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Juizado Virtual:

o deslocamento do centro de gravidade ontológico do processo-papel para a problemática da eficiência da Justiça

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Agenda 14/10/2004 às 00:00

6. AS DIRETRIZES DE ELABORAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DO JUIZADO VIRTUAL: VISÕES DO FUTURO

Durante todo o planejamento e execução do projeto do Juizado Virtual da Primeira Região, algumas diretrizes foram estabelecidas em atenção a premissas estratégicas e históricas, visando sempre à aceitação e consolidação do novo sistema de tramitação de processos.

No artigo "Diffusion of Innovations" (Rogers, E.M. –1995 – The Free Press, New York - http://nnlm.gov/pnr/eval/rogers.html) (4), Rogers define a inovação como uma idéia, prática ou objeto percebido como novo por um indivíduo ou uma coletividade, sendo que certas características da inovação determinam seu índice de adoção. Partindo da premissa de que algumas inovações se espalham mais rapidamente que outras, identifica cinco características que determinam o índice de aceitação do "novo":

1) "Relative advantage", que é o grau de percepção da inovação como melhor que a idéia substituída. Pode ser aferido por parâmetros econômicos, mas sua influência social, conveniência e satisfação são também fatores importantes. Assim, não importa tanto se uma inovação encerra objetivamente grande vantagem sobre a realidade suplantada, mas se o indivíduo distingue a novidade como vantajosa. Quanto maior essa percepção, mais rápido será seu índice de aceitação.

2) "Compatibility", que é o grau no qual uma inovação é vislumbrada como coerente com os valores existentes, experiências passadas e necessidades dos potenciais adotantes da novidade. Isso porque a adoção de uma inovação incompatível freqüentemente demanda prévia adoção de um novo sistema de valores, processo significativamente lento.

3) "Complexity", ou intensidade pela qual uma inovação é vista como difícil de entender e utilizar: as novidades mais simples são aceitas mais rapidamente.

4) "Triability" é a possibilidade de aprendizado e utilização gradual da novidade, de acordo com as necessidades e possibilidades de cada usuário, o que torna mais fácil sua assimilação e adoção.

5) "Observability", que é o grau de visibilidade dos resultados positivos da novidade. Quanto mais fácil ver os resultados, maior a probabilidade de aceitação e utilização.

Carina Ihlstrom, Maria Akesson e Stig Nordqvist, no artigo "From Print to web to e-paper – The challenge of designing the e-newspaper", ainda referem um sexto atributo, identificado por Fidler ( Fidler, R. (1997). Mediamorphosis: Understanding New Media. Pine Forge Press, Thousand Oaks, California ) (5): a familiaridade da nova mídia com aquela à qual o indivíduo se encontra habituado.

Dessa forma, considerando a realidade histórica de que toda ruptura brusca de paradigma tende a sofrer fortes resistências, procurou-se atribuir ao Sistema JEF VIRTUAL: JUSTIÇA REAL uma interface (aparência) familiar e de rápida assimilação. Daí porque foram mantidas - mesmo que tecnicamente dispensáveis - a visualização de assinatura tal qual ocorre no papel, bem como a tradicional visualização das fases processuais (que podem ser obtidas pela simples observação dos atos do processo, todos eles visíveis simultaneamente).

Prevendo a tradicional resistência ao "novo", foram feitos maciços investimentos nos setores de relacionamento externo (com as partes). Dessa forma, cada JEF Virtual recebeu dois scanners de altíssima velocidade (cinqüenta páginas por minuto cada). Com base na mesma diretriz, o JEF Virtual possui sólida infra-estrutura de telecomunicações: a visualização instantânea do processo, bem como as operações congêneres, são garantidas pela alta capacidade de transmissão de dados pela internet, através de link de 16 (dezesseis) megabites por segundo.

Assim, toda a concepção e implantação do Juizado Especial Federal VIRTUAL foi feita tendo em vista os fatores "Relative advantage", "Compatibility", "Complexity", "Triability", "Observability" e "Familiaridade".

Além disso, com os olhos voltados para o futuro, todo o sistema JEF VIRTUAL foi elaborado de forma a comportar, de forma simples, a possibilidade futura de ampliação para as varas federais comuns – evolução natural do software. Ademais, tendo em vista prevenir sua apropriação indevida por particulares (apesar da lei não exigir o registro do programa de informática, a comprovação de sua autoria sem o registro é praticamente inviável), o software JUIZADO VIRTUAL: JUSTIÇA REAL já se encontra depositado no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

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7. O SOFTWARE LIVRE NO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL VIRTUAL DA PRIMEIRA REGIÃO: UTILIZAÇÃO RACIONAL

Conforme esclarece a publicação "PCWORLD- EXTRA – LINUX – A história, as vantagens e desvantagens econômicas e os atributos técnicos (6), o software livre não está diretamente relacionado à gratuidade do programa, mas ao fator liberdade. A definição segue quatro diretrizes, quais sejam: a liberdade de uso do programa para qualquer propósito; a liberdade para modificar o programa para se adequar às necessidades específicas do demandante; liberdade de distribuição do programa – seja de forma gratuita ou mediante cobrança; e liberdade de distribuição da versão modificada, de modo a beneficiar a comunidade com as alterações realizadas.

Assim, software livre não é sinônimo de software grátis; na verdade, trata-se de programa que atenda às quatro diretrizes acima, notadamente quanto à liberdade de acesso ao código-fonte – sua essência.

O que se costuma chamar, equivocadamente, de software livre, é o freeware. Este é realmente gratuito (embora possa existir algum tipo de restrição na amplitude da gratuidade). Entretanto, embora haja aqui gratuidade de distribuição, a distribuição do código-fonte não é essencial ao sistema. A distribuição é livre; a inteligência do software, não.

O shareware é terceira modalidade de software, versão experimental por tempo limitado fornecida ao usuário interessado, podendo ser completa ou apresentar apenas as linhas básicas do programa. Ao final do prazo de experiência, se quiser continuar utilizando o programa, o usuário deverá adquiri-lo.

Já o software comercial é aquele no qual o usuário paga por uma licença de uso, mas não tem acesso ao código-fonte. Também chamado software proprietário, é o caso do sistema operacional windows.

O fato de o regime de licenciamento de um software ser baseado na liberdade sobre o código-fonte (software livre) é um dos principais atrativos do software livre. Entretanto, existe uma série de fatores que devem ser analisados antes de se realizar a opção pelo software livre (ex: LINUX) ou proprietário (ex: WINDOWS), principalmente em ambientes como o que serve o aparato Judiciário: questões técnicas envolvendo compatibilidade da infra-estrutura, aproveitamento dos investimentos já realizados e custo de aquisição de nova plataforma.

Além disso, há que se observar, além do custo de aquisição, o preço e a eficiência do suporte técnico prestado.

Nesta senda, é importante observar, antes de realizar a opção, o TCO (Total Cost of Ownership), que, segundo a revista "PCWORLD", é um "cálculo que leva em conta não só o valor inicial de aquisição de um software ou hardware, mas todos os componentes que influenciam o ciclo de vida de um produto ao longo do tempo, desde o gasto inicial até valores relacionados à instalação, à atualização, à manutenção e ao treinamento.". A publicação analisa o impacto de custo em um servidor ao longo de cinco anos, e esclarece que 91,9% se refere à mão-de-obra, treinamento e hardware (fl. 32).


8.  JEF VIRTUAL UTILIZA SOFTWARE LIVRE OU SOFTWARE PROPRIETÁRIO?

O JEF VIRTUAL da Primeira Região utiliza os dois tipos de software, sempre tendo em vista o binômio eficiência-economia, observando o Custo Total de Propriedade (Total Cost of Ownership).

Assim, o que podemos denominar de "face interna" do software do Juizado Virtual da Primeira Região foi desenvolvido em linguagem de software proprietário, acessando banco de dados Oracle.

Já no acesso à internet se utilizou a linguagem de desenvolvimento PHP (software livre), ou Hypertext Preprocessor, o que permite a utilização do servidor proprietário da MICROSOFT, ou do APACHE (servidor web de código livre que roda tanto no LINUX quanto no WINDOWS) – observe-se que toda a consulta processual, bem como o e-proc, estão em PHP.


9. SOFTWARE

MUTANTE; A INTELIGÊNCIA COLETIVA A SERVIÇO DA JUSTIÇA: O PRESSUPOSTO DA PERMEABILIDADE DO SOFTWARE ÀS EXPERIÊNCIAS E IDÉIAS DO USUÁRIO

"O que é a inteligência coletiva? É uma inteligência distribuída por toda parte, permanentemente valorizada, coordenada em temo real, que atinge uma mobilização efetiva das competências. Adicionemos à nossa definição um raciocínio indispensável: o fundamento e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas..." (7) (tradução livre)

O JEF VIRTUAL foi desenvolvido de forma a se constituir em software maleável e em constante evolução, permeável às sugestões e experiências de servidores e magistrados - permitindo, dessa forma, permanente aprendizado e evolução constante e recíproca baseada na inteligência coletiva (hipercórtex) dos usuários e programadores do sistema.

O que se tem notado na prática é que somente um software de simples operação e altamente permeável pode administrar a enorme diversidade cultural daqueles que buscam ou operam Juizados Especiais Federais da Primeira Região (Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins - estados das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste). O que se poderia constituir em obstáculo num Juizado não-virtual torna-se substrato de crescimento num Juizado Virtual. Dessa forma, "virtualizando" a riqueza cultural da região (tanto das partes quanto dos operadores do direito), o JEF VIRTUAL tem potencializado o conhecimento múltiplo, catalisando e direcionando as interações cognitivas diárias dos usuários (juízes e servidores), organizadas pelo gestor do sistema em forma de inteligência coletiva, tendo como resultado natural um software apto a gerenciar de forma altamente eficiente qualquer tipo de situação.

Dessa forma, assegura-se a atualidade do JEF VIRTUAL, bem como sua crescente eficiência e ininterrupto aperfeiçoamento de forma harmônica com as necessidades de funcionamento do dinâmico Juizado Especial Federal.


10. JUIZADO VIRTUAL: O DESLOCAMENTO DO CENTRO DE GRAVIDADE ONTOLÓGICO DO PROCESSO-PAPEL PARA A PROBLEMÁTICA DA EFICIÊNCIA DA JUSTIÇA

Conclui-se que, mais do que à eliminação do papel, o Juizado Virtual se propõe a implantar uma nova visão na tramitação processual e no funcionamento da Vara, deslocando o foco de suas atenções, que se encontra hoje no processo-papel - cujo manuseio atualmente consome enorme quantidade do tempo e da força de trabalho -, para a problemática da eficiência da Justiça, tendo por ponto de partida a eliminação da mídia tradicional.

Centrando sua visão na solução permanente de problemas, com o aperfeiçoamento coletivo do software através do feedback do usuário e grau máximo de automatização, otimizando e ampliando o tempo de funcionários e magistrados, que poderá ser utilizado em atividades intelectivas jurídicas e administrativas, o Juizado Virtual produzirá em seu rastro um movimento ascendente de eficiência e celeridade da prestação jurisdicional.


11. JUIZADO VIRTUAL: JUSTIÇA REAL

Retomando a lição de Lévy, "A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. ... A árvore está virtualmente presente na semente." (destaquei).

Podemos concluir essa reflexão definindo o Juizado Virtual como uma semente. E a natural indagação (de qual árvore?) pode ser respondida pelo método da lição bíblica: a árvore será reconhecida pelos frutos.

Os frutos do Juizado Virtual são a eficiência, a celeridade, a simplicidade, a publicidade e a segurança.

O Juizado Virtual é a semente da Justiça Real.


NOTAS

  1. http://www.terravista.pt/enseada/8718/museuindice.htm#ambar,
  2. LÉVY, Pierre. [Qu´est-ce que le virtuel?] O que é o virtual?.Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Ed.34, 1996. p. 15-20
  3. INGENIEROS, José. O Homem Medíocre. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 23
  4. ROGERS, E.M. "Diffusion of Innovations". New York: The Free Press, 1995. http://www.nnlm.gov/pnr/eval/rogers.html
  5. FIDLER, R. Mediamorphosis: Understanding New Media. California: Pine Forge Press, Thousand Oaks, 1997 in "From Print to web to e-paper – The challenge of designing the e-newspaper" IHLSTROM, Carina; AKESSON, Maria; NORDQVIST, Stig.
  6. PCWORLD EXTRA – LINUX. A História, as Vantagens e Desvantagens econômicas e os Atributos Técnicos, ", IDG-Brasil, 2004, Direção Geral de Dario Dal Piaz
  7. LÉVY, Pierre. "L´intelligence Collective – Pour une anthropologie du cyberspace" . Paris: La Découverte, 1997, p.29

Sobre o autor
Bruno Augusto Santos Oliveira

Juiz Federal. Juiz Auxiliar da Coordenação dos Juizados Especiais Federais da 1ª Região (entre fevereiro de 2003 a outubro de 2004). Responsável pela concepção, implantação e gestão (até setembro de 2004) do Juizado Virtual do TRF da 1ª Região. Mestre em Direito Constitucional Comparado pela Cumberland School of Law (EUA). Mestre em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. Juizado Virtual:: o deslocamento do centro de gravidade ontológico do processo-papel para a problemática da eficiência da Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 464, 14 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5812. Acesso em: 18 nov. 2024.

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