4. ERRO DETERMINADO POR TERCEIRO
Estabelece o art. 20, § 2º, do Código Penal:
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
É o caso em que alguém pratica a conduta com uma falsa percepção da realidade a respeito dos elementos constitutivos do tipo penal, em razão da atuação de terceira pessoa, denominada de agente provocador.
Ao contrário das hipóteses vistas, o agente não erra por conta própria, seu erro não é espontâneo, mas sim determinado por outrem.
Pode restar este erro configurado na modalidade dolosa ou culposa.
Quando o indivíduo provocador age impelido por dolo, deve a ele ser imputado o delito praticado pelo agente imediato, na sua modalidade dolosa.
O sujeito provocado, ficará impune, caso seja o erro desculpável.
Sendo o equívoco inescusável, o seu autor imediato responderá por culpa, caso haja previsão da modalidade imprudente do crime.
Por outro lado, em sendo o caso de o agente provocador ter agido culposamente, amparado em sua imprudência, negligência ou imperícia, será a ele imputado o delito culposo praticado pelo indivíduo provocado, caso seja esta modalidade prevista no ordenamento jurídico.
Ainda, neste último caso, se for comprovado que o equívoco era inescusável, o seu autor imediato responderá também por culpa.
Confirmando esta exposição, segue o ensinamento de Rogério Sanches Cunha:
Erro determinado por terceiro (§ 2º): O terceiro que determina o erro será autor mediato do crime, respondendo dolosa ou culposamente pelo crime praticado pelo agente imediato, dependendo do ânimo da conduta.
Exemplo: médico que ordena enfermeira a ministrar determinada substância tóxica no paciente. Aplicado o produto, o paciente morre. Da hipótese, deve ser quilatado:
a) Se o médico (autor mediato) agiu com dolo, querendo ou aceitando a morte do paciente, responde por homicídio doloso.
b) Se o médico (autor mediato) agiu com negligência, responderá por crime culposo.
c) Se a enfermeira (autora imediata) não previu, nem lhe era previsível, o erro na prescrição do remédio, não responderá por crime algum.
d) Entretanto, se a enfermeira (autora imediata), ao perceber a manobra criminosa, quer ou aceita o resultado, aplicando a substância, responderá pelo crime na forma dolosa; agindo com negligência na forma culposa.19
Esclarecido isto, importante analisar o erro determinado por terceiro do ponto de vista do concurso de pessoas.
4.1. O erro determinado por terceiro e o concurso de pessoas
Ocorre nos casos em que o agente provocador e o agente provocado pelo erro atuam dolosamente quanto à produção do resultado criminoso.
Para ficar mais fácil a ilustração do instituto em foco, segue exemplo trazido pela Doutrina:
Imagine-se o seguinte exemplo: “A” pede emprestado a “B” um pouco de açúcar para adoçar excessivamente o café de “C”. Entretanto, “B”, desafeto de “C”, entrega veneno no lugar do açúcar, com a intenção de matá-lo. “A”, famoso químico, percebe a manobra de “B”, e mesmo assim coloca veneno no café de “C”, que ingere e morre em seguida. Ambos respondem por homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inc. III): “A” como autor, e “B” na condição de partícipe.20
Na hipótese, “A” e “B” respondem pelo delito.
O primeiro como autor e o segundo como partícipe, porque ambos agiram dolosamente.
Se apenas “A” estivesse animado com dolo e “B” tivesse agido de forma imprudente, não haveria participação de “B”, ante a impossibilidade de participação culposa em crime doloso.
Simplesmente “A” responderia por homicídio doloso e “B” somente por homicídio culposo.
5. ERRO DE TIPO x DELITO PUTATIVO POR ERRO DE TIPO X CRIME IMPOSSÍVEL
Para o Dicionário, a palavra putativo é definida como algo que se “pensa ter”, “imaginado”.
Neste sentido:
PUTATIVO. Do latim putativus (imaginário), de putare (reputar, crer, imaginar, considerar), é utilizado, na terminologia jurídica, na acepção de reputado ou de havido. Nesta razão, putativo designa a qualidade que se pensa ter (criada, imaginada), ou que se deveria ter, e que, em realidade, não se tem. Na significação jurídica, a putatividade (qualidade de putativo) gera uma reputação de real a respeito da coisa ou do fato, para que surta certos efeitos jurídicos. É o caso do casamento putativo, ou seja, aquele que, embora, nulo ou anulável, é reputado verdadeiro para que os efeitos civis se verifiquem, desde sua celebração até que se desfaça legalmente.21
Ainda, explicado em que consiste o erro de tipo, imprescindível é sua diferenciação do instituto do delito putativo por erro de tipo.
Em ambos os casos o agente possui falsa percepção da realidade.
No erro de tipo, conforme já explicado, o sujeito imagina estar agindo licitamente.
Por exemplo: atira contra arbustos, pensando que estava atingindo um animal selvagem, quando, na verdade, disparou contra uma pessoa.
No crime putativo por erro de tipo, o indivíduo pensa estar agindo ilicitamente.
É o caso em que efetua disparos, visando atingir determinada pessoa, mas, na verdade, se tratava de animal já morto.
No primeiro caso, é ignorada uma elementar do tipo.
Na hipótese utilizada como exemplo, a elementar ignorada trata-se de “alguém”.
No segundo caso, o agente ignora a ausência de uma elementar (não está presente a elementar pessoa humana viva ou “alguém”).
No erro de tipo, o infrator pratica uma fato típico sem ser este o seu objetivo.
No delito putativo por erro de tipo, o sujeito pratica um fato atípico sem querer.
Nas palavras de Cléber Massom:
Em que pese a proximidade terminológica, os institutos não se confundem. No erro de tipo, o indivíduo, desconhecendo um ou vários elementos constitutivos, não sabe que pratica um fato descrito em lei como infração penal, quando na verdade o faz. Já o crime putativo por erro de tipo, ou delito putativo por erro de tipo, é o imaginário ou erroneamente suposto, que existe exclusivamente na mente do agente. Ele quer praticar um crime, mas, por erro, acaba por cometer um fato penalmente irrelevante. Exemplo: “A” deseja praticar o crime de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput), mas por desconhecimento comercializa talco.22
Ademais, não pode, também, o delito putativo por erro de tipo ser confundido com o crime impossível.
Há crime putativo, quando o agente pratica uma conduta, crendo ser esta punível, quando, na verdade, é lícita.
Verifica-se o crime impossível, quando o indivíduo, apesar de dirigir seus atos à realização de um tipo penal, não pode, por razões de ineficácia absoluta do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto, alcançar a consumação.
Está previsto no art. 17. do Código Penal:
Art. 17. - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Segundo ensina Luiz Regis Prado:
O crime impossível não se confunde com o denominado delito putativo. Este último consiste na prática de uma conduta que o autor acredita ser, erroneamente típica. Assim, há delito putativo quando o autor crê ser punível uma conduta que, em verdade, é atípica. Exemplo: o agente pensa que o fato de subtrair coisa alheia móvel para fins de uso e pronta restituição caracteriza delito de furto. De outro lado, verifica-se o crime impossível quando a ação dirigida à realização de um tipo penal não pode, por razões objetivo-reais ou jurídicas, alcançar a consumação, quer devido à inidoneidade do meio, quer devido à impropriedade do objeto. Exemplo: o agente toma alguém morto como vivo e dispara contra ele. Destarte, na tentativa inidônea, aceita-se por erro a existência de uma ausente característica objetiva do tipo, que na realidade não ocorre (erro de tipo inverso). No delito putativo, o agente acredita falsamente que seu comportamento viola uma norma proibitiva, que na realidade inexiste (erro de proibição inverso).23
Em que pese serem distintos, tanto o crime impossível quanto o delito putativo são impuníveis.
Como visto, portanto, os institutos de erro de tipo, delito putativo por erro de tipo e crime impossível tratam de situações completamente diversas, pelo que não podem ser confundidos.
6. DESCRIMINANTES PUTATIVAS
Conforme dispõe o art. 20, § 1º, do Código Penal:
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Descriminante é uma causa que exclui o crime. Retira o caráter ilícito do fato típico praticado por alguém.
Nestes termos, nada mais é do que um sinônimo de causa de exclusão de ilicitude.
Putativo, conforme visto no Capítulo anterior, provém de parecer ou aparentar. Segundo ensinamento de Cléber Masson24, “é tudo aquilo que parece, mas não é o que aparenta ser”.
Portanto, nos resta concluir que discriminante putativa é uma causa de exclusão de ilicitude, que não existe concretamente, mas, apenas na mente do autor do fato típico.
Pode ser também definida como discriminante erroneamente suposta ou descriminante imaginária.
O art. 23. do Código Penal elenca as causas legais capazes de excluir a ilicitude:
Art. 23. - Não há crime quando o agente pratica o fato: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - em legítima defesa;(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Excesso punível (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Como visto, são elas: legítima defesa, estado de necessidade e estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito.
Todas estas espécies admitem que o agente as considere existentes por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, caracterizando, consequentemente, a sua forma putativa.
Conforme ensina a Doutrina:
Basta que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, o agente suponha situação de fato que, se existisse, tornaria sua ação legítima. Em síntese, o sujeito reputa encontrar-se, em razão dos fatos que o cercam, no contexto de uma causa de exclusão da ilicitude. Imagina-se em legítima defesa, ou em estado de necessidade, quando na verdade os requisitos legais de tais institutos não estão presentes.25
Em relação ao equívoco penal, as descriminantes putativas podem assumir três espécies distintas.
Em primeiro lugar, existe o erro relacionado aos “pressupostos fáticos” de uma causa de exclusão de ilicitude.
Por exemplo: “A” encontra com “B”, seu desafeto. Pensando que “B” colocou a mão no bolso para sacar uma arma, para lhe ferir, “A”, rapidamente, age por primeiro e dá ele cinco tiros em “B”.
Posteriormente, “A” vem a descobrir que “B” fora acometido por cegueira e nem sabia da presença de “A”, no recinto, pelo que “A” agiu em legítima defesa putativa, eis que ausentes, no caso concreto, os requisitos para a configuração da excludente de ilicitude, os quais apenas existiam na mente de “A”.
Em segundo lugar, há o erro relativo à “existência de uma causa de exclusão da ilicitude”.
Seria o caso do homem que, após flagrar sua esposa cometendo adultério, mata ela e o amante, acreditando estar amparado pela legítima defesa da honra.
Na hipótese, o agente errou quanto à existência da descriminante, a qual não é prevista no ordenamento jurídico brasileiro.
Por último, há o erro quanto aos “limites de uma causa de exclusão da ilicitude”.
Ocorre na situação em que, por exemplo, um fazendeiro entende adequado matar qualquer sujeito que invada sua propriedade.
Aqui, ocorre excesso, porque a defesa da propriedade não permite reação desproporcional.
O problema, segundo a Doutrina, encontra-se na natureza jurídica das descriminantes putativas26.
É pacífico o entendimento de que o erro sobre a existência e o sobre os limites de uma causa de exclusão da ilicitude são modalidades de erro de proibição (na modalidade indireta), assunto que será analisado mais profundamente a seguir, neste trabalho.
Neste contexto, tratam-se de casos de descriminante putativa por erro de proibição.
O resultado será o seguinte: tratando-se de erro inevitável, excluir-se-á a culpabilidade, pelo que o agente restará impunível; tratando-se de erro evitável, diminuir-se-á a sanção de 1/6 a 1/3, conforme art. 21, caput, do Código Penal:
Art. 21. - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Quando o erro recair sobre os pressupostos fáticos de uma causa de exclusão de ilicitude, a natureza jurídica da descriminante putativa dependerá da Teoria da Culpabilidade que será adotada.
Para a Teoria Limitada da Culpabilidade (adotada pelo Brasil), será erro de tipo permissivo.
Aí que surgem as descriminantes putativas por erro de tipo.
Assim, se inevitável o erro, exclui-se dolo e culpa e, se evitável, exclui-se dolo, persistindo a reprimenda na modalidade culposa, acaso haja previsão legal no ordenamento jurídico, conforme disposição do art. 20, § 1º, do Código Penal:
Descriminantes putativas(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Ainda, na Exposição de Motivos, o Diploma Penal acolheu a Teoria Limitada, conforme se observa de seu item 19:
19. Repete o Projeto as normas do Código de 1940, pertinentes às denominadas "descriminantes putativas". Ajusta-se, assim, o Projeto à teoria limitada pela culpabilidade, que distingue o erro incidente sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação do que incide sobre a norma permissiva.
Por outro lado, para a Teoria Extremada da Culpabilidade, o erro relativo aos pressupostos fáticos de uma causa de exclusão da ilicitude seria mais uma hipótese de erro de proibição.
Logo, é um caso de descriminante putativa por erro de proibição, com todos os seus efeitos já vistos.
Diante do exposto, a natureza jurídica das descriminantes putativas varia conforme a Teoria da Culpabilidade adotada.