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O atual sistema de registro e exercício de direitos sobre desenhos industriais frente ao disposto no inciso XXIX do art. 5º da Carta Magna de 1988

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Agenda 20/10/2004 às 00:00

VII – Conclusões:

Saliento que, como pesquisadores e atuantes na área, temos a consciência de que, em virtude da morosidade administrativa no julgamento dos pedidos de registro quando feitos sob a égide da legislação anterior frente à natureza da proteção pleiteada (desenhos industriais são, na maior parte das vezes, transitórios e de interesse dos seus titulares por apenas um curto espaço de tempo), pode-se chegar à conclusão (como se chegou) de que a supressão do exame prévio dos requisitos de originalidade e novidade seria justa e eficaz.

O fato de considerarmos injustas as atuais disposições legais que suprimiram o exame de mérito no sistema atributivo de registro de desenhos industriais não significa considerarmos que a Lei não deve ser obedecida. Ao comentar o dever de obedecermos uma lei injusta, John Rawls [17] leciona que "A verdadeira questão está em saber em que circunstâncias e em que medida somos obrigados a obedecer a ordenações injustas. Às vezes se diz que, nesses casos, nunca temos a obrigação de obedecer. Mas isso é um erro. A injustiça de uma lei não é, em geral, razão suficiente para não obedecer-lhe assim como a validade jurídica da legislação (conforme a define a constituição em vigor) não é razão suficiente para concordarmos com sua manutenção".

Ou seja, o recurso procedimental consubstanciado na chamada regra da maioria, ainda segundo Rawls, é "a melhor maneira disponível de garantir uma legislação justa e eficaz", no entanto, o simples fato da sua essencial existência em um Estado Democrático de Direito não garante a elaboração de uma legislação justa, apesar de muitas vezes eficaz.

Nesse ponto é que o nosso posicionamento quanto à incompatibilidade de um sistema atributivo de direito com a concessão de direito de propriedade não precedida de exame de mérito pelo órgão público competente, que para muitos pode ser considerado um retrocesso em relação à festejada evolução da legislação anterior (Lei 5772/71) para a atual lei da propriedade industrial (Lei 9279/96), encontra o seu fundamento: A eficácia (média de 06 meses para a concessão do registro de desenho industrial) não pode ser tida como justa no momento em que o princípio básico do sistema atributivo é sacrificado, não estando em sintonia com o interesse social previsto no inciso XXIX do art. 5.º da Carta Magna de 1988 [18].

Ora, temos a livre iniciativa, livre concorrência e devido processo legal de um lado [19] associadas aos interesses sociais, econômicos e à segurança jurídica, e de outro lado as restrições impostas ao exercício destes princípios através da concessão de direitos de propriedade industrial pelo Estado, de modo que permanece o questionamento fundamental se o Estado pode conceder tão importante direito de propriedade sem analisar seu mérito?

Muitos alegam que o devido processo legal não deixou de existir, mas sim foi apenas postergado para momento posterior à concessão do registro de desenho industrial, de modo que tal previsão legal seria razoável tendo em vista a essência temporal provisória do objeto tutelado.

Em que pese as justificativas expostas, o fato de existirem mecanismos processuais aptos a efetuar o exame de mérito, anular e até mesmo suspender administrativamente os efeitos do registro posteriormente à sua concessão não justificam ou autorizam que o Estado conceda tão importante direito de propriedade ao particular sem analisar previamente se esse direito lhe cabe, pois constitui-se em nítida ameaça à segurança jurídica.

Questiono, ainda, a própria eficácia da celeridade administrativa sob o ponto de vista do exercício de direitos oriundos de registro "frágil", conforme já abordado nas possíveis limitações quanto à concessão de tutelas antecipadas escoradas em título de propriedade concedido sem exame da sua novidade e originalidade, de modo que este fato serve de reflexão até mesmo para aqueles filiados à corrente utilitarista.

Com o devido respeito aos muito bem fundamentados argumentos para a existência e manutenção de um sistema atributivo de concessão de direitos de propriedade industrial sobre desenhos industriais sem exame prévio da novidade e originalidade, entendemos que a essência de um sistema atributivo está diretamente associada à exigibilidade de exame prévio de mérito.

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A aparentemente utópica pretensão de um exame de mérito de desenhos industriais mais célere e condizente com a natureza do bem industrial a ser protegido não nos parece tão dissociada de uma realidade futura, tendo em vista a constante evolução das tecnologias para análise de elementos figurativos. No entanto, na própria realidade atual, não podemos estabelecer uma legislação que mesmo apresentando eficácia (a qual em determinadas situações de exercício dos direitos é relativizada) traga uma solução injusta.


Notas

1 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

2 BOBBIO, N. Estudos sobre Hegel. Direito, Sociedade Civil, Estado. São Paulo: Brasiliense/UNESP, 1991, p. 99.

3 WEBER, Thadeu. O Estado Ético. Porto Alegre, Revista da Faculdade de Direito da PUCRS, volume 25 – Ano XXIV – 2002/1, p. 23.

4 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, 2.ª Edição, Volume 1, p. 637/638.

5 SOARES, José Carlos Tinoco. Tratado da Propriedade Industrial Patentes e seus sucedâneos. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998, 1.ª Edição, p. 121.

6 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, 2.ª Edição, Volume 1, p. 656.

7 SOARES, José Carlos Tinoco. Tratado da Propriedade Industrial Patentes e seus sucedâneos. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998, 1.ª Edição, p. 139/140.

8 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XVII. Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1956, 2.ª Edição, p. 408/409.

9

Lei 5772/71:

Art. 18. 0 pedido de privilégio será mantido em sigilo até a sua publicação, a ser feita depois de dezoito meses, contados da data da prioridade mais antiga, podendo ser antecipada a requerimento do depositante.

§ 1.° O pedido do exame deverá ser formulado pelo depositante ou qualquer interessado, até vinte e quatro meses contados da publicação a que se refere este artigo, ou da vigência desta lei, nos casos em andamento.(...)

Art. 19. Publicado o pedido de exame, correrá o prazo de noventa dias para apresentação de eventuais oposições, dando se ciência ao depositante

§ 1.° O exame, que não ficará condicionado a eventuais manifestações sobre oposições oferecidas, verificará se o pedido de privilégio está de acordo com as prescrições legais, se está tecnicamente bem definido, se não há anterioridades e se é suscetível de utilização industrial.

§ 2.° O pedido será indeferido se for considerado imprivilegiável, por contrariar as disposições dos artigos 9.° e 13 deste Código.(...)

10 Lei n.º 9.279/96:

Art. 106. Depositado o pedido de registro de desenho industrial e observado o disposto nos arts. 100, 101 e 104, será automaticamente publicado e simultaneamente concedido o registro, expedindo-se o respectivo certificado.

11

Decreto n.º 1.355 de 30/12/1994:

Artigo 25 - Requisitos para a Proteção

1. (...).

2.Cada Membro assegurará que os requisitos para garantir proteção a padrões de tecidos – particularmente no que se refere a qualquer custo, exame ou publicação – não dificulte injustificavelmente a possibilidade de buscar e de obter essa proteção. Os Membros terão liberdade para cumprir com essa obrigação por meio de lei sobre desenhos industriais ou mediante lei de direito autoral.

12 ANHUCI, Anali de Oliveira. Registro de desenho industrial e a antecipação de tutela. Revista da ABPI n.º 47, jul/ago 2000, p. 51/52.

13 Op. Cit. 12.

14 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, 2.ª Edição, Volume 1, p. 466.

15 BARBOSA, Dennis Borges. Bases constitucionais da propriedade intelectual. Obra extraída do site: http://denisbarbosa.addr.com/trabalhospi.htm.

16 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 395.

17 Op. Cit., P. 389.

18 Constituição Federal de 1988: "Art. 5.º (...): XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;"

19 Constituição Federal de 1988: "Art. 1º - A República (...) tem como fundamentos: IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art. 5.º (...), LV – aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV - livre concorrência;"

Sobre o autor
Milton Lucídio Leão Barcellos

Advogado e Agente da Propriedade Industrial sócio do Escritório de Propriedade Intelectual Milton Leão Barcellos & Cia. Ltda, Especialista em Direito Internacional pela UFRGS com monografia sobre O Sistema Internacional de Patentes, Mestrando em Direito pela PUCRS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELLOS, Milton Lucídio Leão. O atual sistema de registro e exercício de direitos sobre desenhos industriais frente ao disposto no inciso XXIX do art. 5º da Carta Magna de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 470, 20 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5824. Acesso em: 23 nov. 2024.

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