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A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:

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Agenda 17/11/2017 às 14:00

Discute-se a Resolução nº 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e as limitações impostas no que concerne à publicidade e comunicação mercadológica direcionada a crianças e adolescentes.

“Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o imenso oceano da verdade continua misterioso diante de meus olhos”.

Isaac Newton

RESUMO: O presente estudo discute a Resolução nº 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e as limitações impostas no que concerne à publicidade e comunicação mercadológica direcionada a crianças e adolescentes. Para tanto, torna-se indispensável analisar o regime da atividade publicitária no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e os princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária: princípios da identificação da publicidade, vinculação contratual da publicidade, veracidade da publicidade, não abusividade da publicidade, transparência da fundamentação da publicidade, inversão do ônus da prova, correção do desvio publicitário e lealdade publicitária. Ademais, estudam-se questões relativas à oferta, sua vinculação contratual e as modalidades de publicidade ilícita, estabelecendo a diferença entre publicidade abusiva e enganosa. Além disso, como tema principal do presente trabalho, pondera-se acerca da Resolução nº 163/2014 do CONANDA frente aos princípios constitucionais da liberdade de expressão e da livre iniciativa, utilizando-se do critério da proporcionalidade para realizar o sopesamento entre esses princípios.

Palavras-chave: Resolução 163. CONANDA. Crianças. Adolescentes. Liberdade. Expressão. Iniciativa.

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO

2

O REGIME DA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

2.1

Princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária

2.1.1

Princípio da identificação da publicidade

2.1.2

Princípio da vinculação contratual da publicidade.

2.1.3

Princípio da veracidade da publicidade

2.1.4

Princípio da não abusividade da publicidade

2.1.5

Princípio da transparência da fundamentação da publicidade.

2.1.6

Princípio da inversão do ônus da prova

2.1.7

Princípio da correção do desvio publicitário

2.1.8

Princípio da lealdade publicitária

2.2

Aspectos relativos à oferta

2.3

As publicidades enganosas e abusivas

2.3.1

Publicidade enganosa

2.3.2

Publicidade abusiva

3

A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A RESOLUÇÃO Nº 163/2014 DO CONANDA

3.1

Proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente e seu papel constitucional

3.1.1

Princípio do superior interesse ou do melhor interesse de crianças e adolescentes

3.1.2

Princípio da proteção integral e da prevalência da família

3.1.3

Princípio da prioridade absoluta

3.2

Publicidade direcionada ao público infantil

3.3

Resolução nº 163/2014 do CONANDA

4

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DA LIVRE INICIATIVA FRENTE À RESOLUÇÃO Nº 163/2014 DO CONANDA

4.1

Liberdade de expressão

4.2

Livre iniciativa

4.3

A aplicação dos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente à Resolução nº 163/2014 do CONANDA

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

 


1 INTRODUÇÃO

No dia 13 de março de 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) aprovou a Resolução nº 163. Tal resolução dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. O CONANDA embasou a Resolução nº 163/2014 no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, em Brasil (1990c), e no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/90, em Brasil (1990a).

A Resolução nº 163/2014 do CONANDA considerou abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço, mediante utilização, dentre outros, de linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; representação de criança; pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de animação; bonecos ou similares; promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil (Resolução CONANDA nº 163/2014, art. 2º).

Em oposição à Resolução do CONANDA, a Associação dos Profissionais de Propaganda (APP) elaborou um manifesto afirmando que essa Resolução é uma ameaça à liberdade de expressão e, além disso, alertou que, de acordo com a Constituição da República, somente o Congresso Nacional tem poder para legislar sobre a atividade publicitária. Diante disso, questiona-se: em que medida a Resolução nº 163 do CONANDA viola os direitos da liberdade de expressão e da livre iniciativa?

Assim, o presente estudo pretende discutir a Resolução nº 163 do CONANDA frente aos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Para tanto, torna-se imprescindível fazer uma análise acerca do regime da atividade publicitária no CDC, explicitando a divergência entre propaganda e publicidade, e também os princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária: princípio da identificação da publicidade; princípio da vinculação contratual da publicidade; princípio da veracidade da publicidade; princípio da não abusividade da publicidade; princípio da transparência da fundamentação da publicidade; princípio da inversão do ônus da prova; princípio da correção do desvio publicitário; e princípio da lealdade publicitária.

Logo após, realiza-se uma análise sobre os aspectos relativos à oferta e sua vinculação contratual e, também, sobre as publicidades enganosas e abusivas. Vale frisar que as publicidades enganosas e abusivas são modalidades de publicidade ilícita, vedadas pelo CDC, uma vez que violam os deveres estabelecidos pelo diploma consumerista no que se refere à realização, produção e divulgação de mensagens publicitárias.

O segundo capítulo do presente estudo aborda a proteção conferida a crianças e adolescentes pelo ECA, além de seu aspecto constitucional, realizando um resgate histórico dos direitos de crianças e adolescentes e as mudanças de paradigmas ocorridos ao longo dos anos, até chegar na Constituição de 1988. Ademais, são abordados os princípios do melhor interesse de crianças e adolescentes, o princípio da proteção integral e da prevalência da família e o princípio da prioridade absoluta. Para melhor compreensão do tema, faz-se necessário analisar, ainda, a publicidade direcionada ao público infantil e todas as suas implicações sociais e, por fim, a Resolução nº 163/2014 do CONANDA.

Posteriormente, busca-se ponderar acerca dos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente à Resolução nº 163 do CONANDA, tendo em vista que essa Resolução restringiu a publicidade direcionada ao público infantil e, consequentemente, limitou os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Assim, faz-se necessário analisar a legitimidade da autorregulamentação realizada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e pelo CONANDA, além de verificar qual princípio deve prevalecer em face de outro, vez que de um lado estão os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, e da doutrina da proteção integral, e de outro lado estão os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa.

Essa colisão entre direitos fundamentais, portanto, deve ser solucionada pelo princípio da proporcionalidade, que tem como essência o sopesamento entre valores reconhecidos pela Constituição da República. Busca-se, assim, um equilíbrio entre duas forças expressas nas normas constitucionais. Em razão disso, as medidas que impõem limites a determinado direito fundamental só são admitidas até certo ponto, quando não afetam outro direito fundamental mais que o necessário.


2 O REGIME DA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – CDC

Em toda a história da humanidade, nunca se consumiu tanto, tampouco se comunicou com tanta velocidade. Esse contexto ensejou o que se denomina, atualmente, como “Sociedade da Informação”. A Sociedade da Informação caracteriza-se pelo intenso fluxo de informações com que são regidas as relações sociais. Além do termo “Sociedade da Informação”, outras expressões foram utilizadas para conceituar tal fenômeno: Sociedade de Conhecimento, Sociedade da Comunicação, Sociedade em Rede, Sociedade de Consumo, dentre outros (ADAMI; RODRIGUES, 2012).

A Sociedade da Informação, portanto, surgiu em decorrência da explosão informacional, caracterizada, principalmente, pela aceleração dos processos de produção e disseminação de informações e conhecimentos. Além disso, o uso intensivo das novas formas de comunicações e das novas tecnologias da informação ajudam para que tal fenômeno seja tão presente na sociedade contemporânea, em que a instantaneidade e conectividade são palavras-chave. Logo, a Sociedade de Informação continua em processo de formação e expansão, fundamentando-se, primordialmente, na utilização intensiva das tecnologias da informação e comunicação, realizadas predominantemente de forma digital, através da internet e das informações imediatas (CALMON, 2015).

Essa enorme quantidade de informações a qual a sociedade é submetida, atualmente, é utilizada pelos fornecedores para atraírem os consumidores à aquisição de produtos e serviços. O CDC trata desse tema nos artigos 30 a 38, e tem como atividade primordial proteger o consumidor, parte vulnerável da relação jurídica.

O termo “oferta” é genérico, englobando qualquer forma de comunicação que tenha como objetivo seduzir ou atrair o consumidor para a aquisição de bens. A publicidade, portanto, é uma forma de oferta, tendo em vista que é o principal artifício para fins de comercialização de produtos ou serviços (TARTUCE, 2016).

Para Tartuce (2016), há uma diferença básica entre a publicidade, que tem fins de consumo, e a propaganda, com finalidade política, ideológica ou social. De modo contrário, Rizzatto Nunes e parte da doutrina entendem que os termos são sinônimos.

Nesse sentido, segue o entendimento de Nunes (2013, p. 349):

Costuma-se usar o vocábulo “publicidade” algumas vezes como espécie de “propaganda”; noutras, a palavra “propaganda” é reservada para a ação política e religiosa, enquanto “publicidade” é utilizada para a atividade comercial etc. Mas não há razões para a distinção. Tomado pela etiologia, vê-se que o termo “propaganda” tem origem no latim propaganda, do gerundivo de propagare, ‘coisas que devem ser propagadas’. Donde afirmar-se que a palavra comporta o sentido de propagação de princípios, ideias, conhecimentos ou teorias. O vocábulo “publicidade”, por sua vez, aponta para a qualidade daquilo que é público ou do que é feito em público. Ambos os termos, portanto, seriam bastante adequados para expressar o sentido desejado pelo anunciante de produto ou serviço.

Contudo, utilizando-se do entendimento de Tartuce (2016), e para melhor compreensão do tema sob análise, vale discorrer sobre a diferenciação entre publicidade e propaganda. A propaganda, portanto, se refere à difusão de ideias, enquanto a publicidade incita ao consumo por meio de estratégias que enaltecem as qualidades do produto ou serviço.

Buscando a origem da palavra propaganda, torna-se possível extrair o seu significado. Assim, o termo propaganda, do latim propagare, tem sentido de “difundir, propagar”, isto é, atividade própria daquele que visa difundir ideias. Logo, difusão de ideias manifesta-se como qualquer tipo de propagação de informações com o objetivo de persuadir o interlocutor de determinada realidade. Como exemplo, tem-se a propaganda política. Logo, de acordo com Speranza (2012), “[...] a propaganda está ligada à questão filosófico-ideológica, que se utiliza de um conjunto de técnicas para provocar o interlocutor no sentido de aderir à determinada ideologia”.

A publicidade, por sua vez, caracteriza-se como um conjunto de técnicas com a finalidade de promover determinada atividade econômica. Neste caso, busca-se comercializar determinado tipo de produto ou serviço com intuito lucrativo e, para tanto, utiliza-se de estratégias que exaltam as qualidades daquilo que será alvo da mensagem publicitária.

Portanto, o CDC preocupa-se em tutelar apenas a utilização da publicidade, uma vez que é a publicidade que mantém relação com o consumo de produtos ou serviços. Vale ressaltar, que a publicidade pode ser tanto institucional como promocional. Diz-se de publicidade institucional quando visa à promoção da empresa, independente de produto ou serviço. Já a publicidade promocional tem, como objetivo primordial, comercializar um objeto econômico, seja ele produto ou serviço (SPERANZA, 2012).

2.1 Princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária

De acordo com os ensinamentos de Celso de Mello (2015), princípios são mandamentos nucleares de um sistema, que têm o poder de irradiar sobre diferentes normas, servindo de parâmetro para sua exata compreensão, tendo em vista que é por meio dos princípios que ocorre a racionalização do sistema normativo.

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O presente tópico apresenta os princípios adotados pelo CDC relativos à atividade publicitária. Mostra-se imprescindível analisar tais princípios, uma vez que são normas que conduzem toda a relação de consumo, efetivando e garantindo os direitos dos consumidores.

Assim, ao longo dos artigos 36, 30, 35, 37 § 1º e § 2º, 38, 36 § único e 56 XII do CDC, encontram-se os seguintes princípios: princípio da identificação da publicidade; princípio da vinculação contratual da publicidade; princípio da veracidade da publicidade; princípio da não abusividade da publicidade; princípio da transparência da fundamentação da publicidade; princípio da inversão do ônus da prova; princípio da correção do desvio publicitário; e princípio da lealdade publicitária.

2.1.1 Princípio da Identificação da Publicidade

O princípio da identificação da publicidade tem, como objetivo primordial, coibir a publicidade clandestina, ou seja, aquela em que o consumidor não tem conhecimento de que se trata de uma veiculação de oferta publicitária (ALMEIDA, 2009).

Assim, dispõe o art. 36 do CDC:

Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.

Parágrafo Único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem (BRASIL, 1990a, n. p.).

Ao analisar o caput do referido artigo, entende-se que o fornecedor deve veicular a publicidade de seus produtos ou serviços de maneira clara, inteligível, permitindo que o consumidor compreenda imediatamente que está diante de um anúncio publicitário.

Assim, segundo o princípio em tela, toda publicidade deve ser notória, ficando o consumidor ciente de que no momento da exposição está sendo alvo de publicidade e permitindo, por consequência, o seu livre direito de escolha na aquisição ou contratação do produto ou serviço veiculado (SPERANZA, 2012).

O legislador, ao estabelecer o princípio da Identificação da Publicidade, resguardou o consumidor das chamadas publicidades subliminar e oculta. A publicidade subliminar caracteriza-se pela apresentação de mensagem que atinge diretamente o subconsciente do consumidor, tendo em vista que a mensagem publicitária é veiculada tão rapidamente que não chega a ser perceptível de maneira consciente. Assim, quando o consumidor vai realizar a compra daquele produto ou serviço, que estava na publicidade subliminar, ele pensa estar fazendo uma escolha espontânea. Contudo, há uma diferença entre publicidade subliminar e publicidade oculta: esta última ocorre quando a mensagem publicitária é perceptível pelo consumidor, só que de forma bastante sutil, como é o caso do merchandising, encontrado frequentemente em novelas, rádios, espetáculos teatrais e cinematográficos etc. (REZENDE, 2008).

A maior característica do merchandising, portanto, é veicular uma publicidade e passar despercebida pelo consumidor, exatamente o que o princípio da identificação da publicidade se opõe. Ora, se o princípio sob análise propõe que o anúncio publicitário deve ser ostensivo, de modo que o consumidor saiba de pronto que está submetido a uma atividade publicitária, a técnica do merchandising vai de encontro a esse princípio, uma vez que sua ideia principal é não se revestir das características explícitas de anúncio publicitário. Pode-se citar como exemplo de publicidade subliminar, o uso constante de uma mesma marca de carros numa novela, ou ainda, a aparição despretensiosa de produtos ou serviços em programas de televisão ou eventos esportivos televisionados (NUNES, 2013).

Esse tipo de publicidade apresenta, de forma aparentemente casual, um anúncio publicitário que deveria ser veiculado de maneira que os consumidores tivessem como identificar claramente de que estavam diante de um anúncio publicitário. Essa, portanto, é a conduta que o princípio da identificação da publicidade pretende afastar dos consumidores (GONÇALVES, 2002).

2.1.2 Princípio da vinculação contratual da publicidade

De forma bem clara, o princípio da vinculação contratual da publicidade garante ao consumidor o cumprimento fiel das disposições contidas na publicidade veiculada pelo fornecedor. Assim, o consumidor pode exigir que o anúncio publicitário seja efetivado rigorosamente.

O princípio da vinculação contratual da publicidade encontra-se nos art. 30 e 35 do CDC:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

[...]

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos (BRASIL, 1990a, n. p.).

Segundo Gonçalves (2002), “[...] a publicidade é um verdadeiro negócio jurídico unilateral, na medida em que obriga o fornecedor a cumprir com a promessa, desde a sua difusão”. Assim, via de regra, todas as informações publicitárias obrigam o fornecedor que as veiculou e integram o contrato que poderá ser firmado entre consumidor e fornecedor.

No entanto, seria muito gravoso para o fornecedor, mesmo que não haja previsão legal nesse sentido, não admitir a revogação ou até mesmo a retificação da oferta. Assim, excepcionalmente, o fornecedor responderá pelas expectativas que desperta nos consumidores, independente da revogação da oferta, tendo em vista que o limite para a revogação é a proteção legítima da confiança do consumidor. Ou seja, existem situações de equívocos ou alteração das circunstâncias negociais em que poderá ocorrer a revogação ou alteração da oferta inicialmente estabelecida (MIRAGEM, 2014).

O art. 35, por sua vez, determina o que deverá ser feito no caso de o fornecedor de produtos ou serviços recusar o cumprimento à oferta propagada. Nesses casos, o consumidor poderá escolher, alternativamente, entre exigir o cumprimento forçado da oferta veiculada na publicidade, aceitar outro produto/prestação de serviço equivalente ou rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, além das perdas e danos.

2.1.3 Princípio da veracidade da publicidade

Nas relações jurídicas de consumo, a informação e a apresentação dos produtos e serviços devem sempre estar de acordo com a verdade daquilo que oferecem ou anunciam, e de maneira nenhuma o fornecedor poderá utilizar de mentiras ou artifícios para iludir o consumidor, isto é, a informação para o consumidor nunca poderá ser falsa ou enganosa, seja por afirmação ou omissão. O anúncio publicitário não poderá manipular frases, sons ou imagens para, de maneira ambígua, iludir o consumidor, tendo em vista que a lei estabelece a verdade objetiva como primordial nas relações de consumo, como determina o art. 36 do CDC, que obriga o fornecedor a manter a comprovação dos dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem (NUNES, 2013).

A oferta de produtos e serviços, portanto, deve ser pautada na verdade, um dos fundamentos éticos do sistema jurídico pátrio. A liberdade de expressão, neste caso, encontra óbice na veracidade das informações, pois quando se trata de apontar fatos objetivos ou oferecer produtos no mercado de consumo, há o limite ético da verdade (NUNES, 2013).

Nesse sentido, o CDC trouxe o princípio da veracidade, disposto no art. 37, § 1º, que assim determina:

§ 1º - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (BRASIL, 1990a, n. p.).

Verifica-se que o legislador preocupou-se em afastar dos consumidores a publicidade enganosa, seja ela por omissão ou comissão. Na publicidade enganosa por comissão, o fornecedor divulga alguma informação que leva o consumidor ao erro, afirmando algo que não é correto ou que não esteja de acordo com o produto/serviço veiculado naquela propaganda. Já a publicidade por omissão, caracteriza-se pela supressão de uma informação relevante para o consumidor, fazendo com que ele caia em erro ao comprar o produto ou serviço (GONÇALVES, 2002).

Pode ocorrer, também, que a publicidade seja parcialmente enganosa, isto é, a publicidade contém algumas informações falsas e outras verdadeiras, o que não a descaracteriza como publicidade enganosa. A partir do momento que a publicidade veicular uma informação falsa, por menor que seja, está caracterizada a publicidade enganosa. No mesmo caso, quando a publicidade omite uma informação relevante, por menor que seja, caracteriza-se publicidade enganosa. Nestes casos, torna-se irrelevante o elemento subjetivo da publicidade, ou seja, não importa se o fornecedor agiu ou não com má-fé (dolo). Desse modo, para que seja caracterizada a publicidade enganosa, não precisa que o anunciante tenha a intenção, bastando, portanto, que haja a publicidade enganosa parcial ou total (GONÇALVES, 2002).

O princípio da veracidade da publicidade, portanto, busca resguardar o consumidor de mensagens enganosas, ambíguas ou que utilizem de artifícios e mentiras para ludibriar os consumidores. Assim, o CDC proíbe expressamente a publicidade enganosa, seja ela comissiva ou omissiva, vez que toda publicidade deve ser pautada na verdade e veiculada com todas as informações necessárias para o consumidor escolher livremente por aquele produto ou serviço.

2.1.4 Princípio da não abusividade da publicidade

O princípio da não abusividade da publicidade está consagrado no art. 37, § 2º do CDC, que assim dispõe:

§ 2º - É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (BRASIL, 1990a, n. p.).

Ao analisar o referido parágrafo, percebe-se que o termo “dentre outras” demonstra que esse é um rol exemplificativo, deixando transparecer que a publicidade abusiva pode se caracterizar de diversas outras formas. Assim, cabe aos intérpretes do Direito analisar caso a caso para saber se há subsunção do fato à norma, caracterizando, assim, a publicidade abusiva. Cabe, agora, comentar sobre os exemplos elencados no parágrafo 2º acima descrito.

A publicidade é discriminatória quando diferencia entre raça, sexo, condição social, nacionalidade, profissão, convicções políticas ou ideológicas, e assim por diante. Portanto, quando ocorrer discriminação de qualquer natureza, ocorre o que o CDC escolheu chamar de publicidade abusiva (GONÇALVES, 2002).

Além da publicidade discriminatória, o parágrafo 2º dispõe que é abusiva a publicidade que incite a violência, seja ela entre homens, homens e animais, e até mesmo a bens públicos ou privados (GONÇALVES, 2002).

Importante destacar o trecho que se refere às crianças: publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Esse trecho do parágrafo 2º é de extrema importância, tendo em vista que o presente trabalho busca analisar a Resolução do CONANDA, que trata sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. A Resolução nº 163 de 04 de abril de 2014 do CONANDA será analisada mais detidamente no próximo capítulo. Por ora, vale mencionar que o legislador optou proteger as crianças em razão da falta de compreensão necessária para discernir o que é verdadeiro ou falso nas mensagens publicitárias.

Assim, o princípio da não abusividade da publicidade protege o consumidor de mensagens publicitárias que possam induzi-lo a agir de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. O princípio da não abusividade está relacionado com o princípio da veracidade da publicidade, visto que este último visa impedir a publicidade enganosa, enquanto o primeiro tem como finalidade coibir a abusividade. O tema será discutido em tópico posterior do presente estudo, mas, de início, cabe esclarecer que a publicidade enganosa é aquela que veicula informações inverídicas, enquanto a publicidade abusiva é assim chamada por violar valores da sociedade, como a moral e os costumes (SPERANZA, 2012).

Destarte, o princípio da não abusividade da publicidade garante ao consumidor uma publicidade que contenha valores e princípios considerados indispensáveis à vida em sociedade. Ou seja, a partir do momento que alguma publicidade seja considerada ofensiva a valores consagrados pelos costumes e direito, aquela publicidade será considerada abusiva e ilegal, rejeitada veementemente pelo CDC.

2.1.5 Princípio da transparência da fundamentação da publicidade

O princípio da transparência da fundamentação da publicidade é um dever anexo ao princípio da boa-fé, uma vez que a publicidade constitui-se em verdadeira oferta (princípio da vinculação contratual da publicidade). Esse princípio está expresso no art. 31 do CDC da seguinte maneira:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével (Incluído pela Lei nº 11.989, de 2009) (BRASIL, 1990a, n. p.).

Esse dispositivo legal trata dos requisitos indispensáveis à oferta, de maneira que o consumidor tenha as informações necessárias do produto ou serviço que está sendo oferecido. Desse modo, a publicidade veiculada deve conter as informações fundamentais para esclarecer ao consumidor os elementos básicos da oferta, que irão subsidiar a escolha do consumidor.

O rol dos requisitos básicos da oferta é exemplificativo, mas elencam-se os principais: características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade e origem, bem como os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

A ausência de qualquer informação essencial à oferta será interpretada contra o fornecedor, tendo em vista que é este que tem o dever legal de informar de maneira clara, precisa e em língua portuguesa (GONÇALVES, 2002).

2.1.6 Princípio da inversão do ônus da prova

Esse é um dos princípios mais conhecidos do Direito do Consumidor e decorre da vulnerabilidade do consumidor. Assim, determina o art. 38 do CDC: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina” (BRASIL, 1990a, n. p.).

Esse é um princípio básico que serve para facilitar a defesa do consumidor em juízo, tendo em vista que o consumidor é a parte hipossuficiente da relação fornecedor/consumidor. Assim, cabe ao fornecedor demonstrar a veracidade da publicidade de acordo com os princípios elencados neste tópico (GONÇALVES, 2002).

A inversão do ônus da prova, prevista no art. 38 do CDC, é diferente da previsão contida no art. 6º, VIII, CDC, que assim determina: “[...] a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente [...]” (BRASIL, 1990a, n. p.).

Percebe-se que a inversão do ônus da prova, no art. 6º, fica a critério do juiz, o que não ocorre no art. 38, em que o juiz não detém discricionariedade. A inversão do ônus da prova do art. 38, portanto, é obrigatória. “A inversão do ônus da prova, no art. 38, é ope legis, independendo de qualquer ato do juiz. Logo, não lhe cabe sobre ela se manifestar, seja no saneador ou em momento posterior” (BRASIL, 1990a, n. p.).  

Quando se fala em inversão do ônus da prova ope legis, significa que os efeitos dessa inversão decorrem automaticamente da lei e independem da atividade discricionária do juiz. De modo contrário, o efeito ope judicis é aquele que depende de análise e concessão judicial, como ocorre no art. 6º, VIII, do CDC (BENJAMIM, 2011).

Assim, o art. 38 do CDC está relacionado com dois aspectos da publicidade: a veracidade e a correção. Isto é, esse princípio tem estreita relação com outros princípios anteriormente estudados, quais sejam: princípio da veracidade da publicidade, princípio da não abusividade, princípio da identificação da mensagem publicitária e, por fim, princípio da transparência da fundamentação publicitária (BENJAMIM, 2011).

2.1.7 Princípio da correção do desvio publicitário

Quando ocorre o desvio publicitário, além de ocorrer a reparação civil, administrativa e penal, faz-se necessário corrigir os impactos da publicidade ilegal sobre os consumidores. Assim, o CDC determinou, em seu art. 56, inciso XII, que o fornecedor deverá fazer uma contrapropaganda.

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

XII - imposição de contrapropaganda (BRASIL, 1990a, n. p.).

O mencionado dispositivo legal determina que o fornecedor realize uma contrapublicidade para contrapor o que antes estava em desconformidade com o Direito do Consumidor. Assim, o fornecedor deverá veicular nova mensagem publicitária para sanar os malefícios causados pela publicidade originária. De acordo com Gonçalves (2002), a contrapropaganda deverá ser divulgada no mesmo veículo de comunicação, com as mesmas características empregadas na publicidade anterior, no que se refere à duração, espaço, local e horário.

2.1.8 Princípio da lealdade publicitária

O princípio da lealdade publicitária é direcionado para os fornecedores, ou seja, para a lealdade da concorrência entre os fabricantes/fornecedores. Esse princípio avalia não só a lealdade entre fornecedor versus consumidor, mas, também, a lealdade que deve prevalecer entre as empresas concorrentes.

O princípio da lealdade publicitária está previsto na Constituição da República em seu art. 1º, inciso IV – que trata dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamento da República Federativa do Brasil; art. 3º, inciso I – versando sobre uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo da República; e, por fim, no art. 173, § 4º, que assim dispõe: “[...] a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (BRASIL, 1988, n. p.). Ou seja, esse princípio está relacionado com a lealdade entre os fornecedores, visto que estes não devem iludir o consumidor nem levá-lo ao erro (BENJAMIM, 2011).

O CDC, por sua vez, estabelece expressamente que um dos seus princípios basilares é exatamente a coibição e repressão de abusos praticados no mercado de consumo. Nesse sentido, segue o art. 4º do CDC para análise:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

[...]

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores (BRASIL, 1990a, n. p.).

Tal princípio, portanto, gera um microssistema no CDC, que proíbe todas as práticas utilizadas pelos fornecedores que podem causar prejuízos aos consumidores. Logo, até a concorrência entre as empresas e o marketing por elas utilizado estão sob a égide das leis consumeristas, para que a parte mais vulnerável da relação, qual seja, o consumidor, não saia lesada ou enganada (BENJAMIM, 2011).

2.2 Aspectos relativos à oferta

Para o Direito do Consumidor, oferta se refere à marketing, ou seja, estratégia de comunicação e vendas de produtos ou serviços. Para Benjamim (2011), oferta significa o conjunto de “[...] métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados a sua disposição no mercado pelos fornecedores”. Além disso, o autor explica que qualquer dessas técnicas, desde que sejam suficientemente precisas, podem tornar-se veículo eficiente de oferta vinculante.

Em razão da evolução das relações de consumo, as disposições do direito comum mostraram-se insuficientes e inadequadas para regular as atividades consumeristas. Primeiramente, a oferta e a publicidade eram desconhecidas ou incipientes quando foram promulgados os Códigos Comercial e Civil (1850 e 1916, respectivamente), e esses dois diplomas legais regularam a matéria de maneira insatisfatória. Outrossim, a regulamentação feita por esses códigos pressupunha a igualdade das partes, estabelecendo que a oferta se dava entre pessoas determinadas, numa relação bilateral proponente-aceitante (ALMEIDA, 2009).

Por esses motivos, o consumidor era frequentemente lesado, tendo em vista que, ao contrário do que ocorre na esfera cível, a oferta nas relações de consumo pode ocorrer entre pessoas indeterminadas, ou seja, alcança tanto o consumidor efetivo, que adquire de fato o produto ou serviço, como o consumidor em potencial, isto é, aquele que possui certa tendência a consumir ou que está exposto às práticas de consumo, como a oferta, publicidade e práticas abusivas (ALMEIDA, 2009).

Estabelecendo uma conexão entre os artigos do CDC que tratam da oferta e o Código Civil (CC) de 2002, é importante lembrar da força vinculativa da proposta, constante no art. 427 do CC/2002. Contudo, o texto do CC não tem toda a força vinculativa do diploma consumerista. Além disso, o CC trata do tema também no seu art. 429, dispondo o seu caput que “[...] a oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos” (BRASIL, 2002, n. p.).

Por outro lado, a oferta ao público apenas obriga quando encerra os requisitos essenciais do contrato. Esta exigência, embora obedeça à lógica contratual do direito civil tradicional, naturalmente que não parece adequada à realidade dos contratos de massa, assim como ao fenômeno da publicidade e sua linguagem muitas vezes fluída, de duplo sentido, sem a precisão e caráter determinável inerentes à noção de proposta contratual formal e determinada. Daí porque, nos contratos de consumo, a definição de oferta não mais exigirá a determinação de um ato específico com informações precisas sobre todos os elementos essenciais do contrato (MIRAGEM, 2014, p. 242).

Assim, levando em consideração as relações de consumo e a rapidez e multiplicidade de meios em que se processam as informações relativas aos contratos de consumo, o legislador optou por tornar a oferta de consumo como vinculante, caracterizando-a como toda e qualquer informação suficientemente precisa divulgada pelo fornecedor.

Também no CC de 2002, em seu art. 428, existem algumas hipóteses em que a proposta não é obrigatória, não tendo força vinculativa. Ao longo dos incisos do art. 428, o CC/2002 estabeleceu as seguintes exceções: a proposta deixa de ser obrigatória quando feita sem prazo com a pessoa presente, sendo que não foi imediatamente aceita; igualmente, deixa de ser obrigatória a proposta quando feita sem prazo e a pessoa ausente tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; também não será obrigatória a proposta que feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; por fim, a proposta não é obrigatória quando antes dela ou simultaneamente a ela, chegar ao conhecimento do oblato a retratação feita do proponente (BRASIL, 2002).

O CDC trouxe, portanto, toda a regulamentação necessária para o tema e trata da oferta nos artigos 30 a 35. O art. 30 do CDC elenca os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, ao vincular o produto, o serviço e o contrato ao meio de proposta e a publicidade, demonstrando que a conduta correta deve estar presente até mesmo na fase pré-contratual do negócio.

O caput do referido artigo determina que:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado (BRASIL, 1990a, n. p.).

O dispositivo acima traz um novo princípio, o princípio da vinculação, visto que o art. 30 concede caráter vinculante à informação e à publicidade. Esse princípio atua de duas maneiras: primeiro obriga o fornecedor a cumprir a oferta veiculada, mesmo que se negue a contratar; segundo, quando há contrato celebrado e em seu texto dispõe de maneira diversa, pretendendo afastar o caráter vinculativo. Caso o fornecedor não queira cumprir os ditames do princípio da vinculação, poderão ser utilizadas as medidas previstas para a obrigação de fazer e não fazer (BENJAMIM, 2011).

O CDC elencou os requisitos da oferta no art. 31, nos seguintes termos:

Art. 31. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores (BRASIL, 1990a, n. p.).

A oferta é o momento que antecede o ato de consumo e, em razão disso, deve ser precisa e transparente o suficiente para que o consumidor tenha conhecimento do que está adquirindo e possa, assim, exercer seu direito de livre escolha. As informações da oferta, portanto, devem ser claras, precisas e, principalmente, verdadeiras, guardando correlação fática com as características do produto ou do serviço. As informações contidas na oferta devem também ser redigidas em linguagem clara, em local e formas visíveis e, além disso, devem ser veiculadas em língua portuguesa (ALMEIDA, 2009).

Ademais, a oferta deve transmitir informações que sejam importantes para a escolha do consumidor, como exemplo, as características e dados técnicos (qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade), e também a potencialidade danosa do produto ou serviço (riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores). A oferta com todas essas informações podem ser veiculadas de diferentes formas; se mediante publicidade, deverá seguir o disposto nos art. 36 a 38 do CDC. Mas nos casos de oferta por telefone ou reembolso postal, há um requisito extra que deverá ser respeitado: para possibilitar a responsabilização, é necessário que o nome do fabricante e seu endereço constem obrigatoriamente na embalagem ou qualquer impresso utilizado na transação comercial, conforme dispõe o art. 33 do CDC.

O art. 35 do CDC estabelece as medidas que deverão ser tomadas caso o fornecedor se recuse a cumprir a oferta veiculada. Assim, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: exigir cumprimento forçado da oferta; aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; ou rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, além das perdas e danos decorrentes da contratação. Em outras palavras, o art. 35 obriga o fornecedor a respeitar a palavra dada na oferta, para que o consumidor não saia prejudicado.

Vale frisar que o art. 30 do CDC, que obriga o fornecedor a cumprir a oferta veiculada, se sobrepõe a qualquer cláusula contratual anteriormente fixada. Assim, o conteúdo do contrato firmado entre consumidor e fornecedor não tem nenhum valor, frente à oferta veiculada no anúncio publicitário. Dito de outra forma, todos os requisitos que compõem a oferta veiculada pelo fabricante ou fornecedor passam a integrar automaticamente o conteúdo do negócio celebrado (TARTUCE, 2016).

2.3 As publicidades enganosas e abusivas

As publicidades enganosa e abusiva são modalidades de publicidade ilícita, vedadas pelo CDC, uma vez que violam os deveres estabelecidos pelo diploma consumerista no que se refere à realização, produção e divulgação de mensagens publicitárias. Como exemplo, é ilícita a publicidade que viola o princípio da identificação, princípio da veracidade, e todos os demais princípios elencados anteriormente (MIRAGEM, 2014).

A publicidade é enganosa quando viola o dever de veracidade e clareza estabelecido pelo CDC. A publicidade abusiva, por sua vez, é aquela que viola valores ou bens jurídicos considerados relevantes socialmente, por exemplo, o meio ambiente, a segurança e a integridade dos consumidores. Tanto a publicidade enganosa como a publicidade abusiva são vedadas pelo CDC em seu art. 37, caput (MIRAGEM, 2014).

A consequência destas espécies de publicidade, além da vedação de sua veiculação, será a imposição da contrapropaganda nos casos em que a divulgação já ocorreu (art. 56, XII, CDC) e, também, eventuais sanções penais, como determina o art. 67 do CDC em Brasil (1990a, n. p.): “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. Além disso, a veiculação de publicidade ilícita pode acarretar dano material ou moral, a título individual ou coletivo, dependendo de cada caso concreto (MIRAGEM, 2014). 

2.3.1 Publicidade enganosa

A publicidade enganosa está prevista no art. 37, caput, e § 1º, do CDC, que assim dispõe:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço, e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (BRASIL, 1990a, n. p.).

Como mencionado acima, quando se tratou dos princípios relativos à atividade publicitária, o legislador optou por inserir no CDC um rol exemplificativo de publicidade enganosa. A enganosidade, conforme o artigo mencionado acima, pode ocorrer de maneira comissiva – por ação direta na campanha – ou omissiva – quando ocorre a ausência de alguma informação essencial a respeito do produto ou serviço. A publicidade enganosa por omissão está disposta também no § 3º, do art. 37, do CDC, que assim determina: “[...] para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço” (SPERANZA, 2012).

Vale ressaltar que a concretização da publicidade enganosa não necessita da análise do elemento subjetivo do fornecedor, não importando, portanto, se este agiu com má-fé, tendo em vista que se trata de responsabilidade objetiva daquele que veicula a mensagem publicitária enganosa. Portanto, o dolo e a culpa só tem importância no tratamento penal da publicidade enganosa.

Assim, o CDC adotou um critério finalístico no que concerne a publicidade enganosa, uma vez que a simples veiculação de anúncio publicitário que induza o consumidor ao erro, já se caracteriza como publicidade enganosa. Ou seja, basta que haja a potencialidade lesiva da publicidade, não sendo necessário que o consumidor tenha sido de fato enganado. De acordo com Ramos (2012, n. p.), “[...] essa é uma presunção juris et de jure (não admite prova em contrário) de que os consumidores difusamente considerados foram lesados”.

Desse modo, não se faz necessário que o consumidor adquira o produto ou serviço fruto da publicidade enganosa. A partir do momento que o consumidor adquire tal produto ou serviço, trata-se de mero exaurimento da publicidade enganosa, que só é relevante para a verificação do dever de indenizar o dano individual, mas é irrelevante para fins de caracterização da enganosidade.

A publicidade, portanto, deve ser verdadeira, clara, pautada na honestidade, pois só assim o consumidor poderá fazer sua escolha de maneira consciente. Importante esclarecer que nem sempre as inverdades veiculadas na publicidade as tornam enganosas. É necessário que o conteúdo do anúncio publicitário tenha o efetivo potencial de induzir os consumidores ao erro.

Nesse sentido, segue entendimento de Fábio Ulhoa Coelho (1994 apud RAMOS, 2012, n. p.):

A mera inserção de informações inverídicas, por si só, nada tem de ilegal, uma vez que pode representar a lícita tentativa de mobilizar a fantasia do espectador, com objetivos de promover o consumo. Em outras palavras, para se caracterizar a publicidade enganosa, não basta a veiculação de inverdades. É necessário também que a informação inverídica seja, pelo seu conteúdo, pela forma de sua apresentação, pelo contexto em que se insere ou pelo público a que se dirige, capaz de ludibriar as pessoas expostas a ela. Pode haver, portanto, algum toque de fantasia (e de falsidade, por conseguinte) nas peças publicitárias. Isso, no entanto, não representa agressão ao direito dos espectadores à mensagem verdadeira, porque a percepção do fantasioso afasta a possibilidade de qualquer pretensão fundada na realidade dos fatos.

Como exemplo dessa publicidade que não é enganosa, mas utiliza-se de inverdades, pode-se citar o anúncio publicitário da bebida Red Bull, famosa pelo slogan “Red Bull te dá asas”, em que aqueles que consomem a bebida logo criam asas e começam a voar. Ora, os consumidores de Red Bull sabem que não vão conseguir voar realmente com a bebida, tratando-se de mera estratégia de marketing, ou seja, licença publicitária.

Por fim, conclui-se que, de forma mais clara e precisa, publicidade enganosa é toda aquela que, por ação ou omissão, induz o consumidor ao erro sobre dados essenciais dos produtos ou serviços, tratando-se de publicidade terminantemente repudiada pelo Direito do Consumidor (SPERANZA, 2012).

2.3.2 Publicidade abusiva

A publicidade abusiva tem resguardo no texto legal no art. 37, § 2º, do CDC, que assim determina:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (BRASIL, 1990a, n. p.).

O caráter abusivo da publicidade pode ser percebido por duas vertentes: em primeiro lugar, pela mera ilicitude, derivada da contrariedade direta da norma, como exemplo, pode-se citar o art. 3º, IV, e 5º, caput, da Constituição da República, que determinam a vedação da discriminação de qualquer natureza. Além disso, a publicidade pode ser abusiva por contrariar a boa-fé e os bons costumes, isto é, aquela que incita comportamentos prejudiciais ao indivíduo ou à coletividade (MIRAGEM, 2014).

A definição de publicidade abusiva constitui espécie de conceito jurídico indeterminado, e somente analisando cada caso concreto é que o intérprete do direito poderá afirmar sua determinação e precisão. Assim, para que seja caracterizada a publicidade abusiva, é necessário levar em consideração a intensidade da ofensa que aquela publicidade pode causar diretamente ao público, assim como aos valores éticos da sociedade e de todo o ordenamento jurídico (MIRAGEM, 2014).

Na publicidade abusiva, assim como ocorre com a publicidade enganosa, o legislador optou por inserir a expressão “dentre outras”, simbolizando um rol exemplificativo de situações que são tidas como abusivas. Analisando o mencionado parágrafo 2º, que trata sobre a abusividade da publicidade, chega-se a conclusão que ela ocorre quando há violação de valores sociais e morais do consumidor, ou quando essa publicidade se aproveita da situação de vulnerabilidade do mesmo (SPERANZA, 2012).

No momento em que a publicidade abusiva extrapola os limites estabelecidos em lei, ela equipara-se ao abuso de direito, tendo em vista que se reveste de uma falsa legitimidade para violar direitos dos consumidores. Assim, vale frisar que os conceitos de publicidade enganosa e abusiva não se confundem, visto que uma mensagem publicitária pode ser perfeitamente honesta e verdadeira, e ao mesmo tempo ser ofensiva a algum valor social ou moral (SPERANZA, 2012).

A publicidade abusiva não se confunde com a publicidade enganosa. Na primeira não há, necessariamente, uma inverdade e nem sempre o consumidor é induzido ao cometimento de erro. Ela pode até ser verdadeira, mas seu conteúdo afronta a moral, a ética e os bons costumes. Na publicidade enganosa, por outro lado, o conteúdo do anúncio sempre contém inverdades ou alguma omissão que induza o consumidor ao erro (RAMOS, 2012, n. p.).

A publicidade abusiva, portanto, se realiza com fins contrários à ordem pública, ao direito e à moral. A publicidade abusiva, frequentemente, parece estar de acordo com as normas legais, mas quando se analisa a fundo, percebe-se que a mesma está cheia de vícios, tornando-se prejudicial aos interesses dos consumidores e de toda a sociedade.

Uma publicidade pode ser ao mesmo tempo enganosa e abusiva. Neste caso, a mensagem publicitária deve afrontar valores morais ou sociais dos consumidores, caracterizando a abusividade e, além disso, o produto ou serviço anunciado não deve estar em conformidade com o que ele realmente é (enganosidade). Ademais, da mesma maneira que ocorre com a publicidade enganosa, o anúncio será considerado abusivo quando for veiculado, independente de causar prejuízo concreto aos consumidores (RAMOS, 2012).

A publicidade abusiva alcança toda a coletividade e, por isso, os consumidores que se sentirem ofendidos pela mensagem publicitária não são os únicos legitimados para demandar por eventuais prejuízos, haja vista que o caráter difuso da publicidade permite a tutela coletiva, sem prejuízo da legitimidade individual, com a finalidade de reclamar danos pessoalmente sofridos (MIRAGEM, 2014). Logo, conclui-se que a publicidade deve ser verdadeira e respeitar valores sociais, morais e éticos, como determina o CDC.

Desse modo, diante de um conteúdo considerado agressivo, violento ou contrário aos valores morais e sociais da sociedade, a publicidade abusiva pode gerar a responsabilidade civil dos envolvidos. Ademais, o fornecedor que veicular publicidade abusiva sofrerá penalidades administrativas, como a imposição de multas ou a necessidade de realizar a contrapublicidade. O art. 60 do CDC é bem claro quanto a isso, estabelecendo que a imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor veicular publicidade enganosa ou abusiva, sempre às expensas do infrator. O parágrafo 1º do referido artigo determina, ainda, que a contrapropaganda deve ser realizada da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo local, veículo, espaço e horário que a anterior, para que seja capaz de desfazer o malefício causado pela publicidade abusiva ou enganosa (TARTUCE, 2016).

Nesse sentido, o CONANDA editou a Resolução nº 163/2014 que dispõe sobre a abusividade do direcionamento da publicidade e da comunicação mercadológica para a criança e para o adolescente. O CONANDA embasou a Resolução nº 163/2014 no ECA (Lei nº 8.069/90) e no CDC (Lei nº 8.078/90), para considerar abusiva a prática do direcionamento de publicidade ou comunicação mercadológica para crianças e adolescentes, com intenção de persuadi-los para o consumo de qualquer produto ou serviço, tema que será analisado mais detidamente no próximo capítulo. 

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Hélio Costa. A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:: entre a defesa do consumidor e os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5252, 17 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58839. Acesso em: 15 nov. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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