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O abuso da imunidade tributária

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Agenda 01/12/2017 às 09:53

Almeja-se discutir e delinear os arquétipos da norma de imunidade buscando traçar preceitos introdutórios sobre a configuração de um nítido abuso no exercício de tal direito, por parcela dos contribuintes, propondo uma reflexão sobre possíveis soluções.

SUMÁRIO. 1. A conceituação da norma imunizante. 2. Os limites da interpretação e suas possíveis implicações. 2.1 Imunidade recíproca. 2.2 Imunidade religiosa. 2.3 Imunidade das Entidades. 2.4 Imunidade cultural. 3. Do abuso da imunidade tributária. 3.1 O abuso de direito na doutrina civilista. 3.2 Analogia com a interpretação teleológica da isenção de veículos para deficientes. 3.3 O abuso e seus desdobramentos na esfera tributária. 4. Considerações finais. 5. Referências bibliográficas.


I – A CONCEITUAÇÃO DA NORMA IMUNIZANTE

Antes da análise sobre o “Abuso da Imunidade”, mérito propriamente dito do presente artigo, é necessário tecer algumas considerações introdutórias a respeito dos possíveis conceitos e interpretações basilares da presente temática, dando suporte para melhor elucidação da questão posta em debate.

A doutrina majoritária conceitua a norma de imunidade como uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada.

Tal entendimento é baseado pela suposição que a situação no mundo fático não será tributada por força de uma lei proveniente da Constituição Federal, que exclui ou retira do campo de competência do ente a respetiva Hipótese de Incidência da norma tributante, o fato ‘X’ imune.

A lógica é melhor visualizada se olhada pelo viés cronológico, onde no momento (T1) – é fixado a competência tributária de certo ente; e no momento (T2) – surge a norma de imunidade, excluindo certa parcela da atribuição de exigir e cobrar tributos do mesmo.

Forte são as críticas da doutrina contrária sobre a conceituação da norma imunizante. Como exemplo pode-se citar o respeitável posicionamento do Prof. Paulo de Barros Carvalho no entender que a imunidade seria uma regra que colabora no desenho do quadro das competências, não excluindo nem a limitando, mas fixando de forma preventiva pela CF a competência para legislar.

Nessa linha de conceituação, não haveria o que se falar da imunidade como um “limitador da competência tributária”, tendo a norma imunizante um papel fundamental no alinhamento ou realinhamento da abrangência de competência dos entes.

Seguindo tal lógica, não haveria distinção de momentos de incidência da norma de competência da norma de imunidade, agindo consequentemente ambas de forma concomitante. Nesse sentido:

As imunidades tributárias se incluem no subdomínio das sobrenormas, metaproposições prescritivas que colaboram, positiva ou negativamente, para traçar a área de competências das pessoas titulares de poder político, mencionando-lhes os limites materiais e formais da atividade legiferante.

Paulo de Barros Carvalho critica a expressão “norma de não incidência constitucionalmente...”, fazendo uma reflexão no sentido de que é justamente por incidir que a mesma propaga seus efeitos jurídicos, qualificando assim pessoas e objetos, não podendo ser conceituada como uma norma de “não incidência”. Pensamento contrário comportaria que não haveria tido fato concreto apto a ocorrência de seus efeitos.

De forma sintética, assim conclui o referido autor sobre a conceituação do tema:

Classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas

É interessante trazer a visão do prof. Roque Antônio Carrazza, que diferentemente da doutrina majoritária que classifica a norma de imunidade como uma regra de incidência, o mesmo define como uma norma de estrutura, sendo essa responsável pela criação, transformação do ordenamento jurídico, sempre visando o aperfeiçoamento da forma de processamento de suas disposições.

Oportuno frisar que as imunidades – ao contrário das isenções – não tratam da fenomenologia da incidência, porquanto operam antes do momento. De fato, antecedem o próprio exercício, pelas pessoas políticas, das respectivas competências tributárias, até porque – como vimos – são normas de estrutura que ajudam a delinear as regras-matrizes das exações a que se referem. (Roque A. Carrazza).

Muitos autores definem a imunidade como uma “norma de isenção constitucionalmente qualificada”.

Rogando a devida vênia, o presente artigo desenvolve a mesma linha de entendimento do Prof. Paulo de Barros, nesse sentido, a leitura de forma simplificada e não atenta ou sem aprofundamento no campo tributário, acaba por confundir conceitos-chave entre a distinção de normas imunizantes e normas de isenção.

Conceituando de forma sucinta, a isenção tributária é uma norma de origem ordinária que inutiliza um dos critérios da RMIT da norma tributante, fazendo com que a obrigação tributária não chegue a ocorrer no mundo concreto.

Explicando em miúdos, a norma de imunidade como já afirmado anteriormente atua de forma concomitante com a norma de competência, sendo tal momento totalmente diferente cronologicamente do momento de atuação da norma de isenção.

Antes de discutir se uma norma incide ou não incide e suas consequências práticas, é necessário se atentar ao campo da abrangência da competência tributária do respectivo ente, para saber se tal conduta no mundo fático estará abarcada ou não, sendo esse o momento da norma de imunidade, agindo de forma antecedente à discussão da incidência.

Já a norma isentiva atua no campo da legislação ordinária, em momento posterior à norma imunizante, discutindo definitivamente a incidência ou não da norma tributante. Nesse sentido:

O preceito da imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecedem na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo... (Paulo de Barros Carvalho)

Para os fins desta pesquisa, pode-se definir a norma de imunidade como uma regra de estrutura proveniente do texto da Constituição Federal que impõe a incompetência dos entes federados para instituir e cobrar tributos sobre certas situações específicas.

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A norma de imunidade não é uma cláusula pétrea, essas, por sua vez, fazem parte do conjunto das normas de conduta, regulando as interrelações jurídicas dos indivíduos e as relações de intersubjetividade desencadeadas, estabelecendo certos regramentos de conduta do comportamento no sentido de um fazer, não fazer ou dar.

A regra imunizante não estabelece um direito ou uma garantia fundamental, vez que não são dirigidas aos agentes como uma norma de conduta, mas sim ao próprio sistema, alinhando ou realinhando a abrangência de incidência da competência tributária.

Dentre as consequências da regra imunizante, pode-se citar a máxima efetividade de certos valores consagrados pelo texto constitucional como cláusulas pétreas, não podendo o intérprete confundir a natureza da norma com suas consequências.


II – OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO E SUAS POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES

Encontra-se assim previsto no CTN as modalidades que o legislador impôs uma intepretação literal:

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

 I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias

A doutrina majoritária defende que o rol incluído no referido artigo é taxativo, devendo o intérprete analisar literalmente as causas ali versadas e por exclusão, para tal corrente, os casos ali não previstos são passíveis de interpretação extensiva.

Tal entendimento é seguido pelo Professor Roque Antônio Carrazza e também será adotado nesse trabalho para fins de construção do raciocínio lógico-jurídico no sentido de comportar a norma de imunidade interpretação teleológica.

Faz-se um parêntese a respeito das várias modalidades de interpretações possíveis e suas formas de classificação. Quanto ao intérprete, podem ser assim divididas:

Autêntica (feita pelo próprio legislador com as normas de estrutura e meramente interpretativas);

Doutrinária (doutrinadores com interpretações explicativas/descritivas sobre a fenomenologia do direito); e

Jurisprudencial (aplicação do direito por excelência com a resolução do caso concreto, feita pelos juízes e tribunais).

Já com relação à natureza, podem-se dividir em:

Filológica ou Gramatical – leva em conta exclusivamente o rigoroso significado léxico e as regras de sintaxe das palavras constantes do texto legal, sem considerar qualquer outro valor. Também chamada de interpretação pura é a forma mais rasa de construção dos significados pelo intérprete, sujeita a vários equívocos e absurdos.

Histórica ou Sociológica – leva em consideração as circunstâncias políticas, sociais, econômicas e culturais presentes em determinado momento temporal da edição da norma. Confere-se importância ímpar à análise das exposições de motivos do projeto de lei, das discussões do parlamento e da sociedade, da evolução histórica do instituto disciplinado na norma. Assim se chega ao que o legislador pretendia dizer ao redigir o texto objeto de interpretação no determinado contexto histórico.

Sistemática – analisa a norma como parte de um sistema na qual está inserida, buscando a harmonia e unicidade que devem caracterizar o ordenamento jurídico, afastando antinomias (contradições). Deixa-se de olhar exclusivamente para o texto do dispositivo interpretado e se passa a analisa-lo em conjunto com todos os demais dispositivos da mesma norma e com todas as demais normas correlatas que integram o ordenamento jurídico, respeitando-se a hierarquia, para elucidar melhor o sentido.

Teleológica – busca conhecer o sentido da norma através do entendimento da finalidade de sua inserção no ordenamento jurídico. A norma vem ao mundo com determinado intento, determinado propósito. O intérprete deve possuir em mente os objetivos que presidiram a elaboração da norma, para atribuir-lhe o sentido que mais se coadune com tais desígnios, de forma a concretizar, no mundo dos fatos, a vontade abstrata da norma.

Como cada ramo do direito tem escopos distintos, a interpretação teleológica vai variar de acordo com o ramo em que a norma se insere, no presente caso, âmbito tributário.

Dessa forma, através da interpretação teleológica é possível buscar a real intenção do legislador ao criar a norma. As normas de imunidade estão espalhadas pelo corpo da Constituição de forma geral, centralizando o presente estudo nas incluídas no art. 150, VI, da CF, que assim dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)

Será abordado de forma específica e detalhada para melhor compreensão a interpretação teleológica das imunidades, que estão no ponto central desse trabalho nos tópicos seguintes.

II.I – IMUNIDADE RECÍPROCA

O art. 150, VI, a, da CF, afirma expressamente que é vedado a todos os entes cobrar impostos sobre patrimônio, renda e serviços uns dos outros.

Como afirmado expressamente no texto constitucional, tal imunidade só é referente a impostos, não impedindo que um ente venha cobrar outra espécie tributária (taxa, contribuição...) de outro.

A própria Constituição tratou de estender a referida imunidade às fundações e autarquias instituídas e mantidas pelos Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.[1]

Caso a utilização do bem tenha finalidade diversa da essencial, as fundações/autarquias perdem a imunidade no tocante àquele bem, sendo o mesmo passível de tributação.

Os entes públicos não possuem tais restrições no tocante à finalidade essencial, não perdendo jamais a imunidade.

Olhando a jurisprudência do STF, que sempre interpretou a norma de imunidade de forma bastante ampliativa, possui julgados no sentido de conceder a vedação de impostos extensíveis às empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos quando tratar-se de prestação obrigatória e exclusiva do Estado[2], nesse sentido pode-se citar o Correios, INFRAERO.

Apesar de existir disposição expressa pela Constituição no sentido de excluir do benefício a imunidade do patrimônio, da renda e dos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas aplicáveis para empreendimentos privados ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário[3], o STF por uma interpretação mais abrangente entende ser cabível o gozo da regra imunitória por tais pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública Indireta.

No julgado estendendo às sociedades de economia mista que atendam os mesmos requisitos da empresa pública, levou-se em conta que se a participação privada for considerada ínfima, a imunidade não restará prejudicada, uma vez que o controle é exercido de forma majoritária pelo Estado[4].

Importante ressaltar que o STF entendia que quando um imóvel pertencente a ente imune (seja ente político ou alguma outra entidade - quando destinado às suas finalidades essenciais) era alugado a pessoa privada, o município não poderia cobrar IPTU, uma vez que o contribuinte de direito era imune.

Porém, revendo sua jurisprudência o Pretório Excelso, recentemente (06/04/2017), mudou de entendimento em sede de Repercussão Geral[5] se posicionando pela possível cobrança de IPTU de empresa privada que ocupe imóvel público, por pessoa imune.

Tal posicionamento pode ter sido estimulado por uma nova tendência de interpretação não tão extensiva no tocante às normas imunizantes.

Essa nova corrente interpretativa pode ter sido respaldada pela parte final do art. 150, §3º da CF, afirmando que a regra imunizante não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

A restrição impede que a celebração de tal compromisso entre particulares e entes imunes sirva, tão somente, como mecanismos para se fugir à tributação.

II.II – IMUNIDADE RELIGIOSA

O legislador constituinte originário visando não criar embaraços para liberdade de crença e na tentativa de assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção dos locais de suas liturgias[6], valores protegidos e consagrados como cláusulas pétreas, tratou logo de estabelecer uma norma de imunidade visando realinhar a competência para não obstaculizar o funcionamento das entidades religiosas.

Pela inteligência do preceito constitucional do Estado Laico, a imunidade dos templos de qualquer culto no tocante aos impostos visa a máxima efetividade de direitos e garantias fundamentais, para permanência e perpetuidade dos cultos e suas liturgias religiosas, fazendo com que a incompetência estimule a plena pluralidade de crenças e seu livro exercício.

A interpretação do arquétipo constitucional “templo” é entendida pela maioria da doutrina e pelo próprio STF como todas as atividades inerentes à entidade religiosa, não ficando limitada ao mero conceito estrutural de “prédio”, que comportaria apenas os impostos incidentes sobre a propriedade (IPTU e ITR).

Tal interpretação mais abrangente do conceito de templo é amparada no art. 150, §4º da CF, afirmando que a vedação compreende o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais da entidade. Nesse sentido é a jurisprudência do STF:

Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, da CF deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” O §4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo da alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da CF. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas” (STF, Tribunal Pleno, Re 325.822/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18/12/2002, DJ 14.05.2004, p. 33).

Assim, por uma interpretação extensiva, entende-se que mesmo que uma receita seja decorrente de uma atividade particular lucrativa, mas reinvestida na atividade essencial da entidade, está acobertada pela norma imunizante.

II.III – IMUNIDADE DAS ENTIDADES

Essa imunidade compreende as seguintes entidades: partidos políticos e suas fundações, sindicato dos trabalhadores e entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos.

A Constituição Federal afirma em seu artigo 1º, inciso V, os fundamentos da República, assim consagrando o pluralismo político.

Nesse caso, a razão da existência da norma imunizante consiste no incentivo da diversidade de partidos políticos e suas fundações, não sendo usado o tributo como uma ferramenta dos poderosos partidos que estão no Poder visando excluir os pequenos da possibilidade de integrar o círculo político por ausência de recursos financeiros.

Com relação aos sindicatos dos trabalhadores, o art. 8º da Magna Carta assegura que é livre a associação profissional ou sindical. O legislador almejou com que a incompetência efetivasse a proteção da parcela menos favorecida financeiramente da relação empregatícia, os trabalhadores, visando garantir um mínimo de patrimônio, renda e serviços para que os mesmos desempenhem suas funções com louvor na luta por melhores condições para sua classe, na capacitação profissional, na fiscalização dos direitos, dentre tantos outros.

Quanto às entidades educacionais e assistenciais, o legislador almejou conferir norma imunizante pela simples lógica que tais personas são filantrópicas, sem fins lucrativos, porém condicionou o gozo da imunidade ao preenchimento de certos requisitos dispostos em lei.

Nesse sentido é interessante trazer a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho[7]:

Se as instituições particulares atuassem gratuitamente, a fundo perdido, logo se estiolariam em quantidade e qualidade. A filantropia é cara, e a caridade, pouca.

A norma de imunidade surge justamente visando a incompetência para trazer a máxima eficácia da persecução dos objetivos pelas atividades essenciais de tais entidades, diminuindo os embaraços.

Tal imunidade passou a ser classificada como uma norma de eficácia limitada, sendo a Lei Complementar responsável pela regulação, nos termos do art. 146, II, da CF. Nesse sentido:

Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoes, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar” (STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 1.802/DF, Rel. Min Sepúlveda Pertence, j. 27.08.1998, DJ 13.02.2004, p. 10).

Tais requisitos estão elencados no art. 14 do CTN, recepcionado com status de Lei Complementar desde a CF/1967, assim dispondo:

Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no §1º do art. 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Como muito bem mencionado no artigo colacionado, o descumprimento de qualquer requisito implica a suspensão da norma imunidade.

Importante ressaltar que o intuito unicamente lucrativo não se confunde com atividades econômicas que lhe tragam subsistência, assim, toda entidade que vise crescimento deve se esforçar para conseguir receitas que superem suas despesas, sendo elas empregadas ou reinvestidas com a exploração patrimonial em sua atividade essencial.

Nesse sentido é o entendimento do STF:

Súmula 724. Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.

Nos tributos tidos por indiretos, com a presença dos contribuintes de direito e de fato, o benefício da imunidade não é extensível ao contribuinte de fato mesmo que esse seja ente imune, uma vez que não faz parte da relação jurídica tributária, inteligência do art. 166 do CTN.[8]

II.IV – IMUNIDADE CULTURAL

O art. 150, VI, d, da CF/88 afirma que é vedado aos entes federados instituir e cobrar impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

Através da interpretação teleológica acha-se a intenção do legislador ao criar a mesma, visando a incompetência, maximizando o barateamento do acesso à cultura, o aprimoramento intelectual, livre manifestação do pensamento, acesso de comunicação e liberdade intelectual, artística, científica, todos esses direitos e garantias fundamentais elencados no rol do art. 5º da CF.[9]

No entender do STF, a principal consequência da imunidade em discussão é baratear o acesso à cultura, não sendo relevante para efeito de reconhecimento a qualidade cultural da publicação, interpretando de forma extensiva o conceito para atender a intenção do legislador.

Em julgado recente, 08/03/2017, levando em conta a disposição dos motivos na origem da lei (acesso à cultura, barateamento da instrução técnica-profissional e amplo acesso à informação, o STF sedimentou seu posicionamento entendendo que a incompetência também abarcaria os livros digitais (e-books, kindle, e-reader) em votação unânime, decidindo que os livros eletrônicos e os suportes próprios para sua leitura são alcançados pela consequência da regra imunizante realinhando a competência.

O acesso à cultura, barateamento do aperfeiçoamento profissional e amplo acesso à informação, os e-books, ou qualquer meio digital que seja repassar informação nesses termos, estaria abarcado pelos efeitos da norma imunizante, como por exemplo o kindle, o e-reader, pela mesma lógica que o jornal mesmo contendo propaganda não desnatura sua função principal, os meios digitais também não devem ser desnaturados por qualquer outro intuito lhe atrelado, sem perder a função informativa.[10]

Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. O abuso da imunidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5266, 1 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57977. Acesso em: 2 nov. 2024.

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