7. ESCOLAS PENAIS
7.1 ESCOLA CLÁSSICA
A denominação “escola clássica” era utilizada pelos chamados “positivistas” de maneira depreciativa, a fim de descrever os autores de “filosofia de cunho liberal e humanitária” [16], no entanto hoje usa-se para, de maneira sucinta, referir-se àquela corrente de pensamento, embora não tenha havido de fato uma escola clássica.
Na Escola Clássica o crime é tratado como um “ente-jurídico”, e não de fato, tratando-se de uma violação de algum direito. De forma resumida, seus princípios basilares são: o livre-arbítrio, a dissuasão, a prevenção e a retribuição [17].
Pelo livre-arbítrio entendia-se que o indivíduo era capaz de optar por praticar ou não um delito, embora tenha origem e resquícios da doutrina cristã. Ao nos atentarmos à obra de Francesco Carrara, maior expoente da Escola Clássica, é possível perceber o cunho religioso que ele lhe atribui. Para Carrara, se não fosse considerado o livre-arbítrio dos indivíduos, tudo seria necessidade, mas como há a possibilidade de optar-se, cabe ao próprio homem ser súdito ao mesmo tempo em que protege a chamada “lei eterna da ordem” [18]. A punição, então, baseia-se na premissa de que a sua responsabilidade advém do próprio livre-arbítrio, pois poderia ele ter escolhido agir de modo diverso, mas preferiu delinquir, portanto sua punição é merecida.
Seguindo os preceitos da Escola Clássica, ao elaborar-se uma pena era necessário dar-lhe uma punição que fosse maior do que os eventuais resultados de um crime, de modo a dissuadir o indivíduo de delinquir. Uma pena que causasse um mal maior do que os frutos oriundos de uma ação criminosa seriam um fator essencial para desestimular o cidadão a delinquir. A ideia de prevenção já havia sido trabalhada e por autores que antecederam os doutrinadores da Escola Clássica, mas esta era uma das bases de suas ideias. A prevenção geral e especial deveriam ser buscadas pela pena.
Carrara atribui à pena o caráter retributivo, pois esta seria a resposta para a violação moral cometida pelo delinquente. Pune-se pois violou a moral, oriunda da chamada lei eterna e absoluta, que submete todos os homens ao seu julgo, mas que é aplicada através dos mesmos.
O Jusnaturalismo é manifesto nas ideias de Carrara, e mesclado com as ideias de um direito oriundo do divino. Todavia, este distinguia o trabalho dos homens e o de Deus em face de uma transgressão. Assim, enquanto Deus punia para fazer justiça, vez que os crimes são males em si que atentam contra a moral; o homem pune pois deve defender a humanidade [19].
7.2 ESCOLA POSITIVA
Dentro da Escola Positiva a ideia era de defender a sociedade do delinquente, dando maior importância ao interesse social em face do individual; a ressocialização do criminoso assume um segundo plano, assim como a origem do direito de punir, um antagonismo em comparação a escola clássica, quando o livre-arbítrio era peça-chave para sua filosofia. Aqui a pena é tratada com ar de utilitarismo, não levando em consideração a capacidade de ação e decisão quando da prática do crime, e é fundamentada pela personalidade do réu, perigosidade e capacidade de adaptação [20]. O crime aqui é tratado como um fenômeno natural e social, e deve ser estudado através do método experimental, e quem o comete é considerado anormal psicologicamente, de forma transitória ou não.
A escola positiva teve início com as teorias de César Lombroso, que estudou o criminoso com enfoque em sua biologia. Esta primeira fase é chamada de antropológica, e Lombroso é seu principal expoente.
Para Lombroso, existiam pessoas que são “naturalmente” criminosas, ou seja, o crime advém de forças inatas, e pode ser percebido através de determinadas características do criminoso. A ideia de livre-arbítrio é então descartada e o crime é o resultado de um determinado atavismo, assim, o gene criminoso advém de nossos antepassados, mas são latentes; quando reaparecem resultam no tipo criminoso. Segundo os estudos de Lombroso, há características físicas e morfológicas claramente notáveis nos criminosos, além de ser vaidoso, insensível moralmente e preguiçoso [21]. Embora haja em Lombroso a ideia de que o criminoso trata-se de um primata, segundo sua teoria a inteligência deste permanece inalterada, havendo apenas falhas em sua moral. Com o desenvolvimento de seus estudos, Lombroso deu-se conta de que haviam múltiplas causas que davam origem aos crimes, e de que sua teoria inicial era falha, assim, ampliou a tipologia de delinquentes para o total de 5, sendo o criminoso nato, por paixão, louco, de ocasião ou epilético [22].
Enrico Ferri deu início à fase sociológica, ocupando-se da negação do livre-arbítrio, pois para este o que havia era um determinismo biológico-social. Para Ferri, “não se pode ser um criminoso senão quem seja um anormal (…) por condições congênitas ou adquiridas, permanentes ou transitórias, por anormalidade morfológica, ou biopsíquica, ou por doença” [23]. Assim, classificou os criminosos em: natos, loucos, ocasionais, habituais e passionais. Negando o livre-arbítrio, Ferri fundamenta a pena na proteção da sociedade, pois esta é foco dos esforços punitivos, e sua finalidade não é outra senão a prevenção de novos crimes.
A terceira fase, iniciada com Rafael Garófalo, é a jurídica, e aqui o autor encarregou-se da sistematização jurídica da escola. Garófalo escreveu Criminologia, onde cuidou de estudar o delito, o delinquente e a pena. Estabeleceu que a periculosidade é a base da responsabilidade e que a prevenção especial é o fim a ser alcançado pela pena. O autor desprezava o caráter ressocializador que poderia ser atribuído a pena, dando foco apenas à defesa da sociedade. Era a favor da pena de morte para os chamados criminosos natos, e buscava na pena um meio para que o delinquente não voltasse a delinquir, ou seja, dava especial atenção ao caráter preventivo especial que poderia ser conseguido através da punição.
Os frutos oriundos da escola positiva são notáveis: Criminologia como ciência casual-explicativa, desenvolvimento do conceito de periculosidade, atenção à individualização da pena, preocupação com o delinquente e a vítima, desenvolvimento da medida de segurança, suspensão condicional da pena, livramento condicional e o tratamento tutelar ou assistencial do menor [24].
7.3 ESCOLAS MISTAS OU INTERMEDIÁRIAS E O DESENVOLVIMENTO DAS OUTRAS ESCOLAS
Como aduz Bittencourt, “a Escola Clássica e a Escola Positiva foram as duas únicas escolas que possuíam posições extremas e filosoficamente bem definidas”[25], no entanto, sem radicalismos, e dosando as doutrinas que lhes antecediam, apresentaram uma evolução aos estudos penais e o trato da aplicação da pena, bem como os fins e o que lhe justificava.
A terceira escola italiana, também conhecida como escola crítica, tentou conciliar as ideias das escolas Clássica e Positiva, tendo Alimena, Carvevale e Impalomeni como seus principais defensores. Para a escola crítica, há de fato, assim como na escola clássica, uma responsabilidade moral, bem como se faz necessária a distinção entre imputáveis e inimputáveis, todavia o fundamento do livre arbítrio é descartado, pois para os autores o que há é um determinismo psicológico, onde há um motivo que prevalece sobre os demais. Quando o indivíduo pode se deixar ser conduzido por este motivo, o mesmo é considerado imputável, quando não o puder é inimputável. Aqui, o crime é considerado um fenômeno social e individual, e a finalidade da pena é a defesa social e a sua preservação.
Assim como a terceira escola italiana, a escola moderna alemã está dentro do contexto do positivismo crítico. Teve origem através dos trabalhos de Franz von Liszt, Adolphe Prins, Gerard van Hamel e Karl Stoos. A escola propunha que se utilizasse o método lógico-jurídico (ou lógico-abstrato) quando a matéria se atrelasse ao direito penal, e o experimental (ou indutivo-experimental) para as outras ciências criminais. Como a terceira escola propôs a distinção dos imputáveis e inimputáveis desconsiderando o livre-arbítrio, onde o imputável recebia uma pena e o inimputável uma medida de segurança. O crime aqui é fato jurídico, mas também é um fenômeno natural.
A pena tem uma função finalística, onde se ajusta ao próprio delinquente, acentuando o caráter de prevenção especial, pois a pena é aplicada levando-se em conta a necessidade do quantum de punição do indivíduo. Por fim, a maior contribuição da escola provavelmente tenha sido a proposta de eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração, percebendo a pouca eficácia e os grandes prejuízos trazidos por esta resposta penal, dá-se início a esta política criminal liberal [26].
Dentre às críticas que surgiram contra a escola positiva, destaca-se também as feitas por Arturo Rocco contra seu método de estudo. Para Rocco, o método a ser utilizado pelo direito penal o técnico-jurídico, vez que o direito penal deveria ocupar-se do “dever ser”. Destarte, para o autor, a escola positiva pecava ao dar demasiada importância ao aspecto sociológico e antropológico, sem considerar da forma devida o jurídico.
Assim, embora considerasse importante estudar as causas que explicavam o crime e o criminoso, essas não poderiam tomar o lugar do estudo técnico-jurídico. Deu-se início assim à chamada Escola Técnico-Jurídica, que pretendia demonstrar que o delito era uma relação jurídica, onde a pena é a reação e consequência deste ato, buscando, com sua aplicação, a prevenção geral e especial, utilizando-se do método técnico-jurídico e negando a capacidade de ação da filosofia dentro do direito penal [27].
Outro movimento nascido na Alemanha foi o correcionalismo, todavia sua difusão só se deu de forma impactante na Espanha. A Escola Correcionalista tinha suas atenções voltadas ao delinquente e à sua recuperação. Os esforços do Estado deveriam ser conduzidos, dentro do campo penal, a reintegração do condenado à sociedade. Portanto, o fim único dela seria a emenda do apenado, desconsiderando qualquer função preventiva ou retributiva.
A finalidade estava tão encravada que a pena poderia ser indeterminada, tendo sua duração definida por seu fim, ou seja, a pena perduraria enquanto necessária fosse para a recuperação do criminoso, uma vez recuperado a mesma era extinta. Considerava-se, pois, o criminoso como um ser anormal, pois sua vontade é falha, e por isso incapaz de viver em sociedade; a pena é o meio hábil, e o único meio, de fazê-lo um ser social, pois iria corrigir este problema com a sua vontade.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, surge em 1945 o movimento de Defesa Social. Após o vislumbre dos horrores trazidos pelo maior confronto da história, as ideias humanitárias trouxeram consigo o desejo de rever o modo como o crime era combatido dentro das sociedades modernas. Destarte, surgem duas correntes principais, a de Fìlippo Gramatica e de Marc Ancel, realizando um exame crítico sobre a própria sociedade, procurando causas e não apenas combatendo efeitos.
Para Gramatica, a transformação necessária era a própria abolição do Direito Penal e a supressão do conceito de crime, sendo o meio hábil a combater eventuais atos lesivos à comunidade as chamadas medidas sociais, que buscariam adaptar o indivíduo à sociedade, assim toda punição seria fundada subjetivamente através de quem praticou o ato; seria usado índice de anti-sociabilidade, em substituição a ideia de infração.
Para Ancel, o importante era a proteção social, combatendo-se o crime através da ressocialização do agente criminoso, que assume uma responsabilidade individual pelo ato. Além disso, tendo a proteção da sociedade como primordial, a pena assume um caráter preventivo, pois o que se busca é evitar que novos delitos sejam cometidos e, portanto, a figura do delinquente é deixada em segundo plano. Isso não significa, pois, que este seja ignorado, pois ainda tem-se como objetivo sua reinserção dentro da sociedade [28].
Apesar de suas diferenças, ambos correntes de defesa social recorrem a pluridisciplinaridade ao mesmo tempo que afirmam ser o direito criminal responsável pela diminuição do cometimento de delitos, desta forma, busca-se evitar que crimes sejam cometidos tanto quanto busca-se impedir que os cidadãos se tornem criminosos.