Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O atual sistema de registro e exercício de direitos sobre desenhos industriais frente ao disposto no inciso XXIX do art. 5º da Carta Magna de 1988

Exibindo página 1 de 2
Agenda 20/10/2004 às 00:00

Com o devido respeito aos argumentos para a manutenção de um sistema atributivo de direitos de propriedade industrial sem exame prévio da novidade, entendemos que a essência está associada à exigibilidade de exame prévio de mérito.

Sumário: I – Introdução. II – Breve histórico da proteção dos desenhos industriais no Brasil. III – Possibilidade de dupla proteção: Propriedade Industrial e Direito Autoral. IV – O sistema atributivo sem exame de mérito previsto na Lei 9279/96. V – O exercício de direitos sobre o registro de desenhos industriais no atual sistema. VI – O atual sistema de registro de desenhos industriais frente à norma programática prevista no inciso XXIX do art. 5.º da Carta Política de 1988. VII – Conclusões.


I – Introdução

John Rawls [1], em sua memorável obra "Uma Teoria da Justiça", salienta que por mais eficientes que sejam as leis, se forem injustas devem ser abolidas.

No capítulo em que trata da Constituição em Hegel, Norberto Bobbio [2] afirma que "a Constituição, como organização do todo, é a forma específica em que as várias partes que compõem um povo são chamadas a cooperar, ainda que desigualmente, para um único fim, que é o fim superior do Estado, diferente do fim dos indivíduos singulares".

Ao tratar do Poder Legislativo, Thadeu Weber [3] salienta que "Se a constituição deve ser reconhecida pelo povo ou se o povo deve reconhecer-se na sua Constituição, também as leis devem vincular-se ao seu espírito, isto é, o povo deve reconhecer-se nelas, para que não lhe pareçam algo estranho, como, aliás, aconteceu com os Espanhóis quando Napoleão lhes deu uma Constituição".

Entendemos que tais premissas devem estar presentes para que os chamados princípios universalíssimos, que se situam antes mesmo da Constituição de um País, sejam efetivamente observados e respeitados.

Pretendemos analisar, de forma resumida, o histórico da proteção dos desenhos industriais no Brasil, pois entendemos que o fator histórico é fundamental para compreendermos os desdobramentos legislativos e jurídicos.

A discussão envolvendo a possibilidade de dupla proteção (Propriedade Industrial e Direito Autoral) dos desenhos industriais também será objeto de breve análise, tendo em vista as relevantes diferenças existentes nestas duas espécies do gênero propriedade intelectual.

Em seqüência analisaremos o atual sistema atributivo sem exame de mérito previsto na Lei 9.279/96, que constitui um título de propriedade ao depositante sem analisar os critérios da novidade e originalidade.

Como não poderia deixar de ser, tentaremos expor as vantagens e desvantagens do atual sistema de registro de desenhos industriais quando do exercício dos direitos outorgados por esta espécie de propriedade, tendo em vista a problemática já ventilada por alguns colegas e doutrinadores sobre a obtenção de liminares escoradas em um título "frágil", pois não submetido a prévio exame de mérito.

Chegando próximo do final, tentaremos buscar respostas que justifiquem (ou não) a (in)compatibilidade do atual sistema atributivo adotado pela Lei da Propriedade Industrial n.º 9.279/96 com a norma programática prevista no artigo 5.º, XXIX da Carta Magna de 1988.

Para finalizar este breve estudo, traremos nossas conclusões sob uma perspectiva principiológica e constitucional, as quais, apesar de ter em mente os benefícios e valor da doutrina utilitarista, se dissociam da mesma.


II – Breve histórico da proteção dos desenhos industriais no Brasil

De acordo com João da Gama Cerqueira [4] a arte criadora dos povos primitivos quando da fabricação de suas armas e utensílios já se preocupava com a forma ornamental destes objetos, sendo que nos povos da antiguidade é que "as artes decorativas ou de ornamentação encontram-se grandemente desenvolvidas e não se limitam mais ao simples adorno dos objetos de uso prático, manifestando-se também em sua forma caracteristicamente artística e na criação de objetos de luxo, destituídos de utilidade material".

José Carlos Tinoco Soares [5] destaca que "Os desenhos de fábrica têm a sua origem, ao que tudo indica, tão remota quanto às patentes de invenção", salientando que "Os primeiros regulamentos de 1554, 1596, 1619 e 1667 se ocuparam de reprimir as ‘fraudes’ na fabricação de ‘étoffes, et les vols de soie don les ouvriers se rendaint coupables au détriment de les patrons’".

A Convenção da União de Paris, em sua redação original de 1883 incorporada ao direito brasileiro através do Decreto n.º 9233 de 28 de junho de 1884, já previa que "Cada uma das partes contractantes se obriga a estabelecer um serviço especial da propriedade industrial e um deposito central para a communicação ao publico dos privilegios de invenção, dos desenhos ou modelos industriaes e das marcas de fabrica e de commercio" (Art. 12), de modo que tais direitos sobre desenhos e modelos industriais (atualmente unificados sob a denominação de desenhos industriais) já possuíam previsão legal de proteção mínima no Brasil. A previsão de uma proteção mínima aos desenhos e modelos industriais se manteve e aperfeiçoou nas posteriores revisões do texto original da CUP.

Posteriormente, em termos de legislação brasileira, tivemos o Decreto n.º 24507 de 29 de junho de 1934, o Decreto Lei n.º 7903 de 27 de agosto de 1945, culminando no posterior e recentemente revogado Código da Propriedade Industrial (Lei n.º 5772 de 21 de dezembro de 1971).

Saliente-se que era previsto pelo Código da Propriedade Industrial a mesma sistemática de exame de mérito dos pedidos de patente de invenção e modelo de utilidade, condicionando a concessão do privilégio ao exame prévio quanto à sua privilegiabilidade.

Atualmente, vige no Brasil a Lei da Propriedade Industrial (Lei n.º 9279/96) que trouxe mudanças significativas na sistemática para a obtenção de proteção dos antes denominados desenhos e modelos industriais, gerando maior celeridade no procedimento em detrimento do exame prévio de mérito.


III – Possibilidade de dupla proteção: Propriedade Industrial e Direito Autoral.

Não é o objetivo deste trabalho retomar as longas e fundamentadas discuções daqueles que defendem a teoria da unidade da arte frente aos que a criticam, mas sim estabelecer as diferenças marcantes entre uma e outra proteção para que possamos buscar uma compreensão da crítica a ser feita ao atual sistema de registro de desenhos industriais.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Para aqueles que desejarem um maior aprofundamento sobre as duas teorias, faço referência à obra de João da Gama Cerqueira (Tratado da Propriedade Industrial, p. 635 a 657), a qual aborda com propriedade as duas correntes que divergem sobre a proteção assegurada aos na época denominados desenhos e modelos industriais.

Apenas cito algumas observações do Douto João da Gama Cerqueira [6] quanto à aplicação da solução brasileira para a proteção desta espécie de criação intelectual quando o mesmo afirma que "Adotando a dualidade de proteção, tão combatida pelos autores franceses, a lei, entretanto, não exclui a possibilidade da cumulação das leis sobre a propriedade artística e sobre desenhos e modelos, em casos especiais. As obras artísticas, e só elas, continuam protegidas pelo Código Civil e lei especial; os desenhos e modelos industriais regem-se pela sua lei especial. Nada impede, porém, que, tratando-se de obra artística aplicada a um objeto industrial ou posta no comércio como modelo industrial, seu autor invoque a proteção do Código Civil para a obra considerada sob a sua natureza intrínseca de obra de arte, e a da lei especial para o modelo. A reprodução de uma obra de arte por processos industriais ou a sua aplicação à indústria não a desnaturam, não lhe tiram o caráter artístico. Não se pode, pois, negar ao autor o reconhecimento do seu direito, nos moldes da lei civil, nem a proteção do desenho ou modelo, como tal, no campo da concorrência".

Estabelecendo as diferenças entre a proteção via direito autoral e aquela prevista na legislação de propriedade industrial, importante é reproduzir as observações feitas por José Carlos Tinoco Soares [7] aos ensinamentos de Stephen P. Ladas:

"Após considerar os vários pontos conflitantes que dizem respeito às leis de direitos autorais e propriamente às de patentes, considera que existem quatro características:

a) O direito de autor persiste em muitos países pela vida do autor e por cinquenta anos depois da sua morte, enquanto a proteção do modelo é por um período de três, cinco, dez ou quinze anos.

b) O direito de autor em muitos países subsiste sem formalidades. O depósito ou registro é desnecessário. Sob a lei do modelo perde-se a proteção, a menos que o modelo seja depositado pelo titular antes da publicação ou de qualquer uso público, naquele país, afinal, onde a proteção é reclamada.

c) Sob as leis dos direitos autorais, a reprodução em qualquer que seja a forma material é infração, enquanto sob a lei do modelo, geralmente, há infração somente na aplicação ou imitação do modelo para o mesmo ou análogo artigo.

d) Por outro lado, a proteção sob a lei do modelo é mais larga (ampla) do que na de direitos autorais, porque esta última somente impede a cópia, e uma obra independente não copiada da obra na qual o direito de autor subsiste não é infração, embora possa ser idêntica. A lei do modelo dá proteção como se fora um monopólio durante seu tempo contra a aplicação do modelo por qualquer pessoa embora o infrator atue independentemente e sem conhecimento de que o modelo está registrado".

Com a devida cautela que devemos tomar ao analisar ensinamentos doutrinários inseridos em um contexto temporal (década de 50), não podemos deixar de citar as luzes da memorável obra de Pontes de Miranda [8], quando tratou dos então chamados desenhos e modelos industriais, afirmando que:

"Tal como se acha o sistema jurídico brasileiro, pode existir a proteção à propriedade intelectual antes e independente da propriedade industrial, sem que a aquisição dessa tenha qualquer influxo ou repercussão naquela. Aliás, com essa atitude, também fica aberta a possibilidade de existir propriedade intelectual (artística) sobre marcas de indústria e de comércio, ou sobre expressões e sinais de propaganda".

Nunca podemos esquecer de que o direito sobre um desenho enquanto tutelado pelo direito autoral nasce no momento da sua concepção, consistindo o registro uma mera formalidade (declarativo), sendo que o direito sobre um desenho enquanto tutelado pelas normas de propriedade industrial nasce a partir do registro (sistema atributivo).


IV – O sistema atributivo sem exame de mérito previsto na Lei n.º 9.279/96

Ultrapassando a questão da (im)possibilidade de dupla proteção dos desenhos ditos industriais, cumpre passar para a análise do atual sistema de registro de desenhos industriais previsto na Lei da Propriedade Industrial.

Na legislação anterior (Lei n.º 5772/71), a proteção dos modelos industriais e desenhos industriais possuía uma tramitação morosa, tendo em vista que era previsto o exame de mérito obrigatório antes do julgamento do pedido, assim como, após a publicação do pedido, era possível que terceiros apresentassem oposição, encarecendo e tornando ainda mais lento e burocrático o trâmite do pedido de privilégio de desenho e modelo industrial [9].

Tal legislação de 1971 certamente estava preocupada com a segurança jurídica objetivada pela concessão de um direito de propriedade a um requerente que efetivamente cumprisse com os requisitos de privilegiabilidade dos modelos e desenhos industriais.

Diferentemente da proteção outorgada aos direitos autorais (registro é meramente declarativo), a proteção albergada pelo Código da Propriedade Industrial de 1971 previa um sistema atributivo de propriedade, ou seja, somente é titular da criação industrial no âmbito das marcas, invenções, modelos e desenhos aquele que obtiver o registro ou carta-patente validamente expedida pelo INPI.

Desta forma, como ainda impera hoje para as marcas e patentes, o sistema atributivo pressupõe um exame de mérito da Autarquia Federal como condição para a outorga do direito de propriedade sobre aquele sinal distintivo ou sobre aquele privilégio de invenção ou modelo de utilidade.

No entanto, no que tange aos anteriormente denominados modelos e desenhos industriais e atualmente unificados sob a denominação de desenhos industriais, com as inovações trazidas pela Lei da Propriedade Industrial n.º 9.279/96, temos que permaneceu o sistema atributivo, mas foi retirado o prévio exame de mérito para a concessão do registro de desenho industrial [10].

É evidente que a nova sistemática introduzida pela LPI e, de certa forma, justificada pela regra contida no art. 25 (2) do TRIPS [11], trouxe uma maior celeridade e redução de custos na obtenção do registro do desenho industrial.

Buscando fontes do direito comparado, constatamos que o registro do desenho industrial junto a OAMI (Registro de Desenho Industrial Comunitário) igualmente é efetuado sem exame prévio quanto à novidade e o chamado "caráter individual" do desenho, havendo duas situações básicas de indeferimento do pedido de registro: a) quando o objeto do pedido de registro não corresponder a um desenho conforme definido no art. 3(a) da CDR; b) ou quando o desenho é contrário ao interesse público ou a princípios morais aceitos. Portanto, a sistemática de registro de desenho industrial sem exame de mérito não é adotada apenas no Brasil.

Ainda dentro da legislação de outros países, mais curiosos ainda são os sistemas que prevêem até mesmo a concessão de patentes sem exame de mérito, como é o caso da África do Sul, conforme preceitua a sua atual lei de patentes (South African Patents Act 57 de 1978).

Retomando a questão dos desenhos industriais no Brasil, temos que, de certa forma para contrabalançar a concessão de tão importante título de propriedade sem exame dos requisitos de novidade e originalidade, o legislador introduziu dispositivos legais que permitem atitudes processuais no sentido de restringir os direitos outorgados através do registro e obrigar, posteriormente à concessão do registro, o exame de mérito. Alguns destes dispositivos são: a) a possibilidade do titular do registro do desenho industrial em requerer o exame de mérito a qualquer tempo de vigência do registro (art. 111 da LPI); e b) a possibilidade de suspensão dos efeitos do registro no caso de instauração do processo administrativo de nulidade no prazo de 60 dias da concessão do registro (art. 113, § 1.º da LPI).

Tais fatos demonstram como funciona, atualmente, o procedimento para a obtenção do registro de desenho industrial no Brasil, cumprindo agora analisar, brevemente, o efetivo exercício de direitos sobre essa propriedade industrial à luz do ordenamento jurídico pátrio.


V – O exercício de direitos sobre o registro de desenhos industriais no atual sistema

Como elemento didático prévio a reforçar os nossos questionamentos/críticas ao atual sistema de registro de desenhos industriais, a principal nuance que pretendemos analisar quanto ao exercício de direitos se refere à antecipação de tutela pretendida pelo titular do registro de desenho industrial concedido pelo INPI sem exame de mérito.

Apesar de tal situação processual já ter sido analisada com propriedade por outros autores, dos quais cito a Dra. Anali de Oliveira Anhuci [12], é importante retomar a questão com o objetivo de demonstrar a problemática atual do exercício efetivo dos direitos decorrentes do registro de desenho industrial.

Afirma a Dra. Anali [13] que "O titular de registro de desenho industrial, em verdade, não tem em mãos título hábil a produzir prova inequívoca de seu direito, pois, no momento da concessão, não foi o seu pedido analisado com a ideal profundidade".

Realmente, a norma processual contida no art. 273 do Código de Processo Civil exige, como pré-requisito para a concessão da antecipação de tutela, a prova inequívoca do direito afirmado pelo autor e a verossimilhança das suas alegações.

Tais pressupostos, baseados exclusivamente em registro de desenho industrial concedido sem exame de mérito, certamente acabam por não ser preenchidos e o eventual titular do direito acaba por possuir um título de propriedade que não é albergado pelas atuais normas processuais para alcançar a efetividade do provimento jurisdicional.

É claro que a impossibilidade de obtenção de tutela antecipada escorada em registro de desenho industrial carente de exame de mérito não é absoluta. Ocorre que o titular do direito de propriedade, para exercitá-lo de forma efetiva, ou seja, para obter o provimento jurisdicional liminar, terá que comprovar exaustivamente que o objeto protegido efetivamente é novo e original (além, é claro, de provar a violação do seu direito por parte do réu).

Constata-se que a celebrada evolução legislativa do Código de Propriedade Industrial para a atual Lei da Propriedade Industrial, consubstanciada na adoção de um sistema que preza pela celeridade de atribuição de um direito que o objeto sob proteção exige, trouxe consigo dificuldades práticas processuais de exercício dos direitos que em primeiro lugar visava proteger.

Imaginemos, ainda, o eventual posicionamento de que o tão só registro de desenho industrial sem exame de mérito, como título de propriedade que é, já possibilitaria a concessão da tutela antecipada pretendida. Tal fato estaria legitimando, na prática, a existência de procedimentos judiciais muitas vezes desvirtuados e atentatórios da segurança jurídica, sendo que esta sistemática de atribuição de direito antes da análise prévia do estado da técnica já era condenada por Gama Cerqueira quando da sua análise do prazo de duração das patentes e os inconvenientes gerados pela demora na concessão de privilégios [14]:

"Para obviar a tão grandes inconvenientes, a solução radical seria fazer coincidir o início da proteção legal com o depósito do pedido, e, conseqüentemente, fixar na mesma data o início do prazo de duração do privilégio. Esta solução, porém, se adotada, ofereceria inconvenientes também graves, pois são bastante freqüentes os pedidos de patente para objeto do domínio público, sendo perigoso, assim, facultar-se ao requerente do privilégio, desde o momento do depósito do pedido, o uso das ações penal e cível de perdas e danos, que poderiam ser dirigidas contra pessoas que, antes do pedido da patente, já exploravam a suposta invenção".

Ora, o que o Mestre Gama Cerqueira tentava evitar no caso das patentes era justamente o que a lei da propriedade industrial está a permitir hoje quanto à persecução cível e criminal baseadas em um registro de desenho industrial empobrecido de conteúdo, mas enriquecido em direitos.

Portanto, fica o questionamento: Até que ponto o atual sistema de registro de desenhos industriais efetivamente trouxe benefícios práticos no exercício de direitos de seus titulares e até que ponto esse potencial utilitarista pode ser aplicado em detrimento da segurança jurídica?


VI – O atual sistema de registro de desenhos industriais frente à norma programática prevista no inciso XXIX do art. 5.º da Carta Política de 1988.

Nos importa buscar saber se o caminho do legislador ordinário adotado para a atual proteção dos desenhos industriais no Brasil está em sintonia com a norma constitucional programática que trata dos direitos de propriedade industrial "...tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País".

Certamente o maior problema da legislação anterior (Lei 5772/71) era a morosidade no exame dos pedidos de patente dos então chamados modelos e desenhos industriais frente à própria essência de tais criações industriais caracterizadas pela sua momentaneidade de utilização, ou seja, a chamada "vida útil" ou o interesse de um empresário sobre um determinado desenho industrial no mercado de consumo era, em muitos casos, menor do que o prazo efetivo que o Estado, através da sua Autarquia Federal (INPI) levava para julgar os pedidos. Desta forma, quando o pedido era finalmente deferido, sendo atribuído o direito de propriedade, muitas eram as vezes em que o momento comercial do produto já havia sido ultrapassado, de modo que não havia mais interesse na proteção inicialmente almejada.

Qual seria o interesse social em um sistema que, em muitos casos, não traz efetividade na proteção de um bem que deveria ser juridicamente tutelado?

Dennis Borges Barbosa [15], ao analisar a aplicação do princípio da razoabilidade à propriedade intelectual, assevera que:

"Dois óbvios resultados derivam da aplicação do princípio da razoabilidade: um, na formulação da lei ordinária que realiza o equilíbrio, que deve – sob pena de inconstitucionalidade ou lesão de princípio fundamental – realizar adequadamente o equilíbrio das tensões constitucionais; a segunda conseqüência é a de que a interpretação dos dispositivos que realizam os direitos de exclusiva deve balancear com igual perícia os interesses contrastantes."

É evidente que a melhor solução encontrada na época para o caso foi o estabelecimento de um procedimento no qual o Estado concede um registro (atribuindo propriedade) àquele que o solicitar, mesmo sem saber se o direito de propriedade pleiteado preenche os requisitos de novidade e originalidade exigidos para a sua validade. Ou seja, o Estado assume uma postura de Poncio Pilatus.

Nitidamente foi valorizada a celeridade em detrimento não apenas da segurança jurídica, mas também da essência de um sistema atributivo de direitos, como impera na área da propriedade industrial.

Devemos lembrar que estamos falando de um direito de propriedade e, como tal, constitui-se em um dos mais importantes direitos tutelados em um Estado Democrático de Direito, de modo que a relativização de análise dos pressupostos que permitem a constituição desse direito deve ser cuidadosamente sopesada frente aos interesses públicos envolvidos.

John Rawls [16], ao analisar a importância da regra da maioria, destaca que "Embora em dadas circunstâncias se justifique a afirmação de que a maioria (adequadamente definida e circunscrita) tem o direito constitucional de legislar, isso não implica que as leis elaboradas sejam justas".

Se de um lado temos que a demora procedimental na concessão de um registro de desenho industrial atenta contra os interesses dos titulares dos direitos a serem reconhecidos, por outro temos que a concessão célere desse direito de propriedade em detrimento do exame de mérito prévio atenta contra a segurança jurídica e contra a própria essência de um sistema atributivo de direitos.

Não estaria o legislador ordinário a atentar contra o interesse social ao possibilitar a concessão pelo Estado de um direito de propriedade de tamanha importância sem exame de mérito?

Pode o Estado, para solucionar a problemática morosidade na concessão de registro de desenhos industriais, sacrificar a segurança jurídica da sociedade como um todo?

Sobre o autor
Milton Lucídio Leão Barcellos

Advogado e Agente da Propriedade Industrial sócio do Escritório de Propriedade Intelectual Milton Leão Barcellos & Cia. Ltda, Especialista em Direito Internacional pela UFRGS com monografia sobre O Sistema Internacional de Patentes, Mestrando em Direito pela PUCRS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. O atual sistema de registro e exercício de direitos sobre desenhos industriais frente ao disposto no inciso XXIX do art. 5º da Carta Magna de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 470, 20 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5824. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!