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Aspectos gerais da responsabilidade civil

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Agenda 05/06/2017 às 21:18

3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Atualmente, pode-se dizer que, na maioria dos países, a essência da responsabilidade civil fundamenta-se na teoria subjetiva. Em apenas alguns deles, a teoria objetiva é adotada como regra principal. Conforme já visto, o Direito Civil Brasileiro agasalha a responsabilidade subjetiva como regra geral, adotando a teoria objetiva apenas em situações excepcionais.

Ao abordar a responsabilidade subjetiva, como já explicitado, é primordial falar sobre culpa. E ao se descrever esta, está-se automaticamente adentrando no campo dos atos ilícitos. Isto porque, tais atos são manifestações contrárias à ordem jurídica; são condutas, comissivas ou omissivas que atentam contra a lei e que têm como efeito a causação de um dano a outrem. Estão, assim, intimamente ligadas às noções de negligência, imprudência e imperícia, formas estas de exteriorização da culpa. Como consequência, os atos ilícitos criam, ao seu agente causador, um dever de indenizar a vítima. Geram, portanto, a responsabilidade civil ao mesmo.

O Código Civil de 2002 reza, em seu artigo 186, que “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Posteriormente, no art. 927, em capítulo específico sobre o dever de indenizar, assim dispõe: “aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. A noção de ato ilícito, bem como do dever por ele gerado, são nitidamente explicitadas nestes dispositivos do Código Civil Brasileiro.

A ação ou omissão voluntária e antijurídica do agente, a ocorrência de um dano e a relação de causalidade entre este e a conduta, ao lado do elemento culpa, constituem os pressupostos jurídicos da responsabilidade civil, sem os quais não poderá ocorrer a imputação do prejuízo ao agente, bem como a indenização da vítima. É a responsabilidade subjetiva, adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, que exige a prova da ocorrência dos tais pressupostos para que haja o ressarcimento devido.

É imprescindível, pois, para um melhor entendimento do instituto jurídico em tela, que se passe ao estudo individualizado de cada elemento que o constitui, conforme a teoria abraçada como regra geral pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro no âmbito do direito privado.

3.1 CONDUTA DO AGENTE

A conduta do agente é o elemento fundamental, na teoria subjetiva, para a indenização do dano causado. Será sempre através da análise deste pressuposto que se terá a viabilidade do ressarcimento do prejuízo à vítima.

Num primeiro momento, há que se relevar que a “ação ou omissão voluntária” a que se refere o Código Civil, em seu art. 186, é a não proveniente de caso fortuito ou força maior. Assim, imputa-se ao agente o fato danoso se a conduta por ele praticada não ocorreu devido à interferência dessas excludentes de responsabilidade. Se presentes estas, não há que se falar em imputabilidade, nem tampouco em responsabilidade civil. A imputabilidade da conduta deve-se à consciência do agente no momento da execução do ato. Há que se atentar que voluntariedade, como alerta Caio Mário da Silva Pereira “não se confunde com a intenção de causar dano. Esta é a típica conduta dolosa. Naquela, basta a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar”7.

Ainda, quanto ao elemento “conduta do agente” ressalta-se, como já abordado anteriormente, que a responsabilidade deste não se refere somente ao ato por ele praticado, bem como ao ato praticado por terceiro que está sob sua sujeição, de uma maneira ou de outra. Abre-se, pois, sucedâneo à vítima que tem, por exemplo, a possibilidade de optar pela solicitação da indenização ao patrão ou ao empregado de uma empresa que veio a lesioná-la por ato deste último.

Também, a responsabilidade por fato de terceiro permite que a incapacidade não seja elemento hábil a isentar o agente da indenização em certos casos, já que o Código Civil Brasileiro, em seu art. 932, admitiu a responsabilidade individual de pais, tutores, curadores, empregadores e donos de hotéis respectivamente pelos atos de seus filhos, pupilos ou curatelados e empregados, serviçais e prepostos ou hóspedes.

3.2 CULPA

Outro elemento de fundamental importância para a caracterização da responsabilidade civil, conforme a teoria subjetiva é a culpa. Muitos doutrinadores como Serpa Lopes e Caio Mário da Silva Pereira não a consideram um pressuposto da responsabilidade civil propriamente dito. No entanto, ante a adoção da teoria subjetiva pelo Direito Brasileiro e, em assim sendo, necessária a existência da culpa para que haja responsabilidade, opta-se, neste trabalho, por incluí-la dentre os elementos constitutivos desta.

Para que a vítima do dano obtenha a indenização do mesmo, mister se faz provar a ocorrência da culpa. E tal encargo chega a ser tão trabalhoso que, muitas vezes, é impossível ocorrer o ressarcimento dos prejuízos. Isto porque, na prova da culpa é dever do lesionado comprovar a ocorrência de, ao menos, uma das formas de exteriorização desta: a imprudência, a negligência ou a imperícia – tarefa esta extremamente árdua. Genericamente, e no dizer de Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “a imprudência exterioriza-se no agir com descuido; a negligência, no deixar de adotar as providências recomendadas e a imperícia, no descumprimento de regra técnica da profissão”8.

Cabe aqui, ainda que brevemente, a análise da conceituação de cada uma das formas de culpa no direito brasileiro, para uma melhor compreensão da teoria subjetiva e consequentemente da responsabilidade civil.

NEGLIGÊNCIA. Abrange a negligência “a falta de observância dos deveres que as circunstâncias exigem, caracteriza-se pelo desleixo, indolência, inércia, desatenção”9. É “a atitude omissiva (...), que omite precauções ou medidas necessárias”10 , como bem acentua Teresa Ancona Lopez de Magalhães. Em abalizada observação sobre o assunto, o professor Wanderby Lacerda Panasco adverte que a negligência “é forma de culpa ‘in omittendo’, decorrente da omissão. É abrangente de outras sinonímias, como o descuido, desatenção, desobrigação consciente ou inconsciente no labor profissional. A negligência se desencadeia tanto na culpa sem previsão como na culpa consciente”11. Citando Magalhães Noronha, o nobre autor alerta ainda que “se inato ou apático deixo de tomar providência necessária e disso advém uma conseqüência lesiva, que não previ, ajo com culpa informada pela negligência; mas se em idênticas condições prevejo a conseqüência e cuidando que ela não sobrevenha também não tomo a providência devida, sou do mesmo modo negligente.”12

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IMPRUDÊNCIA E IMPERÍCIA. O termo “imprudência”, para alguns autores, deriva da “imperícia”. Entretanto, este não é o entendimento adotado no presente texto. Imprudente é o que “age sem a cautela necessária, é aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela intempestividade, precipitação, insensatez, imoderação”13. A imprudência é, pois, culpa comissiva. Já a imperícia é a falta de habilidade para a prática de certa atividade profissional, é a falta de conhecimentos técnicos próprios da atividade que se exerce, é o despreparo profissional. Miguel Kfouri Neto, em perfeita citação da afirmação de um dos Procuradores-Gerais da Corte de Apelação de Milão exemplifica nitidamente esta distinção: “não é imperito quem não sabe, mas aquele que não sabe aquilo que (...), ordinariamente, deveria saber”14.

Imperito, por exemplo, é o médico ortopedista que não consegue diagnosticar uma fratura; é o advogado que não sabe qual recurso interpor de determinado ato do Magistrado.

Entretanto, há quem diga que a imperícia inexiste, pois se determinado profissional “possui em mãos um diploma que lhe confere grau de doutor e habilitação legal, não se é lógico atribuir-lhe imperícia em situação isolada”15. Tal afirmação parece não encontrar respaldo na doutrina e muito menos na jurisprudência que relata decisões em casos do cotidiano onde não é raro encontrar profissionais das mais diversas áreas com certos anos de experiência cometendo erros próprios da imperícia.

Um terceiro elemento ainda exigível para a ocorrência da responsabilidade civil é o dano. É imprescindível que a conduta ilícita do agente tenha causado à vítima um prejuízo. Conforme sustenta Caio Mário da Silva Pereira, citando Aguiar Dias, “não pode haver responsabilidade sem a existência de dano, porque se a responsabilidade civil resulta em obrigação de ressarcir, logicamente não poderá concretizar-se esta, onde nada há que reparar.16”.

O dano seria, pois, o prejuízo decorrido da lesão a um direito, da inobservância de certa regra jurídica; é a forma através da qual o ato ilícito vai atingir o ordenamento jurídico, já que ao causar o referido prejuízo, estaria abalando a órbita legal. Desse modo, dois são os elementos necessários para que um dano se constitua: a violação do direito, da regra e a consequente lesão, ou seja, o prejuízo propriamente dito.

O dano experimentado pela vítima poderá ser de cunho físico, patrimonial ou moral. Os danos físicos são os prejuízos corporais que são facilmente avistados, como, por exemplo, uma lesão na coluna, a perda de um membro, uma cicatriz no rosto, uma fratura. “Eles são indenizáveis separadamente, conforme a invalidez seja parcial ou total, permanente ou temporária.”17.

O dano patrimonial é o de ordem material e que atinge o patrimônio da vítima; são os lucros cessantes e demais despesas que teve a vítima com o ocorrido. Já o dano moral refere-se a valores de ordem espiritual; seria o reflexo do ocorrido na tranqüilidade, no bem estar, na liberdade, na honra da vítima. Sua forma de liquidação exigiria maior trabalho do julgador, já que a este tipo de dano, abstrato e invisível, aufere-se uma quantia estimativa, apenas.

3.3 NEXO DE CAUSALIDADE

Por fim, para a real concretização da responsabilidade civil, mister é a prova da relação de causalidade entre o dano auferido pela vítima e a conduta realizada pelo agente. Ante a inexistência de um liame de causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima, não há que se falar em indenização e, portanto, em responsabilidade do primeiro.

Para se determinar o nexo de causalidade, convém definir-se, primeiramente o que vem a ser a causa. Miguel Kfouri Neto, citando Jorge Peirano Facio, explicita que “a causa de um resultado seria aquilo que, se removido, faria desaparecer também o dito resultado”.18

Assim, ao realizar-se esta operação lógica, verifica-se se o ato violador da norma jurídica ensejou o prejuízo experimentado pela vítima ou não. Se afirmativa a resposta, formado estará o nexo causal entre a conduta e o resultado e, uma vez provado este nexo, mais próximo se estará da responsabilização do agente causador.

Ressalva faz-se às excludentes de responsabilidade que adentraram especificamente no campo do nexo causal. Se presente uma destas excludentes, mesmo ante a existência de conduta voluntária e antijurídica, do dano e da culpa, o ato lesivo não poderá ser imputado ao agente, pois estará este sob a proteção daquelas. Exemplos de excludentes de responsabilidade são o caso fortuito e a força maior, a culpa exclusiva da vítima, dentre outras.

Desta forma, segundo a teoria da culpa, adotada pelo Direito brasileiro, presentes todos os pressupostos da responsabilidade civil, será viável a indenização do prejuízo causado à vítima. Se ausente apenas algum deles, impossibilitada fica a caracterização da responsabilidade subjetiva do agente e improvável a obtenção do ressarcimento dos prejuízos.

3.4 DANO. DANO MATERIAL E MORAL. LUCRO CESSANTE E DANO EMERGENTE. FORMAS DE ARBITRAMENTO.

O dano é uma das circunstâncias elementares da responsabilidade civil e a que menos suscita discussões a respeito de sua comprovação já que se alguém busca a indenização é porque algum prejuízo obteve e certa está de sua ocorrência. Como afirma Aguiar Dias “não pode haver responsabilidade sem a existência de dano, porque resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, logicamente não pode concretizar-se onde nada há que reparar”19. Logo, pode-se afirmar que jamais haverá responsabilidade civil onde inexistir prejuízo.

O dano aqui referido seria, pois, em sentido amplo, o resultado à lesão a um direito, a um bem jurídico qualquer, incluindo-se aí a noção de dano moral. Embora, para pouquíssimos doutrinadores este último não seja passível de ser ressarcido, já que o conceito de dano abrangeria apenas as lesões ao patrimônio de um indivíduo que, por sua vez, se constitui do conjunto de relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro, neste trabalho, assim como na gritante maioria da doutrina, entende-se que o dano é a diminuição ou a subtração de um bem jurídico, abrangendo, assim não apenas o patrimônio em si, mas também, a saúde, a vida, a honra, e demais bens jurídicos suscetíveis de proteção na órbita do Direito. A própria Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, do Capítulo sobre Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, prevê que o dano moral pode ser indenizado.

Indenizar o dano significa tentar restaurar o “status quo ante” em que se encontrava a vítima antes da ocorrência do ato ilícito. Contudo, como na maioria dos casos isto é impossível de ocorrer, busca-se a compensação do dano através da realização de pagamento de uma indenização monetária à vítima. Assim, por exemplo, sendo impossível devolver a vida daquele que morreu em um acidente de trânsito, impõe-se ao causador do infortúnio, a obrigação de pagar uma pensão mensal aos dependentes do falecido, além das despesas que foram tidas com o funeral e luto da família.

DANO MATERIAL

Para que determinado dano seja indenizado, mister é que tenha efetivamente violado bem jurídico de determinada pessoa física ou mesmo jurídica, causando prejuízos de ordem material ou moral.

O dano material, também conhecido como dano patrimonial, é toda e qualquer lesão a bem que pode sofrer apreciação econômica. São os casos, por exemplo, de danos causados aos veículos envolvidos num acidente de trânsito, aos bens móveis que guarnecem uma residência, se se perdem em caso de enchente, à destruição de um edifício que se incendeia.

Toda espécie de dano é passível de ser liquidada, ou seja, admite a determinação do “quantum” em pecúnia, que incumbirá ao causador despender em prol do lesado. Reparar o dano seria buscar saber exatamente qual foi a sua extensão e a sua proporção; liquidá-lo é fixar concretamente o montante dos elementos apurados na reparação. A reparação é o objeto da ação, a liquidação é a execução do objeto.

A liquidação do dano material pressupõe a observação de dois requisitos: o dano emergente e o lucro cessante. O dano patrimonial abrange não apenas aquilo que a vítima efetivamente perdeu (dano emergente), mas também o que deixou de ganhar ao ser privada de seus bens (lucro cessante) em virtude do fato ocorrido. É o que ocorre, por exemplo, com determinado proprietário de um quiosque na beira da praia que retira seu sustento da venda de comidas e bebidas no local e que tem seu estabelecimento atingido por veículo desgovernado. Além do que efetivamente perdeu com a destruição das instalações do quiosque, também tem direito de ser indenizado por todo o lucro que deixou de obter no período em que ficou privado trabalhar. Os valores diários que o proprietário obtinha com a comercialização de comidas e bebidas também devem ser computados no valor total a ser liquidado.

DANO MORAL

Já o dano moral, como anteriormente mencionado, é o sentimento de perda relacionado à lesão a bem jurídico que não tem repercussão na esfera patrimonial. São todos aqueles danos que afetam direta ou indiretamente direitos essenciais do ser humano como, por exemplo, a honra, a dignidade, o bem-estar, a reputação social, a intimidade, a vida privada, etc.

Inicialmente, a jurisprudência condenava a ideia de se promover a indenização dos danos morais cumulada com a dos danos patrimoniais. Argumentava-se que constituiria ato imoral buscar um valor monetário que correspondesse ao sentimento de dor ou perda provocados pela lesão.

Contudo, com a evolução dos tempos, a doutrina e, principalmente, a jurisprudência passaram a rechaçar esta ideia e aderiram à possibilidade de reparação do dano moral, admitindo, inclusive sua cumulação com danos patrimoniais. Isto porque, inexiste qualquer restrição quanto à tais possibilidade na legislação brasileira vigente. Além das disposições dos Códigos Civil e de Processo Civil em favor da reparação do dano moral, a Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 5°, inc. X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material, ou moral decorrente de sua violação”.

Assim, se determinado indivíduo sofre lesão de natureza moral, cumulada com a lesão física ou material, motivos não há para que não pleiteie o ressarcimento daquele perante o Judiciário. Igualmente, aos familiares de pessoa que faleceu em decorrência de ato imprudente, imperito ou negligente, é concedido o direito de se pleitear a indenização pelo dano moral consistente no sofrimento da perda de um ente querido.

Atualmente, merecido destaque recebe a teoria da reparabilidade plena que defende a ideia de que “qualquer dano moral, independentemente de suas proporções, ou de suas projeções, verificado por atuação de outrem merece a necessária reparação”20. Assim, a reparação do dano moral independe do grau de repercussão do mesmo na vida do lesado ou da sociedade; havendo prejuízo, cabível é a indenização.

Outrossim, há que se atentar que modernamente tem-se superado a ideia de que apenas o pagamento de quantia em dinheiro poderia representar forma de compensação aos males morais sofridos pela vítima. Além do patrimônio do lesante, admite-se na doutrina, que a própria pessoa do agente causador do dano possa repará-lo através da prática de atividade ou da imposição de certo comportamento. E “essa tem sido outra tendência atual no ressarcimento de danos morais, vencidas, ademais, a problemática do simbolismo com que se apresentou certa época, ou seja, a da reparação através do valor monetário ínfimo, ou simplesmente de princípio”21.

Assim, como bem observa Carlos Alberto Bittar, quando o agente causador do dano não possui bens a serem utilizados para o pagamento da reparação dos danos morais sofridos pela vítima ou quando os tais forem insuficientes, impõe-se àquele “a submissão pessoal à obrigação de fazer, ou de não fazer, como por exemplo, a prestação de serviços, a abstenção de certas condutas, o cerceamento de certos direitos, já utilizadas, há mais tempo, no plano penal como penas restritivas de direito”22. Assim, estar-se-á, de certa forma, atingindo os verdadeiros objetivos da indenização, quais sejam, o de compensar a vítima pelos danos sofridos e o de efetuar sanção ao agente causador do dano, comprovando à sociedade a eficácia do ordenamento jurídico e a capacidade de sua função punitiva.

Outro ponto de crucial relevância, quando se trata de responsabilidade por danos morais, é a determinação do “quantum “devido pelo agente. Dificuldade há na determinação do montante que deverá ser pago à título de compensação pelo dano moral. Um minucioso raciocínio deverá ser feito pelo Magistrado na determinação da referida quantia, levando-se em conta, precipuamente, a profundidade do acontecimento, suas circunstâncias, a gravidade das lesões sofridas pela vítima e os reflexos desta perante a família. Ocorrendo a morte da vítima do dano, por exemplo, o julgador deve ter em mente a necessidade de se fazer abrandar o sofrimento pela perda do ente querido, entre os familiares do mesmo, buscando, ao menos, a determinação do pagamento de uma quantia que, em tese, poderia amenizar esta dor e fazer surgir entre os mesmos certo sentimento de Justiça.

Fica, pois, ao encargo do Juiz, a determinação do “quantum” referente à indenização por danos morais. Há, entretanto, outros critérios para a apuração de tal valor e que, em alguns casos são utilizados para se fazer a devida reparação. É o caso da estipulação da compensação através da multiplicação do ganho mensal da vítima pelo número de meses faltantes para que ela completasse 65 anos, conforme alerta parte da doutrina, levando-se em conta a média de expectativa de vida do brasileiro. Entretanto, se a vítima tinha idade superior, aceita-se sobrevida de 5 anos, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Outro critério também utilizado é aquele que leva em conta o número de dias que o lesado passou internado, sob tratamento, para se recuperar. Miguel Kfouri Neto cita exemplo bastante elucidativo ao mencionar a “hipótese onde a vítima sofrera a ablação de um rim, a destruição parcial do fígado, a perfuração do cólon, e o TJRS levou em conta o número de dias que o autor permaneceu hospitalizado e para se recuperar, num total de 67, convertendo-os em dinheiro, em razão dos rendimentos auferidos pela vítima – e elevando tal soma ao triplo, mediante a aplicação analógica do art. 1.536, § 1º, do CC de 1916”23.

DANO MORAL À PESSOA JURÍDICA

Por fim, quanto ao dano moral, interessante questão que se apresenta é a lesão desta natureza causada às pessoas jurídicas.

É sabido que determinada pessoa jurídica pode, perfeitamente, sofrer lesões de cunho patrimonial, como por exemplo, uma indústria que é destruída em um incêndio. Além do prédio que desapareceu em meio ao fogo, a referida pessoa certamente teve perdas de matéria prima e de produtos ali fabricados e armazenados, além da destruição de insumos e materiais de escritório.

Questão interessante é a de se saber se a mesma poderia ser vítima de dano moral. De início, a doutrina admitia como vítimas do dano moral apenas as pessoas naturais, já que o sentimento de perda só pode ser por estas suportado. Seria ilógico, conforme defendiam diversos autores, admitir que uma pessoa jurídica alegasse danos de ordem psíquica e espiritual.

No entanto, com a evolução do direito e da teoria da responsabilidade civil, passou-se a entender que o dano moral não abrange apenas prejuízos de cunho sentimental, mas quaisquer desfalques a valores extrapatrimoniais. Dessa forma, seria perfeitamente possível que uma pessoa jurídica fosse vítima do referido dano. Imagine-se, por exemplo, determinada empresa de renome que acaba sendo personagem de falsa notícia publicada em jornal de grande circulação. Certamente, tal fato irá denegrir seu nome e imagem perante a sociedade e, principalmente perante seus clientes e investidores.

Assim, hodiernamente, é pacífico o entendimento de que a pessoa jurídica também pode ser atingida por prejuízos de ordem moral. Mesmo porque, conforme se observa da redação do art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal de 1988, não há diferenciação quanto à espécie de pessoa que pode ser vítima do dano moral.

Sobre a autora
Paula da Cunha Bozzi

Advogada consultora e Mestre em Direito Administrativo. Professora de cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito, nas áreas de Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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