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A quantificação do dano moral e o sistema de precedentes. Liberdade ou vinculação?

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Agenda 01/07/2017 às 13:14

5. A QUESTÃO DAS AÇÕES INDENIZATÓRIAS POR DANOS MORAIS.

Identificados os elementos caracterizadores da ratio decidendi, questiona-se qual a sua amplitude nas ações por danos morais. Pode parecer algo simples em um primeiro momento, pois é evidente que quando se pleiteia indenização por danos morais, o que ocorrerá será a condenação do réu – caso procedente o pedido – no pagamento ao autor de valor arbitrado pelo magistrado a título de compensação pelos danos experimentados.[24] Porém, ao julgador são apresentadas duas questões que deverão ser resolvidas: a) se o ato indicado na inicial constitui elemento gerador da hipótese danosa; e b) sendo positiva a primeira resposta, qual o valor a ser imputado para o agressor pagar ao agredido. Perceba que as duas questões apresentam vinculação intrínseca, pois depende a segunda da primeira.

Diante disso, analisa-se uma questão bastante interessante enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça há pouco tempo: a hipótese do abandono afetivo e sua indenização por danos morais. Nos idos de 2005, o Ministro Fernando Gonçalves, quando da Relatoria do Resp. 757411/MG estabeleceu o precedente segundo o qual não haveria razão para se imputar a indenização por danos morais em caso de abandono afetivo.[25]

Em seu voto, o Ministro deixou claro que em caso de configuração de abandono afetivo, a legislação civilista possui punição específica para a hipótese, qual seja: a perda do poder familiar. “Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono.”[26]

Não haveria então, segundo o Relator, o dever de indenizar por danos morais, pois a ninguém caberia a obrigação de amar outra pessoa. A ausência de amor não poderia ser tutelada pelo Poder Judiciário, afastando, portanto, a imputação dessa obrigação.

Confrontando esse precedente com os dois questionamentos anteriormente apresentados, verifica-se que a resposta ao primeiro foi negativa, o que impede o prosseguimento para o seguinte. Ou seja, não sendo identificada a conduta como resultante em danos morais, não há razão para se falar em indenizabilidade.

Nestas hipóteses, o precedente formado não demanda maiores discussões, a ratio decidendi passa a ser identificada a partir da impossibilidade de se imputar a indenização por danos morais em casos de abandono afetivo, ante a previsão expressa existente no Código Civil da punição cabível, ou seja, da hipótese de perda do Poder Familiar.[27]

Anos mais tarde, porém, sob a relatoria da Min. Nancy Andrighi, houve a mudança do precedente anteriormente estabelecido – procedimento denominado de overruling. A Ministra afirmou em seu voto – seguido pelos seus pares – que o abandono afetivo resultaria, sim, na condenação por danos morais, ou seja, que este comportamento seria resultante a uma agressão aos aspectos extrapatrimoniais do sujeito passivo, devendo, portanto, ser imputado ao sujeito ativo o dever de indenizar. Quando da prolação do seu voto, a Relatora deixou registrado que:

o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança.

E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado, para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentarem, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus pais – biológicos ou não.

À luz desses parâmetros, há muito se cristalizou a obrigação legal dos genitores ou adotantes, quanto à manutenção material da prole, outorgando-se tanta relevância para essa responsabilidade, a ponto de, como meio de coerção, impor-se a prisão civil para os que a descumprem, sem justa causa.

Perquirir, com vagar, não sobre o dever de assistência psicológica dos pais em relação à prole – obrigação inescapável –, mas sobre a viabilidade técnica de se responsabilizar, civilmente, àqueles que descumprem essa incumbência, é a outra faceta dessa moeda e a questão central que se examina neste recurso.[28]

O overruling em destaque muda, também, a resposta das questões apresentadas no início deste tópico. Agora, o comportamento considerado como “abandono afetivo” é fato gerador da indenização por danos morais. Sendo assim, respondendo positivamente a primeira questão, parte-se para a segunda, ou seja, qual o valor a ser arbitrado? No caso em questão, a Ministra Relatora determinou a condenação em R$ 415.000,00 (quatrocentos e quinze mil reais).

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Surgem, então, as seguintes perguntas: o que pode ser considerado como ratio decidendi nos casos em que se configura a indenização e há o arbitramento do dano moral? Seria ele a fundamentação jurídica e a sua quantificação? O quantum arbitrado pelo magistrado em razão da conduta ofensiva, também pode ser considerado como elemento vinculador do precedente e, portanto, utilizado em outras demandas?

Para iniciar a resposta a essas perguntas, deve-se analisar, primariamente, o enunciado da súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça que apresenta uma visão bastante interessante sobre o critério de quantificação dos danos morais e que, sem dúvidas, auxiliará no deslinde do feito.


6. A SÚMULA 326 DO STJ.

Na sustentação da tese jurídica que ora se propõe, torna-se fundamental a análise do teor da Enunciado 326 da Súmula do STJ. Publicada em 2006, este entendimento consolidado expõe o seguinte texto: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”

Apesar da simplicidade do conteúdo literal, o seu mérito semântico mostra-se de fundamental importância para os contornos que se busca desenvolver. Perceba que os Ministros do STJ deixam evidente um ponto interessante: a condenação em danos morais e a sua quantificação são dois momentos diversos na prolação da sentença. Essa conclusão é facilmente alcançada quando se verifica que não haverá sucumbência recíproca em condenação inferior ao pleiteado, ou seja, em outras palavras, ainda que haja o reconhecimento da prática de ato que resulte em danos morais, o valor arbitrado pelo magistrado, caso seja a menor, não retira o status de procedência da demanda.

A título de exemplo do animus do enunciado sumular, destaca-se alguns precedentes que compuseram a sua formação. Assim, será possível verificar a forma como os Ministros do STJ trataram da matéria que acabou se consolidando no enunciado de nº 326.

O primeiro precedente utilizado decorreu do Recurso Especial de nº 713.682/RJ. O mérito da demanda versa acerca da condenação sofrida pelo Estado do Rio de Janeiro em razão da morte de um detento no interior de um presídio administrado por aquela unidade da federação. Dentre as alegações trazidas pelos procuradores estaduais que buscavam a exclusão da responsabilidade, e por via de consequência, da indenização, pleiteou-se o reconhecimento da sucumbência recíproca em razão da condenação a menor daquela pleiteada pelo ora Recorrido.

Quanto a este último pleito, o Relator, Min. João Otávio de Noronha, mencionou expressamente que não foi possível verificar ofensa ao art. 21 do CPC, pois o valor indicado na petição inicial a título de indenização por dano moral é meramente estimativo, sem que haja qualquer indicação exata quanto aos danos experimentados. “Desse modo, a redução do valor inicialmente pleiteado não constitui circunstância hábil para atrair a aplicação do referido dispositivo (CPC, art. 21), que compreende a reciprocidade dos ônus sucumbenciais”[29]

Em outro precedente que lastreou a formação do entendimento exposto no enunciado sumular em questão, o Min. Castro Filho, quando da relatoria do Resp. 579.195/SP afirma que não há vinculação do magistrado quanto aos valores pretendidos pelo autor em sua petição inicial. Segundo o entendimento do Ministro, o que pleiteia o autor é o reconhecimento do direito à reparação apenas, sendo o valor pleiteado meramente exemplificativo. Portanto, nesta esteira, quando há quantificação a montante menor do que aquele exposto na peça vestibular.

A sucumbência é total, uma vez que o objeto do pedido é a condenação por dano moral. Escapando o valor da condenação à vontade do ofendido e inexistindo, consoante a sistemática de nosso direito positivo, tarifação para os casos de lesão ao patrimônio imaterial, desde que procedente o pedido, o êxito da parte autora é sempre total, a menos que, tendo havido cumulação de pedidos, num deles haja sucumbido.[30]

O Ministro Aldir Passarinho Júnior também seguiu o mesmo entendimento quanto à questão da diferenciação existente entre o reconhecimento do dano e sua quantificação. No acórdão do Resp. nº 432.177/SC o Relator deixou expressamente registrado que em face da dificuldade de arbitramento da lesão moral experimentada, o valor pleiteado pelo autor quando da indicação do quantum à título de danos morais deve ser considerado como meramente estimativo, o que afasta a sucumbência recíproca em caso de condenação em valor menor.[31]

Diante disso, o que se percebe é que a jurisprudência do STJ tem entendido, como dito anteriormente, que quando se trata de danos morais, a quantificação do seu valor não compõe o âmbito meritório da decisão. Segundo a Corte Superior, o que pleiteia o autor da demanda é o reconhecimento da conduta ofensiva do réu, resultando na incidência da obrigação de reparar o dano. Este seria o foco central da demanda indenizatória por danos morais.


7. A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL.

A construção da indenização ideal para o dano moral está diretamente vinculada à análise de elementos fáticos que circundam o acontecimento. Na quantificação do dano moral, feita pelo arbitramento, é necessária a análise de alguns requisitos que circundam o fato para que seja possível determinar qual o montante ideal, ou aquele que se aproxima da perfeição. Apesar do grande volume de ações envolvendo prejuízos imateriais que abarrota o judiciário, o comportamento ideal para o julgador deveria ser a análise individual de cada um dos processos. Isso porque, os pilares de orientação também remetem o magistrado a utilizar o seu arbítrio, o que reforça ainda mais o caráter subjetivo do tema em questão.

Por outro lado, sempre causará estranheza um juízo emitido com base apenas em um único elemento do processo (ainda que se trate da decisão recorrida), quando a demanda reclama ampla investigação e a tarefa de estipular uma indenização revela-se árdua, pois não-patrimonial o prejuízo causado. Afinal, o julgado recorrido, este sim, fora fruto de uma elaborada investigação que resultou em dado convencimento/arbitramento, calcado, todavia, em um conjunto fático-probatório, em elementos objetivos, concretos e peculiares de cada caso. Só assim poderia o magistrado chegar numa valoração mais coerente ou próxima da Justiça (meta nem sempre atingida, mas eternamente perseguida).[32]

O valor da indenização por dano moral está sujeito ao controle do Superior Tribunal de Justiça, desde que o quantum contrarie a razoabilidade, mostrando-se manifestamente exagerado, ou irrisório, distanciando-se das finalidades de desestímulo do ofensor e ressarcimento do ofendido.

Não há parâmetros para demonstrar o que se considera irrisório ou exagerado. Apenas a análise da situação proposta é que conduzirá os Ministros na qualificação do valor. “As circunstâncias ditarão a razoabilidade das indenizações, porém o STJ não pode perder de vista sua relevantíssima função de uniformizar a jurisprudência nacional, inclusive em relação aos valores”[33]

A participação do STJ na aferição do valor a título de indenização por danos morais resume-se ao caráter preventivo, onde se busca evitar a determinação de valores considerados exorbitantes ou até mesmo ínfimos. O Superior Tribunal de Justiça funciona como o fiel da balança que busca equilibrar os pesos e as medidas ali depositados.[34] Esta intervenção, portanto, configura-se como excepcional, não devendo ser encarado como a ultima ratio de decisões ordinárias e condizentes com o pensamento dominante.[35]

O pensamento que contorna o cálculo do valor a partir do patamar do ofensor não é exclusivamente o de puni-lo ou recriminá-lo. A obrigação que o agente tem em depreender do seu patrimônio qualquer quantia a título de indenização por agressão imaterial faz com que ele venha a sofrer com a sentença proferida. Então, o caráter pedagógico já estaria insculpido no montante que satisfaça o ofendido. Seriam duas forças que constantemente tencionam no sentido de garantir a pacificação dos interesses com o retorno ao equilíbrio destruído após a prática do ato lesivo.

Sobre o autor
Salomão Resedá

Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia - Ufba. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito - Ufba. Professor da Unifacs (Universidade Salvador). Assessor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de Livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESEDÁ, Salomão. A quantificação do dano moral e o sistema de precedentes. Liberdade ou vinculação?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5113, 1 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58852. Acesso em: 4 dez. 2024.

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