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A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:

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Agenda 17/11/2017 às 14:00

3  A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A RESOLUÇÃO 163/2014 DO CONANDA

A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – ECA –, é a norma que dispõe sobre a proteção integral das crianças e dos adolescentes. O ECA considera como criança toda pessoa que possua até 12 anos incompletos. Adolescentes, por sua vez, são aqueles que estão entre 12 e 18 anos de idade (Art. 2º, ECA). O art. 3º do ECA determina que a criança e o adolescente são detentores de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da regulamentação estabelecida naquela Lei, e são assegurados a todas as crianças e adolescentes todas as oportunidades e facilidades, com o objetivo primordial de conceder desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.

O Título III do ECA trata sobre a Prevenção especial dispensada ao infante, tendo em vista que sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento deve ser respeitada. Essa prevenção especial que as crianças e adolescentes estão submetidos, justifica-se pelo espírito maleável dos mesmos, que estão a todo tempo suscetíveis a vários tipos de influências que podem prejudicá-los (FONSECA, 2012).

Assim, crianças e adolescentes são vulneráveis, haja vista sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, pois é necessário o completo discernimento físico e psíquico para que o ser humano consiga diferenciar com clareza o que é certo e o que é errado, o que faz bem e o que faz mal. Em razão dessa vulnerabilidade a que estão submetidas as crianças e os adolescentes é que a prevenção deve ter a maior amplitude possível, abrangendo os direitos à informação (como é o caso da publicidade direcionada ao público infantil), a cultura, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços (FONSECA, 2012).

Portanto, a publicidade para a criança e adolescente deve ser veraz e claramente identificada como tal; não pode conter cenas de violência ou permitir comportamentos que contrariem as regras gerais do convívio social e, além disso, não pode conter situações que insinuem que alguém poderá ganhar prestígio com a aquisição de bens de consumo. Ademais, a publicidade dirigida ao público infantil deve ser cuidadosa para não criar situações em que a autoridade dos pais seja enfraquecida ou que contribua para que ocorram situações perigosas para a criança (MALTA, 2014).

É natural que o anunciante incentive o consumo dos seus produtos ou serviços, por meio de anúncios que busquem convencer o consumidor de que tais bens são os melhores, mais práticos, úteis ou mais saudáveis. Contudo, quando o anúncio é direcionado ao público infantil, há maior preocupação por parte do legislador, tendo em vista a vulnerabilidade exagerada pela qual tal público está exposto. Isso se deve ao fato de que as crianças estão em fase de desenvolvimento mental e psicológico, e nessa fase de aprendizagem o público infantil aceita os discursos ideológicos mais facilmente, em razão da ausência para o discernimento do senso crítico quanto aos mecanismos sociais a que estão submetidos (MALTA, 2014).

Assim, a veiculação de publicidade direcionada para o público infantil muitas vezes se vale da condição de hipervulnerabilidade da criança, ocasionando prejuízos para o consumidor infantil que é facilmente manipulável. As crianças detêm grande poder de decisão nas compras da família, em especial as do gênero alimentício e, em razão disso, os anunciantes aproveitam essa influência para elaborar estratégias que atinjam os pontos mais vulneráveis da criança. Geralmente, os anúncios publicitários infantis são apresentados com várias crianças, dando a ideia de inclusão social associada com a aquisição de determinado produto ou serviço, prática que deve ser absolutamente repudiada, frente aos malefícios que trazem às crianças e adolescentes (MALTA, 2014).

Por esses motivos, no dia 13 de março de 2014, o CONANDA aprovou a Resolução nº 163. Tal resolução “[...] dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente” (CONANDA, 2014, n. p.). O referido Conselho embasou tal resolução no ECA (Lei nº 8.069/90) e no CDC (Lei nº 8.078/90).

A Resolução nº 163/2014 do CONANDA considerou abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço, mediante utilização, dentre outros, de:

I – linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II – trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III – representação de criança;

IV – pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V – personagens ou apresentadores infantis;

VI – desenho animado ou de animação;

VII – bonecos ou similares;

VIII – promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;

IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil (Resolução CONANDA nº 163/2014, art. 2º) (CONANDA, 2014, n. p.).

Em oposição ao entendimento do CONANDA, a APP elaborou um manifesto, afirmando que o controle da propaganda abusiva para crianças e adolescentes é amparado por leis, pela própria Constituição, pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e aplicado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). A APP conclui seu manifesto, declarando que a Resolução nº 163/2014 do CONANDA ameaça a liberdade de expressão, e que somente o Congresso Nacional tem poder para legislar sobre a atividade publicitária, tema que será melhor analisado posteriormente. 

3.1 Proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente e seu papel constitucional

Atualmente, crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos e possuem tratamento diferenciado por conta da sua vulnerabilidade. Contudo, esse tratamento concedido a crianças e adolescentes, como detentoras de direitos humanos, nem sempre foi assim.

Inicialmente, antes do século XX, a criança era tratada como propriedade de seus pais. Foi necessário um longo processo para que crianças e adolescentes fossem vistos como sujeitos de direito. Existem, portanto, vários instrumentos que versam sobre os direitos de crianças e adolescentes, dentre eles: a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) (HUBNER, 2014).

Em 1919, por exemplo, ocorreu a Primeira Conferência Internacional do Trabalho, que determinou a proibição do trabalho noturno de menores de 18 anos e também considerou a idade de 14 anos para que crianças e adolescentes começassem a trabalhar na indústria, isto é, abaixo de 14 anos era proibido. Logo após, no ano de 1924, a Declaração de Genebra considerou vários aspectos da proteção da infância, estabelecendo que a infância deve ser objeto de proteção (HUBNER, 2014).

Somente em 1959, com a aprovação da Declaração dos Direitos da Criança na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), é que crianças e adolescentes foram vistos como sujeitos de direitos e não mais objeto de proteção. Foi assim que a criança deixou de ser mero recipiente passivo, para se tornar sujeito de direitos. Posteriormente, em 1985, a ONU firmou as Regras Mínimas para Administração da Justiça da Infância e da Juventude, que também é conhecida como Regras de Pequim. Com essas novas regras, crianças e adolescentes são consideradas parte integrante do processo de desenvolvimento de cada país, e a proteção da infância deve ser vista como instrumento para a paz e ordem da sociedade (HUBNER, 2014).

No Brasil, a Constituição da República de 1988 trouxe significativas mudanças no ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo novos paradigmas. Desse modo, houve uma necessidade de ratificar valores que foram ceifados durante o regime militar e, no campo das relações privadas, tornou-se indispensável atender aos anseios de uma sociedade mais justa e fraterna. Assim, o constituinte de 1988 não poderia esquecer o sistema jurídico da criança e do adolescente, pois, antes disso, os direitos direcionados para os “menores” em abandono ou estado de delinquência não eram suficientes para suprir as necessidades dessas pessoas em situação de vulnerabilidade (AMIN, 2010).

Para que o legislador se sentisse sensível aos anseios de crianças e adolescentes, foi essencial a mobilização de organizações populares nacionais e internacionais, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e diversos documentos internacionais foram indispensáveis para a análise do tema, como: a Declaração de Genebra, de 1924; a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948; a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, de 1969; e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude. Esse novo paradigma, portanto, rompeu com o modelo anteriormente consolidado e adotou a doutrina de proteção integral à crianças e adolescentes (AMIN, 2010).

Foram necessários, ainda, 1.200.000 assinaturas para que a emenda sobre a inclusão dos direitos infanto-juvenis fosse incluída na nova Carta Magna. Todo esse esforço foi recompensado com a aprovação dos art. 227 e 228 da Constituição da República de 1988, resultado da fusão de duas emendas populares assinadas por milhões de eleitores, crianças e adolescentes. Esse foi o início da adoção da doutrina da proteção integral, e objetivando regulamentar o disposto nos referidos artigos constitucionais, foi promulgada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – ECA –, de autoria do Senador Ronan Tito e relatório da Deputada Rita Camata (AMIN, 2010).

O termo “estatuto” foi aplicado corretamente, vez que exprime o conjunto de direitos fundamentais indispensáveis à formação integral de crianças e adolescentes, pois longe está de ser apenas uma lei que elenca regras de direito material. O ECA é um microssistema que abrange todo o arcabouço necessário para proteger o público infanto-juvenil. Trata-se, portanto, de uma norma especial com extenso campo de abrangência, tendo em vista que lista regras de direito processual, tipos penais, normas de direito administrativo, princípios e políticas legislativas (AMIN, 2010).

O novo paradigma trazido pela Constituição de 1988, mais democrático e participativo, no qual família, sociedade e Estado são co-gestores do sistema de proteção às crianças e adolescentes, não se restringe apenas às crianças pobres, mas a todas as crianças e adolescentes, independente de condição social. Qualquer criança ou adolescente, que seja lesado em seus direitos fundamentais de pessoas em desenvolvimento, será resguardado pelo ECA e pela Constituição Federal (CF). Para tornar isso possível, um sistema de garantias foi firmado com Conselhos Tutelares, família, sociedade, Poder Judiciário e Ministério Público, para assegurar o respeito prioritário dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes (AMIN, 2010, p. 10)

A doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes está insculpida no art. 227 da CF, que assim determina:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, n. p.).

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Com essa nova doutrina, a criança não é mais tratada como menor incapaz, mas como sujeito de direitos, em sua integralidade. A CF de 1988 afastou a doutrina da situação irregular até então vigente, e garantiu às crianças e adolescentes absoluta prioridade de direitos. Foi assim que o ECA trouxe a regulamentação necessária para o tema, fundando-se em dois pilares básicos: primeiro, que crianças e adolescentes são sujeitos de direito; segundo, que eles têm uma condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (AMIN, 2010).

O primeiro documento que se preocupou em reconhecer direitos a crianças e adolescentes foi a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924. A Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU e atualizada em 1979, adotou a doutrina de proteção integral fundada em três pilares: 1. Reconhecimento da peculiar condição da criança em situação de desenvolvimento, carecedora de proteção especial; 2. Crianças e adolescentes têm direito à convivência familiar; 3. As Nações que assinarem o referido documento devem obrigar-se a assegurar os direitos contidos na Convenção com absoluta prioridade (AMIN, 2010).

A doutrina da proteção integral, portanto, substituiu a doutrina anteriormente vigente, qual seja, a doutrina da situação irregular, oficializada pelo Código de Menores de 1979, mas que já estava implícita no Código Mello Matos, de 1927. O que ocorreu não foi uma simples substituição terminológica, mas sim uma mudança de paradigma. “A doutrina da situação irregular, que ocupou o cenário infanto-juvenil por quase um século, era restrita. Limitava-se a tratar aqueles que se enquadravam no modelo pré-definido de situação irregular, estabelecido no artigo 2º do Código de Menores” (AMIN, 2010, p. 13).

Nesse antigo sistema, o chamado Juiz de Menores, restringia-se a decidir causas relativas ao binômio carência/delinquência. Todas as outras questões que envolvessem crianças ou adolescentes eram discutidas na Vara de Família e regidas pelo CC. Dito de outra forma, a doutrina da situação irregular era restrita, de forma quase absoluta, a um limitado grupo de crianças e adolescentes. Estava longe de ser uma doutrina garantista, vez que não enunciava direitos, mas apenas estabelecia quais diretrizes tomar em cada situação que lhes eram apresentadas. Agia-se apenas na consequência, e não na causa do problema. “Era um Direito de Menor, ou seja, que agia sobre ele, como objeto de proteção e não como sujeito de direitos” (AMIN, 2010, p. 13).

Assim, a doutrina da proteção integral rompeu com o padrão pré-estabelecido e trouxe os valores contidos na Convenção dos Direitos da Criança, concedendo a crianças e adolescentes os direitos fundamentais como absoluta prioridade. Passou-se, então, a ter um Direito da Criança e do Adolescente universal, amplo, abrangente e, principalmente, exigível. Ademais, com o panorama político-social dos anos 80 de resgate da democracia e busca por direitos humanos, acrescida da pressão dos organismos nacionais e internacionais de proteção a crianças e adolescentes, o legislador constituinte promulgou a Constituição Cidadã, em que as crianças e adolescentes são tratados com proteção integral e prioritária (AMIN, 2010).

Como foi dito anteriormente, o ECA é um microssistema que contém regras e princípios relevantes para a proteção de crianças e adolescentes. Três são os princípios gerais e orientadores do ECA: princípio do superior interesse ou do melhor interesse de crianças e adolescentes, princípio da proteção integral e da prevalência da família e princípio da prioridade absoluta, que serão estudados a seguir (BRASIL, 1990c).

3.1.1 Princípio do superior interesse ou do melhor interesse de crianças e adolescentes

O princípio do melhor interesse é considerado o princípio dos princípios, vez que sobre ele se assentam todos os direitos das crianças e adolescentes. Esse é um princípio de difícil conceituação, contudo, segue o disposto no art. 3 da Convenção dos Direitos da Criança (1990b, n. p.), onde o mesmo está consagrado:

Artigo 3:

1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.

De forma semelhante, o art. 100, parágrafo único, IV do ECA confirmou e reavivou o princípio do melhor interesse, ao estabelecer que “[...] a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” (BRASIl, 1990c, n. p.). O princípio do melhor interesse, portanto, trata-se de um norteamento que deve coordenar e orientar todas as atitudes voltadas para as crianças e adolescentes.

Outrossim, não se deve confundir o princípio do melhor interesse com o princípio da prioridade absoluta, ou até mesmo com os direitos fundamentais. Os direitos fundamentais formam o corpo normativo do qual os princípios se subdividem e se ramificam. A prioridade absoluta, do mesmo modo, tem origem constitucional (art. 227, caput, da CF), enquanto o princípio do melhor interesse está disciplinado em Tratados Internacionais, como ficou demonstrado acima.

O princípio do melhor interesse tem origem no parens patriae (do latim pai da nação), expressão que era utilizada na Inglaterra para designar a prerrogativa do Rei e da Coroa a fim de proteger aqueles que não podiam fazê-lo por conta própria. Como o próprio nome sugere, o princípio do melhor interesse busca garantir que todos os atos relacionados a crianças e adolescentes sejam realizados, considerando sempre o melhor interesse dos mesmos. O Estado, dessa forma, deve garantir proteção e cuidados adequados quando os pais ou responsáveis sejam omissos (FONSECA, 2012).

O princípio do melhor interesse tem caráter de norma fundamental, que se projeta além das normas jurídicas para as políticas públicas, servindo de orientação para uma sociedade mais igualitária e respeitosa de todos os direitos, principalmente daqueles relativos às crianças e adolescentes. Assim, o princípio do melhor interesse mostra-se como um princípio orientador tanto para o legislador quanto para o aplicador do Direito, estabelecendo as prioridades de crianças e adolescentes e conduzindo a interpretação de leis, deslinde de conflitos e até mesmo para a elaboração de futuras regras (FONSECA, 2012).

3.1.2 Princípio da proteção integral e da prevalência da família

A proteção integral constitui-se como expressão de um sistema em que crianças e adolescentes figuram como titulares de interesses prioritários e absolutos, resguardados pela família, sociedade e Estado. O princípio da proteção integral está expresso no art. 1º do ECA, em Brasil (1990c, n. p.): “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”; além de constar também na CF e em Tratados Internacionais que versam sobre a proteção de crianças e adolescentes.

O princípio sob análise garante uma proteção integral, prioritária e absoluta na interpretação e na aplicação de toda norma que esteja relacionada com crianças e adolescentes. Além disso, o princípio da prevalência da família, intimamente ligado ao princípio da proteção integral, defende as ações e promoções relativas à crianças e adolescentes, tendo em mira o cuidado e a atenção com o ambiente familiar.

Assim, determina o art. 100, parágrafo único, X, do ECA:

São também princípios que regem a aplicação das medidas:

X – prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta (BRASIL, 1990c, n. p.).

O princípio da proteção integral tem origem na Convenção sobre os Direitos da Criança e também na Declaração Universal dos Direitos da Criança. Assim, a proteção integral configura-se como a defesa prioritária de todos os direitos relativos a crianças e adolescentes, podendo afirmar, inclusive, que a noção de proteção integral está na efetivação de todos os direitos fundamentais que formam um arcabouço unitário e interdependente de proteção de crianças e adolescentes (FONSECA, 2012).

Com base no princípio da proteção integral, crianças e adolescentes são titulares de direitos fundamentais e a família, a sociedade e o Estado devem fornecer toda assistência necessária para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Esse princípio, portanto, traz como referência um conjunto de normas jurídicas de caráter nacional e internacional que representam um salto qualitativo e fundamental na proteção e consideração social da infância. Dessa maneira, a proteção integral de crianças e adolescentes mostra-se como um sistema em que tais pessoas tidas como vulneráveis sejam titulares de interesses prioritários e subordinantes à família, sociedade e Estado (FONSECA, 2012).

Vale frisar que, nos atos infracionais cometidos por adolescentes, o princípio da proteção integral tem como objetivo primordial diminuir as restrições de direitos que seriam próprias do sistema penal comum. Adolescentes, então, não seriam “acobertados” pelo Direito da Criança e do Adolescente, como é frequentemente exposto, mas sim, são protegidos de eventuais perdas pela imposição injusta de responsabilidades pela prática de infração à lei penal, em razão de sua condição de hipervulnerabilidade.

3.1.3 Princípio da prioridade absoluta

A CF, em seu art. 227, ao longo de parágrafos e incisos, assegura um rol de direitos a crianças e adolescentes com “absoluta prioridade”. Esse dispositivo legal consagra o princípio da prioridade absoluta de maneira expressa e garante direitos fundamentais a crianças e adolescentes de forma prioritária. Para regulamentar o tema, o ECA, nos art. 3º, 4º e 5º trata sobre o princípio da prioridade absoluta, elencando deveres para a família, a sociedade e o Estado. A prioridade absoluta, portanto, caracteriza-se como um direcionamento utilizado na efetivação de direitos e garantias fundamentais, tendo como finalidade primordial a primazia dos interesses de crianças e adolescentes.

O princípio da prioridade absoluta vincula a família, os administradores, a sociedade em geral, os governantes, os legisladores, os magistrados da Infância e Juventude, membros do Ministério Público, os Conselhos Tutelares, assim como todas as organizações e autoridades, tendo em vista os riscos constantes a que estão submetidos crianças e adolescentes. Esse princípio garante que crianças e adolescentes sejam atendidos prioritariamente em seus direitos, haja vista a necessidade de cuidados especiais que eles necessitam, em razão da fragilidade com que se relacionam no meio social e de ainda estarem em fase de aprendizado, ou seja, em desenvolvimento (FONSECA, 2012).

Crianças e adolescentes detêm, assim, prioridade absoluta no atendimento de suas necessidades. Vale mencionar que o art. 4º do ECA elenca um rol exemplificativo de obrigações, mas podem existir outras situações que exijam manifestações de absoluta prioridade dos infantes. “Como a prioridade é absoluta, não se pode deixar de acioná-la, sob o fundamento de não estar prevista no rol do art. 4º do Estatuto” (FONSECA, 2012, p. 20).

O art. 4º do ECA ampara e reflete da melhor maneira o disposto no art. 227 da CF. Esse dispositivo legal reproduz e aprofunda o princípio da prioridade absoluta ao enumerar situações em que crianças e adolescentes devem ser atendidos com prioridade. Nesse sentido, segue o disposto no art. 4º do ECA:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1990c, n. p.).

A alínea “a” do parágrafo único representa bem o teor do dispositivo. Crianças e adolescentes têm prioridade na hora de receber proteção e socorro em qualquer circunstância. Assim, a título de exemplo, se um navio estiver afundando, primeiramente devem ser salvos crianças e adolescentes, e só depois os demais passageiros. Isto é, crianças e adolescentes devem ser atendidos com precedência em qualquer situação de perigo ou que envolva risco de vida (FONSECA, 2012).

As políticas sociais públicas e todos os demais órgãos públicos devem priorizar crianças e adolescentes, destinando recursos públicos de maneira privilegiada e também concedendo todo o apoio e promoção social. Essas exigências previstas tanto no ECA como na CF, destinam-se ao administrador público e ao legislador federal, estadual ou municipal (FONSECA, 2012).

Todas essas regras e princípios são direcionados com o único objetivo de proteger essas pessoas que são tidas como hipervulneráveis. O próprio ECA tem como base quatro orientações imprescindíveis: a garantia de direitos fundamentais, o princípio do melhor interesse, da proteção integral e da prioridade absoluta. Essas orientações são ligadas entre si e visam amparar e proteger a criança e o adolescente. Todas essas diretrizes devem ser levadas em consideração quando o assunto é o público infanto-juvenil, e a publicidade também deve seguir alguns parâmetros quando for direcionada para tal público, tema que será abordado a seguir.

3.2 Publicidade direcionada ao público infantil 

A doutrina consumerista aponta a criança como hipervulnerável, isto é, detentora de uma vulnerabilidade agravada em razão da mesma não possuir a capacidade suficiente para diferenciar o que é certo e o que é errado. De acordo com o art. 227 da CF, analisado anteriormente, há uma prioridade na proteção dos interesses das crianças e adolescentes, distribuindo entre a família, a sociedade e o Estado a responsabilidade de resguardar os direitos previstos neste artigo. Do mesmo modo, o art. 3º do ECA considera a proteção das crianças e adolescentes como absoluta prioridade, assegurando-lhes todas as oportunidades e facilidades.

Em razão dessa hipervulnerabilidade, vista como uma condição fática, social e objetiva, é que faz com que o direito do consumidor seja visto também como direito fundamental. A criança, de modo especial, é mais suscetível aos apelos da publicidade. Se até mesmo para os adultos é complicado resistir aos apelos e anúncios publicitários, para a criança, com certeza, essa situação se agrava.

As crianças são muito mais atingidas pela publicidade, tendo em vista que elas são persuadidas com maior facilidade e também por não possuírem controle suficiente sobre vários aspectos do jogo de marketing. O próprio CDC, atento a essa questão, determina como publicidade abusiva aquela que “[...] se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança”, como prevê o art. 37, § 2º do CDC, estudado anteriormente (GOULART; BRUCH, 2015).

O art. 39, IV do CDC, de maneira semelhante, reconhece como prática abusiva “[...] prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhes seus produtos ou serviços” (BRASIL, 1990a, n. p.). Além disso, a publicidade é considerada abusiva quando é antiética, ou quando fere a vulnerabilidade do consumidor, valores sociais básicos, ou quando fere a própria sociedade como um todo.

A publicidade infantil, portanto, deve zelar pelo respeito à condição da criança, levando em consideração seu déficit de compreensão e sua susceptibilidade frente aos anúncios publicitários veiculados, vez que é peculiar às crianças a fraqueza cognitiva. Desse modo, o CDC estabelece como crime, em seu art. 68, o ato de “[...] fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança” (GOULART; BRUCH, 2015, p. 04).

É certo que a publicidade não envolve informações absolutamente neutras, e o anunciante sempre demonstra os benefícios e pontos fortes do produto ou serviço, o que se caracteriza como liberdade publicitária. No entanto, essa liberdade tem um limite, principalmente nos casos em que os anúncios publicitários são direcionados para crianças. Assim, a publicidade pode, de forma lúdica, ratificar aspectos positivos do produto ou serviço, contudo, ela deve ser lícita e verdadeira, não podendo ser enganosa nem abusiva. Determinados produtos, como cigarros e bebidas, por exemplo, possuem outros limites publicitários específicos e, entre outros motivos, isso se deve ao fato de que essa publicidade pode ser percebida pelo público infantil. Logo, pode-se concluir que a liberdade publicitária não é absoluta, sobretudo, em se tratando de crianças consumidoras, o que será analisado mais detidamente no próximo tópico (GOULART; BRUCH, 2015).

O CONAR surgiu em decorrência de uma ameaça sofrida no final dos anos 70, momento em que o governo federal tentou sancionar uma lei criando uma espécie de censura à propaganda. Diante dessa ameaça, nasceu a ideia da autorregulamentação, sintetizada num Código, que tem como objetivo primordial zelar pela liberdade de expressão comercial e defender os direitos das partes envolvidas no mercado publicitário. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) teve grande êxito, e em poucos meses, anunciantes, agências e veículos subordinaram seus interesses comerciais e criativos ao Código, apresentado a todos no III Congresso Brasileiro de Propaganda, no ano de 1978. Depois disso, todos os agentes envolvidos na criação e disseminação de propagandas e publicidade nunca mais abandonaram o Código que regulamenta a matéria (CONAR, 2017).

O CONAR tem como orientação fundamental os seguintes preceitos éticos relativos à publicidade: anúncios verdadeiros e honestos, sempre de acordo com as leis do país; a publicidade deve ser produzida com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais; os anúncios devem sempre respeitar o princípio da leal concorrência; e, além disso, os anunciantes devem respeitar a atividade publicitária, sendo proibida qualquer atitude que desmereça a confiança do público em geral nos serviços que a publicidade realiza (CONAR, 2017).

Vale mencionar que o CONAR é um órgão privado, não-governamental. O CBAP, portanto, não é uma legislação em sentido estrito, mas apenas um código de conduta eminentemente privado, que não substitui a lei. Existem, inclusive, alguns questionamentos quanto à legitimidade do CONAR para tratar sobre a regulamentação da publicidade dirigida ao público em geral, mas, principalmente, ao público infantil, haja vista ser essencial a participação dos cidadãos e do Estado. Em razão disso, surgiram movimentos sociais que lutam pela regulamentação por parte do Estado, que reivindicam a necessidade de políticas públicas direcionadas para a publicidade e comunicação (MONTEIRO, 2012).

Não obstante os questionamentos acima elencados quanto à legitimidade da autorregulamentação realizada pelo CONAR, é importante ressaltar que a seção 11 do CBAP trata, especificamente, sobre a publicidade dirigida a crianças e adolescentes. O art. 37, do referido Código, estabelece que os pais, educadores, autoridades e comunidade em geral devem encontrar na publicidade razões para incentivar o desenvolvimento de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, esse dispositivo determina que nenhum anúncio publicitário conterá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. Ao longo de várias alíneas, o art. 37 elenca as principais orientações no que se refere à publicidade infantil:

1. Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação à segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de:

a.-desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente;

b.-provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto;

c.-associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis;

d.-impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade;

e.-provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo;

f.-empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto;

g.-utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia;

h. apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares;

i.-utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo (CBAP, 1980)

É muito comum ocorrerem essas publicidades abusivas envolvendo o público infantil. O CDC preocupou-se com o tema e proibiu anúncios que causem sentimento de inferioridade ou que estimulem a criança ou o adolescente a constranger pais ou responsáveis a comprar determinado produto ou serviço. A título de exemplo, vale mencionar a famosa publicidade de uma marca de tênis, que posteriormente foi tirada do ar, em que uma criança incentivava outras crianças a destruírem o tênis velho para comprar outro novo, da mesma marca. Essa era, claramente, uma publicidade abusiva direcionada a crianças, pois despertava o consumismo com base em sentimentos de destruição, rebeldia, desobediência etc. Logo, o que se busca com a restrição desse tipo de publicidade é evitar o abuso frente à ingenuidade e inexperiência de crianças e adolescentes (GARCIA, 2010).

A criança merece todo esse cuidado especial em razão de ser um sujeito em transformação, inserida nas mudanças e construções do mundo à sua volta que se seguem até a idade adulta. Crianças e adolescentes exercem forte influência no ambiente em que estão inseridas e os fornecedores de produtos e serviços, assim como os anunciantes se valem dessas informações, preferências e vontades para atrair a atenção dessas pessoas mais vulneráveis.

Os anúncios publicitários veem nas crianças e adolescentes o alvo promissor para atingir pais e responsáveis, fazendo com que os produtos e serviços direcionados para a infância seja um mercado no qual vale a pena investir. “Voltada para o consumo, a consideração é de que a criança possui uma posição ativa e participativa, pelo menos na capacidade de influenciar a decisão de compra da família” (FANTIN; MIRANDA; MULLER, 2015, p. 11).

Diante do exposto, podem-se distinguir três tópicos principais que são expostos no debate de instituições, organismos e pesquisas que tratam da publicidade infantil: a regulamentação, a proibição e a autorregulamentação. Todo esse processo de comercialização da infância deve ser analisado e regulamentado da melhor forma possível, sempre levando em consideração os princípios analisados no tópico anterior, isto é, melhor interesse da criança e adolescente, prioridade absoluta como cláusula primordial, proteção integral e prevalência da família. Tudo isso justifica a necessidade de proteger o público infanto-juvenil mediante políticas de regulamentação por parte do Estado, como ocorre com a Resolução nº 163/2014 do CONANDA (FANTIN; MIRANDA; MULLER, 2015).

A Resolução nº 163 do CONANDA versa sobre a abusividade da publicidade direcionada para o público infantil e também sobre toda forma de comunicação mercadológica destinada a crianças e adolescentes. Assumindo ampla restrição na veiculação de qualquer tipo de publicidade e propaganda voltada ao público infantil, essa Resolução merece a devida análise, o que será feito em seguida.

3.3 Resolução nº 163/2014 do CONANDA

O CONANDA está previsto no art. 88 do ECA. Esse dispositivo legal estabelece as diretrizes que deverão ser tomadas no atendimento dos direitos de crianças e adolescentes. Nesse sentido, o CONANDA se traduz como um órgão deliberativo e controlador, tendo a participação popular paritária, como determina expressamente o inciso II do art. 88 do Estatuto. O CONANDA integra, inclusive, a estrutura básica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Como dito anteriormente, a CF de 1988 e a promulgação do ECA transformaram o entendimento acerca da infância e dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. O Brasil é um dos poucos países que adotou legalmente a constituição de conselhos paritários e deliberativos na área de políticas para o público infantil, e também na estruturação de conselhos tutelares nos municípios (CONANDA, 2017).

O CONANDA tem como pauta primordial, dentre outras atribuições: combater a violência e a exploração sexual praticada contra crianças e adolescentes, erradicar o trabalho infantil e proteger o trabalhador adolescente, defender direitos de crianças e adolescentes indígenas, quilombolas ou com deficiência, criar parâmetros de funcionamento para o sistema de garantias de direitos e acompanhar os projetos de lei, em tramitação no Congresso Nacional, relativos aos direitos de crianças e adolescentes. A composição do CONANDA é feita da seguinte maneira: 28 conselheiros titulares e 28 suplentes, sendo 14 representantes do Poder Executivo e 14 representantes de entidades não-governamentais, desde que possuam atuação em âmbito nacional no que concerne à promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes (CONANDA, 2017).

Uma das normas editadas pelo CONANDA foi a Resolução nº 163, de 13 de março de 2014, dispondo sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Juntamente com as normas contidas na Constituição da República, no ECA e no CDC, a Resolução nº 163/2014 veio para integrar o ordenamento jurídico brasileiro na defesa e proteção de direitos de crianças e adolescentes.

Com apenas quatro artigos, a Resolução nº 163/2014 estabelece diretrizes claras sobre a publicidade direcionada ao público infantil. Dentre os preceitos dessa Resolução, merece destaque o art. 2º, que elenca os casos de abusividade na comunicação mercadológica em geral. Eis o teor do art. 2º, da Resolução 163/2014:

Art. 2º Considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, dos seguintes aspectos:

I - linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II - trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III - representação de criança;

IV - pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V - personagens ou apresentadores infantis;

VI - desenho animado ou de animação;

VII - bonecos ou similares;

VIII - promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e

IX - promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil (CONANDA, 2014, n. p.).

Em oposição à Resolução nº 163 do CONANDA, a APP elaborou um manifesto, em que afirma que o controle da propaganda abusiva para crianças e adolescentes é amparado por leis e pelo CBAP e aplicado pelo CONAR. A APP afirmou, ainda, que diante da manifesta ameaça à liberdade de expressão representada pela Resolução, o conjunto dos profissionais de propaganda não reconhece a competência do CONANDA para legislar sobre o assunto, vez que somente o Congresso Nacional tem poder para legislar sobre a atividade publicitária. Ademais, a APP concluiu seu manifesto afirmando que iria continuar zelosa na responsabilidade de disseminar informações de qualidade e de maneira ética, sempre combatendo qualquer tentativa de ceifar a liberdade de expressão que foi conquistada a duras penas

De modo contrário a esse posicionamento, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo, do Ministério Público Federal, emitiu a Nota Técnica nº 02/2014, que explica o porquê de o CONANDA ter competência para editar e promulgar a Resolução nº 163/2014, tratando sobre a publicidade abusiva direcionada a crianças e adolescentes. De acordo com a Nota Técnica nº 02/2014, inexiste no Brasil uma legislação específica ou ato normativo que contenha parâmetros claros sobre a publicidade direcionada para o público infantil. Os parâmetros que existem, referem-se ao CBAP, órgão que está ligado a uma Organização Não-Governamental e que, por isso, não possui força normativa, vez que não é fruto do poder legiferante do Poder Legislativo, nem tampouco se trata de poder regulamentar do Executivo.

Assim, torna-se imprescindível a regulamentação por parte do poder público, com a finalidade de estabelecer parâmetros na identificação da publicidade abusiva que tenham crianças ou adolescentes como público-alvo, o que foi realizado pela Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Assim, faz-se necessário analisar o princípio da livre iniciativa e da liberdade de expressão frente à Resolução nº 163/2014 do CONANDA, como será feito adiante.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Hélio Costa. A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:: entre a defesa do consumidor e os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5252, 17 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58839. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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