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Tratados internacionais concessivos de isenções de tributos estadual e municipal.

A questão da vedação constitucional da isenção heterônoma

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CAPÍTULO 2

A Problemática das Competências e Responsabilidades no âmbito da Federação

Para que possa ser realizado um estudo a despeito da aplicação e vigência de tratados internacionais que tratem de tributos das esferas de competência estadual e municipal, sobretudo os concessivos de isenções de tributos desses entes, é necessário que se compreenda o que seja uma federação e, principalmente, o que significa o princípio basilar da Constituição Federal, qual seja, o federativo.

Para que um Estado opte entre o Federalismo e o modelo Unitário de organização de sua estrutura político-jurídica interna, necessariamente deve determinar a forma de disposição e organização dos detentores de seu poder político-administrativo.

Um Estado, para atender com plena eficácia as necessidades da população local e regional atingindo de forma integral o bem comum e a justiça social, necessita se estruturar segundo o modelo de Estado descentralizado, federativo, no qual as atribuições e os recursos, em suma, a distribuição de poder seja repartida entre o poder central (União Federal) e os poderes periféricos (entidades políticas autônomas - Estados e no caso do Brasil Estados, Distrito Federal e Municípios) e esteja contida numa Constituição Federal de forma rígida e precisa. Por isso, defende-se que a forma de Estado coerente com os ideais democráticos é a Federativa. Sendo a formatação "mais sofisticada de se organizar o poder dentro do Estado" [42]. Aliomar Baleeiro [43], utilizando-se das palavras do jurista Alemão Stein, defendia que sustentar o federalismo é reafirmar e proteger a democracia e "que nos paises de democracia intermitente como é o nosso, o federalismo como forma de dispersão de poder é uma segurança adicional da liberdade".

Para fins de situar no contexto temporal, conhecendo as raízes históricas da Federação como forma de Estado deve-se falar do surgimento dessa forma de distribuição de poder que se deu no ano de 1787, na América do Norte, com a união das colônias inglesas que haviam conquistado sua independência política da Inglaterra em 1776 formando os Estados Unidos da América.

Na prática, não há Estados Federais organizados politicamente da mesma forma, pois o modelo federativo respeita as peculiaridades de cada local, entretanto para haver a estruturação de um Estado em federação é indispensável a presença de alguns elementos característicos: 

a)a descentralização de poder, bem como a inflexível divisão constitucional de competência, como forma de manutenção da autonomia dos entes federados;

b)a inexistência de hierarquia entre o governo federal e os demais entes federados no que pertine a ordem interna de cada ente;

c)a divisão de poderes com a adoção do sistema de freios e contrapesos de Montesquieu;

d)a União exercendo a representação do Estado Federal nas relações exteriores e a sua incompatibilidade com regimes de governo autoritários, já que isso implica na centralização demasiada de poder.

Ives Gandra [44] entende haver mais requisitos para se caracterizar um Federação, quais sejam:

1.o Estado Federal tem por base jurídica a Constituição e não um tratado. Desta feita todos os assuntos que possam dizer respeito a quaisquer dos componentes da Federação "devem ser conduzidos de acordo com as normas constitucionais";

2.os Estados ao entrarem para Federação perdem sua soberania no momento do ingresso, preservando, entretanto, uma autonomia limitada, restando a soberania apenas para o Estado Federal;

3."cada esfera de competência se atribui renda própria". Recentemente começou a ser discutido esse critério de grande importância no contexto da Federação. Assim, outorgar-se competência é o mesmo que delegar obrigações. É indispensável, portanto, que se assegure a quem tem encargos uma fonte de renda suficiente, para que a autonomia política não se torne apenas formal, já que, só quem tem recursos próprios é que consegue agir com independência.

Queiroz Lima define Estado Federal como sendo: "um Estado formado pela União de vários Estados, é um Estado de Estados" [45], contrapondo-se a dos Estados Unitários, com um único governo subdividido somente na esfera administrativa. Já no Estado Federal, no mesmo território, convivem pelo menos dois governos autônomos com atribuições e encargos diferentes, contidos na Constituição Federal. Essa discriminação de competências é que torna possível a preservação das particularidades locais e, desta feita, contribui para a manutenção do desenvolvimento mais equilibrado dos entes políticos que subscreveram o pacto federativo. 

Quanto ao federalismo fiscal devem ser levadas em consideração, tendo em vista, estarem intimamente ligadas a repartição de competências e a autonomia financeira da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios Nesse sentido, José Afonso da Silva [46] afirma: "a discriminação de rendas constitui um dos aspectos nucleares da disciplina jurídica do Estado Federal. É elemento da divisão territorial do poder político. Insere-se na técnica constitucional de repartição de competência".

Visto isso, há que se falar em federalismo fiscal, entendendo-se a repartição de competências como uma das conseqüências do federalismo, devendo-se destacar que o simples disciplinamento dos direitos e deveres dos entes federados não a configura. É necessário haver na Constituição Federal sua disposição de forma precisa, de modo que o legislador ordinário não possa inserir restrições às autonomias indispensáveis ao funcionamento desses. Isto porque, uma vez ocorrendo essas restrições, tal implicaria em agressão e até mesmo rompimento do pacto federativo, devendo-se estabelecer uma justa e racional repartição de receitas para que os entes federados as exerçam, sem, contudo, se criar um círculo vicioso de dependência financeira com o governo federal.

Resumindo-se, a Federação em sentido genérico é importante que se entenda a Federação no âmbito do Estado brasileiro. No dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho [47] o Decreto n° 1 de 15 de novembro de 1889, as províncias do Império passaram a ser Estados da República investidos de autonomia, passando a existir a federação, formalmente em 1891 quando de sua inserção na Constituição do Brasil, mantendo essa forma de Estado até os dias atuais. A Constituição de 1988 ratifica essa afirmação no seu preâmbulo e caput do artigo 1° e 2°. A forma federativa nos citados artigos consta como pilar fundamental do Estado brasileiro, podendo ser facilmente compreendida quando lê-se no I, §4° do artigo 60 da Lei Maior, uma das chamadas cláusulas pétreas:

Artigo 60:

[...]

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

[...]

Isto posto, depreende-se ainda do contido na Magna Carta que o Brasil adotou como forma de Estado a federativa, sendo formado pela "união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal".

José Afonso da Silva reforça o conceito de Federação dizendo que esta é [48]:

"a união de coletividades regionais e autônomas que a doutrina chama de Estados federados, Estados-membros ou simplesmente Estados".

Já segundo Dalmo de Abreu Dallari, Federação é [49]:

uma aliança ou união de Estados baseada numa Constituição em que os Estados que ingressam na federação perdem sua soberania no momento mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada.

Tais conceitos contrastam com o dado por países como Estados Unidos e Alemanha, onde estado federal foi resultado de uma agregação de Estados que já existiam anteriormente em que todos eram soberanos e que por vontade suprimiram parte de sua soberania afim de formarem um centro resultante do somatório das soberanias individuais (federação de forma centrípeta, hoje conhecida como confederação), enquanto que o Brasil estabeleceu sua federação através da descentralização de um Estado unitário, no qual o poder central soberano conferiu autonomia aos pequenos centros antes inexistentes (federação centrifuga). A criação do federalismo no Brasil tem correspondência direta com o desenrolar do tema proposto nesta monografia, bem como permite o entendimento do porquê o legislador de 1988 ter disposto no texto constitucional a regra do artigo 151, inciso III. Como foi visto, a origem do federalismo brasileiro se deu a partir de um Estado Unitário, daí justificado está, ao contrário do que ocorre em outras federações, contida nos textos constitucionais pretéritos e presentes maior centralização na União. Um fato interessante, diz respeito ao contido na Constituição Federal de 1988, na qual além da descentralização daqueles em Estados-membros, houve também a descentralização desses em Municípios, sendo conferidos a esses poder de auto-organização, devendo, entretanto obediência ao contido na Magna Carta e na Constituição de seu respectivo Estado. Na esfera internacional, o Estado Federal é uno, se comprovando também internamente tal unidade, no caso de ameaça de sua segurança, podendo se observar a possibilidade de intervenção federal.

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Nesse sentido, Raul Machado Horta, citado por Aliomar Baleeiro [50], diz que "o federalismo brasileiro é um federalismo cooperativo, pacto de equilíbrio determinado diretamente pela Carta Magna".

Conferindo-se tal colocação o disposto nos artigos:

"Artigo 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]"

"Artigo 18: A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

Neste diapasão cabe diferenciar soberania e autonomia. Soberania é caráter inerente aos Estados que não se submetem a nenhum outro. Tal soberania é poder inerente do Estado Federal, delegada a União no âmbito das relações exteriores. Já os entes federativos, portanto, são dotados de autonomia e podem em decorrência das competências conferidas pela Magna Carta, editar suas próprias normas inexistindo hierarquia e subordinação entre as suas ordens jurídicas e os entes políticos.

Destarte, na federação brasileira, o fato dos entes possuírem autonomia interferiu em todo sistema tributário pátrio uma vez que deve-se obedecer à distinção contida na Constituição Federal das competências reservadas a cada ente da federação. Além disso, a repartição constitucional da competência tributária é a base do principio federativo, vez que só se pode falar em autonomia real dos entes federativo se eles detiverem o controle de suas receitas.

Sob esse prisma, o Federalismo surge como uma associação de Estados para formação de novo Estado, o federal, com divisão rígida de caracteres da soberania entre eles. Tal soberania refere-se à idéia de que livre da concepção da origem do poder, como leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho [51] pode ser conceituada como o "caráter supremo de um poder supremo, visto que esse poder não admite qualquer outro, nem acima, nem em concorrência com ele". Assim, Kelsen [52] conceituou Estado soberano como sendo aquele que "só se subordina ao Direito Internacional, não podendo jamais se subornar ao direito nacional de outro Estado". Nesse sentido, Sahid Maluf [53], conceitua soberania quando diz que: "Soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder". Internamente seu relacionamento é marcado pela autonomia entre os entes federados: União, Estado e Municípios, sob a égide da Constituição Federal, "caracterizadora dessa igualdade jurídica", segundo Ruy Barbosa [54], visto que "ambos extraem suas competências da mesma norma" chamada fundamental por Hans Kelsen [55] acarretando, por conseguinte a supremacia de cada um em sua esfera de domínio, como bem disposto no Pacto Federal. Essa autonomia entre os entes federados corresponde ao poder de autodeterminação exercido de acordo com o estabelecido na Magna Carta relativo ao poder de editar leis.

Isto posto, a autonomia, garantida através da divisão constitucional de competências entres os entes da federação, é o sustentáculo da forma federalista de Estado. Clélio Chiesa [56] entende, nessa senda em matéria tributária, a Magna Carta conferiu a cada uma das pessoas políticas a competência para legislar sobre seus tributos, descartando qualquer possibilidade de interferência de um ente político no outro. Concluindo-se, portanto, que os entes estatais descentralizados como União, Estados e Municípios, uma vez possuidores de parcela de poder estatal, produzem normas jurídicas, por meio de legislativo próprio, se auto-ordenando, tendo essas norma vigência dentro de seus respectivos territórios, respeitando, entretanto, os limites estabelecidos por lei estatal superior. Ou no dizer de Elcio Fonseca Reis autonomia é:

a liberdade de determinação consentida a um sujeito, resultando no poder de dar a si mesmo a lei reguladora da própria conduta, ou, mais compreensivamente, o poder de prover o atendimento dos próprios interesses e, portanto, de gozar e de dispor de meios necessários para obter uma satisfação harmônica e coordenada dos referidos interesses. (57)

Desta feita, no Estado Federal, além de descentralização administrativa ou financeira, espécies presentes também na organização do Estado Unitário, o que o caracteriza é descentralização de poder, esse sendo a essência do Estado. Aliomar Baleeiro [58] diz em linhas gerais que Kelsen entendia que o federalismo juridicamente corresponde a descentralização jurídica, tanto estática, quanto dinâmica. Sendo a estática fundada na convivência, em um mesmo Estado, de ordens jurídica locais ou regionais, constituindo no todo a ordem Nacional. É estática em razão das ordens jurídicas parciais se originarem de um poder central. É descentralização, quanto ao âmbito de atuação espacial da norma, não enseja descentralização de poder, podendo ocorrer na forma unitária de Estado, bem como na federal. Já a descentralização dinâmica pressupõe descentralização do poder e se reconhece [59]:

quando a ordem jurídica, válida somente para uma comunidade parcial, é criada por órgãos eleitos simplesmente pelos membros dessa comunidade parcial. Como por exemplo, poderia citar-se um Estado Federal, em que as leis válidas para o território de um Estado-membro unicamente podem ser expedidas pelo legislativo local eleito pelos cidadãos desse Estado-membro.

Isto posto, para a formação de um Mercado Comum na, América Latina, deve-se discutir as conseqüências do federalismo, uma vez que no plano interno o federalismo acarreta o fenômeno das isenções conveniais, gerando no plano externo a autonomia do Estado – Membro, frente a atos e convenções internacionais, lavradas pela União.

2.1. Responsabilidades interna e internacional ao assinar tratados.

A repartição de atributos de soberania, como exposta acima, será facilmente visualizada no item que diz respeito à competência tributária especificamente. Entretanto antes de adentrarmos a tal tema deve-se reforçar o entendimento das reais responsabilidades dos entes federados no âmbito internacional e interno.

No âmbito internacional os Estados signatários, de acordo com o convencionado em Viena sobre Direito dos Tratados, devem obedecer ao disposto em seu Artigo 46, no qual em linhas gerais um Estado não poderá invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados.

A referida convenção, mesmo não tendo sido ratificada pelo Congresso Nacional, o Estado brasileiro não pode eximir de cumprir seus tratados, valendo-se dessa desculpa. Isto porque, quando se celebra um tratado internacional, da mesma forma que qualquer outro contrato ou pacto, subtende-se que seus contraentes ou pactuantes almejam o cumprimento de seu objeto, de modo que, se um país empenha sua palavra, deve se submeter ao que foi avençado, para que não venha a sofrer sanções internacionais.

Um Estado ao celebrar um tratado assume no âmbito internacional um encargo, que tem como finalidade seu estrito cumprimento, não devendo ser alegada soberania nacional. Tem-se de se levar em consideração seu ordenamento jurídico interno, antevendo empecilhos que não permitam o fiel cumprimento do avençado.

Entende-se, conseqüentemente que, é de fundamental importância a percepção pelos Estados signatários da existência de ordens a internacional e interna, antes de firmarem um tratado, já que não interessa a um Estado o sistema jurídico interno do outro, muito menos, a forma como o tratado vai ser incorporado ao direito interno do país. O Estado não pode se valer de qualquer norma de direito interno para se escusar do cumprimento das responsabilidades assumidas.

Passada essa idéia do comportamento e, por conseguinte, a questão da responsabilidade dos Estados signatários de tratados internacionais no plano internacional, há então que se indagar sobre a possibilidade da União para celebrar tratados que acarretam responsabilidades no plano interno. Deve-se notar que a mesma é sujeito de obrigações, tanto perante as pessoas de direito externo (Estados soberanos) como perante as pessoas de direito interno ( entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

A União não existe per si na ordem internacional, representando nesse campo a Nação brasileira, não estando a União obrigada duplamente, muito menos está longe de ter "caráter bifronte" [60] como propugna Souto Borges. A responsabilidade no plano internacional é do Brasil como Estado soberano frente aos demais Estados, bem como, no plano interno, a responsabilidade da União no âmbito da federação se encerra perante os demais entes. Ademais, mesmo a União dispondo de legitimidade para ser signatária de tratado ou obrigação na ordem internacional, uma vez que representa externamente o Estado brasileiro, tal possibilidade está vedada internamente, já que a Constituição Federal impôs algumas regras que devem ser respeitadas.

À semelhança dos demais atos normativos, o tratado internacional em sentido estrito por possuir caráter normativo está adstrito aos elencados na Constituição da República, uma vez que também têm caráter normativo. Destarte, os tratados subscritos pela União são de nível federal, tendo segundo o sentir do Supremo Tribunal Federal força de lei ordinária federal, cabendo a União ser parte em tratados que tratem as matérias exclusivas de sua competência constitucionalmente conferida, lhe sendo vedado perpassar tal limite, usurpando competências legislativa dos Estados membros, Distrito Federal e Municípios.Deve-se lembrar, que tal impedimento, além de está contido na Constituição Cidadã, uma vez desrespeitado atinge de morte o pacto federativo desestruturando toda a República Federativa do Brasil.

Para alguns autores, nas relações exteriores o consentimento do Estado a respeito de qualquer matéria é plenamente possível, vez que se entende que a vedação se restringe ao plano interno. Desta feita, uma vez que o problema no âmbito interno surgiria no momento em que a União "dá vida" ao tratado em sentido estrito, no âmbito internacional tal conflito só existiria a partir da declaração de inconstitucionalidade desse tratado, suspendendo sua aplicação e por conseguinte, colocando o Estado numa situação de violador do pacto internacional. Isto porque, a soberania permite aos Estados no âmbito das relações exteriores firmarem os tratados em que tenham real interesse. Destarte, subscrevendo um tratado necessita a União considerar as ordens interna e externa, respeitando os limites dispostos em cada plano de relacionamento.

2.2. Sistema Constitucional Tributário

Passado o embate inicial de demonstrar o Federalismo e as responsabilidades dos entes federados com o pacto, adentrarei ao estudo do Sistema Constitucional Tributário brasileiro, bem como às competências outorgadas pela Magna Carta, para tal.

A Constituição de 1988 traz em seu bojo de forma explícita a divisão de competências para legislar sobre tributos, discriminando a qual ente federativo se destina tal ou qual tributo, a forma como se dará o exercício dessa competência, as limitações para execução desse encargo, bem como a repercussão no ordenamento jurídico com a arrecadação ou renúncia do seu exercício. Segue- se verticalmente essa repartição de competências não cabendo à União mediante lei complementar legislar sobre normas gerais de direito tributário, conforme dispõe o inciso III do artigo 146 da Magna Carta.

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

[...]

Como se depreende do contido no texto desse artigo, o legislador constituinte foi muito feliz ao redigi-lo, colocando sob a responsabilidade da União essa competência, já que, sendo o tributo a principal fonte de auferimento de numerários do Estado, a possibilidade de legislar dos Estados-membros e dos Municípios, nessa matéria, os fariam se digladiar com intuito de atingir interesses políticos e econômicos, enaltecendo as vaidades de seus administradores, legislando de forma a distorcer a função do Sistema Tributário, conduzindo a um embate fiscal ainda maior do que hoje é presenciado. Desta feita, cabe apenas aos municípios a competência para legislar sobre determinado tributo que lhe foi destinado constitucionalmente, entretanto essa competência restringe-se a elaboração de norma não definida pela União ou pela própria Constituição da República, permitindo-se na prática ao município, apenas legislar no que pertine a instituição de seu tributo.

Alexandre de Moraes [61] leciona que:

pelo princípio da predominância do interesse, à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral ao passo que aos Estados referem as matérias de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de interesse local.

O Código Tributário Nacional, entre outras atribuições, vem prestando ao Brasil o serviço de proteger os contribuintes da ânsia arrecadadora do Estado. Isto porque, conjuga vários princípios e normas que devem ser observados pela administração tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, submetendo-os a postulados uniformes em matéria que se correlacionam intimamente com as normas constitucionais, já que seria inviável a cada ente político da federação elaborar e aplicar configurações que lhes fossem convenientes.

Desta feita, urge ser feita a junção de normas gerais, para que os entes tributantes possam se harmonizar de forma racional, de modo a impedir a ocorrência de possíveis irregularidades patrocinadas pela insaciável sanha arrecadadora dos referidos entes, através da qual o único a se prejudicado seria o contribuinte.

2.3. Das competências Tributárias

Antes de mais nada, é importante conhecer a conceituação de competência na visão de alguns autores. Élcio Fonseca Reis, competência é: [62] "a medida da capacidade de ação política ou administrativa, legitimamente conferida a um órgão, agente ou poder, nos termos juridicamente definidos ". Para o professor Carrazza competência tributária significa "a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas, para que tributem" : [63]. Tais conceituações estão intimamente ligadas ao significado de autonomia, determinando prerrogativas e encargos cabíveis a cada órgão, agente ou poder. Assim, não há que se cogitar deter competência se não há discricionariedade política e administrativamente, se não dispõe de recursos, sobretudo financeiros, indispensáveis à realização das atividades e serviços de interesse da população em geral.

O eminente jurista Dalmo de Abreu Dallari [64] ao discorrer sobre o assunto, diz em linha gerais que: a distribuição de competências significa uma atribuição de poderes e, ao mesmo tempo, de deveres, já que quem recebe a competência para determinada matéria é que deve legislar sobre ele e adotar as providências de que ele necessite no âmbito da administração pública, inclusive a criação e a manutenção de serviços. Maior manutenção de competências pode significar mais poder político, mas significa também maiores encargos, mais incumbências.  Por isso, é necessário se fazer a repartição das competências, referentes as fontes as fontes de recursos financeiros, de modo proporcional, devendo haver correlação entre encargos e rendas, sob pena de ocorrer:

1.necessidades básicas da população deixarem de ser atendidas ou são atendidas de forma precária, porque a administração pública não consegue agir com eficiência;

2.o órgão encarregado do serviço solicitar recursos financeiros de outra fonte, criando-se um dependência financeira que acarreta, fatalmente, a dependência política.

Isto posto, Ives Gandra [65] entende por competência tributária nesse contexto como

a faculdade outorgada às pessoas jurídicas de Direito Público Interno, pela Constituição, atendidos seus princípios e regras dentro do campo de sua atuação para instituir, pelo instrumento legal consignado, seus tributos, o que significa, em resumo, legislar sobre o regime jurídico, regulando-o ou estruturando-o.

Já Luiz Otávio Batista [66] entende que os artigos 22 a 24 da Constituição Federal, que tratam da competência privativa, comum e concorrente da União com os demais entes da Federação trazem dificuldades para o Brasil tomar assento em organismo internacional que edite normas e regulamentos comuns, uma vez que nesses se determinam as competências legislativas das unidades federativas e não se permite a possibilidade de delegação. Ratifica o autor que os referidos artigos não podem sofrer reformas tendentes a restringir seu conteúdo sob pena de ferir a Constituição Federal em sua essência.

Neste diapasão cabe então tentar esmiuçar a problemática das competências, uma vez que, levando-se em conta a competência exclusiva concedida pela Constituição Federal de 1988 a cada um dos entes da Federação:

a União: cabe o imposto sobre importação de produtos estrangeiros (II); imposto sobre exportação de produtos nacionais (IE); imposto sobre produtos industrializados (IPI); imposto sobre a Renda E Proventos de Qualquer Natureza (IR); imposto sobre operações financeiras (IOF); imposto sobre propriedade territorial rural (ITR).

aos  Estados e Distrito Federal: o imposto sobre transmissão causa mortis e doações de quaisquer bens e direitos (ICD); imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS); imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA).

aos Municípios: imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU); imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição (ITBI); imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no âmbito de caracterização de ICMS, definidos em lei complementar (ISS ).

Essa técnica de discriminação das rendas, ao contrário do sistema de repartição de poderes, é taxativa, integral e completa. A Constituição outorgou à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios competência expressa para instituição de tributos; ou seja, a cada ente compete, exclusivamente, os tributos que lhe foram destinados. Cumpre-se ressaltar que a própria Carta Magna permitiu exceções à essa discriminação de renda acima referida: ao admitir a competência residual da União para instituir outros impostos; e ao prever a competência da União instituir impostos extraordinários na iminência ou no caso de guerra externa.

Resta esclarecido que pelo que foi citado acima, que a União não é competente para estabelecer normas gerais sobre matérias pertencentes a outros entes da federação, ficando evidente, que está impossibilitada, pelo mesmo motivo, de celebrar tratados que as envolva, haja vista, vedação constitucional. Por outro lado, Estados e Municípios não podem celebrar tratados, uma vez que não possuem existência na ordem externa.

Desta feita, há no ordenamento jurídico brasileiro, uma interminável celeuma entre o direito intestino e o que se pode dizer, Sistema Internacional, que tem como cerne a vedação constitucional da União celebrar tratados internacionais, cujo conteúdo envolva atribuições diversa de sua competência originaria.

A respeito disso, Aliomar Baleeiro defende que competência é: [67]

a faculdade concedida constitucionalmente de criar e regular tributos mediante lei. Sendo fruto da descentralização do Estado Federal. A competência é portanto indelegável, mesmo no caso de omissão do ente competente.

Continua o Mestre dizendo que [68], mesmo sabendo que há "vinculo de solidariedade e de confiança entre os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) havendo a obrigação de um colaborar com o outro" Entretanto, tal dever não pode importar em hipótese alguma "em perda de receita" sob pena de prejudicar a população local ou regional.

Sobre o autor
Antonio Tide Tenório Albuquerque Madruga Godoi

Bacharel em Direito –UNICAP-PE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOI, Antonio Tide Tenório Albuquerque Madruga. Tratados internacionais concessivos de isenções de tributos estadual e municipal.: A questão da vedação constitucional da isenção heterônoma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 469, 19 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5834. Acesso em: 30 abr. 2024.

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