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A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:

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Agenda 17/11/2017 às 14:00

4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DA LIVRE INICIATIVA FRENTE À RESOLUÇÃO Nº 163/2014 DO CONANDA

Como visto anteriormente, em março de 2014, o CONANDA aprovou a Resolução nº 163. Essa Resolução dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente.

A Resolução nº 163/2014 do CONANDA considerou abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço. Contudo, em oposição a esse entendimento, a APP elaborou um manifesto, em que afirma que o controle da propaganda para crianças e adolescentes é amparado por leis e pelo CBAP e aplicado pelo CONAR.

A APP considerou a Resolução inconstitucional, vez que afronta os princípios constitucionais da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Passa-se, então, a analisar os referidos princípios tendo como base o critério da proporcionalidade tendo em vista que há colisão de direitos fundamentais.

4.1 Liberdade de expressão

A liberdade de expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens. A CF trata sobre a liberdade de expressão nos artigos que seguem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

[...]

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição (BRASIL, 1988, n. p.).

A liberdade de expressão possui faculdades diversas, desde a comunicação de pensamentos e ideias até expressões não verbais, como é o caso de determinado comportamento ou informação por imagem. Esse direito fundamental é enaltecido como instrumento para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, tendo em vista que o pluralismo de opiniões é imprescindível para a formação de vontade livre (BRANCO; MENDES, 2014).

O ser humano é um ser comunicativo por essência, que tem necessidade de se comunicar constantemente com seus semelhantes, mostrando-se a liberdade de se comunicar como condição social para a própria saúde psicossocial da pessoa. Assim, a liberdade para se comunicar tem relação direta com a sociabilidade, característica essencial ao ser humano (BRANCO; MENDES, 2014).

A liberdade de expressão abrange toda mensagem, tudo que se pode comunicar, ou seja, juízos, propagandas, ideias, notícias etc. No entanto, a liberdade de expressão não abrange a violência. Isso se deve ao fato de que toda informação difundida tende a exercer influência sobre várias pessoas. Ademais, a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, busca resguardar os cidadãos da censura estatal (BRANCO; MENDES, 2014):

Censura é o expediente contrário ao regime das liberdades públicas. Reveste-se numa ordem, num comando, proveniente do detentor do poder, o qual deseja impedir a circulação de ideias e ideais que se entrechocam com dogmas imutáveis (BULOS, 2011, p. 562).

Em outras palavras, compreende-se censura como a ação governamental de ordem prévia centrada sobre o conteúdo de determinada mensagem. Não cabe ao Estado decidir quais opiniões merecem ser expressas. O Estado não pode determinar quais opiniões são válidas e aceitáveis, pois isso deve ser realizado pelo público a que essas informações são dirigidas. Esse, portanto, é um direito marcadamente defensivo, em que o Estado se abstém de interferir na liberdade do indivíduo (BRANCO; MENDES, 2014).

Desse modo, a liberdade de expressão proíbe a censura, ou seja, o Estado não pode impedir que ideias e pensamentos sejam divulgados, e também não pode fazer um controle anterior de informações que serão repassadas para o público. Contudo, a proibição da censura não impede o indivíduo de ser responsabilizado cível e penalmente pelas ideias que expressou (BRANCO; MENDES, 2014).

A liberdade de expressão, assim como outros princípios, não é um direito absoluto. Exemplo disso são as restrições impostas a emissoras de rádio e televisão, que devem, segundo o texto constitucional, preferir as programações com finalidades educativas, artísticas, culturais; que promovam a cultura nacional e regional; e também a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, levando sempre em consideração o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (FERNANDES, 2014).

Nesse sentido, vale mencionar o disposto no § 3º do art. 220 da CF que trata sobre a manifestação do pensamento, da informação e da expressão, mas determina certas restrições, como segue:

§ 3º Compete à Lei Federal:

I - Regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente (BRASIL, 1988, n. p.).

Além disso, a liberdade de expressão sofre restrição na medida em que somente mensagens verdadeiras são abrangidas por esse princípio constitucional. A mensagem falsa, portanto, não pode ser protegida, tendo em vista que a mesma produziria uma falsa percepção na formação de opinião de várias pessoas, devendo atentar-se para a função social da liberdade de informação. Outrossim, a coletividade tem interesse em notícias verdadeiras (FERNANDES, 2014).

Por último, em uma leitura mais analítica, os constitucionalistas brasileiros assinalam que, sendo a liberdade de expressão um direito oponível em regra ao Estado, não ensejaria (em regra) uma pretensão a se exercer contra terceiros (particulares). Nesses termos, especificamente, para que a eficácia horizontal desse direito fundamental se desse, seria necessária uma aplicação em cada caso (concreto) ponderada (técnica da ponderação), balanceando os interesses envolvidos em contextos concretos (FERNANDES, 2014, p. 377).

Por ser um direito de abstenção do Estado, a liberdade de expressão será exercida, modo geral, contra o Poder Público. Não é comum, portanto, a liberdade de expressão ser exercida em face de terceiros. No entanto, em situações especiais, esse direito já foi invocado em contextos privados, como é o caso do direito de réplica em jornais (BRANCO; MENDES, 2014).

Existem vários modos de expressão: desde um quadro pintado por um artista, ou até mesmo uma música ou uma fotografia. Ademais, o comportamento em si pode ser considerado uma forma de manifestação de ideias ou pensamentos, ou seja, uma forma de comunicação. Nessas hipóteses o princípio da liberdade de expressão também pode ser invocado? O STF, por exemplo, entendeu que a realização de manifestações públicas que defendem a legalização de droga ilícita (maconha), é uma forma de liberdade de expressão por meio do direito de reunião e que, por isso, não podem ser impedidas, nem confundida com o crime de apologia do uso indevido de drogas (BRANCO; MENDES, 2014).

Em decisão prolatada em junho de 2011, por entender que o exercício do direito fundamental de reunião e da liberdade de expressão devem ser concedidos a todas as pessoas, o STF julgou procedente pedido formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 187 para dar interpretação conforme a Constituição, ao art. 287 do Código Penal. Assim, excluiu-se qualquer interpretação que pudesse ensejar a criminalização da defesa da legalização da maconha, inclusive em manifestações e eventos públicos (FERNANDES, 2014).

Ratificando o que foi exposto acima, a liberdade de expressão sofre restrições previstas pelo constituinte e, também, pela colisão desse direito com outros do mesmo status. O art. 220 da Constituição determina que a liberdade de expressão não sofrerá restrição, contudo, o constituinte preceitua que isso ocorrerá levando-se em consideração o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Assim, a liberdade de expressão sofre alguns limites, dentre eles: a proibição do anonimato, direito de resposta e indenização por danos morais e patrimoniais e à imagem, para preservar a intimidade, a vida privada, a honra e também que assegure a todos o direito à informação (BRANCO; MENDES, 2014).

Com relação às crianças e adolescentes, o princípio da liberdade de expressão também sofre algumas limitações. Depreende-se que qualquer valor expresso na Constituição pode entrar em conflito com a liberdade de expressão, e isso deve ser resolvido pelo sopesamento entre esses princípios, atendendo ao critério da proporcionalidade. Tratando-se de crianças e adolescentes, a Carta Magna determina que eles devem ser tratados com absoluta prioridade ao dever do Estado, da família e da sociedade, assegurando aos jovens os direitos à vida, educação de qualidade, dignidade, liberdade, etc. (BRANCO; MENDES, 2014).

Desse modo, deve-se realizar um balanço dos interesses da liberdade de expressão com o valor da dignidade de crianças e adolescentes, tendo em vista que o dever de protegê-los merece uma necessária inclinação por este último. Ora, o próprio constituinte expressou que crianças e adolescentes devem receber absoluta prioridade. A liberdade de expressão, neste caso, poderá sofrer certas restrições quando os interesses de crianças e adolescentes estiverem em risco. Portanto, a liberdade de expressão, num contexto que estimule o consumismo e a exploração comercial por meio da publicidade abusiva, deve ser contida, cedendo lugar para o valor prioritário da proteção da infância e da adolescência (BRANCO; MENDES, 2014).

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Busca-se, assim, coibir os abusos cometidos com fundamento em princípios constitucionais. Isto é, não existem direito absolutos. A censura deve ser combatida, mas o princípio da liberdade de expressão também não pode se sobrepor a outros princípios expressos na Constituição. Assim, como o direito à liberdade de expressão não pode ser anulado, os demais princípios também não podem. No caso em análise, faz-se necessário ponderar e encontrar um meio termo acerca dos limites à liberdade de expressão e da livre iniciativa frente aos princípios do melhor interesse e da proteção integral de crianças e adolescentes, o que será feito adiante.

4.2 Livre iniciativa

O princípio da Livre Iniciativa está expresso na Constituição da República tanto no art. 1º, IV, quanto no art. 170, caput, conforme segue:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...] (BRASIL, 1988, n. p.).

O termo “livre iniciativa” é bastante amplo, mas depreende-se que esse princípio é um desdobramento do direito fundamental à liberdade. Não obstante sua acepção ampla, o princípio da livre iniciativa se esgota na liberdade econômica ou de iniciativa econômica (GRAU, 2007).

Essa face do princípio da livre iniciativa, que se expõe como liberdade econômica, tem como titular a empresa. Esse princípio surgiu no decreto d’Allarde, em março de 1791, cujo art. 7º determinava que, a partir de abril daquele ano, qualquer pessoa seria livre para realizar qualquer negócio ou exercer qualquer profissão. Contudo, essa pessoa era obrigada a se munir de uma “patente” (imposto), isto é, pagar taxas exigíveis e se sujeitar a regulamentos aplicáveis a cada caso (GRAU, 2007).

A livre iniciativa é uma expressão da ideia geral de liberdade, e faz parceria com outros princípios constitucionais relevantes, como o da legalidade e o da autonomia da vontade. Nesse sentido, ela transcende uma dimensão puramente econômica, significando que a regra geral, em todos os domínios, é que as pessoas sejam livres para suas escolhas existenciais, profissionais, filantrópicas, de lazer etc. O Estado não pode determinar onde um indivíduo vai morar, qual profissão vai seguir, o que vai fazer com o seu dinheiro ou a quem vai ajudar ou deixar de ajudar (BARROSO, 2014).

Ratificando o pensamento explicitado acima, a liberdade de iniciativa econômica é uma forma de garantir a legalidade, haja vista que a livre iniciativa é uma faceta da liberdade pública na medida em que expressa a não sujeição às restrições estatais, senão em virtude de lei. O que isso significa, em outras palavras, é que a sujeição ao princípio da livre iniciativa é a obediência ao princípio da legalidade em termos absolutos – e não, meramente, à legalidade em termos relativos. O Estado, portanto, utiliza o princípio da livre iniciativa para impor ao detentor da atividade econômica, uma autorização para exercer suas atividades (GRAU, 2007).

Assim, além de ser um princípio fundamental do Estado brasileiro, a livre iniciativa é também um princípio da ordem econômica. Conclui-se, desse modo, que a escolha de colocá-lo no patamar de fundamento da República constitui uma opção por um regime de economia de mercado, tendo como base a lei da oferta e da procura, diferentemente de uma economia planificada, em que os agentes econômicos são guiados pelas escolhas do governo (BARROSO, 2014).

Ademais, extraem-se outros subprincípios relativos à livre iniciativa: a propriedade privada, típica de regime capitalista, onde há apropriação de bens e meios de produção; a liberdade de empresa e de trabalho, caracterizado pela liberdade de exercício de qualquer atividade econômica, e também pela escolha de qualquer trabalho ou profissão; a liberdade de contratar, pois no setor privado prevalece a autonomia da vontade do contratante no que se refere à contratação; e a liberdade de concorrência, que, como regra, estabelece que a empresa tem liberdade para fixar preços e lucros (BARROSO, 2014).

Outra faceta importante do princípio da livre iniciativa é a sua ligação com a valorização do trabalho, ou seja, do trabalho livre, natural de uma sociedade livre e pluralista. Ao mencionar a livre iniciativa em seu art. 1º, IV, a Carta Magna enuncia, como fundamento da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho e da livre iniciativa, e não suas virtualidades individuais. No art. 170, da mesma maneira, a Constituição dispõe sobre a livre iniciativa juntamente com o respeito ao trabalho humano, demonstrando a importância da valorização do trabalho (GRAU, 2007).

O sistema capitalista traz consigo dois importantes princípios que muitas vezes são tomados, erroneamente, como sinônimos. De um lado, o princípio da livre iniciativa, analisado acima como ações dos agentes econômicos em face da interferência estatal. De outro lado, o princípio da liberdade de concorrência.

A liberdade de empreender é garantida ao detentor da atividade econômica como uma forma de resguardá-lo das interferências estatais. Contudo, essa proteção liberal aos direitos individuais não é absoluta. A sociedade capitalista liberal, portanto, determina espaços de liberdade dentro dos quais a liberdade individual não pode ser tolhida, a não ser que haja algum abuso de direito – limite da liberdade concedida aos cidadãos e empreendedores. Assim, a tutela da liberdade encontra limites apenas nos abusos que ela eventualmente propicie (AGUILLAR, 2009).

Desse modo, quando há abuso de direito com relação à livre iniciativa econômica é que surge o princípio da livre concorrência. Assim, verifica-se que o princípio da livre concorrência é um contraponto do princípio da livre iniciativa e não seu sinônimo. O agente econômico tem liberdade para empreender da forma que entender conveniente, porém, essa liberdade não pode prejudicar a liberdade de concorrência de outros agentes econômicos (AGUILLAR, 2009).

Em síntese, o princípio da liberdade de iniciativa é um direito do agente econômico em face do Estado, demandando uma abstenção deste, enquanto o princípio da livre concorrência é um direito do agente econômico em face de outro agente econômico, demandando não mais a omissão, mas a efetiva interferência estatal na economia (AGUILLAR, 2009, p. 258).

Logo, a livre concorrência não se reveste dos atributos de liberdades concedidos pelo Estado, mas sim como uma forma de prerrogativa para exigir que o Estado atue reprimindo o abuso de direito com relação à livre iniciativa. Em outras palavras, o princípio da livre iniciativa é o direito do empresário em face do Estado, exigindo uma abstenção do Estado e atribuindo liberdade ao particular. O princípio da livre concorrência, por sua vez, é o direito do empresário em face de outro empresário, na medida em que exige do Estado uma atuação que cerceia a liberdade do particular. Como ressaltou Aguillar (2009, p. 258), “[...] para que haja liberdade é necessário restringir a liberdade”.

Por fim, passa-se a analisar os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente às regulamentações trazidas pela Resolução nº 163 do CONANDA e suas implicações na vida de crianças e adolescentes.

4.3 A aplicação dos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente à Resolução 163/2014 do CONANDA

No Brasil, o controle da publicidade é realizado de maneira autorregulamentar, por meio de uma Resolução, e não com uma lei em sentido estrito. O CONANDA, responsável por editar a Resolução nº 163, é um órgão vinculado à Secretaria de Direito Humanos, mas questiona-se: o controle da publicidade, principalmente a publicidade direcionada ao público infantil, pode ser realizada por uma Resolução e não por uma lei em sentido estrito?

Não se trata de proibir a publicidade a qualquer custo. O que deve ser analisado com muita atenção é a maneira que a publicidade é exposta ao público, principalmente o público infantil. Dessa forma, busca-se um controle (diferente de censura) com o objetivo de evitar que as mensagens publicitárias influenciem negativamente na escolha dos consumidores e, assim, tornem essa publicidade lesiva dos valores fundamentais e garantias inerentes a todos os consumidores (ROCHA, 2012).

Logo, percebe-se que a atividade publicitária é tão importante para toda a sociedade que não deve ficar, legitimamente, livre do controle jurídico. Seja por meio de um regramento de iniciativa própria (autorregulamentação), seja por um controle exercido pelo poder estatal, há uma necessidade primordial em estabelecer diretrizes e regras claras sobre a atividade publicitária, haja vista seu impacto sobre o meio social e econômico (ROCHA, 2012).

Até pouco tempo atrás, havia uma tendência de não submeter a publicidade a nenhuma disciplina ou regulamentação. Para defender tal posição, utilizava-se a livre concorrência, no sentido de que os consumidores seriam resguardados por esse princípio sem a necessidade de uma intervenção de um controle mais concreto e organizado. Ou seja, as forças do mercado, por elas mesmas, desempenhariam esse papel de controlar a publicidade. Essa é uma posição defendida pelo modelo liberal, em que o não intervencionismo estatal é a regra e existe a confiança na capacidade do mercado se regular sozinho. Essa corrente defende, portanto, a cultura do laissez-faire, que não se preocupa com mecanismos de controle estatal relacionado à economia (ROCHA, 2012).

Assim, o apego ao ideário liberal foi responsável pela rejeição do controle mais incisivo da publicidade. Para tanto, defendia-se que cada consumidor tinha a liberdade de escolher conforme suas necessidades, sendo desnecessário qualquer tipo de intervenção na comunicação fornecedor-consumidor, motivo pelo qual as mensagens publicitárias permaneceram por algum tempo sem disciplina. Esse posicionamento liberal não foi inteiramente superado, principalmente no meio publicitário e jornalístico, em que muito se defende a livre escolha de consumidores, rejeitando-se veementemente a ação estatal no que concerne aos limites impostos à publicidade (ROCHA, 2012).

Destarte, o controle da publicidade indica a necessidade de fiscalização das mensagens publicitárias veiculadas, vez que essa verificação tem como intuito favorecer a concorrência entre os agentes econômicos, garantir que as informações sejam repassadas da forma mais correta e adequada para os consumidores, evitar abusos no poder de persuasão exercido pelos fornecedores de produtos e serviços e, por fim, limitar o potencial de modificação nos padrões culturais (ROCHA, 2012).

Dessa maneira, a regulamentação publicitária surgiu no Brasil na forma autorregulamentar, no momento em que o setor publicitário sofria ameaças. Em 1970, época em que a ditadura militar estava instalada no Brasil, a intenção do governo era implantar uma autarquia com o objetivo de exercer controle prévio da publicidade, assumindo contornos de censura. Essa iniciativa demonstrava, além do autoritarismo típico de governos ditatoriais, uma preocupação mundial em controlar o potencial persuasivo das mensagens publicitárias veiculadas para consumidores (ROCHA, 2012).

Assim, antes do Poder Legislativo regulamentar o tema, alguns representantes de agências publicitárias e veículos de comunicação se reuniram para elaborar o CBAP, tendo como função precípua zelar pela liberdade de expressão comercial e defender os interesses de todos os envolvidos no mercado publicitário, ou seja, anunciantes, fornecedores e consumidores. Logo após, em maio de 1980 foi fundado o CONAR, organização responsável por aplicar sanções nos casos de descumprimento dos preceitos estabelecidos no CBAP (ROCHA, 2012).

Dessa forma, o CONAR analisava a conduta dos anunciantes e suas mensagens publicitárias, estabelecendo sanções e realizando todo o controle da publicidade, tendo como base as regras do CBAP. No entanto, por ser o único órgão a realizar esse controle e por não estar vinculado ao Estado, o CONAR tornou-se o guardião absoluto da veracidade e licitude das mensagens publicitárias, chegando ao ponto de confundir seu papel, extrapolando limites do que podia desempenhar (ROCHA, 2012).

O autocontrole exercido pelo CONAR se mostrou insuficiente em face da própria natureza jurídica do conselho, de sociedade civil integrada majoritariamente por publicitários, por adesão espontânea, e cuja competência estatutária não vai além da imposição de penas de eficácia simbólica, como a advertência, a recomendação etc. Por mais que se entenda haver um forte peso moral em uma reprimenda imposta pelo CONAR (sobretudo ao se considerar a possibilidade hoje existente de consulta à integra das decisões do Conselho no sítio deste na internet), o fato é que a inexistência de um poder coercitivo reduz substancialmente a eficácia do controle exercido (ROCHA, 2012, p. 205)

Ademais, a autorregulamentação publicitária exercida no Brasil possui algumas deficiências, dentre as quais, a diminuta participação dos consumidores nesse controle realizado pelo CONAR. É certo que tal órgão possui representantes da sociedade civil, mas tradicionalmente o CONAR detém participação majoritária de representantes do setor publicitário e dos veículos de comunicação. Mas esse é um problema recorrente nos países que adotaram a autorregulamentação publicitária. A autorregulamentação publicitária só é satisfatória quando há o monitoramento pelo governo ou por grupos de interesse público bem financiados, para que haja uma efetiva proteção dos direitos dos consumidores (ROCHA, 2012).

No panorama atual, portanto, a regulamentação da publicidade é realizada, via de regra, pelo CONAR, mas existem os casos em que a CF determina expressamente os limites impostos a essas mensagens publicitárias. Esse controle exercido por um órgão não governamental gera alguns problemas, dentre eles: a publicidade que afeta toda a sociedade se manifesta como um assunto público, e como tal não pode ser regulado pelo setor privado; ademais, o órgão que realiza o controle da publicidade é o maior interessado no crescimento do consumo, gerando ilegitimidade para exercer suas funções (CASTILHOS, 2007).

Além disso, ratificando o que foi explicitado anteriormente, o CONAR não possui poder coativo e se esse órgão detivesse esse poder coativo seria limitado por se tratar de um ente privado. Outrossim, por diversas vezes as sanções impostas pelo CONAR foram questionadas em razão da sua desproporcionalidade frente aos danos causados à sociedade, principalmente nos casos envolvendo crianças e adolescentes (CASTILHOS, 2007).

A CF trata sobre a proteção de crianças e adolescentes em seu art. 227, afirmando que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com prioridade absoluta a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Da mesma maneira, o CDC (Lei nº 8.078, de setembro de 1990) e o ECA (Lei nº 8.069, de julho de 1990) tratam especificamente sobre a publicidade direcionada ao público infanto-juvenil.

O CDC, em seu art. 37, § 2º, considera “[...] abusiva a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança” (BRASIL, 1990a, n. p.). O ECA também trata do tema, afirmando em seu art. 76, que “[...] as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” (BRASIL, 1990c, n. p.). Ou seja, a proteção a crianças e adolescentes está disciplinada em, pelo menos, três dispositivos legais e nenhum deles é tão restritivo quanto a Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Em razão disso, questiona-se sua aplicabilidade e legitimidade, por restringir tanto a ação da publicidade direcionada a crianças e adolescentes. 

É certo que crianças e adolescentes merecem proteção especial em razão da sua vulnerabilidade. A CF, o CDC e o ECA, como acima mencionado, concedem tratamento especial a esses sujeitos hipervulneráveis na relação de consumo. Por isso, a publicidade dirigida ao público infanto-juvenil deve ser controlada e analisada com bastante cuidado, mas isso não significa que essa limitação deva levar o princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa a praticamente zero, como faz a Resolução nº 163 do CONANDA (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Ocorre, dessa maneira, uma colisão entre direitos fundamentais: de um lado o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, e da doutrina da proteção integral versus o princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Essa colisão entre direitos fundamentais é solucionada pelo princípio da proporcionalidade, que tem como essência o sopesamento entre valores reconhecidos pela Constituição da República. Busca-se, assim, um equilíbrio entre duas forças expressas nas normas constitucionais. Em razão disso, as medidas que impõem limites a determinado direito fundamental só são admitidas até certo ponto, quando não afetam outro direito fundamental mais que o necessário.

A resolução de conflitos entre direitos fundamentais, portanto, se resolve com a utilização do princípio da proporcionalidade. Esse é um processo composto por três etapas sucessivas: na primeira etapa tem-se que identificar os enunciados normativos que se encontram em conflito e agrupá-los numa solução normativa para o caso concreto; a segunda etapa desse processo busca analisar os aspectos mais relevantes e a repercussão de cada norma que está em conflito; a terceira e última etapa é responsável por determinar qual das soluções irá prevalecer. Ou seja, vale questionar qual dos princípios deve se sobrepor ao outro e qual a intensidade da restrição imposta ao princípio que foi preterido (BARCELLOS, 2005).

Identificados todos os elementos pertinentes – normativos e fáticos – chega-se afinal à fase de decisão. É nesta etapa que se estará examinando conjuntamente os diferentes grupos de enunciados, a repercussão dos fatos sobre eles e as diferentes normas que podem ser construídas, tudo a fim de apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa (BARCELLOS, 2005, p. 123).

Seguindo a fórmula anteriormente explicitada, segue-se agora para a subsunção ao caso em análise. Primeiramente, as normas conflitantes são os princípios do melhor interesse da criança e da doutrina da proteção integral frente aos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Após isso, faz-se necessário analisar as circunstâncias concretas do caso e suas repercussões sobre as normas constitucionais em conflito.

Ao regulamentar a publicidade direcionada ao público infantil, a Resolução nº 163 do CONANDA estabeleceu restrições mais severas do que aquelas impostas pela CF, pelo CDC e pelo ECA. Essa Resolução tirou todo o valor normativo referente ao princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa, tendo em vista que a publicidade praticamente não poderia ser direcionada para o público infantil. Ora, existem vários dispositivos legais que tratam sobre a abusividade da publicidade, não se mostra necessário que exista uma regulamentação tão inflexível para tratar sobre o tema.

Dessa forma, verifica-se que os princípios do melhor interesse da criança e da doutrina da proteção integral devem sim ser levados em consideração quando se trata da publicidade direcionada a crianças e adolescentes, mas essa restrição não pode ser levada a extremos, como uma forma de manobra para suprimir totalmente os efeitos de outro princípio constitucional de igual valor.

Os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança devem coexistir com os demais princípios expressos na CF. Portanto, esses direitos concedidos a crianças e adolescentes pela Carta Magna não podem ter um alcance superior a de outros direitos como a liberdade de expressão, sob pena de acontecerem abusos interpretativos que elevam a criança a uma categoria de “majestade suprema” (ROCHA; VIEGAS, 2015).

No momento em que se realiza o sopesamento entre esses dois princípios constitucionais, torna-se necessário verificar a forma menos nociva ao direito à liberdade de expressão, tendo sempre em vista a proteção do direito fundamental da criança e do adolescente que são afetados pelo primeiro princípio. Ou seja, não se pode anular um dos princípios em favor do outro, mas buscar uma forma em que os dois princípios coexistam. (ROCHA; VIEGAS, 2015)

Leve-se em consideração que a tutela conferida às crianças e adolescentes, no próprio CDC (art. 37, §2º e 39, IV), resguardam seus direitos fundamentais, sem abolir ou banalizar a liberdade de expressão publicitária - enquanto direito fundamental dos publicitários (art. 220, CF/88). O que, por sua vez, também guarda observância às ideias e preceitos basilares que animam a ordem econômica disposta na Carta Magna, como o próprio princípio da livre iniciativa (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Os direitos fundamentais relativos a crianças e adolescentes são muito importantes, mas eles devem ser analisados e ponderados frente a outros princípios constitucionais tão importantes quanto eles, isto é, direitos da criança e do adolescente não estão hierarquicamente superiores a outros princípios constitucionais. Os princípios relativos a crianças e adolescentes não são os únicos que merecem atenção e proteção. Como foi analisado acima, o CDC já restringiu o princípio da liberdade de expressão ao designar diretrizes contra a publicidade abusiva. Essa proteção parece ser suficiente e adequada para tal situação, não sendo necessária a exclusão definitiva da liberdade de expressão como ocorreu com a Resolução nº 163 do CONANDA (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Depreende-se, após o exposto, que a Resolução elaborada pelo CONANDA foi muito bem intencionada. Porém, ela restringiu demasiadamente os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. “A Resolução nº 163 do CONANDA se inclina a extrapolar o fim ao qual se destina – o de proteger crianças e adolescentes –, de modo que tende a tolher o direito de exercício da atividade econômica das agências de publicidade, naquilo que se refere ao público infantil” (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Crianças e adolescentes possuem o status de hipervulnerabilidade e são detentoras de direitos fundamentais consagrados na Constituição, mas isso não autoriza a restrição completa de outros direitos fundamentais, suprimindo por completo a liberdade de expressão e a livre iniciativa, como fez a Resolução nº 163 do CONANDA. Além disso, a referida resolução tenta direcionar a publicidade apenas para os pais (adultos com poder de compra), e isso só poderia ser feito através de uma lei em sentido estrito. Trata-se, neste sentido, do princípio da reserva legal, pois somente uma lei poderia regulamentar o disposto na Constituição. O que ocorreu, de modo contrário, foi que uma Resolução restringiu a quase zero os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa, quando nem mesmo o CDC nem o ECA o fizeram (ROCHA; VIEGAS, 2015).

O CDC em nenhum momento proíbe a publicidade direcionada ao público infantil, como ocorre com as determinações da Resolução nº 163 do CONANDA. O CDC tão somente considera abusiva a prática de publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, conforme preceitua o art. 37, § 2º, que trata sobre a publicidade abusiva. Analisando caso a caso, o intérprete do direito possui condições de perceber quando uma publicidade se aproveita da ingenuidade de crianças e adolescentes, não necessitando de normas tão restritivas, que limitam direitos fundamentais como a livre iniciativa e a liberdade de expressão.

Ademais, o CDC possui instrumentos necessários para coibir a publicidade abusiva, vez que o art. 56 determina que as infrações das normas de defesa do consumidor estão sujeitas a sanções administrativas elencadas ao longo de doze incisos, sem prejuízo das sanções de natureza cível e criminal.

Vale frisar que a Resolução nº 163 do CONANDA não pode restringir o âmbito de aplicação de uma lei federal. A Administração Pública detém o poder regulamentar no que concerne à edição de atos gerais com a finalidade de complementar as leis e garantir sua efetividade. Porém, esse poder regulamentar concedido à administração pública é no sentido de complementar a Lei já existente, e não alterá-la completamente, como ocorre com a Resolução do CONANDA.

Quando a regulamentação realizada restringe demasiadamente a Lei, ocorre o abuso de poder regulamentar, uma invasão de competência do Poder Legislativo. Isso decorre do fato de que o poder regulamentar é de natureza secundária ou derivada e somente pode ser exercido quando já existe uma legislação em sentido estrito. As Leis, como é o caso do CDC, tem natureza originária e emanam diretamente da Constituição. A Administração Pública, portanto, não pode editar atos normativos que alterem completamente uma lei já existente, por se caracterizar abuso de poder regulamentar. Assim, o CONANDA, órgão vinculado à Administração Pública também não poderia fazê-lo (MOREIRA, 2011).

Cabe, assim, aos pais e responsáveis educar os filhos e ensiná-los sobre a sociedade de consumo atual. Os pais, portanto, devem realizar esse controle na vida das crianças, orientando, fornecendo informações e exemplo acerca dos diversos aspectos da vida em sociedade. O momento é oportuno para iniciar um diálogo sadio com crianças e adolescentes, para que pais ensinem seus filhos sobre as decisões de compra que devem ser tomadas conscientemente, o que será levado para o futuro dessas pessoas em desenvolvimento (FERREIRA, 2015).

Conclui-se, portanto, que o CDC e o ECA são suficientes para a análise do tema e esses dispositivos legais em nenhum momento proíbem a publicidade direcionada ao público infantil, limitando-se a vedar a publicidade enganosa ou abusiva nos termos em que foram expostos no capítulo anterior.

Desse modo, entende-se que o CONANDA extrapolou os limites de sua competência regulamentar ao proibir algo que a Constituição da República e Leis Ordinárias permitem. Ademais, vale frisar que a publicidade tem sua função social que é considerada, inclusive, como inerente à sociedade de consumo atual (ROCHA; VIEGAS, 2015).

O ideal, portanto, é ensinar e estimular o consumo saudável por parte de crianças e adolescentes. Não basta proibir completamente a publicidade dirigida ao público infanto-juvenil, mas abrir espaço para um diálogo com a sociedade civil e com o Congresso Nacional sobre o tema, para que surja uma solução mais viável, sem ferir outros princípios constitucionais.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Hélio Costa. A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:: entre a defesa do consumidor e os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5252, 17 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58839. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

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