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Consumismo: do idealismo ilusório ao superendividamento do consumidor

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05/10/2017 às 15:40
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Surge a ideia de uma legislação que tutele as situações de superendividamento, a fim de prevenir a potencialização de seus reflexos mais danosos.

“Um manual de moda influente, muito lido e respeitado, editado para a temporada outono -inverno por um jornal prestigioso, ofereceu “meia dúzia de visuais-chave para os próximos meses, ... que vão colocar você à frente da tendência do estilo”. Essa promessa foi adequada e calculada com habilidade para chamar atenção. Com muita habilidade, na verdade, pois com uma frase curta e ágil conseguiu abordar todas, ou quase todas, as preocupações e os estímulos alimentados pela sociedade de consumidores e nascidos com a vida de consumo”.

Zygmunt Bauman.

RESUMO: O presente trabalho faz uma análise acerca do consumismo e da facilidade para ter acesso a bens ou serviços a partir da expansão do crédito. As pessoas passaram a viver tão somente para consumir, perdendo o controle sobre essa atividade em função das incitações estratégicas dos fornecedores, o que as levam à situação de endividamento. Nesse sentido, o primeiro capítulo desse trabalho irá analisar sobre o consumismo versus consumo, a cultura consumista, os avanços tecnológicos e o induzimento ao consumo por parte das empresas e as estratégias mercadológicas de consumo. No segundo capítulo, serão analisadas as causas e hipóteses de regulação para a prevenção do superendividamento, abordando especialmente o Projeto de Lei do Senado Federal nº 283 de 2012 e também será feita uma reflexão acerca do consumo consciente e sustentável.

Palavras-chave: Consumismo. Sociedade de Consumidores. Superendividamento.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO..1 A PÓS-MODERNIDADE E A ERA TECNOLÓGICA.. 1.1 Consumismo versus consumo. 1.2 Cultura consumista. 1.3 Os avanços tecnológicos e o induzimento ao consumo por parte das empresas. 1.4 Estratégias mercadológicas de consumo. 2 A SOCIEDADE DO CRÉDITO AO CONSUMO E O DESAFIO GLOBAL DO SUPERENDIVIDAMENTO.. 2.1 O contexto sobre as causas do superendividamento. 2.2 Hipóteses de regulação para prevenir o superendividamento. 2.3 O Superendividamento e o Projeto de Lei do Senado Federal nº283/2012.2.4 O consumo consciente e sustentável ..2.5 O direito de recomeçar. CONCLUSÃO.. REFERÊNCIAS. 


INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca do consumo e a sua presença em nosso cotidiano. Consumir é uma atividade essencial para nossa sobrevivência, que possibilita satisfazermos nossas necessidades básicas e garantirmos o mínimo existencial de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Com a expansão do crédito e a inovação da tecnologia ficou muito mais fácil ter acesso a bens e serviços. No entanto, o problema surge quando as pessoas passam a viver somente para consumir, fato resultante da publicidade agressiva por utilizar de estratégias que induzem o consumidor a comprar exageradamente.

Inicialmente, o primeiro capítulo deste trabalho irá tentar conceituar o significado de consumismo, quais seus efeitos perante a sociedade de consumidores, identificar os indivíduos que mais são afetados e uma explicação do porquê são alvos dessa prática, com a finalidade de um momento posterior analisar as consequências desse consumo exagerado.

No segundo capítulo, é analisada a amplificação do acesso ao crédito que permitiu aos consumidores obter mais facilmente bens e serviços, porém atingindo uma parcela da população o fenômeno do superendividamento, causado pela vulnerabilidade financeira e a falta de informações, o que acarreta a exclusão social do indivíduo, pois passa a fazer parte do cadastro de devedores inadimplentes.

A partir desse estudo, verifica-se que é necessária a criação de alternativas de proteção ao consumidor para que esteja sempre inserido na sociedade, como também a obtenção de estratégias de prevenção ao consumo exagerado e a criação de uma lei específica que tutele diretamente sobre os direitos do consumidor pessoa física de boa-fé, que se encontra em estado de superendividamento. Dessa forma, o Projeto de Lei nº 283 do Senado Federal tem papel importante nessa situação, uma vez que tem como objetivo principal a acabar com a exclusão social do consumidor superendividado, como também reinserir o mesmo no mercado de consumo e educa-lo financeiramente.

Para a realização deste trabalho, foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também as propostas legislativas em andamento, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo referente ao consumismo e as causas do superendividamento, revelar a importância da criação de uma lei que tutele sobre a prevenção do superendividamento e um sistema de recuperação financeira para o consumidor pessoa física.


1 A PÓS-MODERNIDADE E A ERA TECNOLÓGICA

O consumo é algo tão corriqueiro, por fazer parte de todos os nossos dias, que no mais das vezes não percebemos tal ato pelo fato de ser algo tão simples. Realmente, para sobreviver é preciso consumir, pois somente satisfazemos as necessidades essenciais para viver com o mínimo existencial, no que tange a subsistência do ser humano.

A palavra “consumo” está interligada ao dinheiro, e não há discussão quanto a isso, pois a partir da criação de uma moeda de troca ficou muito mais fácil ter acesso a produtos e serviços para a subsistência humana. A atividade de consumir é facilmente exercida, não existindo mais situações em que o homem necessita do esforço físico e mental para obter um bem existencial, basta ter um emprego e, consequentemente, perceber salário, e tudo que o nosso poder econômico permite pode ser comprado.

Relação de consumo nada mais é do que uma transação de troca de interesses, situação na qual existem dois sujeitos que irão constituir essa relação. De um lado, está a pessoa que deseja obter um produto ou serviço, assim chamado de consumidor, o qual irá adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário final, e de outro, a pessoa que irá corresponder a esse anseio, qual seja, o fornecedor.

No entanto, o problema atual nas relações de consumo está na situação das pessoas terem passado para o estado de “viver para consumir”, de forma que, não por vontade consciente e própria, começam a perder o controle sobre a atividade de consumir, em função do fato do fornecedor, utilizar estratégias que induzem o consumidor a comprar bens e serviços de forma cada vez mais quantitativa.

Feitas essas primeiras considerações, esclarece-se que o presente capítulo tem o propósito buscar o significado de consumismo e seus possíveis efeitos, identificar o grupo de pessoas que são alvos dessa prática e quais os motivos que lhes remetem ao mesmo, a fim de possibilitar a posterior análise sobre as consequências de consumir exageradamente, e especialmente o superendividamento do consumidor pessoa física.

1.1 Consumismo versus consumo

Consumir é atividade constante, rotineira e ininterrupta, que surge desde a nossa mínima existência e se estende até o último momento de nossa vida. A arte de consumir tem, num primeiro momento, o objetivo único e exclusivo de obter produtos ou serviços que alcancem as necessidades básicas de um indivíduo, para que possa viver de forma digna. No entanto, existe também aquele consumo que excede essa necessidade existencial, embasado no desejo e anseio de obter bens que nos propiciem maior conforto e identidade. É fundamental realizar uma análise critica quanto ao consumismo para que possamos compreender a sociedade em que vivemos e porque tantas “necessidades” são criadas rotineira nos indivíduos.

Zygmunt Bauman (2008, p. 41) nos exemplifica claramente o que vem a ser o consumismo:

Pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime”, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempenhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de autoidentificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução de políticas de vida individuais.

O consumismo, atividade distinta do consumo, pode ser considerado uma das características do ser humano, porém não de impulso natural, mas uma atribuição desenvolvida pela sociedade de consumidores. Para que uma determinada sociedade seja atribuída pelo status de consumista, é necessário que o homem, de forma subjetiva, tenha em mente o desejo, grande vontade e o almejo da obtenção de bens de forma célere (BAUMAN, 2008).

Na sociedade moderna ou pós-moderna em que vivemos, o curso e as consequências do consumismo passaram por grandes modificações, de forma que é equivocado ainda pensar que os indivíduos, ao consumirem, estão se apropriando e acumulando bens somente para atender as suas necessidades básicas de conforto e bem-estar. Até pode ser que essa busca de conforto seja um dos principais valores, porém isso somente ocorreria “na sociedade de produtores, um tipo de sociedade comprometida com a causa da segurança estável e da estabilidade segura, que baseia seus padrões de reprodução a longo prazo em comportamentos individuais criados para seguir essas motivações” (BAUMAN, 2008, p. 42).

O modelo de sociedade de produtores é distinto daquela de consumidores, uma vez que a primeira objetivava a posse de um grande número de bens para que pudessem ter maior segurança diante de um futuro próximo e os mesmos eram conservados para que pudessem ter longa duração de uso. Já na sociedade de consumidores, prioriza-se a obtenção de grande quantidade de bens, porém de maior valor, os quais são descartados em um lapso de tempo bem menor.

Isto posto, Bauman (2008) ao fazer referência ao modelo de sociedade de produtores, entendida como ideal, porque “Sendo a segurança a longo prazo o principal propósito e o maior valor, os bens adquiridos não se destinavam ao consumo imediato – pelo contrário, deviam ser protegidos da depreciação ou dispersão e permanecer intactos” (BAUMAN, 2008, p. 42).

Na sociedade de produtores sólido-moderna, priorizava-se a satisfação pela segurança em um longo lapso temporal, e não no consumo imediato e descartável de bens. Não obstante, esse desejo humano não se enquadra em nossa sociedade de consumidores, uma vez que não existe estabilidade no que diz respeito aos anseios de consumo, pois o mundo está sempre em transformação e o objetivo dos indivíduos dessa sociedade é de sempre permanecer atualizados. Dito isso, Bauman (2008, p. 44) afirma que não há outra maneira de permanecer na estabilidade:

Dificilmente poderia ser de outro jeito, já que o consumismo, em aguda oposição às formas de vida precedentes, associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades (como suas “versões oficiais” tendem a deixar implícito), mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la.

 Os desejos instáveis e as necessidades insaciáveis resultam um consumo fugaz, fazendo com que os bens sejam descartados de forma imediata. Essa era líquido-moderna não comporta o armazenamento de bens em longo prazo, ela adia toda e qualquer satisfação, onde os bens vão perdendo valor cada vez mais rápido e, ao se tornarem produtos que não são adequados ao momento, logo são descartados, muitas vezes nem sequer utilizados. Os produtos em grande quantidade tornam-se objetos que atrapalham nossos cômodos e, consequentemente, inúteis.

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O mercado direcionado para o consumo é o principal fato desencadeador e formador de indivíduos consumistas. As empresas visam, cada vez mais, obter o lucro com a venda de seus produtos aos consumidores e, a partir do marketing são usadas estratégias que induzem o consumidor a desejar produtos ou serviços de forma constante, seguindo um ciclo de apropriação de bens e, logo em seguida, a sua remoção. A economia consumista se mante dessa forma, quanto mais movimentação de dinheiro, mais ela cresce.

Nesse sentido, Bauman (2008, p. 53) criou um ciclo de funcionamento da economia consumista, características que evidenciamos na modernidade:

Na economia consumista, a regra é que primeiro os produtos apareçam (sendo inventados, descobertos por acaso ou planejados pelas agências de pesquisa e desenvolvimento), para só depois encontrar suas aplicações. Muitos deles, talvez a maioria, viajam com rapidez para o depósito de lixo, não conseguindo encontrar clientes interessados, ou até antes de começarem a tentar. Mas mesmo os poucos felizardos que conseguem encontrar ou invocar uma necessidade, desejo ou vontade cuja satisfação possam demonstrar ser relevante (ou ter a possibilidade de) logo tendem a sucumbir às pressões de outros produtos “novos e aperfeiçoados” (ou seja, que prometem fazer tudo que os outros podiam fazer, só que melhor e mais rápido – com o bônus extra de fazer algumas coisas que nenhum consumidor havia até então imaginado necessitar ou adquirir) muito antes de sua capacidade de funcionamento ter chegado ao seu predeterminado fim.

No modelo de desenvolvimento vigente, é perceptível que o mundo vai estar sempre em transformação e as empresas sempre vão tentar criar produtos que superem as necessidades de um anterior, com melhores qualidades, para que o ciclo de consumo continue crescendo e as pessoas não deixem de comprar. Essas estratégias mercadológicas contribuem para de que forma um tanto negativa a sociedade não deixe de consumir.

De acordo com Bauman (2001, p. 96), o consumismo:

[...] não diz mais respeito à satisfação das necessidades – nem mesmo as mais sublimes, distantes (alguns diriam, não muito corretamente, “artificiais”, “inventadas”, “derivativas”) necessidades de identificação ou a autossegurança quanto à adequação. [...] o spiritus movens da atividade consumista não é mais o conjunto mensurável de necessidades articuladas, mas o desejo – entidade muito mais volátil e efêmera, evasiva e caprichosa, e essencialmente não referencial que as “necessidades”, um motivo autogerado e autopropelido que não precisa de outra justificação ou “causa”. A despeito de suas sucessivas e sempre pouco duráveis reificações, o desejo tem a si mesmo como objeto constante, e por essa razão está fadado a permanecer insaciável qualquer que seja a altura atingida pela pilha dos outros objetos (físicos ou psíquicos) que marcam seu passado.  

A pergunta sobre o que é felicidade para indivíduos de uma sociedade de consumidores já deve estar clara, qual seja, consumir. No entanto, o consumo não pode significar felicidade, muito menos ser sinônimo. A atividade de consumir, como já citado, é somente para obter satisfação das necessidades básicas de um ser humano, porém, para muitos indivíduos, pode ser único fator de autorrealização e busca pela felicidade. O consumismo, além de ser algo orientado na propensão ao consumo, muitas vezes supérfluos, também é um desperdício econômico e que pode gerar o superendividamento, assunto que será tratado em um momento posterior.

1.2 Cultura consumista

O ser humano sempre foi consumidor, desde o tempo mais remoto até os dias atuais. Faz parte da natureza humana o ato de consumir, especialmente porque é imprescindível para a sobrevivência digna, tais como a obtenção de alimentos, higiene pessoal e vestuário. No entanto, essa necessidade de consumo tornou-se mais frequente e acelerada na pós-modernidade, uma vez que os bens que nos propiciam o mínimo de conforto foram sendo aprimorados e desenvolvidos, de modo que essa evolução trouxe como consequência o consumismo desenfreado, onde o ato de consumir confunde-se com o significado de identidade humana.

O consumismo exagerado faz com que a identidade humana perca credibilidade, de modo que:

[...] a mudança de foco da posse para o descarte e a alienação de coisas se encaixa perfeitamente na lógica de uma economia orientada para o consumo. As pessoas que se apegam a roupas, computadores e celulares de ontem significam a catástrofe para uma economia cuja principal preocupação, e cuja condição sine qua non de sobrevivência, é o descarte rápido, e cada vez mais abundante, na lata de lixo, dos bens comprados e adquiridos; uma economia cuja coluna vertebral é a remoção do lixo. (BAUMAN, p. 28, 2013).

A identidade é um conjunto de caracterização do ser humano, sujeito de direitos e deveres, que irá determinar as crenças, objetivos e finalidades que um indivíduo tem e deseja ter em sua vida, ou seja, visa criar uma sociedade onde todos tenham a capacidade de raciocinar e refletir, de forma lógica, sobre todos os seus atos. Ressalta-se que essa identidade é que irá formar toda e qualquer convicção sobre decisões e atitudes a serem tomadas no decorrer da sobrevivência de indivíduo.

A sociedade de consumidores não é somada pela quantidade de consumidores, até porque a atividade de consumir é algo individual e solitário, mas refere-se a uma sociedade observadora, que julga e faz avaliações sobre as capacidades e condições que os seus membros possuem para poder consumir, principalmente no que tange a economia.

Os vínculos entre os membros de uma sociedade de consumidores são conduzidos e mediados praticamente pelo mercado de consumo, sempre na busca de novidades e tendências mercadológicas que as empresas têm a oferecer. As pessoas têm o pensamento de que necessitam da autoidentificação, e para alcançar isso, precisam estar um passo a frente nas tendências de estilo, procurando adquirir produtos de maior valor, muito bem vistos ante os outros membros dessa sociedade. De acordo com o autor Bauman, ““Estar à frente” indica uma chance de segurança, certeza e de certeza da segurança – exatamente os tipos de experiências de que a vida de consumo sente falta, de modo conspícuo e doloroso, embora seja guiada pelo desejo de adquiri-la” (BAUMAN, 2008, p. 108).

O consumidor consciente, aquele que consome apenas para suprir as necessidades básicas, sabe e tem conhecimento de que todo e qualquer produto tem prazo de validade, portanto, o mesmo irá desfrutar e utilizar do produto até o seu perecimento. Nessa situação, esse consumidor não precisa do status de “estar à frente” para ser reconhecido na sociedade, ele apenas consome aquilo que realmente é necessário, muito pelo contrário do consumidor impulsivo e irracional.

Na modernidade líquida o processo lento de consumo é considerado “morte social”, pois os membros da sociedade de consumidores estão sempre em movimento e, aquele que simplesmente parar, será excluído. A cultura consumista – ou síndrome cultural consumista – consiste “na negação enfática da virtude da procrastinação e da possível vantagem de se retardar a satisfação – esses dois pilares axiológicos da sociedade de produtores governada pela síndrome produtivista” (BAUMAN, 2008, p. 111).

Escolha e liberdade são palavras assim consideradas sinônimas em uma cultura consumista, uma vez que o individuo somente poderá desconsiderar a sua escolha se em seguida não submeter à prática de sua liberdade. Na cultura consumista, estão envolvidos os aspectos de “velocidade, excesso e desperdício” (BAUMAN, 2008, p. 111). Neste sentido, o lapso de tempo entre o desejo e a satisfação é encurtado de forma radical, da mesma forma como ocorre entre a satisfação e o descarte do produto.

Os consumidores plenos, aqueles considerados impulsivos e irracionais, são adeptos ao escopo da aceitação de que todo e qualquer produto tem curta duração e de que seu descarte já está predeterminado. Portanto, a sociedade de consumo é caracterizada pelo excesso, a extravagância e o desperdício, sendo consistida em uma experimentação contínua de bens, onde os seus membros estarão sempre em situações de cometimento de tentativas e erros.

O consumo é uma atividade de busca de necessidades, porém pode servir como um ato de aprendizagem, ou seja, refletir sobre as consequências que esse ato pode desencadear quando não praticado de forma consciente. Deste modo, temos que ter em mente que o principal objetivo de consumir é permitir que os indivíduos satisfaçam suas necessidades, de forma planejada, sempre dentro de suas possibilidades e não como uma tarefa constante e exacerbada, ela deve ser controlada e muito bem refletida, por mais que faça parte de nossa rotina e seja algo simples.

A atividade de consumir significa estar em movimento, e não simplesmente à aquisição e posse de bens. As pessoas devem aceitar a satisfação como um sentimento e experiência momentânea, nunca para sempre, até porque se fosse de forma duradora seria totalmente desagradável. É nesse sentido que o autor Bauman (2008, p. 127) procura buscar respostas a partir de perguntas que poderão se encaixar em algum tipo de infelicidade, e que podem ser refletidas por algumas pessoas:

Não resta nada a ser desejado? Nada a perseguir? Nada com que sonhar na esperança de que se concretize ao acordarmos? Será que alguém está inclinado a se conformar de uma vez por todas com o que tem (e assim, por substituição, com o que é?) Nada mais de novo e extraordinário para abrir caminho até o palco da atenção, e nada nesse palco que se possa usar e depois descartar? Tal situação – de curta duração, pelo que se espera – só pode receber um nome: “tédio”. Os pesadelos que assombram o Homo consumens são coisas, animadas ou inanimadas, ou as sombras delas – que ameaçam ficar por mais tempo do que deveriam, espelhando-se pelo palco de forma desordenada.

A criação de novas necessidades não é a principal preocupação da sociedade de consumidores, mas sim o desprezo sobre os bens adquiridos anteriormente ao novo desejo. Uma vez alcançada à finalidade do produto, vem o surgimento de um novo, e o velho passa a não ter utilidade, não tendo mais qualquer funcionalidade e, consequentemente, será depreciado e descartado, ficando para trás da tendência.

Uma sociedade de consumidores possui grande diversificação social, no sentido de que existem camadas que separam todas as pessoas em níveis sociais, destacando-se principalmente os ricos dos pobres, pelo motivo da grande desigualdade em relação a situação financeira que reflete nas condições de vida, principalmente no que se refere as necessidades básicas. O fato é que os pobres podem até estarem separados dos ricos, porém ambos vivem na mesma cultura, os pobres não estão longe de serem atingidos pelo consumismo, muito pelo contrário, são o público alvo do superendividamento, pois não possuem rentabilidade econômica suficiente para satisfazer tudo aquilo que almejam, pelo motivo de serem pessoas ainda mais vulneráveis. Nesse sentido:

Numa sociedade sinóptica de viciados em comprar/assistir, os pobres não podem desviar os olhos; não há mais para onde olhar. Quanto maior a liberdade na tela e quanto mais sedutoras as tentações que emanam das vitrines, e mais profundo o sentido da realidade empobrecida, tanto mais irresistível se torna o desejo de experimentar, ainda que por um momento fugaz, o êxtase da escolha. Quanto mais escolha parecem ter os ricos, tanto mais a vida sem escolha parece insuportável para todos (BAUMANN, 2001, p. 113).

A cultura consumista é constituída por um grupo de pessoas que se submetem a satisfazer suas necessidades com aqueles produtos que acreditam necessitar, deixando de lado a busca por novas necessidades que possam de alguma maneira despertar um desejo agradável à satisfação. Essa prática de abrir mão da liberdade de escolha é uma das características da sociedade de consumidores, pois é somente diante dessa condição que um individuo pode permanecer nela. O medo de serem excluídas da sociedade de consumidores faz com que os membros se contentem com aquilo que é considerado correto aos olhos de outros.

1.3 Os avanços tecnológicos e o induzimento ao consumo por parte das empresas

O mercado de consumo é aquele que fornece produtos e serviços de forma ilimitada para todo e qualquer cidadão, basta ser atraído pelas propagandas publicitárias com a finalidade de oferecer e prometer cumprir com determinados resultados, para poder entrar no ciclo de consumidores. Em uma sociedade capitalista, centrada principalmente na movimentação financeira, o desenvolvimento da atividade empresarial tenda a possuir as mesmas regras: a) a mercadoria à venda deve ser comprada por consumidores; b) os consumidores apenas irão comprar para satisfazer algum desejo; e c) o consumidor está preparado financeiramente para consumir aquilo que lhe trará satisfação, porém isso dependerá muito da questão da promessa e a intensidade de seus desejos (BAUMAN, 2008, p. 18).

A tecnologia vem avançando de uma forma tão acelerada que os olhos de um ser humano não são capazes de acompanhar. Tecnologia, aqui, refere-se principalmente a um conjunto de meios eletrônicos com acesso à internet. O consumidor tornou-se muito mais instigado a consumir com a criação de páginas na web para a escolha de produtos e a contratação de serviços. A facilidade de acesso passa a ser uma atividade rotineira e viciante, pelo fato de que as empresas lançam cada vez mais propagandas de vendas com a intenção de chamar a atenção dos consumidores e essas pessoas começam a dar maior credibilidade para esse tipo de informação publicitária.

Com a facilidade de acesso, junto com ela vem o consumismo. Antes de qualquer coisa, é importante salientar que qualquer pessoa pode ser vitima do consumo exagerado, não importa a idade, situação financeira, estilo de vida ou personalidade, pois todo ser humano é um individuo possuidor de vulnerabilidades e sempre está em corrente risco de tal situação. O que realmente acontece é que a demanda imensa de publicidade e marketing das empresas fazem com que os indivíduos se deixam levar pelo induzimento ao consumo achando que isso poderá suprir a falta de determinados sentimentos, deixando-as menos tristes e ansiosas, porém mais impulsivas.

 A tendência de entrar na web e escolher um produto ou serviço tornou-se uma atividade conveniente e econômica para os consumidores, porém de forma parcial. As pessoas optam pela internet pelo fato de que é muito mais reconfortante não ter de usar de suas habilidades sociais para poder comprar alguma coisa, pois assim não precisam se deslocar até uma loja e usar o diálogo com um vendedor para conseguir buscar e encontrar o objeto de seu agrado e interesse, não estando sujeitos a qualquer tipo de compromisso. É neste sentido que a web:

[...] está se transformando rapidamente no hábitat natural dos membros, atuais e aspirantes, das classes instruídas, não admira muito que alguns poucos acadêmicos tendam também a saudar a internet e a rede mundial de computadores como alternativa ou substituta promissora e bem-vinda das instituições ortodoxas da democracia política, definhantes e moribundas, conhecidas hoje em dia por atraírem cada vez menos interesse, e ainda menos compromisso, da parte dos cidadãos.

A tecnologia possibilita a produção de forma acelerada, porém o seu exagerado crescimento gerou uma sociedade na qual as necessidades se inverteram. Consumir de forma responsável já não faz parte da sociedade de consumidores, as necessidades tornaram-se algo sem valor digno. Os significados de responsabilidade e escolha responsável passaram por algumas modificações, onde o primeiro é relacionado somente a atitudes individualistas, preocupando-se em dever algo somente consigo mesmo, e o segundo são atos que apenas irão satisfazer interesses e desejos de si próprio (BAUMAN, 2011, P. 59).

Vivemos em um mundo globalizado e em constante desenvolvimento tecnológico, isso é evidente, no entanto, até que ponto os avanços da tecnologia vem a ser um benefício para a população? Em geral, proporciona conforto. No entanto, as consequências dessa celeridade tecnológica importam em perda da autonomia, da liberdade de escolha individual, trazendo impacto nas relações sociais que afetam o comportamento e o desenvolvimento econômico. O consumidor, na visão da legislação consumerista, é parte vulnerável da relação de consumo e, assim sendo, corre o risco de sujeitar-se a aceitação de imposições perante a tecnologia. “Pressões são mais difíceis de resistir, combater e repelir quando não recorrem á coerção explícita e não ameaçam com a violência” (BAUMAN, 2011, p. 141).

Na sociedade em geral, onde estão presentes as relações sociais entre pessoas, troca de ideias e opiniões, compartilhamento de sentimentos, são situações que afetam diretamente todas as partes envolvidas e, diante disso, em algum momento, esses vínculos podem ser cortados, em virtude do surgimento de “imprevistos” indesejados. Assim também é uma relação de consumo, pois uma vez concretizada, afetará ambas as partes e, surgindo um “problema” nesse vínculo, consequentemente os dois lados envolvidos também serão atingidos. Nessa premissa, é possível entender o porquê os consumidores preferem utilizar a internet como ferramenta da obtenção de bens do mercado de consumo, uma vez que a rede é uma espécie de “dispositivo de segurança” que possibilita:

[...] a desconexão instantânea, livre de problemas e (presume-se) indolor de cortar a comunicação de uma forma que deixaria partes da rede desatendidas e as privaria de relevância, assim como de seu poder de ser uma perturbação. [...] é o ato de se livrar do indesejado, muito mais do que o de agarrar o que se deseja, que é o significado da liberdade individual. (BAUMAN, 2008, p. 137).

Na atualidade, ser consumidor é uma tarefa difícil, pois o mercado de consumo é crescente e está sempre buscando vender mais bens e serviços. A quantidade de informações que nos deparamos diariamente é imensa, portanto, faz-se necessário, na posição de cidadão consumidor, ter cautela quanto ao proveito dessas propagandas comerciais, se o produto ou serviço em destaque de alguma serão úteis ou necessários, para que não ocorra a prática do consumismo.

1.4 Estratégias mercadológicas de consumo

A sociedade, atualmente norteada por princípios capitalistas, visando apenas ao lucro pessoal e privado, é classificada a partir da renda financeira de cada pessoa e, mesmo que ainda observemos uma enorme desigualdade social, a população passou a participar de forma mais ativa na economia e, consequentemente, mais apta a consumir. Durante muito tempo foram criados diversos meios de fazer com que os indivíduos consumissem menos, porém sem sucesso significativo.

A ascensão da mídia, cada vez mais presente em nossos dias, fez com que o consumo fosse cada vez mais acentuado e desenfreado, espalhando-se pelo mundo todo, e isso se deu principalmente pela possibilidade da criação de estratégias que inovaram a sociedade contemporânea, determinando novos conceitos sociais, por meio de mecanismos influenciadores. Como já mencionado, o sistema econômico de nosso país é o capitalismo, de forma que a mídia tem grande influência na vida dos indivíduos. Desta forma, as empresas de consumo investem excessivamente em suas propagandas publicitárias, o marketing, para que tenham um maior número de vendas, usando de boas estratégias para atingir todas as classes sociais.

O marketing, transmissor de tantas informações sobre bens materiais e imateriais, está passando para os consumidores o que é ter estilo de vida. Nesse sentido, as marcas de grifes começam a influenciar os consumidores mostrando que somente os produtos de sua marca são detentores de nobreza e reputam maior luxo, ou seja, o produto não é mais aquele que dá identidade a marca. “Elas vendem performance, status, personalidade, desempenho e glamour” (SILVA, 2014, p. 31).

No pensamento da autora Silva (2014), se em todas as relações de consumo fossemos usar o raciocínio lógico, é óbvio que somente compraríamos aquilo que fosse necessário. No entanto, ao realizarmos uma compra, o nosso cérebro é influenciado pelo marketing, a partir de percepções e sentimentos em nosso inconsciente. O marketing também faz uso da analogia para nos influenciar, de forma que começamos a lembrar de determinadas situações que já foram vivenciadas de forma prazerosa.

As estratégias do marketing para atingir os consumidores de forma plena também estão relacionadas a algum tipo de sentimento, poder, beleza ou conexão com a infância. Hoje, ainda é mais fácil divulgar esses produtos, pois temos acesso à internet, e nela podemos desfrutar de diversos mecanismos, principalmente através das redes sociais. Dessa forma, temos de ter em mente que “[...] o objetivo final de toda estratégia de marketing é aumentar as vendas de determinado produto” (SILVA, 2014, p. 126).

As empresas estão sempre em grande competição no que se refere a produtos que prometem substituir outros ou que venham a ter melhores qualidades. O objetivo de uma empresa está relacionado à escolha de um grupo de indivíduos que venham a adquirir o seu produto, pois nem toda a sociedade é detentora do mesmo poder financeiro. O crescimento do número de clientes pode ser mudado através de alterações na essência do produto ou na inovação do marketing.

É nesse sentido que o marketing é ferramenta crucial para as empresas obter maior número de vendas:

Ao saber como aprendemos e tomamos decisões, fica mais fácil entender por que certos produtos anunciados em diversos veículos de comunicação (em especial a televisão) se transformam tão rapidamente em um sucesso de vendas. Primeiramente, temos que saber que todo produto ou serviço vendido vem associado a várias características, da mesma maneira que os objetos são armazenados na memória. Tudo tem alguma conotação sentimental, e é por esse meio que o marketing tenta nos fisgar. Ele não vende só o produto, mas tudo o que supostamente está associado a ele. (SILVA, 2014, p. 117).

Outra ferramenta usada pelo marketing é a utilização da neurociência, uma forma de descobrir quais são os sentimentos das pessoas em relação a determinados produtos e de que forma eles podem ser divulgados. O verdadeiro marketing visa saber o que produzir e para quem produzir, devendo ser desenvolvido para se adaptar as necessidades público alvo e estar sempre à frente das estratégias das outras empresas.

A estratégia de marketing está baseada na identificação dos possíveis clientes e de forma organizada posicionar a empresa no mercado de consumo, apresentando os seus potenciais produtos e serviços, quais são seus objetivos de venda e onde podem ser localizados. O marketing, portanto, tem a função de identificar a necessidade e o desejo do consumidor, para que assim possa passar para a empresa um método de organizar e adequar seus produtos para o lançamento futuro no mercado de consumo.

 A partir dessa análise, fica claro que o marketing só tende a ser cada vez mais eficiente e despercebido, no sentido de que as pessoas serão influenciadas automaticamente, sem mínima percepção. As propagandas publicitárias, antes de lançadas na mídia, são organizadas e testadas para alcançar os seus futuros consumidores, que também são analisados, ou seja, elas são detentoras de um poder influenciador, que induzem as pessoas, pois antecipadamente capacitadas e preparadas para chegarem ao seu objetivo final, qual seja simplesmente vender o produto ou serviço.

Feitas essas considerações, o segundo capítulo irá tratar diretamente sobre as causas e as formas de prevenção do superendividamento do consumidor pessoa física.

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Sobre o autor
Matheus dos Santos

Acadêmico do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS / Escrevente em Ofício de Registros Públicos e Tabelionato de Protestos de Ajuricaba-RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Matheus. Consumismo: do idealismo ilusório ao superendividamento do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5209, 5 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58682. Acesso em: 29 mar. 2024.

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