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Apontamentos iniciais sobre a interpretação das leis

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Agenda 01/06/2017 às 01:09

O presente artigo pretendia ser pequeno e breve, porém o caudaloso tema da hermenêutica e da interpretação não permitiu, contudo houve um sincero esforço para trilhar um didático passeio ao longo da evolução do Direito.

Resumo:

O presente artigo pretendia ser pequeno e breve, porém o caudaloso tema da hermenêutica e da interpretação não permitiu, contudo houve um sincero esforço para trilhar um didático passeio ao longo da evolução do Direito e das formas de interpretação e de apreensão da realidade seja do caso concreto, seja do ideal de justiça.

Abstract

This article intended to be small and brief, but the mighty theme of hermeneutics and the interpretation is not allowed, but there was a sincere effort to walk a teaching tour throughout the evolution of law and forms of interpretation and understanding of reality is the case specifically, is the ideal of justice.

Résumé

Cet article destiné à être petite et brève, mais le thème puissant de l'herméneutique et l'interprétation n'est pas autorisé, mais il y avait un effort sincère de marcher une tournée d'enseignement tout au long de l'évolution du droit et des formes d'interprétation et la compréhension de la réalité c'est le cas Plus précisément, c'est l'idéal de justice.

Palavras-Chaves: Interpretação, hermenêutica, positivismo, exegética, métodos interpretativos. Filosofia do Direito. Teoria Geral do Direito.

Mots-clés : Interprétation, l'herméneutique, le positivisme, exégétiques, les méthodes d'interprétation. Philosophie du Droit. Théorie générale du droit.

Keywords: Interpretation, hermeneutics, positivism, exegetical, interpretive methods. Philosophy of Law. General Theory of Law. 

A interpretação das leis em geral visa focalizar determinada relação jurídica, identificando de forma clara e exata a norma[1] estabelecida pelo legislador e que deve ser aplicada ao caso concreto.

E, esta não se confunde com a hermenêutica jurídica que corresponde à parte do Direito enquanto ciência que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos que devem ser utilizados para que a interpretação se realize.

Também não se confunde com exegese que segundo o Dicionário Básico de Filosofia de autoria de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes explica que exegese advém do grego exegesis, de exegeisthai: explicar, interpretar. Corresponde à interpretação filológica ou doutrinal de textos fundamentais caracterizados por sua incompreensibilidade literal e por sua obscuridade devidas ao fato de terem sido escritos há muito tempo, em outro contexto cultural. Exemplo: a exegese da Bíblia, dos textos das leis etc.

Portanto, a interpretação consiste em aplicar as regras[2], que a hermenêutica perquire, sistematiza e ordena, para bom entendimento e aproveitamento dos textos legais. Em verdade a interpretação dos textos legais e de normas jurídicas se relaciona diretamente com a eficácia do ordenamento jurídico.

Conveniente lembrar que tanto a hermenêutica como a interpretação não se restringem aos estreitos termos da lei ou da norma jurídica posto que em razão de sua generalidade[3] em sua forma possui naturalmente suas limitações.

Obviamente que a definição do direito não apenas corresponde àquilo que a lei exprime e, que se deve endereçar tanto a hermenêutica como a interpretação, num esforço em alcançar finalmente o que o legislador não conseguiu bem expressar de forma clara e segura. Tal atividade nem sempre foi do intérprete[4].

Lembremos que no passado remoto, existiam sérias restrições à interpretação, vide o terceiro parágrafo do Digesto, onde Justiniano determinou a proibição de haver comentários interpretativos à sua compilação tipificando o crime de falso condenando tais obras a apreensão e destruição.

Aliás, etimologicamente a interpretação[5] vem do latim interpretatio, do verbo interpretare que significa explicar, traduzir, comentar ou esclarecer. Na acepção jurídica corresponde a tradução do sentido ou do pensamento que seja contido em lei, na decisão judicial, no ato ou contrato[6].


 Através da interpretação o que se procura é sondar a intenção ali embutida na norma, ou seja, fixar a inteligência verdadeira do que se interpreta para que assim se possa cumprir fielmente o pensamento ou a intenção do legislador.

 Interpretar serve para esclarecer ou explicar por outras palavras, o exato sentido do escrito e, não deve ir além da intenção objetivamente positivada. Portanto, não deve a interpretação pender mais para a anulação do que para a validade[7].

É o que se deduz do brocardo: “Interpretatio in dubio, ea sempre servanda est, quae valitatem actus inducat” (quando houver dúvida, preferencialmente se deve aceitar a interpretação para a validade do ato do que o anular). Isto significa que a interpretação não deve admitir o absurdo, e deve procurar fixar a intenção que se quer traduzir, sem o invalidar. Também se recomenda diante da causa ambígua deve interpretar-se de tal sorte que a coisa fique a salvo para o autor.

Diante de expressões ambíguas, deve-se atender mais particularmente à intenção de quem ater-se mais ao sentido do que às palavras, e observando ainda que qualquer variante nos fatos faz variar também o direito.

Interpretar significa remontar de um signo ao seu significado, parece indicar o modo de perceber, de entender algo apresentado pelo mundo externo.

 A interpretação na Idade Média se expressou através de Boécio que comentou o tratado de Aristóteles, e encontra-se também em Tomás de Aquino, prendia-se à gramaticalidade do texto, onde a retórica foi rapidamente substituída pela dialética.


Desta forma, interpretar significa trazer a lume um sentido oculto, o que acentua ainda mais o humanismo principalmente por algumas obras de pensadores como Marsílio Ficino e Pico dela Mirandola, permitindo o maior acesso das pessoas do âmago do texto interpretado.

Portanto, juridicamente a interpretação exprime uma tradução, revelação, determinação contida na intenção do escrito para que afinal se encontre a exata aplicação[8], originariamente desejada.

Inicialmente se concluiu só devia interpretar o que não está claro, o que justificava plenamente outro brocardo: interpretatio cessat in claris. Porém, contemporaneamente a necessidade da interpretação principalmente a jurídica foi ratificada assim sempre deve ocorrer a fim de prestigiar os valores supremos tutelados pela ordem jurídica, especialmente os direitos fundamentais, as garantias constitucionais e, particularmente o respeito à dignidade humana.

 Etimologicamente, hermenêutica é palavra que advém do grego hermeneutikós. E inicialmente era termo inicialmente teleológico, referindo-se à metodologia própria de interpretação da Bíblia. Mais tarde, a hermenêutica passou a designar todo esforço científico de interpretar um texto difícil.

No século XIX, Dilthey[9] vinculou o termo “hermenêutico” à sua filosofia da compreensão vital; as formas de cultura, no curso da história e que devem ser apreendidas através da experiência íntima do sujeito. E, nesse sentido cada produção espiritual é somente o reflexo de uma cosmovisão, portanto toda filosofia, em particular, é uma “filosofia de vida” [10].

Contemporaneamente entendemos que toda hermenêutica constitui uma reflexão histórica, filosófica, interpretativa ora compreensiva sobre os símbolos ou mitos em geral. Naturalmente a hermenêutica autêntica identifica a evolução de conceitos e da jurisprudência. Atualmente engloba não somente textos escritos, mas toda espécie de manifestação cultural humana.

A hermenêutica é a ciência do deus Hermes (cuja função era tornar inteligível aos homens, a mensagem divina), que era quem tinha o conhecimento sutil, pois permitia as correspondências secretas entre o visível e o invisível, entre o homem e o universo, abrindo acesso à luz que faz do homem um ser novo e original.

Daí advém à concepção de que a interpretação só pode ser feita e decifrada por iniciados. Na hermenêutica jurídica estão inseridos todos os princípios[11] e regras que devem ser ciosamente usadas para a interpretação.

A interpretação será classificada de doutrinária quando for baseada na teoria dos jurisconsultos que dá sentido instrutivo e expõe o sentido da lei calcado nas razões jurídicas que justificam seu conteúdo.

Os hermeneutas ou intérpretes utilizam-se vários elementos[12] para se galgar a interpretação pretendida. Desta forma, pode ser classificada como: gramatical, lógico-científica ou sistemática que se justifiquem através próprios significados dos adjetivos utilizados.

A interpretação será extensiva ou ampla quando se procura determinar a real extensão da aplicação do texto. Será restritiva ou stricta quando vier excluir de sua aplicação casos que, aparentemente, incluídos no significado de suas palavras, contrariam seu espírito.

A interpretação declarativa ou gramatical vem apontar simplesmente o sentido da lei. Alerta-se que nem sempre a lei pode ser interpretada extensivamente, é o caso da lei penal que não admite a referida interpretação, máxime quando se tratar de qualificação do crime ou aplicar a pena. Da mesma forma, se cogita da interpretação restritiva.


É verdade que até hoje se debate muito sobre a possibilidade de nítida distinção entre os campos de estudos da Filosofia e da Teoria Geral do Direito[13], é particularmente na seara da Hermenêutica Jurídica que o busilis se aviva, possibilitando várias conclusões que podem contribuir para melhor compreensão das preocupações e funções da Filosofia do Direito.

A interpretação[14] inclui a prévia determinação do âmbito ôntico (do ser) em que se situa, interage e envolve e, ainda a estrutura objetiva daquilo que se coloca como matéria de compreensão.

O processo de exegese[15] pressupõe ou implica na análise da estrutura ou da natureza daquilo que se quer interpretar. Assim, o primeiro desafio corresponde a responder: Qual espécie de realidade corresponde à norma jurídica?

Com a missão de atender a tal indagação angustiante tem imbuído os estudiosos da teoria da interpretação sendo muito elucidativa a obra de Emílio Betti, “Teoria Geral da Interpretação”, cujo primeiro volume é dedicado à compreensão dos pressupostos da teoria hermenêutica, pretendeu fixá-la sobre o mesmo terreno fenomenológico da ciência, sem se filiar a qualquer sistema filosófico particular.

É preciso captar a correlação entre objeto-ato interpretativo que é apenas um aspecto particular da correlação “objeto-sujeito”, mas é esquecida como também são esquecidos os pressupostos filosóficos dos argumentos desenvolvidos pela interpretação[16].

Outro busilis felizmente já superado pelo neopositivismo[17] é saber se é mesmo possível uma teoria de interpretação jurídica que seja válida para ciência positiva do direito.

Evidentemente não é possível sustentar uma teoria da interpretação que seja cega ou indiferente à problemática filosófica, relativa aos valores e fins da ideologia que tramam os condicionantes inevitáveis dos ambientes culturais e sociais capazes de propiciar melhor entendimento e comunicabilidade, bem como atender a complementação dinâmica existente entre teoria e prática.


Quer se considere a regra de direito um simples enunciado de relações entre fatos (tese fisicalista) ou mero enunciado de relações linguístico-formais (tese analítica), pois essas posições coincidem na mesma atitude avalorativa, pois o que vem antes da norma jurídica não é matéria da Ciência do Direito (o que reafirma o caráter histórico do Direito), mas sim, de Sociologia Jurídica ou da Política do Direito[18].

Assim, avaliar como boa ou má a regra emanada pelo Poder competente, julgar se oportuna ou não, seria assunto metajurídico muito próprio de ser estudado pela Filosofia do Direito. Desta forma, a problemática interpretativa situa-se na seara empírico-positiva da Teoria Geral do Direito. De maneira que as perquirições éticas e a funcionalidade psicológica social da norma jurídica atendem as exigências da vida prática e da realização do direito.


Desta forma, evidencia-se que o campo da Hermenêutica Jurídica conforme esquadrinha a doutrina é o resultado da supressão de problemas que depois, malgrado os propósitos de estrita positividade de seus autores, acabam por reaparecer no momento da discussão dos diversos processos e vias a serem seguidos pelo intérprete em face da experiência concreta.


O ato de interpretar objetivamente reside na necessidade de ser captado de maneira efetiva e integral, tudo aquilo que as normas jurídicas representam como instrumento de vida, como formas de composição entre complexos conflitos valorativos e fáticos vividos pela sociedade a que se destinam.

O positivismo clássico[19] quase sempre concretiza o paradoxo de contentar-se apenas com uma parte da realidade, em virtude de uma deficiente compreensão do que seja “objetivo” e “positivo” principalmente em face de realidades histórico-culturais, que exige maior objetividade para sua melhor compreensão.

Analisar qual fenômeno representa o ato interpretativo não apenas no sentido positivista[20] mas dentro de processus genético ou de evolução histórica do Direito é um renovado desafio.


A interpretação do sujeito cognoscente que é incidente sobre as leis, normas, regras e princípios deve atender a objetividade geral. Ouso afirmar que a interpretação é constante e por vezes até inconsciente.


E, o direito tanto quanto os demais produtos da civilização, significa uma das objetividades individuais que se constituem através das funções axiológicas e práticas da consciência. E que tanto o aspecto sociológico como o psicológico vigem fortes efeitos (vide Miguel Reale, Filosofia do Direito, 4. ed., págs. 318 e seguintes).

Tanto as certezas científicas como as objetividades condicionam e se inter-relacionam principalmente no ato interpretativo. Como o direito implica sempre num “dever- ser”, recomenda-se atender a natureza axiológica da realidade social[21]. Ao interpretar a norma deve-se procurar qual valor é mais relevante e igualmente mais prestigiado pela ordem jurídica.


Mas para se prover uma análise fenomenológica do ato interpretativo basta perceber que o objeto da interpretação é necessariamente distinto da pessoa do intérprete, porém essa abstração não veda a presença da subjetividade no plano do conhecimento e, nem as diversas posições teóricas que descrevem a essência e a gênese do conhecimento.

A contraposição sujeito-objeto é um pressuposto do ato interpretativo que não se resolve numa introspecção, num “estar em si”, visto que se dirige sempre a algo logicamente posto como “distinto de si”. Aliás, a atenção ao esquema sujeito-objeto resta em muito superado, pois em verdade, a interpretação é fenômeno que se dá entre sujeito-sujeito, o que confirma a ruptura do paradigma da metafísica clássica[22], e inaugura a metafísica moderna que enxerga sentidos (o objeto a interpretar) na mente e o sentido então passam a se dar na e pela linguagem (grifo nosso).

Não posso interpretar a mim mesmo, posto que jamais possa ser diverso de mim mesmo: a rigor, não me interpreto no sentido próprio do termo.

 Portanto, a interpretação é sempre um momento de intersubjetividade que tenta captar e trazer a mim o ato ou obra de outrem, a criação alheia. É ler o outro com olhos próprios.


A finalidade do ato interpretativo é pois o domínio, o apoderamento de um significado objetivamente válido. Ao interpretar uma música, um poema, uma lei ou uma obra de arte, automaticamente enriqueço-me, pois toda a interpretação representa um acréscimo em meu ser significante, um acréscimo à minha percepção e julgamento.


De outro lado, a validade daquilo que se interpreta não deixa, também de ser objetivada pelo fato o intérprete não pode deixar de se inserir, com a riqueza ou a pobreza de seus recursos pessoais, no âmago do processo para compreensão e reprodução daquilo que foi pensado e criado por outrem.

O primeiro pressuposto do ato interpretativo é a objetividade, assim o intérprete não se restringe a reproduzir o que interpreta, mas de certa forma, contribuiu também para constituí-lo em valores expressivos.

Para a experiência jurídica, consideramos que só se tornou possível o conhecimento científico na medida em que o processo normativo se torna objeto, sendo o ápice do desenvolvimento de uma vontade subjetiva, razão pela qual a ação é considerada pela norma é sempre tomada na sua tipicidade, o que quer dizer, não na sua individualidade e imediatidade (immediatezza), mas incluída em um tipo ou classe de ações.

Em verdade, não se interpreta coisas, e sim, atos. Interpreto a intencionalidade em sentido lógico e não o sentido psicológico do termo. As intencionalidades objetivadas constituem, pois, o domínio próprio da interpretação, pelo qual se traduz em ser ato dirigido a algo em razão de alguém e vinculado às estruturas inerentes ao objeto interpretável. Nesse sentido, é pertinente a afirmação de Nietzsche: “fatos não há, só há interpretações”.

O filósofo alemão sugere pôr a prevalência interpretativa no processo de estabelecimento de “verdades”, assim a primeira forma de verificar o que significa hermenêutica pode ser inicialmente entendida como a forma de priorizar a interpretação do mundo sobre a realidade existente no mundo[23].

Ao interpretar o pôr do sol, a emoção que nos assola, o sentimento estético, não resulta da compreensão de um sentido que lhe seja inerente como elemento constitutivo: nasce, pura e simplesmente, da recepção de um dado objetivo que se converte, no plano da consciência, em motivo de beleza e de encantamento.

Portanto, somos nós que compomos axiologicamente a imagem recebida, a mensagem lida e interpretada ou uma cena assistida, e surge incontinenti uma diversa forma de objetividade, correspondente a uma “objetivação do sentido”.

É também dessa ordem, a realidade do objetivo e de todos os objetos culturais, cujo conhecimento se resolve numa “compreensão de sentido” conforme observa Karl Engisch: “é só através da interpretação como compreensão que é posto a claro e apreendido o conteúdo material intrínseco das regras jurídicas”. Então ao interpretar passo apreender todo o teor intrínseco da norma jurídica.

Evidentemente a objetividade do ato interpretativo das normas jurídicas não é comparável à objetividade existente nas ciências naturais e físicas.

A liberdade do intérprete fica contingenciada aos limites da estrutura objetivada, até porque vige um dos princípios essenciais à fidelidade ao esquema ou estrutura positiva, portanto o investigador procede com relativa liberdade.

Podemos elencar no estudo do ato interpretativo dois pressupostos: o primeiro que é a exigência de uma objetivação do espírito em formas representativas; e o segundo que é a consequente vinculação do intérprete às estruturas e limites peculiares a cada tipo de objetivação.

E, por fim, para cada tipo de objetivação há processos próprios e adequados à sua compreensão. Concluímos que a interpretação das artes, e a do direito perfazem diferentes hermenêuticas conforme as diferentes manifestações da experiência humana.


Outra condicionalidade da hermenêutica jurídica jaz na típica liberdade ou problematicidade do ato interpretativo na medida em que procura recriar e expressar as intencionalidades objetivadas. O ato interpretativo, afinal é ato de vontade ou de intelecção?

É evidente a insuficiência dos processos lógico-formais na atividade jurisdicional, esclarece que a liberdade do juiz, ao prolatar uma sentença, se revela antes no ato de “pôr as premissas” de seu raciocínio.

Na determinação das premissas o juiz é sempre livre, se se entender por liberdade a exclusão daquela necessidade aproblemática, que é própria do tautologismo silogizante, mas nunca é livre, se por liberdade se entender a mera possibilidade arbitrária de se decidir em um sentido ao invés de outro.

No ato de julgar em seu processo mental[24], cuja eficiência depende o valor real da sua jurisdição, mas não é absolutamente necessitado, nem absolutamente livre. Evidentemente que a capacidade de escolha e de decidir varia segundo diferentes referenciais objetivos histórico-sociais[25], mas em nenhum destes, é tão vasto como nos domínios do Direito.

O ato de interpretar não exclui as múltiplas vias de acesso ao sentido do objeto a que se dirige e, a variação de sentido embora muito frequentemente ocorra, unanimidade quanto à determinada forma de interpretar.


Cabe distinguir conforme ensina Cesarini Sforza entre ato normativo e norma, visto como “o puro e simples enunciado de uma norma” pressupõe sempre, ou que o comportamento tenha sido querido, ou possa ser querido como típico.


Sendo certo que o ato normativo que consiste sempre num ato de vontade real ou virtual e precede de forma lógica e temporal à fórmula normativa (enunciação da norma) [26].

Miguel Reale[27] com razão critica tal concepção tão apegada ao império da vontade do legislador afirmando, por exemplo, que um ato de vontade, ou um ato normativo que se esconde atrás da fórmula normativa, é propriamente, ou melhor, é antes exclusivamente neste que consiste a realidade do direito (que não se exaure em um conjunto de fórmulas como artigos das leis, mas ao contrário, se identifica com a multiplicidade de atos normativos).

A recondução do ato de interpretar às fontes fático-axiológicas permite concluir que não há fato onde não incida em valores. De forma que a imperatividade jurídica não é apenas de caráter voluntarista, mas sim necessariamente axiológico, resultando do processo de objetivação dos valores que se realiza através de manifestações concretas da vontade.

No normativismo concreto, o ato normativo e ato interpretativo são elementos que se co-implicam e se integram não se podendo, senão por abstração e, como linha de orientação da pesquisa, separar a regra e a situ apenas ação regulada.

Procura-se na complexa relação de fatos e valores destinados em princípio a atender as exigências sociais através da interpretação de certeza e de segurança dentro de certo ambiente histórico-cultural, onde está norma e o caso concreto.

Já o intérprete visa compreender a norma, a fim de aplicar em sua plenitude o significado nesta objetivado, tendo presentes os fatos e valores dos quais a mesma promana, assim como os fatos e os valores supervenientes.

Padece então a atual hermenêutica jurídica de horror ao transcendental revelando a interpretação ser a mera explicitação de ordem formal. Reconhecido que toda norma jurídica aponta para uma direção desejada por outrem (o legislador) em função de valorações dominantes contidas em certo contexto histórico-social, ou seja, num império de valores onde surgem os condicionantes dos processos interpretativos.

A norma não é mero comando volitivo do Estado, é antes de tudo, prescrição axiológica em razão da enorme importância dos valores que exercem no meio social.

Portanto, a norma jurídica não é puramente volitiva, mas fundamentalmente axiológica[28], é uma veste racional de um valor. É um esquema protetivo para a coexistência pacífica em sociedade.

Não importa tanto a explicação da mesma, mas sim, a aplicação. O intérprete não é apenas o destinatário do comando legal, nem quem a fiscaliza sua observância. O intérprete é responsável pela interpretação da norma à realidade que pretende que pretende disciplinar.

Enfim, a necessidade primacial da interpretação das normas é uma consequência também da destinação prática de seus preceitos. A procura da intenção do legislador só traça a busca pelas valorações originárias que condicionaram a primeira objetivação normativa, o que seria um erro por ser apenas mais um elo do longo processus, no instante em que a regra jurídica é objeto de interpretação à luz de novos e supervenientes esquemas valorativos e estimativos.

Jamais se poderá deixar de interpretar a norma jurídica que repercuta simultaneamente um valor e um objeto de volição. Há definitivamente uma essencialidade do ato interpretativo[29].

Toda a interpretação jurídica tem de natureza axiológica assim pressupõe a valoração objetivada na proposição normativa (essencialidade axiológica do ato interpretativo ou imperativo axiológico).


Toda interpretação resta condicionada por um conjunto de situações fáticas, cronológicas e que aclimatam a objetivação da norma. 


Toda interpretação tem como pressuposto o caráter necessariamente lógico apesar de possíveis resultados ilógicos (essencialidade lógica do ato interpretativo).

O esforço de objetivação e de racionalização é uma das principais características da experiência histórica do Direito, que sempre evolui na direção do ideal de justiça. E a justiça contemporânea é muito axiológica, sendo objeto de estudo das ciências humanas e sociais.


Realmente da construção conceitual da justiça, o jurista poucas vezes é partícipe, de maneira decisiva da formulação das normas jurídicas nem por isso, deixa de ser altamente responsável por sua exegese e aplicação ao caso concreto.

Se a lei é injusta, obscura, inadequada à realidade socioeconômica, eis o locus adequado que atua a dignidade da jurisprudência principalmente ao destrinchar a ratio legis. Ao adaptar o ideal de justiça traçado na norma ao caso concreto em julgamento. Em adaptar a inércia do ditame legislativo à dinâmica do caso em julgamento.

Outro fator importantíssimo para objetivação e racionalização normativa é a análise dos princípios que pressupõe a ser o vetor condutor da unidade lógica de todo ordenamento jurídico.

Bem classificável é a interpretação com relação o agente que pode ser: pública ou privada. A interpretação pública é a prolatada pelos órgãos do Poder Público (quer seja, Legislativo, quer seja Executivo e quer seja do Judiciário), é a chamada interpretação autêntica.


Será privada quando for efetivada por particulares, especialmente pelos técnicos da matéria de que a lei trata, seja em forma de meros comentários, ou em laudos, ou ainda, em obras doutrinárias e didáticas.

A interpretação pública é geralmente tripartida em:  autêntica, judicial e administrativa. A interpretação judicial remonta à jurisprudência como forma de expressão de Direito. Pode-se enquadrar como costume judiciário passando a ter efeito vinculativo.


A interpretação administrativa é a realizada pelos órgãos públicos não detentores do poder legislativo e nem do poder judiciário. Ainda se subdivide em regulamentar ou casuística (que orienta no sentido de dirimir as dúvidas especiais, que dissipa controvérsias ou não, e que surge quando da aplicação das normas gerais aos casos concretos).

Há ainda outra espécie de interpretação pública que é a usualmente referida por Savigny como a advinda do direito consuetudinário. É o que chamam de costumes interpretativos (como exemplo, há no Código do Direito Canônico em seu art. 29 que expressamente aponta o costume como ótimo intérprete da lei).  Já a interpretação social é um tertium genus, que não se enquadra como pública e nem como privada.

Quanto à interpretação privada (também chamada de doutrinária ou doutrinal), refere-se a vinculada ao direito científico como forma de expressão do Direito.


Se no passado, ao tempo de Justiniano era proibida e tipificada como crime de falso posto que só se admitisse a interpretação autêntica, modernamente, no entanto, é considerada de grande prestígio o renome e capacidade de seus prolatores, sendo reconhecidamente indispensável.


Também a interpretação contida nos pareceres dos doutros não deixa de indicar relevante significado, sobretudo quando o parecerista for notoriamente coerente, justo, honesto e balizado.

Quanto à natureza da interpretação poderá ser: gramatical, lógica, histórica ou sistemática. A interpretação gramática é aquela calcada no exame do significado e alcance de cada uma das palavras do texto legal.

Representa a mais antiga das espécies de interpretação, e no direito romano[30] era a única permitida, conforme bem observou Ihering, a importância das palavras era tamanha que a omissão de uma só omissão de uma só delas podia gerar a nulidade no entabulamento do ato jurídico.

Atualmente, porém, essa interpretação, por si só, mostra-se é insuficiente para conduzir o intérprete ao bom resultado conclusivo, sendo necessário que os elementos por esta fornecidos sejam articulados com os demais, propiciados pelas outras espécies de interpretação.

A interpretação lógica é aquela que se leva mediante a perquirição do sentido das diversas locuções e orações do texto legal, e nessa conexão sempre se baseia os meios fornecidos pela interpretação gramatical.

A interpretação lógica enquadra-se noutro momento da evolução da ciência jurídica a partir do qual se passa a adotar o preceito da doutrina expresso por Celso: “Conhecer as leis não é compreender as suas palavras, mas o seu alcance e a sua força”.


Esse tipo de interpretação é relevante para se descobrir a mens legislatoris (e, não a mens legis, como afirmam alguns) e, assim decifrar a real vontade do poder público ao prescrever a norma jurídica.

A interpretação histórica é a que indaga sobre as condições do meio social e do momento da elaboração da norma também se preocupa com as causas pretéritas da solução dada pelo legislador. É há ainda a divisão em duas espécies: a remota e a próxima (de acordo com a proximidade da causa analisada da norma).

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Tanto uma como outra pretende elucidar a mens legislatoris, pesquisando a origem da lei (origo legis), observa a occasio legis em sua ambiência sociológica, econômica, política e cultural param se atingir finalmente a principal mensagem do legislador.

Para compreender a interpretação histórica próxima basta recorrer às publicações sobre os debates do legislativo em torno dos projetos e que vieram se efetivar como leis. Aliás, indico o site http://edemocracia.camara.gov.br através do qual podemos acompanhar o tramitar dos principais projetos de lei, principalmente os voltados às codificações.

A interpretação pode ser ainda sistemática posto que depois de descoberta também da mens legislatoris da norma pode e deve ser pesquisada a conexão com as demais normas do estatuto onde se encontra.

Na interpretação sistemática há dois aspectos: a) o de quando é feita em relação à própria lei a que o dispositivo pertence; b) o de quando se processa com vistas para o sistema geral do direito positivo em vigor.

No primeiro aspecto temos o caráter geral da lei; o livro, capítulo ou parágrafo onde o preceito se encontra; o sentido tecnológico-jurídico utilizado nas palavras do teor normativo.

No segundo aspecto se procura atender à própria índole do direito nacional com relação às matérias semelhantes à da lei interpretada; ao regime político do país, as últimas tendências do costume, da jurisprudência e da doutrina, no que concerne ao tema do preceito.

Recentemente, a Lei 12.056/2011 reformulou a concessão do aviso prévio (permitindo o mínimo de 30 dias e, o teto máximo de 90 dias), lembrando-se sempre que deverá o critério interpretativo ser utilizado em prol do hipossuficiente que nesse caso é o trabalhador.

Também há a classificação da interpretação quanto à extensão podem ser: declarativa, extensiva e restritiva. A declarativa é bem ligada ao enunciado da norma. E, nesse tipo, o intérprete limita-se apenas declarar a mens legislatoris com base na letra da lei.

A extensiva ou ampliativa é aquela segundo a qual a fórmula legal é menos ampla do que a mens legislatoris deduzida. Também a intepretação extensiva ocorre a partir da mens legislatoris dentro dos limites moderados e cientificamente plausíveis e adapta essa intenção do autor da norma às novas exigências da realidade social. Restritiva interpretação é aquela cujo resultado leva a afirmar que o legislador ao exarar a norma, utilizou de expressões aparentemente mais amplas que o seu pensamento.

Quando se analisa a assertiva que a interpretação das leis fiscais deve ser restritiva, posto que em caso de dúvida, a interpretação deve ser favorável ao erário pública.

Um dos meios especiais para interpretação é a equidade. Aliás, o conceito de equidade é do gênero dos chamados conceitos análogos que apresentam vários significados semelhantes e relacionados uns com os outros.

Há cinco acepções de equidade[31]: a) a de princípio similar e anexo ao da justiça; b) a de virtude ou hábito prático informado por esse princípio; c) a de direito de agir de modo conforme a essa virtude; d) a de ato de julgar conforme os ditames do mesmo princípio; e) a de jurisprudência em geral.

Em primeira acepção é de princípio da justiça, o princípio da igualdade, “dar a cada o que é seu”. Por vezes, para o suprimento do princípio da justiça contido na lei é necessário auxílio de outro princípio, àquele semelhante, mas sob outros aspectos mais extensos e mais altos, ou seja, o princípio da equidade.

Nas palavras de Ulpiano: “ius est ars boni et aequi”, o que reforça a acepção ditada por Santo Tomás de Aquino que aponta a etimologia da palavra equidade que em grego é epicikeia, correspondendo à justiça geral, o que leva o aplicador da lei a não se apegar aos estreitos limites do texto legal.

A segunda acepção de equidade é originada pela metáfora de Aristóteles que diferencia justiça de equidade. A justiça era a rígida régua, ao passo que a outra se assemelharia a uma régua maleável capaz de se adaptar as peculiaridades do caso concreto.


Sem quebrar a régua o julgador ao medir a igualdade dos casos concretos, este se vê forçado a adaptar a lei aos pormenores existentes e não previstos, ou mesmo, imprevisível pela lei, sob pena de cometer crassa injustiça e, então contrariar frontalmente a própria finalidade intrínseca das normas jurídicas.

A virtude da equidade[32] significa moderação, e corresponde no direito romano a benignitas ou humanitas. Na terceira acepção implica no verdadeiro dever do magistrado corresponde ainda a um direito (ou seja, ao direito natural de distribuir justiça equanimemente). A mais autêntica tradução do direito natural é levada por meio do uso da equidade.

Na quarta acepção é ato de julgar, e considera a equidade como forma de expressão do direito. Na quinta acepção, com o significado de jurisprudência que adquire cada vez mais um significado maior.

É essa acepção que mais se aproxima da equity of common Law, que constitui a forma supletiva do direito comum.  Agostinho Alvim divide a equidade em: legal e judicial.

A equidade legal é aquela que está contida no próprio texto da lei cujo mandamento prevê alternativas ou esmiúça a possibilidade de soluções em face de provável casuística. Exemplo dessa espécie é o revogado do art. 326 do Código Civil de 1916 sobre a guarda de filhos menores de desquitados.

O art. 20 da Lei 6.515/1977 aduz que: “Na separação judicial, fundada no caput do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa”.

A equidade judicial é expressa ou implícita pelo magistrado que recebe a incumbência da lei. Ainda cabe classificar a equidade em civil, natural e cerebrina. Será civil quando se funda exclusivamente em determinação legal.

Será natural quando a equidade se basear no direito natural que possui o juiz de distribuir com equidade a solução da lide. A cerebrina ou falsa equidade é sentimentalista e anticientífica e, sob alguns aspectos revela-se tirânica. Nesta se inclui ainda, a equidade confessional, cujas decisões estão jungidas aos preconceitos de um credo.

Há três modos de fundamentar o exercício da equidade no direito positivo brasileiro: a) nos textos que expressamente referem o termo equidade; b) nos textos que, sem referir essa palavra, direta ou indiretamente que apelam para o “prudente arbítrio” do magistrado; c) nos textos gerais, referentes à interpretação e aplicação da lei.

Podemos destacar os arts. 1.040, IV, art. 1.456 do Código Civil, art. 127 do CPC e, ainda, o art. 8 da CLT. Também nas leis especiais, como a revogada Lei de Luvas Decreto 24.150/1934(art. 16), Decreto-lei 466/1938 (art. 54), e parcialmente, o Decreto 7.404/1945, art. 176.

Com referência indireta é a equidade contida no arbítrio judicial, onde exista apelo a algum standard[33] jurídico. São exemplos: art. 424, II do Código Civil, e art. 1.218 do C.C./1916 que corresponde ao atual art. 596 do C.C. de 2002.

Há exemplos de standard jurídicos como a noção de “castigar moderadamente” contida no art. 395, I do Código Civil, a ideia de “prestação inútil” do parágrafo único do art. 956 do C.C./1916 que corresponde ao art. 1.638, I do C.C./2002, referente à mora; o critério de que, segundo o art. 1.059 do C.C. de 1916 corresponde ao art. 403 do C.C. de 2002, o lesado “razoavelmente deixou de lucrar”, em matéria de perdas e danos; o padrão previsto no art. 1.192, I do C.C. de 1916, correspondente ao art. 569, I do CC de 2002, por cuja força o locatário deve zelar pela coisa locada “como se fosse sua”, etc.

Nesses exemplos de standard há um apelo implícito à equidade do magistrado, a quem cabe julgar do enquadramento ou não do caso, à face dessas diretivas jurídicas.


Encontra ainda a equidade fulcro nos arts. 4º e 5º da LICC e, que hoje é LINB por força da Lei de Introdução às Normas Brasileiras. Bem como, o art. 127 do Código Civil.

Onde consta a obrigatoriedade de julgar mesmo em face de omissão ou defeitos da lei, e, ao mesmo tempo, a faculdade de, dentro de certos limites, adequar a lei às novas exigências, oriundas das transformações sociais das instituições.


Se as espécies de fundamento legal da equidade, examinada nas alíneas anteriores, estribam a equidade civil, esta última não há dúvida que implica um reconhecimento, levada a efeito pelo próprio legislador, da equidade natural.


A equidade cerebrina, romântica ou sentimentalista não encontra nenhuma base em lei. O próprio art. 1.040, IV do C.C. de 1916 que foi revogado pela Lei 9.307/96, art. 11, II, reproduziu o teor do art. 1.040, IV.

Excepcionalmente há no direito positivo brasileiro, existem preceitos impermeáveis à equidade. É o caso de certos preceitos, ordinariamente de ordem pública, em que ficou patente o caráter inflexível do mandamento, é o caso do art. 183 do C.C. de 1916 correspondentes ao art. 1.521 do C.C. de 2002, que proíbe o casamento entre ascendentes e descendentes.

 Pontuemos os requisitos da equidade são:

  1. A despeito da existência de casos de autorização expressa em lei, referente ao uso da equidade, essa autorização não é indispensável, uma vez que pode ser implícita (decorrente do sistema jurídico e do direito natural);

  1. A equidade, entretanto, supõe a inexistência, sobre a matéria de texto claro e inflexível;

  1. A respeito do objeto, haja determinação legal expressa, a equidade tem lugar, se este for defeituoso ou obscuro, ou, simplesmente, demasiadamente geral para abarcar o caso concreto;

  1. Verificada a omissão defeito ou acentuada generalidade da lei, cumpre, entretanto, antes da livre criação da norma equitativa, apelar para as formas complementares de expressão do direito;

  1. A construção da regra de equidade não deve ser sentimental ou arbitrária, mas o fruto de uma elaboração científica, em harmonia com o espírito que rege o sistema jurídico e especialmente com os princípios que informam o instituto objeto da decisão.

O fato de o Direito ser exarado e aplicado pelo Estado (e seus agentes) não significa que seu conteúdo seja sempre elaborado pelos órgãos públicos. O conteúdo das normas também pode ser elaborado pela sociedade, é o caso das normas consuetudinárias, ou pelos particulares, é o caso das normas contratuais, ou ainda, elaboradas por associações, grupos ou agremiações tais como sindicatos, condomínio, associação de moradores, sociedades empresariais e as sociedades civis.

A Ciência Jurídica é aquela que se confronta com a solução dos conflitos no contexto e com fundamentação em um ordenamento jurídico determinado, historicamente constituído, ou seja, dentro do que chamam de jurisprudência.

Reportam-se ao Direito e outras ciências como a História do Direito, a Sociologia Jurídica, a Antropologia Jurídica e a Filosofia do Direito.

Quanto ao método a Ciência Jurídica in stricto sensu vale-se diretamente da jurisprudência. A metodologia contemporânea se ressente da perda das certezas do pensamento jurídico. A existência do método é tão antiga quanto à própria ciência jurídica e tudo indica que tem como base o direito romano. 

O primórdio da teoria do método coincide com a iniciação da moderna ciência jurídica teve grande impacto especialmente com o método da codificação. Tal momento fora marcado por duas grandes escolas de jurisprudência e que foram responsáveis pelas vertentes metodológicas que se abrem no século XIX.


Nessa evolução podemos destacar que a escola francesa da Exegese que diverge frontalmente da escola histórica alemã. O grande denominador comum é o século XVIII notabilizado pelo iluminismo, pelo direito natural[34] racionalista.

É destaque a escola histórica de Savigny[35] que ajudou fundar a oposição às escolas filosóficas de jurisnaturalismo “que partiram da ciência da legislação para a ciência jurídica” ou do Direito reconhecendo-se primeiramente como ciência histórica e, também filosófica.

A escola histórica reconhece a existência do aspecto lógico indo além do aspecto factual registrado pela escola francesa. A área dogmática ou técnica considera o Direito vigente como conjunto de normas ou teses, ou seja, um conjunto de pensamentos normativos que tentam regular determinada realidade social.

Dessa forma, o jurista desenvolve sua atividade de acordo com o objeto da defesa ou acusação e caminha em uma destas duas direções: variável sucessiva, variável simultânea.

A escola histórica alemã notabilizou-se por grandiosa obra tanto quanto a escola francesa, criando a ciência jurídica moderna e dotada de clareza tanto no ensino como na pesquisa.

 Lembremos que o termo “ciência” não é unívoco, há autores que fortemente duvidam da viabilidade do conhecimento científico do Direito, negando a cientificidade também da jurisprudência. O que nos remete a mais antiga indagação sobre a definição de Direito, se seria uma ciência ou uma mera técnica?

 Realmente são poucos autores são os que contestam o caráter científico do Direito e o ponto fulcral em que se apoiam é a grande variação constante que se processa no âmbito do Direito positivo e ainda o caráter heterogêneo que predomina no direito comparado.

Nessa linha, Direito não poderia ser considerado ciência posto que se reduziria apenas a uma técnica como afirmou Neville Chaberlain.

Também Martha Nussbaum contesta ser o Direito uma ciência, revelando ser uma técnica por estar entre as normas em sentido formal e, não como fatos determinados pela vida espiritual da sociedade.

No século XIX a tese negativista ampliou sua argumentação apoiando-se na Escola Histórica do Direito e no positivismo jurídico que não se opunham ao caráter científico do Direito.


O historicismo[36] por defender que o Direito é produto exclusivo da história e que seu conteúdo é um “todo variável”, de acordo com as peculiares dos povos, e no positivismo, em razão de desprezar a existência do direito natural para considerar direito apenas o positivo, que não possui caráter universal e nem sempre é necessário.

Outros autores adeptos ao ceticismo científico-jurídico que entendem que o direito é insuscetível de conhecimento de ordem sistemática, posto que seu objeto, o direito modifica-se no tempo e no espaço e essa mutabilidade impede a exata construção científica (é impossível o conhecimento jurídico de ordem sistemática, em face de sua constante mutação, o que impede a exatidão da construção científica).

Outras vozes exóticas como a de Paul Roubier para quem o direito é apenas arte, porque pertence ao construído enquanto que o dado é fornecido pelas ciências particulares.

Em verdade, há três principais concepções de ciência: a racionalista (desde os gregos até final do século XVII) prevê que a ciência é unidade sistemática de axiomas (proposições não demonstráveis cuja aceitação como verdadeira se impõe na formação de uma pretérita sequência lógica), postulados e definições, que determinam a natureza e as propriedades de seu objeto e de demonstrações, que provam as relações de causalidade que regem o objeto investigado.

A concepção racionalista de ciência era hipotético-indutiva (ou seja, definia o objeto e suas leis, e daí deduzia propriedades, efeitos posteriores e previsões). Tal concepção parte dos casos particulares para deduzir a verdade geral.

Empirista é a concepção de ciência mais voltada para medicina grega de Aristóteles até o final do século XIX. A ciência é uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem induções, e que, ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas propriedades e suas leis de funcionamento.


A teoria científica resulta das observações e experimentos, de modo a verificar e confirmar os conceitos, mas tem função de produzi-los. Eis porque, nesta concepção, sempre houve o cuidado para estabelecer métodos experimentais rigorosos, pois deles dependia a formulação da teoria e a definição de objetividade investigada.

Essa concepção é hipotético-dedutiva (parte de suposições sobre o objeto, realizava observações e experimentos) e, então se chega à definição dos fatos, suas leis, suas propriedades, seus efeitos posteriores e as previsões.

A concepção construtivista (iniciada em nosso século) considera ciência uma construção de modelos explicativos para a realidade e não uma representação da própria realidade. Dessa forma, combina o racionalismo de um lado, e de outro, o empirismo e, ainda, um terceiro que traz a noção de conhecimento aproximativo e corrigível.

Propõe uma superposição de juízos de fato e de valor, não havendo confusão entre política e ciência. Para a maioria dos estudiosos a jurisprudência é ciência posto que contenha todas as notas peculiares do conhecimento científico, e por ser conhecimento sistemático metodicamente obtido e demonstrado, dirigido a um determinado fim.

A ciência exige coerência entre seus princípios orientadores; que os modelos dos objetos sejam construídos com base na observação e na experimentação; e que os resultados obtidos possam não só alterar os modelos construídos, mas também alterar os próprios princípios da teoria, corringindo-a. A ciência se aperfeiçoa pelas múltiplas verdades que governa.

Desta forma, ciência no singular refere-se às diferentes maneiras de realização do ideal de cientificidade segundo os diferentes fatos investigados e os diferentes métodos e tecnologias empregados.

É evidente que toda e qualquer ciência é humana posto que resulte da atividade humana de conhecimento já a expressão “ciências humanas” refere-se àquela que têm o próprio ser humano como principal objeto.

 Verificamos que tal objeto de estudo é recente, pois a ideia do homem como objeto científico foi surgida notadamente no século XIX. Aliás, surgiram bem depois que as ciências matemáticas e naturais já estavam construídas que já tinham definido o patamar de cientificidade.

A percepção de que as ciências humanas sejam recentes e que os seres humanos são diferentes das coisas naturais é antiga. Porém a imposição de um método para a investigação humana realizou-se de três formas:

  1. Período do humanismo (iniciou-se no século XV com os ideais renascentistas da dignidade da pessoa humana), como centro do universo, e prossegue nos séculos XVI e XVII como o agente moral, político e técnico-artístico destinado a dominar e controlar a natureza e a sociedade;

No século XVIII surge o conceito de civilização e de aperfeiçoamento das instituições sociais e políticas e o desenvolvimento das artes, das técnicas e dos ofícios.

  1. Período do positivismo: inicia-se no século XIX com Augusto Comte, para quem a humanidade atravessa etapas progressivas, indo da superstição religiosa até a metafísica, e à teologia para chegar finalmente à ciência positiva, ponto final do progresso humano.

  1.  Período do historicismo desenvolvido no século XX por Dilthey[37], filósofo e historiador alemão do idealismo alemão (Kant, Fichte, Schelling e Hegel) insiste na diferença profunda entre homem e natureza; bem como na diferença entre as ciências humanas e as ciências naturais.

A ruptura epistemológica é expressão criada pelo filósofo Gaston Bachelard para explicar a descontinuidade do conhecimento científico. A quebra das explicações sucessivas e contínuas.

Karl Popper conclamou: “aqueles que acreditam no homem tal como ele é” (complexo, inacabado e indeterminado) e, que por essa razão, não enterraram a esperança de vencer a violência e a ausência de razão, deveriam (...) proporcionar a cada pessoa o direito de organizar por si mesma a sua própria vida, na medida em que isso é compatível com direitos iguais dos outros. (In POPPER, Karl. Racionalismo Crítico na Política, Brasília, UNB, 1994, p.9).

O estruturalismo[38] permitiu que as ciências humanas criassem métodos específicos para o estudo de seus objetos, livrando-se as explicações mecânicas de causa e efeito, sem que por isso tivesse de abandonar a ideia de lei científica.

No estruturalismo[39], o todo não é a soma ou somatório das partes, nem o conjunto de relações causais entre elementos isoláveis, mas é um princípio ordenador, diferenciador e transformador. Uma estrutura é uma totalidade de sentido. É uma estrutura articulada, dinâmica e interagente.

O marxismo contribuiu para que entendêssemos que os fatos humanos são instituições sociais e históricas produzidas não pelo espírito pela vontade livre dos indivíduos, mas principalmente pelas condições objetivas qual a ação e o pensamento humano devem realizar-se.

Mas, seria o Direito uma técnica?

O termo grego téchne já mostra a distinção originária com relação à arte e à ciência. A técnica não é privativa do humano posto que se manifeste em qualquer ser vivo, e responde a uma necessidade de sobrevivência[40].

Técnica e arte não se diferenciam, etimologicamente, tido repousando no “fazer”, ou mais precisamente, no “saber-fazer”. O termo técnica veio com tempo enriquecem semanticamente. O filósofo alemão Spengler define a técnica como “tática de vida”.

Bacon identificou a técnica com sentido pragmático de realizar o bem-estar. A priori seria o objetivo da ciência: culminar na técnica para a realização do conforto humano. E, neste caso, a técnica sempre seria um produto ou um resultado do conhecimento em geral.

Segundo André Franco Motoro[41] os antigos definiam a técnica como recta ratio factcbilium, em oposição à ciência moral definida como recta ratio agibilium.


A ciência técnica e a ciência moral consistem sempre em saber: “saber-fazer” corretamente, no primeiro caso, e um “saber-agir” no segundo. Alguns autores como Garcia Maynez reduzem o campo da técnica jurídica ao da aplicação do direito objetivo aos casos concretos.  Porém, este é apenas um setor da técnica jurídica que, em síntese, podem ser assim indicados:

a) Técnica legislativa referente à elaboração das normas jurídicas incluindo todo processo desde a feitura do projeto de lei, sua redação, discussão, emendas até final aprovação, e por fim, a sanção e publicação;

b) Técnica de interpretação também chamada de hermenêutica jurídica. Segundo Carlos Maximiliano é “o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e determinar o sentido e o alcance das expressões do direito”.

c) Técnica de aplicação do direito que pressupõe a interpretação, mas não se confunde com esta; aplicar o direito significa enquadrar o caso concreto na regra ou norma jurídica adequada.  A aplicação é a operação final da verificação do significado da norma.

d) Técnica processual que representa um conjunto de meios adequados a conduzir uma ação em juízo.

Antes de decifrarmos o que é a interpretação, é imperioso responder o que é afinal o Direito? E, para tal tarefa, nos apontou Ruy Rosado de Aguiar Júnior que há várias correntes significativas, a saber: Direito é norma (Kelsen); Direito é conduta (Cossio); Direito é fato (realismo norte-americano[42] e escandinavo).

O conceito de Direito por vezes é um problema metajurídico, situando-se fora da atuação do jurista. Por vezes, pertence à Filosofia do Direito (mais particularmente a epistemologia e a ontologia jurídica).

A expressão “Direito” é polissêmica e designa realidades conexas e relacionadas entre si. É norma ou sistema de normas, é experiência jurídica, é experiência social (tipo de direito vigente em determinado tempo), é qualidade do justo (elemento axiológico).


Apesar de ser intensa a variação do objeto de estudo, a jurisprudência e o direito só tiveram seu caráter científico no século XIX e cujo primado foi a separação a Moral e o Direito.


Aliás, o conceito de Direito de Dante Alighieri in verbis é bem ilustrativo: “O Direito é uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a”.

Pela teoria pura do Direito[43] é norma, e o conhecimento jurídico se dirige exatamente para estas normas que conferem a certos fatos o caráter de atos jurídicos ou antijurídicos, pois só as normas podem ser o objeto do conhecimento jurídico é o que afirmou Hans Kelsen.

Importante é fixar o âmbito da validade e da vigência da norma aplicada, e não há mais nenhum critério jurídico que possa auxiliar as possibilidades decisórias. O grande desafio é descobrir qual dessas possibilidades é a mais justa, porém esse problema se encontra mais na política do Direito (fora do conhecimento jurídico).

O Direito não é norma, e sim conduta normatizada (Cossio), aponta, portanto a conduta como objeto de estudo da ciência jurídica. O reforça o caráter ético do Direito.

O Direito como conduta sofre interferência subjetiva é, portanto cultural, e pode ser positivo ou negativo, podendo ser conhecido através do ato de apreender a realidade existente no mundo através da experiência e do valor. A conduta jurídica não pertence somente ao indivíduo e só é jurídica na medida em que proporciona a outrem. O enfoque na conduta justifica posto que seja sancionável porque se exterioriza, e materializa a intenção.

Define Cossio a interpretação como ato de compreensão da conduta através de certos esquemas conceituais fornecidos pelos standards chamados de leis, atingível através do método empírico-dialético[44].

No entanto, para os realistas, deve a ciência jurídica se ocupar de fatos e não de entes metafísicos, tais como dever jurídico, direito subjetivo e, etc. Criticam os realistas a ideia de que o Direito cria vínculos, pois isto não está no mundo do ser, e não há realidade sensível nessa relação de causalidade. O que existe é o fato somente e a consequência virá a ser ditada pela sentença. E, ambos são fatos reais: o fato e a sentença.


A crença de que o efeito reconhecido na sentença decorre da existência do Direito é mística, servindo apenas para tranquilizar, atendendo nossos anseios de segurança.

Ao afirmar a relação jurídica entre pessoas, e notadamente, entre sujeitos de direito é uma predição social feita através do juiz, que irá decidir a favor de um ou outro. Portanto, interpretar é conhecer as situações de fatos presentes e criar a norma para o caso concreto. Daí reafirmar-se que o Direito é uma ciência social aplicada[45].

Mas afinal interpretar é ato da vontade ou ato de conhecimento e intelecção?

A interpretação como ato de conhecimento é vista pelos racionalistas que entendem ser o homem capaz de organizar sua vida com a razão, emitindo leis perfeitas, harmônicas e completas, criando um ordenamento jurídico completo (é o mito da completude da norma) sendo um sistema pronto e acabado e que aos juízes e demais aplicadores do Direito caberia apenas apreender o conteúdo dos conceitos legais e aplica-los aos casos concretos.

O conhecimento do direito positivo acarretaria o descobrimento da verdade jurídica e a interpretação poderia ser correta ou errada, conforme a veracidade ou falsidade do conhecimento do jurista. O juiz há de ser imparcial e neutro, um servo da lei, que nada acrescenta ao fenômeno jurídico, sendo apenas a intermediária para se chegar à solução através da lógica formal.

Já os antiracionalistas acreditam que a interpretação é ato de vontade, influenciado por diversos fatores de ordem psíquica, social política e, etc. O ato de criação da norma é ato de vontade seja do legislador, seja do aplicador. E, nessa ótica, não poderia se classificar a interpretação em verdadeira ou falsa, mas como justa ou injusta.

Kelsen posiciona-se nessas duas correntes doutrinárias, para dizer que a atuação do jurista enquanto operador de Direito, corresponde apenas ao ato de conhecimento da ordem jurídica para estabelecer o âmbito de execução da norma aplicável,

Havendo uma gradação hierárquica entre a Constituição e a lei ordinária. E, também entre a lei e a sentença. Portanto a interpretação será sempre necessária para o jurista para a criação da norma inferior (ou para sua execução), atividade essa que o constituinte reserva ao legislador ordinário, e este ao Juiz, e o Juiz ao executor.

Como a norma superior é sempre mais ou menos indeterminada, ou porque intencionalmente se quis deixar maior espaço para o criador da norma inferior, ou porque indubitavelmente há sempre uma margem de indeterminação (as palavras não possuem sentidos únicos, ou pode haver aparente contradição entre normas aplicáveis).

Cabe ao jurista na interpretação da lei, estabelecer as diversas possibilidades decisórias. Portanto, não se tem necessariamente uma única decisão, como se esta fosse a única forma justa ou reta, mas várias decisões para cada uma das quais possuem um valor idêntico ao das outras, apesar de apenas uma só destas, vir a ser[46] direito positivo através da sentença judicial.

Desta forma, é curial reconhecer que também o juiz de Direito cria o direito com relativa liberdade em sua função seja pela vinculação material do legislador, seja pela vinculação aos fatos. Mas, ao produzir a norma individual no processo, fornece um conteúdo concreto no âmbito da norma geral, é uma função da vontade.

A grande crítica à Teoria Pura do Direito é recusar ao jurista a possibilidade de realizar qualquer consideração sobre princípios éticos de bem ou mal, de justo ou injusto, por serem determinações que não procedem do direito positivo.

Assim sendo, o ordenamento positivo seria o único parâmetro e o limite do pensamento jurídico o que reduz a norma ao purismo absurdo, eliminando o caráter metajurídico e subordinando o jurista apenas à lei exarada, tal como aconteceu no período nazista.

Outra questão é saber se afinal a interpretação é ato neutro ou ideológico?

A neutralidade é referente à do juiz, o que já foi refutado por Alexandre Freitas Câmara e de forma veemente, pois é indissociável a carga pessoal, profissional e psicológica do julgador no exercício da atividade jurisdicional.

Mas também não podemos confundir neutralidade com imparcialidade, posto que não possa o julgador apor valorativo pessoal ao decidir a lide. Mas que uma exigência ética, é uma exigência científica.

Os positivistas (racionalistas) reduzem o ato de interpretação a um ato de conhecimento, sustentam ser uma atividade neutra e imparcial, posto que o julgador se restrinja à compreensão do significado da norma e ao conhecimento do fato.

A corrente positivista e racionalista é a que melhor atende à constituição[47] política do Estado Liberal, onde vige a separação dos poderes do Estado, designando ao legislativo a capacidade de inovar dentro do ordenamento jurídico, subordinando o juiz à lei (le judge c’est la bouche de la loi).

Conta Ruy Rosado de Aguiar Júnior aponta que recentemente eminente jurista e magistrado brasileiro repetia a história italiana de que ao juiz interessa o texto, não a testa. É o modelo napoleônico que ao receio de os juízes continuarem decidindo de acordo com os interesses do antigo regime, em desatenção aos anseios da burguesia vencedora, manifestados pelo parlamento na lei.

Esse posicionamento não é só da Escola da Exegese, mas de todas as correntes doutrinárias que sustentam caber ao juiz à descoberta e a revelação do conteúdo da norma, inclusive valorativo (jurisprudência de interesses [48]e jurisprudência de conceitos[49]) que seriam objetos existentes e conhecíveis por todos os juízes.

Deve-se a um fator mítico triplamente facetado que convém aos legisladores e impõe a sua vontade dentro do Estado, fazer crer aos cidadãos ser esta emanação da justiça e sua aplicação neutra e igual para todos (contestou Martin Fierro: a lei é como a chuva, não cai parelha); o indivíduo tem necessidade de sentir-se seguro quanto às consequências s futuras de sua conduta, acreditando que a regra igual, igualmente apreensível por todos, será também aplicada ao seu caso; o julgador tranquiliza seu espírito ao convencer-se de que está apenas fazendo incidir a vontade da lei, para a qual para qual ele não contribui senão com sua participação intelectual meramente operativa.

A escolha de valores, sua fixação numa hierarquia, a aceitação dos princípios desta decorrente e sua efetiva concretização através da aplicação são atitudes que caracterizam uma posição ideologicamente comprometida do juiz.

Afirma-se então que a ideologia é necessária à interpretação por duas razões: de modo geral, porque toda atividade humana que serve à realização de fins exige a formulação desses fins como valores: a determinação dos valores forma a ideologia dessa atividade; de modo especial, a ideologia está ligada à interpretação porque se funda em avaliações, determinantes das diretivas interpretativas,

O mesmo jurista observa que os valores podem não convergir, a exemplo do que ocorre com o da estabilidade da lei, ligado à certeza e à segurança, e o da necessidade da satisfação das exigências atuais da vida.

Enquanto que o primeiro se constitui num valor estático e fundamenta a posição de defesa da vontade da lei e do legislador, o segundo é um valor dinâmico e resulta numa visão behaviorista, pois a norma fixada na sentença corresponde à resposta a um estímulo: mudando o estímulo obviamente mudará a resposta.

Chaim Perelman[50] examina as duas posições e as critica: a primeira faz o juiz substituir-se por um historiador (quanto melhor conhecer o fato histórico[51] enquanto vontade do legislador, melhor será o juiz); a segunda arrisca a substituir a vontade de um pela do outro, criando o juiz a norma que este gostaria que existisse (profundamente utópico).

Outro busilis nos assombra: ao interpretar é descobrir utilizamos a lógica formal, teleológica ou a logica do razoável?

Em geral o resultado da interpretação sempre é apresentado conforme a lógica formal. Porém, a interpretação propriamente dita pode ser feita através dos três tipos de lógica descritos acima.

Kalinowski afirma que toda interpretação jurídica posto que seja raciocínio é lógica, sendo calcada nas regras lógicas (ao contrário, a analogia maiori, ad minus minor ad maius, etc).

Os positivistas dogmáticos adeptos da jurisprudência dos conceitos submetem o ato da interpretação à lógica formal com a qual procuram alcançar o conhecimento válido do texto legal.

Alegam que a lógica é jurídica sem deixar de ser formal porque está vinculada a uma região ou domínio de objetos – as normas jurídicas – e se apresenta como uma formalização da linguagem (“juridiquês”) que serve de expressão aos significados que são as normas.

As regras ordenadoras da razão orientam o trabalho do intérprete para declarar ou aclarar o que no texto se contém com o auxílio dos princípios lógicos (identidade, contradição, terceiro excluído, da razão suficiente) e dos juízos de inferência imediata (oposição e conversão) e mediata (dedução, indução e analogia).


Sua tarefa é aplicar a norma de modo ajustado ao sistema conceitual estabelecido cientificamente com base na lei positiva sistema esse que abarca a explica a totalidade da experiência jurídica.


A lógica jurídica é uma lógica do dever ser, não do ser, que leva ao conhecimento válido dos conceitos contidos dentro da norma e da compatibilidade deles com o ordenamento jurídico global.

A interpretação teleológica supera a lógica formal e dirige sua atenção para o bem jurídico tutelado pela norma, isto é, para o fim que a norma procura alcançar (Bettiol).


A conclusão interpretativa deve ser afeiçoada à preservação desse valor bem jurídico, o que extrapassa o âmbito da lógica formal para introduzir no método jurídico um elemento material. Pode ser incluída aqui ainda, a corrente que se preocupa com os efeitos da decisão fazendo reflexão sobre as consequências.

Recaséns Siches[52] sustenta que o juiz deve submeter-se à lógica do razoável. Explica as fases pelas quais passa o julgador para chegar à decisão: filtra os fatos, avalia provas, confronta a lei, faz aportes às circunstâncias extralegais, pondera as consequências de sua decisão e, depois de passar e repassar por esse complexo de fatores, chega finalmente à sua conclusão por intuição intelectiva, momento em que a questão se esclarece e, é fixada uma posição.

O juiz não só aplica a lei, pois nenhuma lei é completa só a sentença o é. Julgando o magistrado tem função criadora, posto que crie a norma in concreto e reconstrói o fato ponderando as circunstâncias às quais atribui relevo, escolhe a norma a aplicar e estabelece a extensão.

Nesse trabalho, necessariamente se faz valorações, que não são as suas pessoais, mas as produzidas pelo ordenamento jurídico. Sendo um criador, o juiz está submetido à ordem jurídica, recomendando-se lhe a renúncia no caso de desconformidade irreconciliável entre a sua consciência e a lei.

Recusa-se peremptoriamente qualquer utilidade da lógica formal para o trabalho do jurista. E, conclui que a lógica formal tradicional nunca poderá dar nenhuma iluminação sobre qual seja os conteúdos das normas jurídicas, nem das normas gerais, nem das normas jurídicas particulares e nem das normas jurídicas individualizadas (sentenças judiciais e resoluções administrativas).

Surge então a lógica do razoável[53] dotada das seguintes características: está condicionada pela realidade concreta do mundo onde opera e, está impregnada de valorações, isto é, de critérios estimativos ou axiológicos, o que a distingue decisivamente da lógica racional, pois tais valorações são concretas, isto é, advindas referidas a determinada situação humana e real; as valorações constituem a base para estabelecimento dos fins: a formulação dos fins não se fundamenta exclusivamente sobre valorações, mas está muito condicionada pelas possibilidades da realidade humana concreta; a lógica do razoável está regida por razões de congruência ou adequação: entre os valores e os fins; entre os fins e meios e a correção ética dos meios; entre fins e meios e a eficácia dos meios; por último, está orientada pelos ensinamentos da experiência da vida humana e da experiência histórica.

Ainda paira outra dúvida, para interpretar utiliza-se da lei, do sistema jurídico como um todo ou quaisquer fatores?

Para os positivistas o principal foco é a lei positiva, o Direito é o objeto de conhecimento jurídico e que deve ser reconstruído pela interpretação. Sendo clara a norma aplicável é desnecessária essa atividade secundária que convém mais a uma gleba de problemas marginais, situada na fronteira dos níveis de compreensão, havendo sempre um núcleo de entendimento não contestado.

Quando chamado a intervir, o intérprete não pode trair o quadro conceitual positivado na lei. Nos Estados socialistas, em especial, na extinta União Soviética e nos países do leste europeu, o juiz resta vinculado à lei que expressa a ideologia reinante, da classe dominante: apenas quando houver distonia entre a vontade do legislador e a vontade da classe sócia no poder, poderá o juiz afastar-se da lei, cabendo à Corte Suprema Federal da URSS dar a interpretação autêntica publicada ao lado do texto legal.

Admitida em maior ou menor grau de subordinação do julgador ao ordenamento jurídico, assim considerado como conjunto de princípios jurídicos que ordenam a vida social há os que sustentam que a interpretação operativa é relacionada a um sistema jurídico devendo a decisão estar contida neste, ainda que eventualmente afastada da norma que se entende aplicável ao caso.

Para que o seu labor, o julgador traz a lume necessariamente fatores extranormativos ou metajurídicos tais como princípios éticos, ideia de equidade e o sentimento de justiça, mas que pressupõem sejam protegidos e realizados pela ordem jurídica. 

É impossível, ensina o Professor Plauto Faraco de Azevedo, definir exatamente o Direito[54], mesmo tão-só o Direito Positivo, a não ser como uma ordem estabelecida com finalidade de servir à justiça (justiça distributiva e aplicação do Direito).

Por fim, os realistas e os da corrente do direito livre[55] afirmam que o juiz é um criador que sofre a influência de múltiplos e variados fatores incidentes sobre o psiquismo humano no momento da decisão, desde as condições pessoais e internas até as sociais e externas assim de algum modo essas influenciam no processo decisório.

Sendo livre não tem limites normativos, pois esta posição não reconhece valia no direito abstrato nem à razão como participantes da atividade interpretativa. Os mais extremados substituem as leis e regras de interpretação por sentimentos judiciais aí incluindo instintos, emoções, sentidos. Acreditam que a subjetividade prevalece sobre a objetividade do texto que deve ser interpretado.

Traçamos pois em síntese as diversas correntes doutrinárias que definem a interpretação, de um lado estão os realistas radicais e, de outro estão os dogmáticos ou positivistas e, entre estes, existe corrente intermediária com muitas variantes.

Qualquer opção seja por uma ou outra corrente doutrinária tem um jaez intensamente ideológico e desenha um caminho mais favorável à realização dos valores eleitos como importantes. Bobbio narrou que na Itália quando da substituição do regime liberal pela paulatina ditadura fascista houve um surtado apego à legalidade tendo assumido um valor progressista e falsamente liberal.

Todavia, quando se instaurou o Estado totalitário italiano inaugurou-se nova legalidade e ao inicialmente pretendido respeito à lei assumiu fins contrários.

Por essa razão, concluiu Bobbio que o formalismo e antiformalismo não possuem valor ou desvalor em si mesmos considerados, senão pela ideologia à qual servem e que nós aceitamos ou rejeitamos.

O mundo contemporâneo permanece dividido entre duas concepções políticas antagônicas, e cada lado efetivamente tem sua estrutura legal peculiar e bem expressa a filosofia política aceita. De forma que o que convém ao socialista dentro do Estado socialista é diverso o que é aceito pela democracia liberal e vice-versa. Concluímos que a mera mudança de latitude implica forçosamente em mudança ideológica e, ipso facto, altera-se o paradigma interpretativo.

Para os realistas, o juiz é criador e sofre influência de fatores diversos de origem orgânica, afetiva e circunstancial como qualquer pessoa, e em função disso age. A lei como dado é um entre tantos, e algumas vezes nem sempre considerado para a atividade jurisdicional.


Só os fatos interessam propriamente ao Direito que se limitam ao mundo da experiência, onde se localizam os humanos e a sentença que sobre estes dispõe. A decisão dada nessas condições não decorre da lei, não cabendo ao jurista antes da sentença, senão formular simples profecias ou predições sobre o que possivelmente será decidido. A sentença é essencialmente um ato de vontade.


A grande contribuição dessa escola foi chamar a atenção para fato muito simples de que o Direito existe no mundo real e concreto, onde ocorrem relações humanas e a sentença, daí percebe-se o nítido contingenciamento do intérprete. Bobbio[56] ainda apontou para o mito típico do Direito que atende as exigências de segurança e de tratamento isonômico, identificou a sentença como ato de vontade bem como a influência dos elementos metajurídicos.

Aliás, a mudança legislativa a ser adotada acarreta quase sempre a alteração das soluções judiciais, porém não é correto afirmar que a sentença emana só da vontade do julgador, ou do judiciário, quando a razão participa efetivamente para o conhecimento dos fatos, a determinação de valores e fins.

Justifica-se assim, o vasto leque de alternativas decisórias e para auxiliar no exato momento da decisão. Portanto, é curial não comete o equívoco de substituir o arbítrio do legislador pelo arbítrio do juiz. Pois nem o legislador e nem o julgador são verdadeiramente livres.

Resta reconhecer que o legislador é atrelado ao seu momento histórico, ideológico, aos compromissos partidários e eleitorais, além de estar submetido à fiscalização da sociedade e ao próprio limite que o jogo político naturalmente impõe.

E, o juiz além de forçosamente levar em consideração a lei, ainda deve considerar o homo medius[57], ou seja, a consciência média da sociedade para a qual jurisdiciona e sofre influencia.

Cabe assinalar que mérito tiveram os realistas ao demonstrar que alei não nos fornece a tão propalada segurança e ainda nos arremessa na mais profunda indefinição, submetidos ao voluntarismo dos julgadores.

Os positivistas por acreditarem ser o legislador o único que inova na ordem jurídica, criando a norma que integrará um sistema ordenado, completo e justo. Preveem para a aplicação da lei um juiz servo da lei, ser imparcial e desideologizado, transformando a interpretação em atividade secundária e só presente e necessária quando a lei não for suficientemente esclarecida. Seguem métodos que procuram conhecer da vontade da lei ou do legislador para o que a lógica formal é exímio instrumento.

O defeito principal do positivismo é condenar o intérprete a estreiteza da lógica formal que poderá acarretar absurdas decisões e soluções práticas inadequadas.

Pois que se esquecem de que a lei é instrumento de realização do justo, mas é apenas um meio e, não um fim em si mesmo, que não pode ser elevada à categoria de bem maior a preservar.

Esquecem os ferrenhos positivistas que a realidade do caso concreto possui contornos que só são conhecidos mais diretamente pelo juiz e a desconsideração dessas peculiaridades leva a aplicação uniforme da lei, garantindo a segurança no tráfico das relações jurídicas, porém poderá significar exatamente a negação do valor da justiça que pode ser atingida pela flexibilização do princípio normativo.

O que hoje denominam de “crise do positivismo” é a constatação histórica de que esse movimento perdeu espaço e eficácia principalmente por sustentar ordens jurídicas como a do nazismo.

Obviamente o juiz não é servo da lei, não é a boca da lei e nem escravo da vontade legal, mas resta submetido ao ordenamento jurídico vigente que se revela em ser um sistema aberto afeiçoado aos fins e valores importantes para a sociedade, e se baseia no pressuposto indeclinável de que essa legalis ordo aspira à justiça.

O primeiro e principal compromisso do julgador é com a justiça, e estando diante de um injusto sistema, que opera uma sujeição inconciliável entre a consciência e a lei, não há como operar o direito numa efetivação antissocial.

Em verdade, o magistrado ao atuar com a ordem jurídica a reavive no caso concreto, inserido no ambiente social onde vive tem o dever de perceber e preservar os valores sociais imanentes dessa comunicação.

Não poderá o juiz fazer prevalecer a sua vontade a esses valores. Também não lhe cabe sobrepor-se aos sentimentos médios da sociedade em geral e da comunidade jurídica em particular que mais o fiscalizam nas suas decisões quanto mais democráticas for o regime.

Há concepções sociais dominantes apreensíveis pelo juiz, e não pode decidir ignorando os padrões, critérios que destas advém em favor de suas convicções pessoais. Portanto, o ato jurisdicional decisório tem que se inserir no contexto social, cujas ideias e valores não lhe é dado ignorar.

Conclui-se então que não está o intérprete relegado ao imobilismo, à inércia e passividade, e o que o juiz procura interpretar a consciência social e dar eficácia a lei, mas assim, procedendo, este amolda e modifica conforme a mesma consciência que é dado a interpretar.

Efetivamente existe um elemento criador bem ao lado do elemento descobridor, na atividade jurisdicional. A sujeição ao ordenamento jurídico como um sistema aberto não é a mera servidão à lei formal. O Direito positivado é apenas uma parte desse conjunto, a sua parcela mais palpável, mas direito natural, o sentimento de justiça, a exigência de equidade, vivenciados e sentidos pela sociedade na qual o juiz habita.

A norma legislada poderá exprimir ideia distanciada desses princípios, e redundar em errônea avaliação dos fins sociais, deixar de lado solicitações e expectativas comuns.

A falha pode ser explicada por erro de apreciação do legislador, por submissão deste às circunstâncias e contingências de aguda compreensão e influência no momento legislativo; ou simplesmente decorrer do delay (defasagem) ocorrido no tempo, entre a hipótese para qual foi feita e a superveniente modificação da estrutura das relações sociais.

Cabe ao intérprete fazer a adequação da norma ao sistema onde está embutida. No seu trabalho de aplicação do sistema, o juiz cria na sentença a norma para o caso concreto, é o que se chama de concreção, pela sua razão e por sua vontade.

É ato de razão posto que exija conhecimento de elementos fáticos, valorativos e normativos do caso; é um ato de vontade por implicar a escolha entre diversas alternativas decisórias possíveis.


E, no decisum, o juiz leva em consideração, a saber:

           a) a norma individualizada, imediatamente aplicável ao caso concreto;

           b) os princípios gerais do sistema jurídico vigente, principalmente os decorrentes   da justiça e da equidade;

           c) sofre, como qualquer pessoa, a influência de fatores múltiplos, de ordem emocional, psíquica e circunstancial;

          d) sente o efeito de suas convicções ideológicas;

          e) e, por derradeiro, reflete sobre as reais consequências que decorrerão de sua decisão.

Para avaliar os dados com os quais trabalha, deve o julgador empregar o método empírico-dialético que consiste em ir diretamente ao fato estudado, apreender o valor em questão, e confrontá-lo com a norma individualizada prevista no ordenamento jurídico global e com as possíveis consequências.

Tal procedimento se faz mais de uma vez, num ir e vir sempre renovado com nuances que passa pelo mundo do ser, da normatividade e dos valores até o momento em que a decisão é intuída, surgindo o julgamento em esboço.

Na decisão, os seus diversos elementos estão reunidos uns em relação aos outros, formando uma estrutura unitária indissolúvel. Desde a escolha dos fatos que serão tomados como relevantes, passando pelas regras de prova admitidas para o caso (com o que alguns elementos permanecerão e outros desaparecerão) pelo método interpretativo adotado, até os valores admitidos tudo formando um conjunto que somente se explica e se compreende em função da solução escolhida.

Conforme a leitura da norma individualizada aplicável ao caso concreto, essa norma estará relativamente ajustada aos princípios que o julgador decidiu preservar. Se coincidentes, a fundamentação da sentença será singela invocação do direito positivo, que por si só legitima plenamente a decisão.

Havendo divergência, o juiz deverá argumentar para convencer do acerto e da adequação de sua decisão ao sistema jurídico, pois deverá encontrar ali a fundamentação para a decisão que entende a mais justa e, portanto, a única cabível.

Sempre que possível, fica com a lei e trabalha com esta usando dos recursos que a linguagem lhe oferece. É sabido que os termos através dos quais o legislador se expressa contêm conceitos indeterminados, discricionários e cláusulas gerais, assim como referidos na lição de Engisch, também examinados e classificados por Warat.

Assim o juiz pode atribuir à lei, o conteúdo que considera o mais adequado exercendo então atividade eminentemente criadora, As cláusulas gerais são inesgotáveis fontes de que poucos juízes brasileiros fazem uso, para o encontro da decisão justa e adequada, apesar dos ditames do art. 5º da LINB; art. 159 do C.C. e o princípio de igualdade consagrado no art. 5º da CF/1988 e tendem a crescer nas legislações mais modernas.

A natureza do trabalho intelectual que o juiz realiza coloca-o diante de teorias divergentes, de múltiplas opções interpretativas, de diversos conteúdos adaptáveis aos conceitos abertos, enquanto que a natureza decisória de sua atividade lhe impõe a escolha de apenas uma das alternativas, com a eliminação definitiva das demais.

Nesse complexo jogo de eleição e rejeição de correntes doutrinárias, de adjetivação de fatos, condutas e normas, de emprego de alguns termos de forte impacto, mas de precisos contornos (insuficiente, relevante, abuso de direito[58], ordem pública, boa-fé objetiva, função social e, etc.), o juiz vai reunindo os argumentos para fundamentar a decisão a que já havia chegado por ato de razão e também de vontade, sob a influência de dados jurídicos e metajurídicos, numa interlocução.


O seu objetivo é o justo e o seu limite é o sistema jurídico em que está inserido, dentro do qual deve encontrar a legitimação para sua decisão, ainda que utilizando das janelas abertas do sistema jurídico aberto contém.


A norma concretizada será criada em função desses dois dados, conhecendo da lei positiva com recursos que a ciência interpretativa lhe alcança para cumprir aqueles nobres fins.

Em raras ocasiões, o julgador se deparará com uma lei que não possa ser interpretada e redefinida em conformidade com o valor justiça.

Quando isso ocorrer, duas as alternativas: ou renuncia à função, como recomenda Recaséns Siches, ou contradiz a lei, nas hipóteses em que esta:

1) viola as finalidades da instituição social que regula (Perelman); Os magistrados procurarão subterfúgios, e forçarão, se preciso as interpretações tradicionais, se se trata de salvaguardar o funcionamento habitual de uma instituição ou de se chegar a uma solução judiciária considerada de equidade, mesmo se estes são os incapazes de encontrar uma justificação aceitável em Direito;

2) quando for contra a equidade;

3) quando a solução preconizada acarretar consequências sociais inadmissíveis ( aliás, a teoria referente às consequências está sendo reconhecida na Alemanha como objeto da atividade de interpretação dos juízes que deverão considera-las ao menos de tal maneira que consequências negativas delas decorrentes sejam minoradas. (HASSEMER, O Sistema de Direito e a Codificação, a vinculação do juiz à lei, in Revista Direito e Justiça da Faculdade de Direito da PUC/RS, v.9/7, tradução do Professor Peter Ashton).

Os métodos interpretativos são definidos pelo senso comum dos juristas que permite chegar ao conhecimento científico do direito positivo. Evidente conexão ideológica marca cada escola doutrinária da interpretação jurídica.

Assim temos o método exegético, o método da escola histórica, o método dogmático, o método comparativo de Ihering da segunda fase, o método da escola francesa, do positivismo sociológico e da escola do direito livre, o teleológico vinculado à jurisprudência de interesses, o método egológico e o tópico-retórico, todos estes se relacionam com as escolas correspondentes.

Nesses distintos métodos, seguindo uma possível ordem cronológica, atentando-se para o surgimento histórico de cada método, a partir da promulgação do Código de Napoleão, que bem marca o início da dogmática notabilizada pelo exacerbado culto ao texto legislativo e a identificação do direito com a lei imposta.


Tal concepção ideológica politicamente determinada preside praticamente a todos os métodos, apesar de haver distintas diferenciações teóricas e técnicas. Embora aparentemente os diferentes métodos interpretativos venham contestar a dogmática, em verdade, acabam revitalizá-la, sem possibilidade de sua transformação e sem afetar os principais dogmas fundamentais.

O método gramatical ou literal é típico da fase pós- Código Civil francês, e sua razão de ser baseia-se na crença napoleônica de que a escrita codificada esgotava todo o direito civil. Porém, a previsão do legislador não é unívoca e a necessidade de destrinchar a significação do conteúdo legal se impõe sempre.

Reconheçamos que o método gramatical é, sem dúvida, o mais cauteloso, foi o usado pelos glosadores para a interpretação do Evangelho. A aplicação desse método colaborou com o culto ao Código Civil com seu ideal de perfeição, intangibilidade e racionalidade máxima, o que vinha a identificar-se com a justiça.

Concluíam os hermeneutas que a imperfeição não está no texto legal mas no intérprete. A principal veia do sistema gramatical de interpretação era o sentido unívoco das palavras que deveria ser descoberto pelo intérprete.


Em versão mais simples procura estruturar procedimento destinado a determinar o sentido juridicamente legitimável para certos trechos obscuros da lei. Opera por sinonímia, pela utilização estratégica de sintáticas de substituição tal como faziam os glosadores diante do texto religioso.

Atualmente o uso do método gramatical supõe a remissão dos usos acadêmicos da linguagem contidos nos repertórios, o que caracteriza o recurso a certos padrões culturais. A interpretação literal deriva de Platão[59] que sustentava que o significado das palavras devia refletir aquelas características essenciais das coisas. Haveria significados verdadeiros na medida em que com as palavras se pudessem expressar corretamente as qualidades essenciais das coisas que se pretendem definir. Daí, o problema principal seja a busca do significado jurídico verdadeiro, por vezes oculto pela natureza intrinsecamente imprecisa da linguagem e pelas deficiências gramaticais com as quais as normas são formuladas.

Recomendam alguns juristas a substituição do sentido vulgar das expressões utilizadas nos textos jurídicos pelo sentido técnico produzido através das chamadas ciências jurídicas. Uma substituição circular já que a linguagem técnica é um sublinguagem natural e pertencente a um grupo específico profissional.

No fundo, apelando-se à linguagem técnica sugere-se a necessidade de referendar como legitimável somente a linguagem proveniente de práticas institucionais específicas. Assegura-se assim o controle institucional dos discursos jurídicos e se mantém o acatamento reverencial à lei escrita: o poder do intérprete.

Então, eram usadas as habituais à sinonímia e à etimologia das palavras sendo completado com critérios lógicos e sintáticos. A conexão literal prende-se a perfeição do Código Napoleônico. Implicitamente o referido método continua ser aplicado em toda interpretação da lei, constituindo o mito de sua suficiência, é hábil em ocultar o caráter ideológico, por isso, resulta em sua manifesta ineficácia e impotência em resolver os problemas jurídicos que não se situam apenas no plano abstrato e conceitual.

O método exegético surgiu, sob o signo do modelo napoleônico de direito e, configura uma evolução interessante do método gramatical, ainda partindo da premissa da significação unívoca do texto legal, que o intérprete deve revelar, mas podendo desentranhar a intenção do legislador e indagar sua vontade, expressa na lei escrita.

Em síntese, pode-se concluir que o método exegético proporciona um conjunto de critérios ritualizados para que o intérprete possa reconstruir a vontade originária do legislador. Supõe-se assim, que as normas jurídicas são manifestações linguísticas, que veiculam atos volativos do legislador.

Cumpre o método exegético a missão metafísica de decifrar o “espírito do legislador” que na época consagrou a materialização dos valores burgueses.  Em nome do espírito do legislador proclama-se a racionalidade e onipotência do poder legislativo. Esse espírito nos sugere uma hiperealidade normativa e, por conseguinte, perfeito e infalível.

No fundo essa tarefa metafísica determina uma estratégia simulada para a afirmação de certos valores sociais. Enquanto o jusnaturalismo que nos brinda com o arremedo de um direito superior ao Estado, a escola exegética destaca o valor do direito positivo, da legalidade entendida, basicamente, com o êxtase do respeito à lei escrita.

Desta forma, a escola exegética responde ao típico modelo da ideologia burguesa, que queira construir um sistema jurídico que lhe proporcionasse segurança em face das arbitrariedades do absolutismo monárquico abolido.

O método exegético introduz o novo na leitura do conflito das práticas sociais sob a paródia da manutenção e reprodução dos valores do direito positivo vigente. O que reforça a dominação burguesa já implantada e, por supor a figura do juiz neutro, mecânico, não criativa. Esse método perdura até hoje e seus antecedentes ultrapassam à Revolução Francesa e se situam na Idade Média, no trabalho dos glosadores e comentaristas que realizaram exegese dos textos romanos de Direito.

Para o método exegético, o ato interpretativo é um ato de conhecimento e não um ato de vontade. Assim é aceito o modelo de direito que rende culto ao formalismo, ao valor da segurança em detrimento da equidade, (entendida como justiça social), serve bem à dogmática clássica, cingindo-se estrita e unicamente à lei escrita, e ao direito positivo.

O método histórico apresenta um leve indício antidogmático, e surgiu na Alemanha antes de sua unificação, sem codificação comum, e regida prioritariamente pelos costumes germânicos e historicamente influenciada pelo direito romano.

Somente a história consegue unir o povo alemão e a esta recorre Savigny ao fundar seu método interpretativo da lei.  Não se restringe ao direito codificado, e admite o concurso de costumes como fonte de direito. Reconhece que o direito não está apenas na lei escrita, mas se origina no povo, em sua história, em seus costumes que significam a projeção e encarnação de seu espírito (conforme Puchta[60]).

Um novo ideal surge na ânsia ideológica e política do povo que busca a unificação no plano ideal. Assim o aspecto histórico é fundamental para a interpretação da lei, que não deriva da razão, nem pode plasmar-se de uma vez por todas em um texto legal, em um código lógico e racionalmente elaborado, apela diretamente para a consciência jurídica popular.

Em verdade, se atentarmos às suas características principais, o método histórico é uma variante do método exegético, só que aplicado e surgido em épocas distintas e em face de diferentes categorias conceituais do direito.

Enquanto que para a escola exegética francesa o direito positivo resta encarcerado na codificação, para a escola histórica alemã, o direito positivo vigente não se apresenta como codificado, mas disperso e vivo nos costumes germânicos e no direito romano que participa ativamente da vida jurídica alemã como se fosse direito vigente.

Assim, para os exegéticos, o direito positivo é produto da razão, sendo obra perfeita, imutável e unívoco, enquanto que para os históricos, o direito positivo é produto da história e sofre as mudanças e transformações que lhe impõe o tempo.

Enquanto os exegéticos recorrem à vontade do legislador para fixar a real significação unívoca da lei, o método histórico apela para a consciência jurídica social, reconhecendo que o Direito é anterior ao Estado. Obviamente não se aplica ao Estado moderno, no qual a exteriorização da lei escrita requer tratamento lógico e científico para ceifar as incertezas e legitimar (e endossar) o significado do processo decisório.

Rapidamente o método histórico rapidamente começa a valorar os aspectos lógicos, dogmáticos e sistemáticos na aplicação e interpretação da lei escrita. Assim, para esse método a interpretação da lei consiste na reconstrução do pensamento contido na lei, e tal efeito corre com a análise gramatical, lógica, histórica e sistemática. Para Savigny a história e a sistematização são as bases principais sobre as quais se lastreia a ciência do direito, e ipso facto, a interpretação da lei.

Mantém o método histórico a neutralidade do juiz, que fica submetido à lei, sustentando-se, portanto, a significação unívoca da norma legal (novamente coincidente com o método exegético). Não aceita a vinculação com categorias extra-sistemáticas, nem reconhece valoração axiológica ou ideológica estranha ao ordenamento jurídico vigente. A única exceção feita é à histórica, mas não a seu ingrediente social e libertador.

Labora o método histórico soluções dentro da legalidade do direito positivo, reconhece a interpretação como saída do espírito geral que anima a todos os membros de uma nação; a unidade do direito se revela necessariamente a sua consciência (do povo) e não é produto da causalidade. A busca histórica da escola tem cunho ideológico e percebe enfim que os fenômenos jurídicos são produtos de determinismo causal, os aspectos sociais são explicados metaficamente como o espírito do povo.

Não se preocupa em compreender os conflitos sociais em determinado momento mas liga-los repressivamente ao passado. Desta forma, o Direito se traduz em ser algo natural que de ser captado pela intuição ideológica. Portanto, não entendem que a lei não é jurisprudencialmente construída, mas compreendida pelo juiz a partir do método histórico, o único adequado para essa finalidade.

Apesar de não colocar em primeiro plano a lei escrita, pelo seu franco interesse pelos costumes (considerados como fonte determinante da organização jurídica da sociedade) vistos como entidade metafísica, eterna e presente em nosso espírito (que é eticamente incorruptível). Assim galga o mais alto patamar o senso comum teórico, portanto, a ideologia disciplina o labor interpretativo.

Apesar de um conhecimento ilusório da história, serviu de trampolim para o conceitualismo jurídico que culminou com a sistematização de Windscheid (que foi o grande artífice da jurisprudência de conceitos) que deixa grandes marcas visíveis no Código Civil alemão.

Outra variedade do método exegético é o método comparativo que ao invés de recorrer à história, recorre ao direito comparado para ampliar suas bases de sustentação. Evoluído posto que já reconhece que não se tem um único direito positivo estabelecido na lei escrita. Assim não se atém a um único direito positivo. Defende a elaboração e a formulação dos conceitos jurídicos através de outros direitos (históricos e estrangeiros vigentes).

Enfim, o método comparado somente amplia a órbita conceitual da significação jurídica no processo interpretativo da lei escrita, estendendo seus limites por todo o universo do direito comparado, mas não atende aos fluxos de sentido que perpassam pela lei desde os diversos lugares do poder social.

O método científico ou da livre investigação é estreitamente relacionado a François Geny[61]. E consiste em resposta que pretende ser equilibrada, em face dos excessos cometidos pelo racionalismo das correntes estreitamente legalistas e conceitualistas. Articula a razão com elementos enraizados na realidade social. E, para obter maior segurança das regras recorre a uma filosofia da natureza do homem que revele enfim o mistério da existência.

O direito deve ser entendido como em conexão com a ideia de justiça e das normas imperativas emanadas de Deus. Então, segundo Geny o direito é uma reconstrução racional estabelecida sobre a base de elementos extraídos da realidade natural e social.

O direito natural oferece os princípios diretores para a reconstrução racional do jurídico e para a orientação da conduta social. Admite, pois Geny que os conceitos intervêm no processo da reflexão jurídica como meio intelectual para elaborar formas de descrição das coisas. O intelecto, mediante abstrações, proporcionaria conceitualmente um instrumental linguístico apto para dominar a realidade jurídica, criando entidades independentes e capazes de reger os fatos da vida. É o método da construção jurídica, que oferece hipóteses e teorias capazes de sistematizar completamente o direito.

Desta forma, o direito galga o status de ciência social quando admite uma maior pluralidade metodológica no ato da interpretação, sistematizada pela dedução e indução. Reconhece Geny[62] que o direito está metodologicamente condenado à inferioridade em face das ciências formais e fáticas, motivo pelo qual é necessário reunir todos os meios de reflexão e investigação, capazes de contribuir para superar tais deficiências e preencher as inevitáveis lacunas entre a ordem legal e as novas e espontâneas maneiras que vão produzindo os homens em suas formas de convivências. Ademais, para o autor, a lei não é única fonte do direito, apesar de reconhecê-la como a mais importante, acrescentando que somente se deve recorrer às outras fontes, quando a lei não soluciona expressamente o caso concreto.

Tais outras fontes, são divididas em dois grupos: a) formais (costumes, jurisprudência, doutrina e tradição); b) não formais (provenientes de dados racionais e ideias ditadas pelo direito natural): as regras da razão que derivam da natureza humana assim como o conjunto de aspirações humanas desejadas da natureza humana desejadas para organização social.

Diante das fontes não formais Geny confere ao juiz uma faculdade constitutiva de sentidos, sobre a base de uma investigação livre, que descubra os dados racionais e ideais. A escola histórica não levanta bandeiras de ceticismo frente à lei, mas procura sua adaptabilidade social em tudo aquilo que possa ter de insuficiente.

O apregoado método da livre investigação científica, não apresenta, na realidade, nenhuma alteração profunda na função ideológica das correntes exegéticas e dogmáticas, contra as quais dirige sua crítica e censura. É contrário a ideia de que o Código Civil constitui todo direito positivo, não obstante o qual proclama seu respeito à lei escrita. Somente diante da imperfeição da lei, deverá o intérprete recorrer à livre investigação científica. Seu domínio se reduz à problemática das lacunas, que abre estreita saída, da comunicação entre o direito positivo e as valorações extra-sistemáticas, axiológicas e ideológicas, que Geny deriva do direito natural e sua fé católica.

Não percebe o filósofo que as lacunas detectadas no direito positivo, não se devem, na realidade, à ausência de uma norma legal aplicável, mas pelo contrário à resistência em recorrer a uma disposição normativa que se desaprova axiológica, ideológica ou politicamente, e que a alterabilidade das significações jurídicas permite substituir por uma decisão judicial que simule ser alternativa.

No fundo, o método científico revela-se mais relevante pelos efeitos produzidos que propriamente por seu conteúdo. Mas, não relega o culto à lei escrita, apesar de atacar o mito da perfeição e da racionalidade da lei bem como seu significado unívoco. Somente percebe a insuficiência do ordenamento jurídico estabelecido pelas lacunas que nele se encontra, e que permite preencher no processo decisório mediante a livre investigação científica por parte do intérprete, mas sem renunciar tampouco a lendária neutralidade do julgador.

Apesar de forte apelo social e moral para complementar o direito positivo em preencher suas possíveis lacunas, volta a revitalizar a dogmática, e constitui um marca na saga evolutiva da metodologia interpretativa (enfatiza o âmbito conceitual da significação jurídica, apesar de empalidecer o fluxo ideológico do sentido jurídico).

O método sociológico ou a escola do sociologismo jurídico tem seu principal representante em Duguit[63] que fora muito influenciado pelo surgimento da sociologia como atividade científica, se ocupando dos elementos sociais e ideológicos da norma jurídica.

Os métodos sociológicos assinalam a absorção pelos juristas dos diversos métodos sociológicos que reproduzem os tipos de investigação baseada na observação, experimentação e comparação de danos.

Tal método no pensamento jurídico vem a substituir o positivismo normativista por um positivismo sociológico (que privilegia os fatos em relação às normas legais). Contrariamente à escola francesa (que procurou transcender as normas positivas com respostas metafísicas) e invocou os princípios superiores e inquestionáveis da razão, o positivismo sociológico se esforça por penetrar mais no plano da realidade, da qual extrai as normas jurídicas positivas. Seu método igualmente se baseia nas investigações sociológicas de Emile Durkheim e na tipologia jurídica de Weber[64], afirmando a necessidade de valorizar o conteúdo sociológico das normas.

No dizer de Duguit: o direito é muito menos a obra de um legislador que o produto constante e espontâneo dos fatos. As leis positivadas bem como os Códigos podem subsistir intactos em seus textos incólumes, pouco importa que pela força das coisas, pela pressão dos fatos e das necessidades práticas se forma constantemente instituições jurídicas novas. O texto é sempre o mesmo, mas fica sem força e sem vida; ou seja, mediante tênue exegese se lhe dá um sentido e um conteúdo nos quais não havia programado o legislador quando escreveu.

Enxergou então Duguit a significação jurídica do discurso legislativo não é unívoca, e pode ser redefinida (exatamente no sentido contrário ao pensamento dogmático e ao seu culto à lei escrita). O método sociológico veio a ser temperado e devidamente complementado por Hauriou, para quem a sociologia tem caráter de ciência auxiliar do direito, que serve para integrá-lo com o suporte material do jurídico. Hauriou[65] rebate as concepções metafísicas e a validez de categorias absolutas, inclinando-se pela necessidade de haver controle sobre o jurídico, principalmente no sentido de inquirir os princípios de justiça, o que a investigação sociológica revelou ser incapaz de realizar.

Abre-se às portas embora timidamente à valoração axiológica e ideológica. Cede-se à discussão dos elementos sociais e ideológicos da norma e principalmente aos seus determinantes. O fato social é escolhido e interpretado como unidade completa (fato-coisa) em vez que de ser analisado em seu contexto. Assim, o método do positivismo sociológico ao apelar a uma teoria sociológica e empirista sobre a interpretação da lei.

A escola de direito livre foi encabeçada por Erlich e Kantorowicz[66], e representa uma das mais extremadas tendências de oposição ao positivismo normativista e ao formalismo jurídico. Sua concepção afirma a existência de um direito livre (espontâneo e vivo) em oposição ao direito imposto pelo Estado. Escancara a insuficiência do direito legislado, e apela para outros elementos que suprem tais deficiências.

Os intérpretes possuem a nobre missão de eliminar os ingredientes ultrapassados das leis, provocando a maturação a partir da práxis social. Reconhece que a atividade do intérprete é livre e criadora, constituindo a única garantia de realizar o direito individual, consequentemente, a liberdade judicial torna-se um elemento indispensável para a produção de sentenças justas.

Admitem os adeptos da escola de direito livre a existência de lacunas no direito mas reconhecem ao mesmo tempo que as lacunas são eliminadas por um juízo de valor no momento interpretativo do texto jurídico. Começa-se então a notar que reedita o mito da vontade da lei, agora já não colocada no legislador mais fetichizada na figura do juiz que passa a desempenhar a mesma função ideológica do legislador.

Faz-se do julgador, e propriamente do juiz em última instância um órgão carismático, um intermediador de uma pretensa e perdurável sacralidade, porquanto se afirma realmente a necessidade de interpretar a vontade psicológica do juiz.

Seria mais admissível, se essa vontade metafísica e substancializadora via magistratura fosse uma referência simbólica ao fato de que o juiz no processo representa e personifica com seu comportamento as vozes ideológicas da sociedade.

Um dos lados positivos é que a escola do direito livre francamente admite a relatividade da significação jurídica da lei e esta não se cristaliza no texto legal, que pode permanecer inalterável ao longo do tempo. Porém sua valoração referencial já não é fixada pelo emissor do discurso jurídico, mas estabelecida por um receptor e mais precisamente pelo órgão judicial no ato da interpretação da lei.

Os seguidores do uso alternativa do direito apenas reeditaram as metas e entendimentos da Escola do Direito Livre.

Os métodos teleológicos apresentam duas vias relativas de realização: em sentido estrito e a jurisprudência de interesses, cujo principal defensor foi Heck (se opõe principalmente à teoria kelseniana e o segundo a jurisprudência dos preceitos).

O método teleológico, em stricto sensu, constitui principalmente uma teoria que se relaciona com o direito público, enquanto a jurisprudência de interesses se remete mais propriamente ao direito privado. Ambos apresentam concepção antinormativista e consideram o problema metodológico central. Ambos possuem em Ihering seu principal precursor.

Esse método defende o conceito de direito voltado para um fim que substitui o de valor. Pretende captar o direito em sua atividade funcional. Portanto a regra jurídica não é causal, mas cumpre a finalidade que justifica seu aparecimento, evolução e existência.

Não se confunde tal método com o finalismo de Welzel tão discutido no direito penal contemporâneo, posto que seja fundamentalmente jusnaturalista e metafísica.

A jurisprudência de interesses analisa o interesse das partes, e exige orientar a problemática jurídica para o nível existencial, subtraindo-a dos excessos da lógica. O termo “interesse” adquire pois para essa escola um lato sensu, que transcende ao plano meramente econômico. Também são considerados interesses os diversos ângulos da motivação social do homem: o artístico, o científico, o ético, o religioso e, etc.

A justiça também surge como interesse, e tal método teleológico almeja uma interpretação metafísica das normas, mas não exclui uma reflexão epistemológica sobre as mesmas.

Explicita o seu caráter político, ao confirmar que o valor da decisão judicial, da interpretação deve ser avaliado em função das consequências sociais que procura ou pelos fins que a orientam, ou seja, pelas consequências sociais antecipadamente previstas.

A jurisprudência de interesse de Heck[67] e a teoria do interesse social de Pound[68] se levantam contra a jurisprudência de conceitos, que sustenta a ideia de que toda interpretação da lei se reduz a uma operação lógica e autônoma, desvinculada do legislador histórico. A jurisprudência de conceitos é uma das formas mais acabadas de racionalismo, seu modelo é matemático, e seu objetivo é cingir um sistema lógico e fechado de conceitos, onde um conceito geral supremo permita desenvolver todos os demais conceitos particulares.

Evidentemente que a jurisprudência de interesses não descarta a conceitualização, que é necessária ao conhecimento jurídico, porém, não a subordina à realidade concreta, aos vitais interesses, aos fatos sociais que constituem as fontes da produção jurídica.

O grande busilis é encontrar um padrão, um critério qualificador e legitimador que determine com coerência o interesse social que mereça ser protegido regiamente. O problema se resolve na prática, pela imposição do poder político com que conta cada setor, que permite erigir em interesse social seu próprio e particular interesse, muitas vezes disputado com aquele.

A escola do positivismo fático é mais representada pelos realistas norte-americanos e os realistas escandinavos. Destacam-se Felix Cohen [69] e Alf Ross[70] e Olivercrona. Configuram as mais extremas oposições ao dogmatismo exegético, ainda que os realistas escandinavos sejam mais moderados.

A realidade significa correspondência com os fatos. Seguem assim as diretrizes do positivismo lógico de Carnap, Tarsky e Wittgenstein, considerados tão somente com sentido as expressões dos enunciados que fornecem informações sobre os dados do mundo. Todo enunciado que não tem sua referência empírica e só constitui uma menção de uma realidade racional, é denominado “enunciado metafísico”.

O positivismo fático propõe a reconstrução de todos os conceitos jurídicos sobre a base de expressões de correspondência empírica. Somente as sentenças judiciais possuem a correspondência empírica. As normas à margem das referidas decisões não possuem significação alguma. Portanto, ao jurista cabe interessar somente o sentido que os juízes atribuem às normas.

 Com forte ligação com o normativismo dogmático, as normas já não dizem tudo, admite que o direito se mova dentro da estrutura da linguagem natural, não podendo, portanto, aplicar aquela correspondência conforme propõe Tasky. Mas os realistas não entenderam corretamente seu mestre e incorrem em uma dessas antinomias que tanto criticaram nas escolas tradicionais de interpretação jurídica.

Por outro lado, Ross situa como principal busilis do direito o dualismo entre a realidade e valides que tenta superar. Não nega o aspecto normativo do direito, mas o correlaciona com a eficácia. Assim, validez e eficácia seriam pois, termos em correlação forçada, devendo sempre ênfase à eficácia por que não somente é condição de validez, mas a única via hábil a tornar significativa essa última expressão. A constante alteração da lei não depende tanto da decisão judicial, senão pelo contrário do consenso geral, que modela sua eficácia.

A escola egológica foi fundada na Argentina por Carlos Cossio[71] e utiliza ideias da escola fenomenológica.  Sua análise parte da sentença judicial, como fenômeno jurídico por excelência. O objeto do direito, não são as normas, mas a conduta em interferência intersubjetiva. O método que se deve usar para a tarefa interpretativa é o empírico-dialético que visa obter não apenas a compreensão da conduta, mas também sua valoração.

Os juristas não interpretam, portanto a lei, mas a conduta através da lei. O intérprete não deve preocupar-se somente pelo sentido genérico das normas, mas também pelos atos de conduta aos quais concretamente apontam as normas. Para Cossio, o ato de interpretação seria, pois, um ato sentido axiologicamente condicionado.

Encontra essa escola nos fenômenos jurídicos, três clássicos elementos: os fatos, a norma e valor que são analisados a partir da sentença judicial, realidade jurídica concreta e positiva e que tanto nutre o método egológico.

O objeto do direito não se limita às normas, mas engloba a conduta intersubjetiva, com o qual se aproxima a escola de positivismo fático e cria a necessidade de uma análise interdisciplinariedade do direito. Opõe-se à teoria kelseniana e à jurisprudência conceitos, e se inclina, pelo contrário, para o método científico e ao sociológico positivista na interpretação e aplicação da lei.

Desta forma, a análise axiológica que a escola egológica aplica ao direito, não faz mais que acentuar seu positivismo, já que sua valoração jurídica é intrasistemática e não transcende para valores metajurídicos.

O método tópico-retórico é muito ligado ao movimento jusnaturalista surgido na Alemanha na década de cinquenta, fundamentado no trabalho de Theodoro Viehweg [72]cujos estudos procuram encontrar a modalidade especial técnica que caracteriza o pensamento opinável ou problemático. Este recorre a técnica de pensamentos por problemas nascidos no campo da retórica e distinta da aplicada ao pensamento dedutivo sistemático vigente em outras ciências.

Para a tópica, a realidade jurídica é problemática por esta ligada ao agir humano, que não responde ao esquema causa-efeito, nem ao outro: estímulo-resposta, que não é automático, nem necessário, mas simplesmente possível, provável e imprevisível.
A imprevisibilidade da conduta humana é causa da problemática jurídica e a atividade judicial.

A tópica é a retórica moderna, alçada no campo jurídico, seguindo os caminhos da oratória. Por isso, os tópicos aos quais recorre são diretrizes retóricas e não princípios lógicos, lugares comuns revelados pela experiência, aptos para resolver problemas conjunturais. É importante ressaltar que a tópica pertence ao campo da lógica dialética, e produz uma conclusão que tem como premissa opiniões acreditadas ou verossímeis.

Na conclusão, portanto, não se demonstra a verdade da afirmação, porém se cria um efeito de verdade, algo que se pode aceitar como verdadeiro. A tópica não é demonstrativa mas persuasiva. Não resolve os problemas, mas fornece os recursos e argumentos para sua elucidação e solução.

Admite a alterabilidade significativa da lei, que origina sua problemática interpretativa e decisória. Opõe-se à axiomática e à dogmática, que não admitem os problemas jurídicos, atendo-se à univocidade “das palavras da lei”, à claridade e inalterabilidade da significação jurídica dos textos legais.

Enfim, os métodos de interpretação podem ser considerados o álibi teórico para emergência das crenças que orientam a aplicação do direito. Assim, criam-se as fórmulas interpretativas que permitem veicular uma representação imaginária sobre o papel do Direito na sociedade e ocultar as relações entre as decisões jurisprudenciais e a problemática dominante e apresentar como verdades derivados dos fatos, ou das normas, as diretrizes éticas que condicionam o pensamento jurídico e, por fim, legitimar a neutralidade dos juristas e conferir-lhes um estatuto de cientistas.

Portanto, a questão das funções dos métodos interpretativos de outro ângulo, isto é, através de um conjunto de crenças configuradoras de uma ideologia específica para o direito.

Foi através das grandes correntes do pensamento jurídico e dos métodos interpretativos que se conseguiu a articulação de todas estas crenças e, assim fornecer maior garantia contra a arbitrariedade para se vencer a dominação e enfim a violação dos direitos fundamentais que tanto vilipendia a dignidade da pessoa humana.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

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