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Consumismo: do idealismo ilusório ao superendividamento do consumidor

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Agenda 05/10/2017 às 15:40

2 A SOCIEDADE DO CRÉDITO AO CONSUMO E O DESAFIO GLOBAL DO SUPERENDIVIDAMENTO

As estratégias mercadológicas são, por natureza, passíveis de grandes modificações em um lapso de tempo bastante veloz. O legislador precisa sempre estar em constante movimento, de forma que esteja sempre acompanhando as mudanças que ocorrem na sociedade para que possam estar devidamente atualizados a respeito dessas transformações na esfera global do consumo. Essas atualizações referem-se à popularização de acesso à internet e suas diversas informações, a constante inovação do marketing, a democratização do crédito, a evolução das classes sociais com a inclusão na sociedade de consumidores de pessoas com maior vulnerabilidade de informação e conhecimento, tais como idosos, analfabetos, crianças e jovens.

Nessa nova realidade social, o Direito do Consumidor, seja em qualquer país do mundo, desenvolvido ou não, ganha relevância nunca antes imaginada, pois serve de instrumento a garantir que os consumidores, ao menos teoricamente, sejam protegidos quando tiverem seus direitos violados. É necessário proteger os consumidores em qualquer tipo de sociedade, principalmente naquelas em que os ricos tendem a ficar mais ricos e os pobres muito mais pobres.

A amplificação do acesso ao crédito permitiu que os consumidores adquirissem mais bens e serviços, permitindo que as classes sociais menos favorecidas economicamente passassem a ter poder de compra de bens de consumo que lhes garante melhor qualidade de vida, além de ter condições de usufruir de serviços que hoje são muito mais acessíveis que outrora, como de lazer e turismo.

No entanto, a outra face desse novo estilo de vida facilitado pela obtenção do crédito, é, no mais das vezes, nefasto na vida dos consumidores, ocorrendo justamente quando este não tem condições de cumprir com as obrigações assumidas. A ilusão termina, e a realidade que se impõe é dura. O consumismo cria falsas ilusões no imaginário do consumidor, o qual, no momento da contratação, tem a expectativa ou tem predeterminado que no decorrer da obrigação terá condições financeiras de adimplir com a dívida, quando efetivamente não tem, o que o leva, obviamente, a situação de inadimplente, e, pior, a um estado de superendividamento.

Os devedores que não cumprem com suas obrigações, acabam por serem inclusos em cadastros de inadimplentes, tais como SPC e SERASA. A partir disso, esses indivíduos passam a ter dificuldades de reinserção na sociedade, como também no mercado de trabalho, pois muitas empresas levam em consideração que o empregado precisa estar com todas suas obrigações adimplidas, resultando numa verdadeira exclusão social deste indivíduo. 

Os consumidores precisam estar sempre ligados e atentos a qualquer tipo de informação, inclusive a categoria de pessoas elencadas no art. 39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, que trata das práticas abusivas sobre o fornecimento de produtos ou serviços, uma vez que a publicidade é brutal no sentido de estimular essas pessoas na obtenção de crédito irrestrito, podendo trazer como consequência o superendividamento.

Se faz mister criar alternativas de proteção ao consumidor para que consiga estar inserido na sociedade de consumidores, ou seja, obter estratégias de prevenção ao superendividamento da pessoa física e de boa-fé. Neste sentido é a doutrina atual brasileira, que utilizando-se do direito comparado, entende que as situações de endividamento necessitam ser amparadas pelo Judiciário, a fim de permitir, por um lado, que o consumidor não seja excluído do mercado, e, por outro lado, que o desenvolvimento econômico não sofra entraves. Neste sentido, é de suma importância o Projeto de Lei no 283 do Senado Federal, cujo objetivo é combater a exclusão social do consumidor superendividado, com sua reinserção no mercado de consumo, mas, muito além disso, educá-lo para o consumo consciente.

2.1 O contexto sobre as causas do superendividamento

A democratização do crédito para a sociedade de consumidores, a qual viabiliza a ampliação do consumo e o incremento da atividade econômica, trouxe como consequência a elevação do endividamento do consumidor, a tal ponto que atualmente fala-se de “superendividamento”. A situação de superendividamento significa a “impossibilidade do devedor de pagar todas as suas dívidas, atuais e futuras, com seu patrimônio e seu rendimento” (LIMA, 2014, p. 34).

O superendividamento, também chamado de falência ou insolvência do devedor, não foi conceituado pelo legislador em nenhum instrumento legal, no entanto, o Decreto-Lei nº 54/2004, o qual cria o Código de Insolvência e Recuperação de Empresa (CIRE), conceitua o consumidor insolvente: “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” (art. 3º, 1). Nesse sentido, destaca-se que o superendividamento é fenômeno que pode atingir qualquer pessoa física, independente da sua condição financeira.

Na sociedade de consumidores existem diversas situações, ou causas, que levam os indivíduos ao superendividamento. Existem consumidores que, de alguma forma, não contribuíram ativamente para a sua insolvência, ou seja, tinham a real expectativa de que iriam honrar com as suas obrigações, porém em razão de situações inesperadas acabaram por não adimplir. No entanto, também existem aqueles consumidores que abusam do crédito e acabam consumindo muito além do que podem pagar, ou seja, não medem as consequências futuras advindos do consumo além da sua capacidade de pagamento.

O excesso de crédito disponível, a sua concessão irresponsável, somado as diferentes abusividades cometidas na ocasião da contratação, como não informar de forma prévia sobre as condições da contratação e todos os seus riscos, são fatores determinantes ao superendividamento. Os fornecedores de crédito estão sempre em busca do lucro e de ampliação do mesmo, aproveitando-se daqueles consumidores que carecem de educação financeira e são muito mal informados a respeito da contratação de crédito, uma vez que tais situações dificultam a compreensão no momento em que será feito o contrato do crédito, o qual deveria ser feito de forma racional e reflexiva.

Os idosos também são alvos de situações de superendividamento, pelo fato de que no mais das vezes, em função da desinformação e do baixo grau de instrução, são presas fáceis para os fornecedores de crédito, os oferecem aos mesmos empréstimos consignados, não explicando ao consumidor idoso sobre taxa de juros, número de parcelas tampouco o valor da prestação mensal. Assim sendo, os fornecedores de crédito abusam da omissão de informações sobre os riscos da contratação de crédito, uma vez que “a racionalidade individual é restrita por limitações cognitivas, pela informação disponível e pelo tempo que o indivíduo tem para fazer sua decisão” (PORTO; BUTELLI, 2015, p. 172).

Há também de se ter em mente que existem aqueles consumidores que a atividade de consumir é algo meramente impulsivo, em razão de que não possuem um planejamento racional sobre o futuro pós-compra, pois somente visam suprir alguma necessidade momentânea, muitas vezes sem utilidade prolongada. A impulsividade faz com que o consumidor tome decisões de forma arriscada, levando-o a pensar que no futuro conseguirá honrar com suas dívidas, cuja tendência é consumir cada vez mais.

Outro fator alarmante do superendividamento é a expansão do cartão de crédito, objeto este cada vez mais desejado pelos consumidores, pois o prazer de consumir e não precisar fazer o pagamento no ato da compra é característica incentivadora para o consumo incompatível com a renda do consumidor, fazendo com que as agências de crédito se beneficiem demasiadamente com os juros dessa ferramenta.

É nesse sentido que Lima (2014, p. 37) vem contribuir com o seu conhecimento:

O cartão de crédito aumenta o risco de superendividamento em razão de suas características muito peculiares em relação às tradicionais formas de crédito. A decisão de contratar a crédito é diferente, quando se trata do cartão de crédito, porque o crédito continua a ser concedido pelo fornecedor, após a assinatura do contrato de adesão, sem informações atualizadas sobre a situação financeira do devedor. Frequentemente ainda são oferecidos aumentos no limite do cartão sem solicitação prévia, e o pagamento mínimo aumenta os juros dificultando a quitação da dívida.

A popularização da internet e os mecanismos de facilidade de acesso a diversos meios de interação podem contribuir também com a exploração do uso de crédito. Os fornecedores de crédito inovaram e deixaram mais exequível as formas de contratação desses serviços, por meio de acesso na web ou aplicativos no próprio smartphone ou tablet. Os contratos de crédito firmados por meio eletrônico, através da internet, asseguram rapidez e comodidade, porém acabam por colocar os consumidores em posição de altíssima vulnerabilidade.

A publicidade é uma atividade profissional cujo objetivo principal é apresentar produtos e serviços de diversas empresas mercadológicas, no intuito de convencer o indivíduo a obter o que lhe está sendo apresentado. No entanto, a publicidade vem sendo bastante agressiva quanto as novas formas de adquirir crédito, o que incita ao consumo exagerado e atinge aqueles consumidores mais vulneráveis. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, inciso I, reconhece a vulnerabilidade dos consumidores, de forma que:

A noção de vulnerabilidade, apropriada pelo Direito, decorre da fraqueza ou debilidade de um dos sujeitos da relação jurídica, em razão de suas condições e qualidades inerentes, ou ante uma posição de força e superioridade do outro sujeito da relação. (OLIVEIRA, 2015, p. 196).

As crianças, que são indivíduos em condição de desenvolvimento, são mais suscetíveis aos estímulos de consumo, uma vez que estão em constante criação de desejos que não alcançam as necessidades reais. Há também aqueles devedores que acabaram de sair da insolvência, de modo que se encontram em situação de fragilidade econômica. 

As mudanças imprevistas no decorrer da vida podem ser uma das principais causas do superendividamento, pois são situações em que podem não existir outros mecanismos de ajuda financeira para o consumidor cumprir com suas obrigações a não ser a contratação de crédito, situação em que a vulnerabilidade é ainda maior.

Desta forma, Oliveira (2015, p. 201) deixa claro que:

Quando o crédito é a única alternativa para o acesso a bens e serviços essenciais, a vulnerabilidade do consumidor é agravada pela necessidade, que restringe sua possibilidade de escolha, afeta a liberdade negocial, reduzindo a autonomia da vontade e a própria capacidade de decidir pela utilização ou não do crédito.

Esse impasse de inadimplemento pode configurar situações de estresse para o devedor, o que gera insegurança econômica, principalmente para aqueles em que a renda financeira é muito baixa.

Tudo isso poderia ser evitado se a expansão do consumo pela via do crédito levasse em conta que a função social da economia deve ser respeitada e estar de acordo com aquilo que a lei prevê, sendo conduzida também à luz dos princípios sociais do direito do consumidor.  As empresas e instituições de crédito possuem o dever de permitir que os direitos fundamentais do consumidor sejam concretizados efetivamente, de forma que tenham suas liberdades individuais garantidas. Os fornecedores deveriam agir com lealdade e transparência perante os seus devedores, pois assim evitar-se-ia o endividamento excessivo dos consumidores, o que ao fim e ao cabo seria bom para todas as partes, isto é, para o consumidor que honraria com suas dívidas, para o empresário que manteria a venda no mesmo nível e para o Estado que manteria o desenvolvimento econômico.

2.2 Hipóteses de regulação para prevenir o superendividamento

Para analisar teses de regulação do superendividamento, primeiramente se faz mister circunscrever as características que perfazem essa situação, indagando quais elementos devem estar presentes para caracterização desse fenômeno, ou seja, quem deve ser considerado em estado de superendividado, cabendo então o questionamento sobre a possibilidade de tratamento diferenciado desse indivíduo pelo ordenamento jurídico. Esses elementos investigativos podem ser difíceis de serem alcançados, ou, em parte, de serem afirmados como consequência absoluta do fenômeno do superendividamento.

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A Model Law on Family Insolvency for Latin Amercia and The Caribean (2011, p. 07), do escritório regional para América Latina e Caribe, é um modelo de lei que trata sobre os problemas causados pelo superendividamento, que tem como objetivo principal proteger o consumidor. No artigo 6º dessa mesma lei, encontra-se uma lista sobre as possíveis causas de insolvência ou falência do consumidor:

a) A perda de emprego em consequência de demissão direta e/ou indireta;

b) Emprego precário ou não registado;

c) Invalidez temporária ou permanente;

d) Doença grave ou crônica, resultando em excesso de gastos em tratamento e/ou medicamentos;

e) A separação, divórcio ou dissolução de união estável;

f) A morte de um cônjuge ou parceiro de união estável;

g) A constituição de despesas imprevistas devido a circunstâncias especiais.

Os “acidentes de vida” citados, assim chamados pelo fato de que ocorrem sem uma previsão, não podem ser desconsiderados como uma das causas principais do superendividamento, isto porque, nesses casos, não é possível impedir a insolvência por meio da informação ou aconselhamentos ao indivíduo. Esses fatores contribuem com o superendividamento pelo fato do surgimento de:

[...] fenômenos supervenientes e não antecipados (imprevisíveis ao indivíduo médio) no momento em que as dívidas foram contraídas, tais como desemprego, divórcio, doenças, morte na família e outros gastos inesperados na família. Dentre esses imprevistos apontam-se problemas relacionados a desemprego como o mais comumente associado ao surgimento de uma situação de superendividamento, por estar diretamente relacionado à condição econômica do indivíduo. (PORTO, 2015, p. 443).

A regulamentação em proteção e defesa do consumidor (art. 5, XXXII, CF/88) deve sempre respeitar os princípios fundamentais do Direito do Consumidor, quais sejam: vulnerabilidade; proteção mais favorável ao consumidor; justiça contratual; crédito responsável; participação dos grupos e associações de consumidores. Esses princípios, uma vez aplicados efetivamente, previne o excesso de consumo, evitando o aumento de custos e um consequente futuro processo de insolvência.

De acordo com a explicação de Lima (2014, p. 51), os princípios de regulação ao consumo ainda assim não são observados na sua totalidade, principalmente no que se refere ao oferecimento de crédito:

Na atual sociedade de crédito, contudo, a regulação do crédito baseada na informação e transparência nem sempre consegue evitar situações de superendividamento, porque têm como pressuposto um modelo de consumidor que se comporta racionalmente, ou seja, maximizando os benefícios e minimizando os custos. No entanto, estudos do comportamento econômico comprovam que nem sempre isso acontece, mormente no contexto em que os consumidores são incentivados e pressionados a contratar a crédito.

A insuficiência de dados esclarecedores por parte dos fornecedores de crédito, juntamente com a deficiência de educação financeira, pode acarretar uma compreensão infundada ao consumidor referente as informações prestadas. Assim sendo, o indivíduo não está apto para analisar racionalmente sobre os custos e riscos que está obtendo mediante a contratação do crédito.

O principal objetivo de prevenção do superendividamento é por meio da prestação de informações, uma vez que o consumidor precisa ser capaz de lidar com a resistência da publicidade e tenha conhecimento sobre os recursos e possíveis riscos que podem estar implícitos na propaganda de consumo. Atualmente, inúmeras formas de crédito são criadas para atrair e estimular os consumidores, de forma que muitos indivíduos isolados da cena econômica e social, em virtude de baixa renda, são atingidos por estas informações e acabam por contratar crédito sem ter compreensão sobre os termos estipulados no contrato e dos riscos que estão ligados ao mesmo.

Com o aumento do crédito ao consumo, junto está o aumento de pessoas endividadas. Marques (2000, p. 303) nos ensina que:

A dimensão do problema depende de muitas variáveis: da extensão e do tipo de endividamento, da variação nas taxas de juros, do grau de esforço das famílias e da sua educação financeira, do mercado de trabalho, da estabilidade familiar, da saúde ou da doença, da vida ou da morte. Mas como se provou em diferentes países, ao alargar o endividamento potenciamos sempre o sobreendividamento. Ele cresce nos diferentes ciclos e, mais do que um problema econômico, é sobretudo um problema social.

Na economia moderna, o crédito está inserido de uma forma tão árdua que é impossível esquecê-lo. O crédito é considerado um mecanismo propulsor do consumo e muito importante para o Estado, no sentido de combater o consumo insuficiente e a desaceleração econômica, passando a ser fonte geradora de desenvolvimento do país. Deste modo, é necessário considerar que uma pessoa somente entra no estado de endividado quando tenha tido acesso ao crédito e fora estimulado a consumir em abundância, em virtude das incitações e agressividades técnicas decorrentes da publicidade relacionada ao oferecimento de diversos meios de crédito.

Assim sendo, Lima (2010, p. 30) nos afirma que “a emergência de uma nova cultura do endividamento fez do crédito um elemento normal e aceito na vida dos particulares, sendo visto até mesmo como uma manifestação de liberdade e autonomia do lar”. A legitimação de um conjunto de princípios e regras favoráveis aos consumidores superendividados, depende de uma nova estratégia referente a autonomia da vontade, pois o sistema contratual individualista não tem capacidade para regularizar e resolver os problemas que decorrem das relações de consumo, principalmente da oferta abundante do crédito.

O contrato de consumo está interligado aos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos, os quais são fundamentais, pois se não estarem presentes não teremos uma relação obrigacional. O devedor, assumindo as obrigações do contrato, deverá cumpri-lo até o seu término, por livre e espontânea vontade, caso contrário poderá ser constrangido a fazê-lo por seu credor. No entanto, essa autonomia de vontade nem sempre está presente nas relações de consumo, ou seja, não se verifica a presença de igualdade de forças e a liberdade de discussão entre as partes.

Existe um desequilíbrio na relação de consumo, no que tange principalmente ao contrato de crédito, uma vez que está presente a desigualdade de conhecimento técnico no processo de decisão dos consumidores e dos fornecedores de crédito. É nesse sentido que temos uma nova definição de autonomia de vontade:

[...] o consumidor de crédito está ainda mais sujeito à pressão na medida em que pretende satisfazer suas necessidades e desejos sem ter os meios imediatos, ou seja, é consumidor a duplo título: consumidor em geral e consumidor de crédito. Duas pressões paralelas se exercem e se cumulam para diminuir a autonomia de sua vontade, uma para a venda de um bem e outra para o crédito. (LIMA, 2010, p. 41).

Essa nova autonomia de vontade é representada pelo desejo e a necessidade, fontes que influenciam diretamente na conduta do consumidor e na sua liberdade de escolha. O principal exemplo dessa teoria está implícito na publicidade, pois tem forte pressão ante a sociedade de consumidores, de forma que atribui uma característica de necessidade em um determinado bem ou serviço e, além disso, divulga de forma estratégica os meios financeiros que podem ser contratados para satisfazer a relação de consumo principal.

A exploração do oferecimento de crédito abundante e a facilidade de acesso ao mesmo, faz com que os consumidores tenham sua liberdade de escolha comprometida, onde o desejo e a necessidade tem por objetivo alcançar o prazer e não a razão. A partir desses pressupostos, podemos afirmar que o conceito clássico de autonomia da vontade é inadequado, o qual deveria ser baseado na livre e espontânea vontade de ambas as partes de uma relação contratual.

No que se refere ao sistema de falência, Lima (2014, p. 56) nos explica:

Reabilitar financeiramente o consumidor pode revigorar o seu potencial produtivo, eliminando a necessidade de benefícios sociais como o seguro-desemprego, utilizado por muitos consumidores com dificuldades financeiras, que prejudica sua inserção no mercado do trabalho. Pode, igualmente, eliminar as despesas com tratamento de doenças relacionadas aos problemas financeiros. A reabilitação financeira encoraja os consumidores a se engajar em atividades produtivas e empreendedoras que movimentam a economia e geram benefícios para a sociedade com a arrecadação de impostos.

Não existe uma forma única e absoluta para a regularização do fenômeno do superendividamento, pelo fato de tratar-se de um problema social, político e cultural, que não permitem fazer uma discussão análoga. Diferentes ideias podem fazer com que seja criado um sistema de falência que venha a ter implicações no mercado de crédito: proteger a privacidade do consumidor no que tange a seus dados pessoais; alcançar uma sociedade livre, justa e solidária, por meio de um conjunto de instrumentos e ações sociais; educação financeira para compreender adequadamente o que é uma relação de consumo saudável.

2.3 O Superendividamento e o Projeto de Lei do Senado Federal nº283/2012

O fenômeno do superendividamento é um fato grave que deve ser tratado com cautela pelo poder público, criando um conjunto de regras e deveres que buscam a boa-fé, o conhecimento e o entendimento sobre como evitar que inúmeros consumidores venham a ser excluídos da sociedade.

Existem diversos modelos de falência que podem auxiliar o consumidor a reabilitar-se financeiramente, porém não existe um consenso quanto ao modelo ideal. Com a democratização do crédito, deve existir uma saída para que os consumidores venham a sair da situação de endividamento excessivo.

A democratização do crédito ao consumo surgiu após a criação do Código de Defesa do Consumidor de 1990, de tal forma que antes desse período o superendividamento não era tratado com importância e preocupação, ou pior ainda, era praticamente um fenômeno desconhecido nacionalmente. Com a liberalização do crédito, muitas pessoas foram atingidas, principalmente aquelas que não possuem qualquer tipo de escolaridade ou educação financeira. Deste modo, deve ser feita uma discussão acerca da prevenção e o tratamento do superendividamento de forma que seja permitido reorganizar a vida financeira do devedor.

O Senado Federal, por meio de uma Comissão de Juristas, apresentou o Projeto de Lei 283/2012, com o objetivo de aperfeiçoar o oferecimento de crédito ao consumidor e dispor de normas de regulação e prevenção do superendividamento. De acordo com a Ementa do Projeto de Lei 283 do Senado Federal, o mesmo não criou um sistema próprio de falência, porém procura proteger o consumidor pessoa física, garantindo o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana.

No ordenamento jurídico brasileiro ainda existem lacunas quanto as possíveis soluções para o superendividamento. No entanto, importante reconhecer que as causas do superendividamento nem sempre são aquelas decorrentes de cláusulas abusivas ou ainda a cobrança de juros altíssimos. O consumidor endividado também pode estar em situação de impossibilidade de adimplir com suas dívidas na forma e tempo previsto em decorrência de situações que acabam por se fazerem presentes, porém indesejadas.

Diante do exposto, Lima (2014, p. 137) nos apresenta o seguinte:

Uma das finalidades principais do tratamento do superendividamento é reabilitar economicamente o consumidor, encorajando-o a tornar-se produtivo, a participar do mercado de consumo, contraindo novos créditos, desde que adequados a sua capacidade de reembolso. A melhor distribuição dos pagamentos aos credores é uma consequência, mas não costuma ser o primeiro objetivo da falência das pessoas físicas que se relaciona mais com a preocupação humana de aliviar os problemas financeiros e sociais decorrentes do endividamento excessivo.

Para evitar o abuso do sistema de falência, necessário ter presente o requisito da boa-fé do consumidor, ou seja, a falência deverá ajudar somente aqueles devedores que são característicos de honestidade e/ou são atingidos pelo fracasso. As dificuldades financeiras podem ocorrer por diversas situações, principalmente quando existem circunstâncias em que os consumidores estão impossibilitados de fazerem uma avaliação correta sobre a sua capacidade de pagamento de certa quantia devida e pela contratação de crédito de forma abusiva. Assim sendo, não estaria errado afirmar que tais situações também encaixam esses devedores como pessoas de boa-fé, ou seja, consumidores que acreditam agir com lealdade e sem qualquer intenção desonesta.

É nesse sentido que Lima (2014, p. 145) explica o que é um devedor alvo do mercado de crédito:

A ideia do devedor irresponsável ignora as causas externas do problema e a realidade do mercado de crédito atual, em que a indústria oferece instrumentos de crédito por meio de poderoso marketing, tendo como alvo consumidores idosos, consumidores de baixa renda e, inclusive os que já estão negativados, ou seja, cadastrados em banco de dados por inadimplemento de dívidas que não conseguiram quitar.

A realidade desses consumidores alvos do mercado de crédito revela-se pelo fato de que são pressionados pela necessidade de aumentar a rentabilidade, mesmo que de forma momentânea, e pelo incentivo, por meio da publicidade, de contratarem empréstimos que acabam por comprometer o equilíbrio financeiro, ao contrário de auxiliar no âmbito econômico familiar. Os analfabetos, pessoas que também não são capazes de analisar os riscos que da contratação do crédito e incapazes de compreender as obrigações de um contrato, acabam sendo pressionadas pela sociedade a consumir de forma imediata e pagar pelo consumo depois de certo tempo, se caso vier a ter renda suficiente para cumprir com a obrigação.

Consumir produtos e serviços, necessários ou supérfluos, faz parte da vida dos consumidores e é causa que pode resultar um futuro endividamento, não tem como negar. A democratização do crédito trouxe consigo a concessão irresponsável de crédito, tais como empréstimos e financiamentos, fazendo com que muitos consumidores fiquem em situações de dificuldades de conseguir adimplir com essas obrigações em virtude da grande demanda. É necessário buscar e desenvolver métodos urgentes, por meio de políticas públicas, que venham a prevenir o superendividamento.

O Projeto de Lei 283/2012 pode ser um dos caminhos a seguir para o auxílio da regulação do superendividamento, pois visa alterar o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e o art. 96 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

A educação financeira e ambiental dos consumidores está inserida no art. 4º, inciso IX, do CDC, tendo como função o aprendizado sobre o sistema financeiro pessoal, uma vez que tais princípios são poucos habituais para a sociedade. A necessidade dessas políticas públicas fará com que os cidadãos aprendam a ter conhecimento sobre os custos do crédito e discutir sobre sua escolha diante de uma situação como essa.

No art. 5º do CDC foram inseridos dois incisos (VI e VII) que pretendem instituir de “mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoal natural” por meio da criação de “núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento”. Sobre os direitos básicos do consumidor, de que trata o art. 6º, foram acrescidos três incisos, os quais garantem o crédito responsável, a educação financeira, prevenção e tratamento do superendividamento, visando sempre preservar o mínimo existencial, como ainda, informações sobre o preço dos produtos por unidade de medida.

O art. 37, § 2º, incisos I e II, do mesmo projeto, veda a publicidade abusiva, caracterizando as condutas proibidas no que tange ao assunto, como aquelas que incitam algum tipo de sentimento ou que invocam de forma imperativa ao consumo, protegendo principalmente a criança e o adolescente. Essas disposições são necessárias uma vez que é evidente que os fornecedores usam de estratégias de induzimento ao consumo, que afetam principalmente aquelas pessoas em extremo estado de vulnerabilidade, tal como dispõe o art. 54, inciso IV, o qual afirma de forma expressa a vedação do assédio ou pressionamento do consumidor para contratar algum tipo de produto ou serviço, por qualquer meio de informação, principalmente ao se tratar de pessoas em estado de vulnerabilidade agravada.

O mesmo dispositivo amplia sobre as nulidades contratuais em seu art. 51, tais como limitar o acesso ao Poder Judiciário, embaraçam a impenhorabilidade de bem de família do consumidor ou do fiador, estabelecimento de prazos de carência em caso de descumprimento do pagamento de prestações, considerar o silêncio do consumidor como aceitação de valores cobrados e, regula também sobre a aplicação da lei estrangeira ao consumidor domiciliado no Brasil.

Os artigos 54-A ao 54-G do projeto de lei trata sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento de pessoa física, disponibilizando sobre o crédito responsável e a educação financeira do consumidor. No § 1º do art. 54-A temos o conceito do que é superendividamento, sendo “a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”.

O projeto também acresce os artigos 104-A ao 104-C, os quais são dedicados a regular sobre a conciliação no superendividamento, onde a requerimento do consumidor superendividado, poderá o juiz instaurar um processo de repactuação de dívidas, visando alcançar uma decisão conciliatória. No caso de inexitosa, o juiz, a pedido do consumidor, poderá instaurar processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas. A fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas será de competência concorrente dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.

A prevenção e o tratamento do superendividamento é uma questão de extrema relevância, de tal forma que o aprimoramento do Código de Defesa do Consumidor é importante no que tange ao consumidor superendividado, pois o ordenamento jurídico atual não possui um tratamento especial para a proteção específica dessa parte da população.  Este projeto de lei poderá ser um grande avanço acerca da regulação do superendividamento, porém não é a solução para todas as mazelas. Com a finalidade de garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, o projeto elenca deveres de limitação aos fornecedores de crédito, institui mecanismos de prevenção e tratamento do superendividamento e, ainda, a inclusão da conciliação dos conflitos decorrentes desse fenômeno para que venha a ocorrer a repactuação das dívidas.

Além do exposto, é necessário que o fornecedor também mude o hábito de oferecer bens e serviços de forma irresponsável, conscientizando-se de que o lucro não deve prejudicar as pessoas, muito pelo contrário, beneficiar ambas as partes. A mudança dessa realidade, somente será possível se houver a contribuição do fornecedor em querer reverter tais situações, uma vez que é a figura principal da relação de consumo, pois tem contato diretamente com o consumidor no momento de oferecimento do bem ou serviço, cabendo-lhe o papel de induzir o consumidor, ou não, a obtenção do produto.

2.4 O consumo consciente e sustentável

O consumo é realmente uma atividade que faz parte da rotina de toda população, é algo constante e contínuo, porém necessário para a sobrevivência do ser humano, isso já ficou clarividente por meio de disposições mencionadas anteriormente. No entanto, a sociedade de consumo é praticamente baseada nos valores do verbo “ter”, que acaba por caracterizar pessoas irresponsáveis, impulsivas e que não compreendem a importância de um consumo consciente, para que assim as consequências negativas não venham a ocorrer, seja na esfera ambiental ou social, mas especialmente no âmbito pessoal, em função das consequências nefastas que o endividamento pode provocar para o indivíduo e sua família.

Na atualidade, infelizmente, vivemos em uma sociedade em que a posição do “ter” é muito mais importante do que “ser”. O ser significa a posse de objetos pertencentes a nós mesmos, já o ter significa a posse de objetos materiais que nos traz sentimentos egocêntricos. Deste modo, sendo o ter a posição de uma sociedade de consumo, vivemos em uma realidade onde as relações sociais são pouco valorizadas e os produtos oferecidos no mercado de consumo acabam por ser uma das principais prioridades.

As pessoas estão sendo levadas a pensar que o fato de consumir é algo que irá satisfaze-las por completo e que o único sentido de viver está na situação de apenas possuir bens materiais e imateriais para que possamos ter uma vida repleta de realizações, esquecendo-se das relações interpessoais. É nesse sentido que a autora Ana Beatriz Barbosa Silva (2014, p. 18) tem a finalidade de contribuir sobre a principal finalidade de uma sociedade de consumo:

Nesse contexto social, é necessário possuir tudo que seja capaz de gerar prazer de forma intensa e imediata. Outra característica que pode tornar um produto bem mais valorizado no mercado é o seu grau de exclusividade. Quanto menos compartilhado for um objeto (e/ou uma experiência), mais valor ele terá e mais status dará a quem o possuir.

A partir do conceito do que é consumir, as pessoas devem ter em mente que essa atividade é para suprir as necessidades básicas de um indivíduo para que possa viver com dignidade. No entanto, algumas pessoas acabam por confundir que o ato de consumo é uma prática de obter tudo aquilo que for conveniente para satisfazer um desejo ou minimizar uma ansiedade, de forma quase desnecessária.

Nas palavras de Bauman (2008, p. 28), estamos vivendo:

[...] num mundo em que uma novidade tentadora corre atrás da outra a uma velocidade de tirar o fôlego, num mundo de incessantes novos começos, viajar esperançoso parece mais seguro e muito mais encantador do que a perspectiva da chegada: a alegria está toda nas compras, enquanto a aquisição em si, com a perspectiva de ficar sobrecarregado com seus efeitos diretos e colaterais possivelmente incômodos e inconvenientes, apresenta uma alta probabilidade de frustração, dor e remorso. E como as lojas da internet permanecem abertas o tempo todo, pode-se esticar à vontade o tempo de satisfação não contaminada por qualquer preocupação com frustrações futuras. Uma escapada para fazer compras não precisa ser uma excursão muito planejada – pode ser fragmentada numa série de agradáveis momentos de excitação, profusamente borrifados sobre todas as outras atividades existenciais, acrescentando cores brilhantes aos recantos mais sombrios ou monótonos.

O consumismo, como observamos, é uma prática que vem atingindo milhares de pessoas em todo o mundo, é uma realidade, que em primeiro momento, pode ser difícil de solucionar. No entanto, para reverter essa situação, é necessário que a sociedade faça uma reflexão diante de tudo àquilo que consome, partindo dos pressupostos de como determinado produto vai lhe beneficiar, se ele realmente lhe trará benefícios enquanto ser humano, e se realmente é importante investir em certos bens, sendo que a sua necessidade, enquanto consumidor, já está suprida. As pessoas precisam voltar a pensar, racionalizar, ponderar e, consequentemente, sopesar todos os fatores, positivos e negativos, advindos do ato de consumir, de forma que seja exigido de toda a população o investimento em conscientização. Neste sentido, Ana Beatriz Barbosa Silva (2014, p. 183) acrescenta que:

[...] o consumo excessivo e descontrolado se constitui no retrato fidedigno de uma sociedade onde quase tudo já está à venda. E, se continuarmos cegos, indiferentes ou envoltos nos delírios consumistas, viveremos em um mundo ainda mais inóspito, marcado pela desigualdade abissal entre seus semelhantes e pela corrupção que tenderá a estabelecer preços para as coisas que o dinheiro não pode comprar.

As relações interpessoais devem ser uma prioridade perante a sociedade, pois é somente assim que as pessoas irão se desenvolver como indivíduos e espécie. O ser humano é uma espécie que está no topo de qualquer outro ser biológico, uma vez que é detentor de inúmeras habilidades sociais, ligadas ao senso ético e moral e por praticar atos solidários. Assim sendo, nenhum ser humano tem a habilidade de realizar qualquer atividade de forma isolada ou solitária (SILVA, 2014, p. 21).

A sociedade de consumidores está sempre em processo de produção de estímulos de carência e desejos que desejam despertar nas pessoas, uma vez que os membros dessa sociedade são julgados por tudo aquilo que estão consumindo. Essas pessoas consomem apenas com olhares e emoções voltados para eles mesmos, de forma individual e egoísta, não se preocupando com as consequências que podem vir à tona em decorrer do consumo exagerado. O consumo refere-se a um conjunto de decisões políticas e morais e, é uma atividade que está sempre afetando de forma direta o meio ambiente, uma vez que é a própria natureza que fornece a matéria para que os bens sejam produzidos.

A população está em um processo de consumo que vai além da capacidade que a natureza pode oferecer de recursos naturais. Se a situação continuar descontrolada, mantendo o índice de consumo e produção no mesmo nível, o planeta pode não conseguir atender a demanda das necessidades mais básicas que um ser humano necessita.

O ser humano, por meio de suas habilidades psíquicas, físicas e sociais, é capaz de consumir de forma consciente, partindo do comprometimento da responsabilidade e o respectivo controle sobre os seus atos no momento em que for consumir. O consumidor consciente precisa estar apto para escolher produtos ou serviços que de alguma foram venham a contribuir para uma condição de vida ambientalmente sustentável e socialmente justa. Essa forma de consumo significa dizer que os indivíduos precisam escolher produtos que, durante a fase de produção, muito pouco foram utilizados de recursos naturais e, consequentemente, poderão ser reaproveitados ou reciclados.

2.5 O direito de recomeçar

Em um primeiro momento, devemos analisar os pressupostos psicológicos do perdão do consumidor inadimplente. Na sociedade de consumidores existem muitos consumidores impulsivos, que agem em desfavor ao seu próprio futuro, optando por consumir para obter gratificações momentâneas e imediatas. Para tanto, é necessário a criação de uma lei que auxilie o consumidor a controlar seus impulsos, utilizando de mecanismos que diminuam a frequência desse risco. São muitos os consumidores que não conseguem reconhecer e admitir o endividamento como causa decorrente do consumo excessivo de bens sem utilidade funcional e acreditam na ilusão de que estão consumindo apenas o necessário para o mínimo existencial, ou seja, para sua sobrevivência digna.

O reconhecimento do próprio comportamento como pessoa consumista é um desafio muito grande, principalmente quando esse vício é confundido como algo totalmente normal. Os consumistas sempre procuram esconder esse comportamento em silêncio por um longo período, uma vez que tem a consciência de que seus atos fogem um pouco da realidade, do padrão, e até mesmo sabem das consequências e os problemas que geram a partir dessas atitudes descontroladas.

O aceitamento já é uma tarefa bem mais complicada, uma vez que o indivíduo precisa admitir o fato de que é consumista e deverá suportar todas as consequências, pois o acordo contratual obriga por escrito a cumpri-lo, mesmo contra a vontade do devedor. O comprometimento da aceitação é a sinceridade de querer ajuda frente ao comportamento consumista, quando tudo já saiu fora do controle e, ainda, ser humilde para iniciar um novo caminho em descoberta de algo melhor para sua vida.

O tratamento do consumismo pode ser feito através do uso de medicamentos, grupos de ajuda, tratamento psicológico e psiquiátrico, utilizar de mecanismos estratégicos de como prevenir o descontrole e a impulsividade pelas compras. No entanto, é evidente que sempre irão surgir desafios e dificuldades que poderão desviar a atenção pela busca do controle comportamental do consumismo, de tal forma que essas incitações deverão ser enfrentadas pelo indivíduo.

Na sociedade de consumidores atual, evidencia-se ainda muitos indivíduos em situação de extrema vulnerabilidade, situação gravíssima que compromete a socialização e o acesso a economia, de tal forma que os mesmos viabilizam como única saída a força do trabalho como fonte exclusiva para pagamento de suas dívidas, sacrificando a própria dignidade humana. Isso ocorre pelo motivo de que o ordenamento jurídico não dispõe de um tratamento especial para pessoas físicas superendividadas, abrangendo somente as pessoas jurídicas o gozo do benefício do sistema de falência.

O autor Paiva (2013, p. 119) corrobora com o seguinte:

No campo do direito do consumidor, a “hipervulnerabilidade” seria a situação fática e objectiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais, aparentes ou conhecidas do fornecedor. Poder se temporária (prodigalidade, incapacidade, necessidades físicas ou mentais especiais) ou permanente (doença, gravidez, analfabetismo, idade). Em relação às pessoas com necessidades especiais, pessoas com idade avançada, crianças e adolescentes, a hipervulnerabilidade tem garantia constitucional (ver, por exemplo, os arts. 226 a 230 da CF/1988), mas como se trata de um estado subjetivo pluriforme e multidimensional, outros grupos de pessoas especialmente fragilizadas podem estar abrangidos.

O princípio pacta sunt servanda, segundo o qual estabelece que as partes de um contrato estão obrigadas entre si nos limites da lei, pode não ser defendido diante da situação do perdão das dívidas, uma vez que são totalmente contraditórios, pois o credor concede ao devedor a extinção de uma obrigação. Para a criação de uma lei de falência para pessoas físicas se faz mister criar um modelo econômico que permita a recuperação financeira do devedor e também assegure ao credor o reembolso dessas dívidas.

No ordenamento jurídico brasileiro, o tratamento do inadimplemento procura “[...] acertar e definir o estado patrimonial do devedor e declarar quais são os credores que participarão do resultado da execução coletiva” (BERTONCELLO, 2010, p. 220). Isto posto, é possível identificar que inexiste uma tutela jurídica que vise prevenir o superendividamento, bem como investigar as possíveis causas que são geradoras desse comportamento. A revisão judicial é um instrumento processual restrita a individualidade dos contratos, ao passo que a elaboração de uma lei para disciplinar sobre o superendividamento seria uma solução mais eficaz, pois permitiria obter uma visão de todas as obrigações que estão em situação de pendência e inadimplidas pelo consumidor.

O descumprimento da obrigação de consumo, no tempo e modo devido, pode resultar na exclusão social do devedor, mesmo que cumprida num momento posterior, de forma que inexiste um instituto que regule a extinção da obrigação, sem que seja aplicado uma forma de sanção ao consumidor em virtude do inadimplemento. A solução para o superendividamento não deve servir de base exclusivamente do perdão das dívidas, pois nem todos os consumidores são merecedores desse fenômeno de recuperação financeira.

O perdão das dívidas pode auxiliar no restabelecimento de acesso a economia de crédito, estimulando o devedor a usar de tais meios não somente para honrar com seus credores, mas também para seu próprio benefício e de sua família. A honestidade também é característica importante para um devedor, pois uma vez que age com empreendedorismo tem o direito de recomeçar em caso de falhas, não estando sujeito a trabalhar para seus credores durante um período longo tão somente para adimplir com as suas dívidas. A inserção da renegociação das dívidas pode ser um elemento que beneficie os consumidores no que tange a exclusão social decorrente do superendividamento e a consequente inadimplência de dívidas.

Nesse sentido, a autora Bertoncello (2010, p. 223), nos ensina que:

[..] o reconhecimento do dever implícito de renegociação poderá oferecer elementos de análise tanto sobre a conduta do fornecedor de crédito em cooperar com a minoração dos danos resultantes do inadimplemento do consumidor superendividado, como sobre a atuação do devedor de boa-fé em buscar meios de efetiva quitação das dívidas, dentre elas a renegociação, afastando, assim, a recorrente arguição das instituições financeiras sobre a indústria das ações revisionais e o pretenso rolamento das dívidas por elas provocado. Da mesma forma, o dever de renegociação dos contratos atenuaria a avassaladora procura do Poder Judiciário para o ajuizamento de ações revisionais e a consequente incerteza quanto ao resultado do provimento jurisdicional.

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 480, dispõe sobre o dever de renegociação, a partir do pressuposto legal de que quando houver onerosidade excessiva, poderá uma das partes pleitear sobre a redução da prestação ou então a alteração do modo de executá-la. No entanto, o dever de renegociar precisa ser decorrente do princípio da boa-fé, de ambas as partes coobrigadas, em que o credor deve ser responsável quanto a concessão ou oferecimento de bens e serviços e o devedor detentor da vontade de extinguir com a obrigação da melhor maneira possível.

Em primeiro lugar, é pertinente que a renegociação se faça voluntariamente pelas partes contratantes e, caso não havendo êxito na conciliação, é pertinente que as mesmas devam procurar o Poder Judiciário para readequar a obrigação e todas as suas disposições contratuais. A pretensão judicial deve estar fundamentada e justificada para uma renegociação positiva ou negativa, sempre respeitando o princípio constitucional da preservação da dignidade da pessoa humana e a proteção do consumidor. No entanto, como já citado anteriormente, é ainda mais benéfico se existisse uma legislação que tutelasse sobre as situações de superendividamento, bem como as medidas de prevenção e resolução desse fenômeno resultante do consumismo excessivo.

Sobre o autor
Matheus dos Santos

Acadêmico do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS / Escrevente em Ofício de Registros Públicos e Tabelionato de Protestos de Ajuricaba-RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Matheus. Consumismo: do idealismo ilusório ao superendividamento do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5209, 5 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58682. Acesso em: 16 nov. 2024.

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