos órgãos públicos às vítimas; nesse contexto, a própria sociedade não acolhe a vítima, e muitas vezes a incentiva a não denunciar o delito às autoridades, ocorrendo o que se chama de cifra negra (quantidade de crimes que não chegam ao conhecimento do Estado)“ (2012, p. 78).

A partir disto pode-se verificar que ocorre frequentemente os tipos de vitimização secundária e terciária nos crimes sexuais cometidos contra mulheres, pois a mulher sofre com julgamentos por parte da sociedade sobre seu comportamento, durante o processo criminal, tendo que provar muitas vezes que não concorreu para a ocorrência do delito de forma alguma.

Pode-se constar isto também no fato de não haver por parte dos órgãos públicos nenhuma política eficaz de proteção as mulheres vítimas desses crimes, muitas delas têm medo de denunciar o ocorrido e passar pelo processo de ter que relatar o episódio vergonhoso e humilhante que sofreu para as autoridades, gerando o que foi dito pelo autor supracitado a chamada cifra negra, onde a maioria dos casos de crimes sexuais permanecem não solucionados e os seus agressores não punidos da forma correta.

2.5. Iter Victimae - Processo de Vitimização

O iter victimae[1] é a sucessão de acontecimentos que antecedem o cometimento do crime. É o caminho que um indivíduo percorre para se converter em vítima. Edmundo de Oliveira elucida as etapas em que ocorrem o desenvolvimento da vitimização.

- “Intuição (intuito): A primeira fase do Iter Victimae é a intuição, quando se planta na mente da vítima a ideia de ser prejudicado, hostilizada ou imolada por um ofensor.

- Atos preparatórios (conatus remotus): Depois de projetar mentalmente a expectativa de ser vítima, passa o indivíduo à fase dos atos preparatórios (conatus remotus), momento em que desvela a preocupação de tomar as medidas preliminares para defender-se ou ajustar o seu comportamento, de modo consensual ou com resignação, às deliberações do dano ou perigo articulados pelo ofensor.

- Início da execução (conatus proximus): Posteriormente, vem a fase do início da execução (conatus proximus), oportunidade em que a vítima começa a operacionalização de sua defesa, aproveitando a chance que dispõe para exercitá-la, ou direcionar seu comportamento para cooperar, apoiar ou facilitar a ação ou omissão aspirada pelo ofensor.

- Execução (executio): Em seguida, ocorre a autêntica execução distinguindo-se pela definitiva resistência da vítima para então evitar, a todo custo, que seja atingida pelo resultado pretendido por seu agressor, ou então se deixar por ele vitimizar.

- Consumação (consummatio) ou tentativa (crime falho ou conatus proximus): Finalmente, após a execução, aparece a consumação mediante o advento do efeito perseguido pelo autor, com ou sem a adesão da vítima. Contatando-se a repulsa da vítima durante a execução, aí pode se dar a tentativa de crime, quando a prática do fato demonstrar que o autor não alcançou seu propósito (finis operantes) em virtude de algum impedimento alheio à sua vontade” (2005, p. 126-127).   

Como se pode observar, o processo de iter vicitimae é semelhante ao processo do iter criminis (caminho percorrido para a consecução do fato criminoso), pois este se compõe da cogitação, atos preparatórios, execução, finalizando com a consumação.

2.5.1. Perigosidade da Vítima

Para entender o cerne principal desta pesquisa, que será tratado no tópico seguinte, cabe aqui deixar um breve conceito de perigosidade da vítima, para que mais tardar possa-se adentrar de maneira imparcial na culpabilização da mulher nos crimes de estupro, que na maioria das vezes as pessoas julgarem elas serem vítimas natas para a gênese deste tipo de crime.

A perigosidade da vítima é a primeira etapa da vitimização, é o estado psíquico e também a forma de comportamento que a vítima apresenta, estimulando de forma direta ou indireta a vitimização.

Dessa maneira José Guilherme de Souza, conceitua perigosidade da vítima em:

“É a qualidade e quantidade constante de estímulos agressivos que a vítima projeta objetiva ou subjetivamente sobre si ou sobre outrem, favorecendo ou estimulando nestes conduta violenta, impulsiva e agressiva capaz de causar danos e sofrimentos em si próprio” (1998, p. 101).

Assim sendo, a perigosidade da vítima é quando a vítima se coloca em situações de riscos que podem provocar-lhe danos. A vítima na maioria das vezes, se auto-vitimiza inconscientemente.

Hoje vivemos em um mundo em que as pessoas de bem (aquelas que vivem suas vidas de acordo com as leis do direito e que contribuem para a vida em comunidade) acabam se tornando vítimas do sistema, onde é necessário viver presos em casa para evitar que algo de ruim aconteça. Consequentemente vive-se com medo e assustado com a criminalidade que cresce a cada dia mais, e assim as pessoas tendem a tentar se proteger de todas as formas possíveis.

Por esse motivo, é que as pessoas fogem das situações de perigo, para não se tornarem vítima de crimes. Porém existem casos em que o indivíduo se coloca em situação de perigo, como no fato da pessoa que sabe que em determinado local da sua cidade é perigoso andar a noite sozinho, que estão cometendo crimes neste trajeto, e que mesmo assim o faz por vontade própria e sabendo do risco que corre, mesmo podendo ir por outro caminho. Nesta situação, está se auto-vitimizando e assumindo riscos desnecessários.

2.6. Vitimodogmática

Por fim, é importante para construção de um raciocínio lógico condizente com o tema tratado, a discussão sobre o papel da vítima na gênese dos delitos, a sua ocupação antes, durante e na execução do crime. Para isso têm-se a vitimodogmática com fim de encontrar na conduta da vítima algo que possa contribuir para o acontecimento do fato criminoso e como isso repercute na fixação da pena ao autor. Assim dispõe, Ana Sophia Schimidt:

“[...] desde que a vitimologia rompeu a separação maniqueísta entre a vítima inocente e autor culpado, o comportamento da vítima passou a constituir importante foco de análise no campo da dogmática penal e não poderia mais ser desconsiderado na avaliação da responsabilidade do autor, sob pena de sobrecarregá-lo com uma culpa que não é só sua” (1999, p.136).

Assim, a vitimodogmática surge em uma época em que é preciso estabelecer um liame entre vítima e criminoso, para serem analisados no caso concreto com ênfase nos dois lados da relação criminal, para assim se tentar chegar na realidade criminal compatível com os dias atuais.

Porém, para fins de construção deste trabalho faz-se necessário que se conheça basicamente a vitimologia, e o que esta trouxe de importante na análise dos crimes de uma maneira global.

No entanto este trabalho priva pela forma de culpabilização da mulher ou seja, a forma como esta é analisada dentro do contexto do crime, sofrendo como dito anteriormente formas de vitimização secundária e terciária por parte da sociedade, porém o comportamento da vítima deve ser averiguado dentro do contexto do crime como forma de dosimetria da pena do acusado, por elucidação do artigo 59 do Código Penal.

Sobre a autora
Camilla Stefani Saboia dos Santos

Advogada militante nas áreas cíveis, trabalhista, tributário e empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Camilla Stefani Saboia. Crimes de estupro.: Culpabilização da mulher vítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5081, 30 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57810. Acesso em: 22 nov. 2024.

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