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A causa no negócio jurídico

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Agenda 02/04/2018 às 15:40

Pode-se dizer que a causa do negócio jurídico é o objetivo pretendido pelas partes quando da sua celebração. Conheça os principais aspectos relacionados ao negócio jurídico, sobretudo no que tange ao elemento "causa", compreendendo a diferença entre causa e motivo.

 I - O NEGÓCIO JURIDICO E SEUS ELEMENTOS

Negócio jurídico (art. 104 até o 184 do CC) é uma manifestação de vontade humana que está de acordo com o ordenamento jurídico que produz efeitos jurídicos "ex voluntate", ou seja, que estão de acordo com a vontade das partes. Aliás, o ato jurídico em sentido estrito, que também está de acordo com o ordenamento jurídico,(strictu sensu) a eficácia é "ex lege", ou seja, a eficácia vem da lei, não produzindo os efeitos da mesma maneira que os negócios jurídicos.

Pontes de Miranda(Tratado de direito privado) estabelecia três planos para o negócio jurídico. Assim, devemos observar se, primeiro o negócio jurídico existe, depois, se ele tem validade e depois se ele possui alguma eficácia. 

Assim, com a presença de seus elementos essenciais e acidentais, temos a existência do negocio jurídico; passa-se ao campo da validade, de modo a verificar se há vícios próprios do negócio jurídico, a verificar se há nulidade ou anulabilidade (será o caso de analisar se há incapacidade da parte ou das partes  para o negócio, vício de forma, falta de motivo, de causa, de objeto, de boa fé e ainda  erro, dolo, coação, simulação) e, por fim, há o que se tem como campo da eficácia, num terceiro momento.

 Há elementos essenciais para o negócio jurídico e há elementos acidentais.

vontade que é manifestação do consentimento das partes para a realização do negócio jurídico é um dos elementos essenciais. 

Deve-se verificar a se a vontade foi efetivamente manifestada e se coincide com a vontade real daquele que a declarou. 

Ressalta-se que, o Código Civil de 2002, consagra a idéia de que será mais valorizado para a interpretação do negócio jurídico, a intenção daquele que manifestou a vontade, do que seu sentido literal, conforme preceitua o art. 112 do CCB. 

Ademais, também servirão de auxílio para a interpretação dos negócios jurídicos a boa- fé (de forma que as intenções maliciosas sejam repudiadas ) e os usos do local da celebração. (art. 113 do CCB). 

Outro elemento essencial é que exista um objeto, sobre o qual vai se referir o negócio jurídico. 

Por fim o negócio jurídico deve possuir forma, ou seja, se dar mediante acordo escrito ou verbal. 

Assim, são elementos essenciais, que tornam possível a existência dos negócios jurídicos, a manifestação de vontade, o objeto e a forma. A esses elementos essenciais devemos incluir a causa. 

Por sua vez, são elementos acidentais: condição, termo e encargo ou modo. 

Condição: Subordina a eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e incerto, somente existe condição quando termos o evento tanto futuro quanto incerto, se faltar um deles a condição não existe.

A condição pode ser suspensiva ou resolutiva.. Ela suspende o exercício e a aquisição do direito, quando implementada a condição suspensiva, as partes terão de volta o exercício e a aquisição dos efeitos do negócio jurídico . Já a condição resolutiva é absolutamente o contrário da suspensiva, nesse caso, a eficácia acaba quando a condição é satisfeita.

De acordo com Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, p. 158-171, ed. 11ª, 2005:

“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito jurídico a evento futuro e incerto.

 Condição é a cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico, oneroso ou gratuito, a evento futuro e incerto.

Requisitos. Para a configuração da condição será preciso a ocorrência dos seguintes requisitos: a) aceitação voluntária, por ser acessória da vontade incorporada a outra, que é a principal por se referir ao negócio que a cláusula condicional se adere com o objetivo de modificar uma ou algumas de suas conseqüências naturais; b) futuridade do evento, visto que exigirá sempre um fato futuro, do qual o efeito do negócio dependerá; e c) incerteza do acontecimento, pois a condição relaciona-se com um acontecimento incerto, que poderá ocorrer ou não.

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Condição lícita. Lícita será a condição quando o evento que a constitui não for contrário à lei, a ordem pública ou aos bons costumes.

Condições proibidas. Estão defesas as condições: a)  perplexas, se privarem ao ato negocial de todo o efeito, como a venda de um prédio sob a condição de não ser ocupado pelo comprador; e b) puramente potestativas, se advindas de mero arbítrio de um dos sujeitos (RT, 678:94, 680:115 e 691:206). P. ex., constituição de uma renda em favor se você vestir tal roupa amanhã ou se ficar de pé durante 24 horas; aposição de cláusula que, em contrato de mútuo, dê ao credor poder unilateral de provocar o vencimento antecipado da dívida, diante de simples circunstância de romper-se o vínculo empregatício entre as partes (RT, 568:180).

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Urge lembrar que a condição resolutiva puramente potestativa é admitida juridicamente, pois não subordina o efeito do negócio jurídico ao arbítrio de uma das partes, mas sim sua ineficácia. Sendo tal condição resolutiva, nulidade não há porque existe um vínculo jurídico válido consistente na vontade atual de se obrigar, de cumprir a obrigação assumida, de sorte que, como observa Vicente Ráo, o ato jurídico chega a produzir os seus efeitos, só se resolvendo se a condição, positiva ou negativa, se realizar e quando se realizar.

O art. 122 veda a condição suspensiva puramente potestativa. Logo, são admitidas as simplesmente potestativas, por dependerem da prática de um ato e não de um mero ou puro arbítrio. Além do arbítrio requer uma atuação especial do sujeito. P. ex., doação de uma casa a um jogador de tênis, se ele tiver bom desempenho no torneio de Wimbledon.

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados:

I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;

II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;

III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.

Condições suspensivas física ou juridicamente impossíveis. As condições fisicamente impossíveis são as que não podem efetivar-se por serem contrárias à natureza. Por exemplo, a doação de uma casa a quem trouxer o mar até a Praça da República da cidade de São Paulo será inválida, visto que a condição suspensiva que subordina a eficácia negocial a evento futuro e incerto é impossível fisicamente.

As condições juridicamente impossíveis são as que invalidam os atos negociais a ela subordinados, por serem contrárias à ordem legal, como, p. ex., a outorga de uma vantagem pecuniária sob condição de haver renúncia ao trabalho, o que fere os arts. 193, 6º, 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, que considera o trabalho uma obrigação social ou de realizar a venda que tenha por objeto herança de pessoa viva (CC, art. 426).

Condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita. As condições ilícitas ou as de fazer coisa ilícita são condenadas pela norma jurídica, pela moral e pelos bons costumes e, por isso, invalidam os negócios a que forem apostas. Por exemplo, prometer uma recompensa sob a condição de alguém viver em concubinato impuro (RT, 122:606); dispensar, se casado, os deveres de coabitação e fidelidade mútua; entregar-se à prostituição; furtar certo bem; mudar de religião, ou, ainda, não se casar.

Condições perplexas, incompreensíveis ou contraditórias. Se os negócios contiverem cláusulas que subordinam seus efeitos a evento futuro e incerto, mas eivadas de obscuridades ou incongruências, possibilitando várias interpretações pelas dúvidas que levantam, ou pela incoerência de seus termos tais atos negociais invalidar-se-ão. Por exemplo, constituirei Mário meu herdeiro universal, por ato de última vontade, se Ricardo for meu herdeiro universal. Inválida será tal cláusula, visto que a condição não poderá realizar-se.

Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.

Condição resolutiva impossível. Se for aposta num negócio condição resolutiva impossível (física ou juridicamente) ou de não fazer coisa impossível, será tida como não escrita; logo, o negócio valerá como ato incondicionado, sendo puro e simples, como se condição alguma se houvesse estabelecido, por ser considerada inexistente.

Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

Condição suspensiva. Será suspensiva a condição se as partes protelarem, temporariamente, a eficácia do negócio até a realização do acontecimento futuro e incerto (RT, 706:151; JTACSP, 108:156 w 138:93). P. ex., adquirirei seu quadro “X” se ele for aceito numa exposição internacional.

Efeito da condição suspensiva pendente. Pendente a condição suspensiva não se terá direito adquirido, mas, expectativa de direito ou direito eventual. Só se adquire direito após o implemento da condição. A eficácia do ato negocial ficará suspensa até que se realize o evento futuro e incerto. A condição se diz realizada quando o acontecimento previsto se verificar. Ter-se-á, então, o aperfeiçoamento do ato negocial, operando-se ex tunc, ou seja, desde o dia de sua celebração, se inter vivos, e à data da abertura da sucessão, se causa mortis, daí ser retroativo.

Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob a condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem imcompatíveis.

Irretroatividade da condição suspensiva nos contratos reais. A retroatividade da condição suspensiva não é aplicável aos contratos reais, uma vez que só há transferência pública devidamente transcrita. Esclarece Clóvis Beviláqua que o implemento da condição suspensiva não terá efeito retroativo sobre bens fungíveis, móveis adquiridos de boa-fé e imóveis, se não constar do registro hipotecário a inscrição, ou melhor, o assento do título, onde se acha consignada a condição.

Inserção posterior de novas disposições: a norma não veda a possibilidade de, na pendência de uma condição suspensiva, fazer-se novas disposições, que, todavia, não terão validade se, realizada a condição, forem com ela incompatíveis. A esse respeito, bastante esclarecedores são os seguintes exemplos de R. Limongi França: A doa a B um objeto, sob condição suspensiva, mas, enquanto esta pende, vende ou empenha o mesmo objeto a C; nula será a venda ou a garantia real (penhor). A doa a B o usufruto de um objeto, sob condição suspensiva, mas, enquanto esta pende, aliena a C a nua propriedade do mesmo objeto; válida será a alienação, porque não há incompatibilidade entre a nova disposição e a anterior.

Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

Condição resolutiva. A condição resolutiva subordina a ineficácia do negócio a um evento futuro e incerto. Enquanto a condição não se realizar, o negócio jurídico vigorará, podendo exercer-se desde a celebração deste o direito por ele estabelecido, mas, verificada a condição, para todos os efeitos extingue-se o direito a que ela se opõe. Por exemplo, constituo uma renda em seu favor, enquanto você estudar (RT 433:176, (…)).

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme os ditames de boa-fé.

Implemento de condição resolutiva. Se uma condição resolutiva for aposta em um ato negocial, enquanto ela não se der, vigorará o negócio jurídico, mas, ocorrida a condição, operar-se-á a extinção do direito a que ela se opõe, retornando-se ao status quo ante. Mas, se tal negócio for de execução continuada ou periódica (p. ex., uma locação), a efetivação da condição, exceto se houver disposição em contrário, não atingirá os atos já praticados (como pagamento de aluguéis ou de encargos locativos) desde que conformes com a natureza da condição pendente e aos ditames da boa-fé (CC, art. 422). Acatado está o princípio da irretroatividade da condição resolutiva, quanto às prestações executadas, pois implemento da condição resolutiva terá eficácia ex nunc, preservando os efeitos negociais já produzidos.

Efeitos “ex nunc” e “ex tunc” da condição. Quanto aos atos de administração praticados na pendência da condição, ela não terá efeito retroativo, salvo se a lei expressamente o determinar, de maneira que tais atos serão intocáveis, e os frutos recolhidos não precisarão ser restituídos. Porém, a norma jurídica estabelece que a condição terá efeito retroativo quanto aos atos de disposição, que, com sua ocorrência, serão tidos como nulos.

Outros elementos acidentais são o termo e o encargo.

termo: cláusula que subordina a eficácia do negócio jurídico à um evento futuro e certo (data- evento futuro e certo)

-Suspensivo: termo inicial- dá início aos efeitos do negócio jurídico. Gera direito adquirido

-Resolutivo:termo final- quando verificado põe fim aos efeitos do negócio jurídico.

Encargo ou modo: prática de uma liberalidade subordinada à um ônus.Por exemplo, a doação de um terreno com o encargo de que nele seja construído uma escola. O encargo deve ser cumprido, caso não seja, a pessoa que praticou a doação poderá pedir a revogação ou o cumprimento do encargo.

A doutrina civilista usa a expressão ato jurídico entendendo que se trata de manifestação de vontade destinada a constituir, modificar ou extinguir um direito subjetivo, através da objetivação de um fim protegido pelo sistema jurídico.


II – A CAUSA COMO ELEMENTO DO NEGÓCIO JURIDICO E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO ROMANO

Ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 86 e seguintes) que “as partes do ato jurídico procuram atingir um objetivo prático que é precisamente a função econômico-social do ato que estão praticando. Esse objetivo prático, socialmente útil, recebe a proteção do direito. Chama-se causa do ato jurídico. A causa não pode ser impossível nem ilícita”.

Há profundas diferenças entre a causa e o motivo. Os motivos impelem a vontade à consecução da causa conservando, porém, o caráter subjetivo, a causa se exterioriza no mundo dos fatos através de um ou outro ato jurídico, mas sempre consoante um tipo. Exemplificou Ebert Chamoun(obra citada, pág. 87) que na venda de uma coisa, a causa do procedimento do vendedor é o recebimento do preço do comprador: esse recebimento teve que se enquadrar num tipo de ato jurídico, a compra e venda. Os motivos, sendo individuais, variam conforme as partes; a causa, no ensinamento de Ebert Chamoun, sendo objetiva, só varia conforme o tipo de negócio, sendo uma única para cada tipo. A causa é digna de proteção do direito que nela encontra o titulo justificativo dos efeitos aquisitivos, modificativos ou extintivos dos atos jurídicos, os motivos lhe são irrelevantes, a não ser que se manifestem no ato sob a forma de cláusula acessória.

No direito romano, vários eram os remédios jurídicos que eram utilizados para anular os efeitos do ato jurídico realizado sem causa, como a condictio, ou ação de repetição de indébito, a actio doli, a querela non numeratae pecuniae.

O pagamento sem causa feito pela stipulatio podia, no direito clássico, ser repetido mediante a condictio indebiti. A execução de uma stipulatio através de uma exceptio doli mali e o pagamento feito em vista de sua execução podia ser repetido pelo promitente não envolvido na torpeza, mediante uma condictio ob turpem causam.

No direito imperial, facultava-se à pessoa que reconhecera num documento haver recebido uma quantia que, em verdade, não recebera, negar-se ao seu pagamento, defendendo-se com a querela non numeratae pecuniae. Ela operava a inversão do ônus normal da prova: o pretenso credor é que devia provar a existência do empréstimo. No direito de Justiniano não se podia suscitar a querela quando a causa da numeratio era revelada no documento e era admissível dentro de dois anos, mas inclusive acerca de débitos de coisas diferentes de dinheiro e do dote quando ao madido que não o recebeu era exigida a sua restituição, se intentada de forma temerária, importava a pena do dobro.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A causa no negócio jurídico . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5388, 2 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58532. Acesso em: 27 dez. 2024.

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