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Gestão ambiental das cidades e representações sociais:

o caso do bairro de Batista Campos, em Belém (PA)

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Agenda 21/11/2004 às 00:00

1. PRIMEIRAS PALAVRAS

Objetivo neste trabalho mapear e refletir as representações sociais de meio ambiente dos moradores do bairro de Batista Campos, Belém/PA, perquirindo sobre a influência que elas exercem nas formas pelas quais os comunitários de Batista Campos se relacionam com o meio ambiente e com os meios (ou ausência deles) para a resolução dos problemas ambientais localizados em nível de bairro (gestão ambiental). Mais do que apontar reflexões conclusivas a respeito do tema proposto, este trabalho é, antes de tudo, um ensaio, cuja tessitura é marcada pela leveza e pelo caráter "aberto" de suas proposições.

Construi minha hipótese principal a partir do pressuposto de que os moradores residentes em bairros com melhor infra-estrutura urbana e, por conseguinte, por pertencerem a classes sociais mais abastadas (moradores de Batista Campos), apresentariam representações diferenciadas dos residentes de um bairro periférico. Essas representações, em princípio, orientariam não só as relações dos moradores dos bairros já citados com o meio ambiente, bem como a percepção ambiental e possíveis vias de solução para os problemas ambientais vivenciados ao nível do bairro. Construiu-se, além disso, uma hipótese secundária: tendo os residentes de Batista Campos maior grau de instrução, entenderiam o meio ambiente não somente em seu aspecto biológico (natural), mas como um bem socialmente produzido. Supunha-se, ainda, que seria identificada maior ação política e intensa participação dos moradores de Batista Campos no processo de gestão do meio ambiente, em decorrência de que esses moradores disporiam de maior acesso às informações ambientais e aos instrumentais para o exercício democrático (aqui incluída a práxis da cidadania).

Quanto à metodologia empregada, lancei mão da pesquisa bibliográfica e da pesquisa de campo. Esta última foi efetivada através de várias visitas ao bairro de Batista Campos durante o ano de 2003. Durante as visitas foram feitas várias anotações correspondendo às minhas percepções em relação ao bairro e seus moradores, as quais foram lapidadas posteriormente e inseridas no corpo do trabalho.

Utilizei, na época da pesquisa de campo, para a efetivação da coleta de dados, a técnica de entrevistas informais, porque o que desejava investigar era da ordem do cotidiano. Não houve, assim, necessidade de aplicação de questionários, na medida em que era objetivo da pesquisa captar através da fala dos moradores, as suas representações sociais de meio ambiente. Dessa maneira, foi estruturado um roteiro com três perguntas, a partir das quais meus interlocutores falavam livremente. Foram feitas as seguintes perguntas: (a) o que você entende por meio ambiente? (b) Quais os problemas ambientais que você identifica no seu bairro? (c) O que os moradores estão fazendo para alterar esse quadro? Vale observar que por ter sido utilizada entrevistas informais e abertas, tal roteiro foi constantemente flexionado. Várias outras perguntas foram feitas a partir dessas três, com o intuito de identificar práticas dos residentes de Batista Campos para com o meio ambiente. O único critério utilizado para selecionar meus interlocutores naquele período foi o da territorialidade, isto é, que o entrevistado residisse no bairro. Foram entrevistados apenas 11 pessoas em Batista Campos, visto que a natureza da pesquisa não exigia um número maior de entrevistas.

Recorri, vale observar, à teoria das representações sociais [1] para "ler" todo o material coletado no campo, porque o que pretendia investigar no bairro de Batista Campos era justamente da ordem do que é vivido cotidianamente pelos seus moradores (identificação de suas representações sociais de meio ambiente), e de que forma essas representações têm influência no modo pelo qual essas pessoas se relacionam com o meio ambiente e com o processo de gestão ambiental do bairro onde residem.


2. MEIO AMBIENTE E REPRESENTAÇÃO SOCIAL: APORTES TEÓRICOS

2.1. Representações Sociais: conceito

O primeiro questionamento que está posto é saber em que consistem as representações sociais.

Jodelet (apud GUARESCHI, 1995: 202) define representação social como... uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.

Já Serge Moscovici (1978:41), referencial teórico no campo das representações sociais, argumenta que elas

...são entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidano (sic). A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, delas estão impregnadas. Sabemos que as representações sociais correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração e, por outro lado, à prática que produz a dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a uma prática científica e mítica.

Pedrinho Guareschi (1995: 202), nessa mesma esteira de raciocínio, entende que são vários os elementos que compõem as representações sociais, de modo que o conceito dessa categoria encerra dinamicidade e um caráter explicativo das facetas da realidade (social, física e cultural). Guareschi, ainda, defende que o conceito de representações sociais... possui uma dimensão histórica e transformadora. Junta aspectos culturais, cognitivos e valorativos, isto é, ideológicos... E arremata o autor:... É um conceito sempre relacional, e por isso mesmo social.

Por isso que Moscovici ao comentar sobre o significado do adjetivo "social" adicionado ao substantivo "representação", argumenta que mais importante que definir o sujeito que produz a representação social é conhecer as razões, os motivos pelos quais ela foi engendrada. Ouça-se o próprio autor:

...Em outras palavras, para se poder apreender o sentido do qualificativo social é preferível enfatizar a função a que ele corresponde do que as circunstâncias e as entidades que reflete. Esta lhe é própria, na medida em que a representação contribui exclusivamente para os processos de formação de condutas e de orientação das comunidades sociais (MOSCOVICI, 1978: 76/7 – grifos no original).

O grande mérito de Moscovici foi ter eliminado a idéia de que o individual e o coletivo são inconciliáveis. Ao colocar um fim nessa oposição Moscovici desejava chamar atenção para o fato de que essas duas esferas – o individual e o coletivo – mantém um diálogo constante na construção das representações. Esses dois elementos da vida social, enfim, não estão em posição de antítese, mas em relação de síntese. Diz Moscovici (1978: 48):

...Em primeiro lugar, consideramos que não existe um corte dado entre o universo exterior e o universo do indivíduo (ou do grupo), que o sujeito e o objeto não são absolutamente heterogêneos em seu campo comum. O objeto está inscrito num contexto ativo, dinâmico, pois que é parcialmente concebido pela pessoa ou a coletividade como prolongamento de seu comportamento e só existe para eles enquanto função dos meios e dos métodos que permitem conhecê-lo (...) Não reconhecer o poder criador de objetos, de eventos, de nossa atividade representativa, equivale a acreditar na inexistência de relações entre a nossa capacidade de combiná-las, de engendrar novas e surpreendentes combinações...

Pedrinho Guareschi (1995: 195/6) recorre à analogia de Sperber para delimitar conceitualmente a categoria já citada. Ao estabelecer uma analogia com a medicina, Sperber afirmou que tanto psicólogos quanto antropólogos deveriam analisar as "epidemias de representações". Afirma Sperber que a mente do ser humano é uma porta aberta às representações culturais, igualmente o corpo humano é passível de contrair doenças. Tal qual as doenças há representações que utilizam o homem como hospedeiros por um longo tempo. Essas representações pertencem ao esquema teórico de Moscovici, justamente por terem a capacidade de contaminar um número considerável de pessoas, sem, no entanto, permanecerem congeladas por muito tempo no consciente coletivo.

As representações em Moscovici, enfim, são revestidas desta roupagem: expressam não somente um arcabouço de conhecimentos e crenças, bem como criam e recriam realidades e senso comum.

É evidente que, dessa forma, minha opção por refletir as formas pelas quais os moradores de Batista Campos se relacionam com o meio ambiente, e a compreensão acerca do processo de gestão ambiental vivenciado em nível de bairro só poderiam ser efetivadas à luz da teoria das representações sociais, na medida em que a investigação reside justamente na análise das práticas cotidianas dos grupos sociais pertencentes ao bairro referido. Enfim, a fundamentação teórica alicerça-se no fato de que

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...indivíduos pertencentes ao mesmo grupo social podem ser muito diferentes em relação às suas personalidades, mas se aproximam bastante no que se refere à sua experiência social comum. São similares, portanto, em relação ao pensamento, à ação, aos hábitos incorporados, aos padrões de linguagem, enfim, às suas representações sociais, que são variações de um padrão comum subjacente (PORTILHO, 1997: 165).

2.1. Meio Ambiente: As Dificuldades para sua Conceituação

Categoria de análise que deve ser problematizada é a de "meio ambiente", justamente porque há o pressuposto de que subjacente às relações dos indivíduos para com esse espaço socialmente produzido estão às representações sociais daquilo que os indivíduos entendem, percebem e delimitam como meio ambiente.

Inicialmente, faz-se necessário explorar em que medida a noção geral de meio ambiente suscita alguns problemas. Nesse sentido, José Afonso da Silva (2002: 19) assevera que o vocábulo "ambiente" refere-se... a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos....

A essa noção geral de "meio ambiente" como aquilo que circunda os indivíduos num momento e local determinados, Jollivet e Pavê (2000: 57/9) opõem-se, chamando atenção para alguns problemas referentes a esse entendimento. Primeiramente, os autores argumentam que tal assertiva remete, invariavelmente, a um objeto central que, por sua vez, variará de acordo com a subjetividade de seu observador. Assim, os dois autores supramencionados citam os seguintes exemplos para ilustrar o caráter volúvel do termo "meio ambiente" entendido como espaço circunscrito:

...para um biólogo de populações o objeto central é a população que ele investiga, e o meio ambiente equivaleria àquilo que circunda essa população. Para um especialista em fisiologia, o objeto central é um organismo ou um órgão, e o meio ambiente constituiria aquilo que circunda esse organismo (o milieu cellulaire). Para um sociólogo, o meio ambiente pode ser o meio familiar, o grupo social, o ambiente do trabalho, o hábitat...

Soma-se a isso, o fato de que o referido termo é polissêmico, ou seja, enseja uma multiplicidade de significados, o que o torna suscetível de ser apropriado de modo diverso por vários setores científicos e tecnológicos. Para ficar só num exemplo, cite-se a noção de meio ambiente no campo da informática que corresponde ao... conjunto de dispositivos e programas de aplicação necessários ao desempenho de certas tarefas, especialmente aquelas consideradas de alto nível (JOLLIVET, PAVÊ, 2000: 59).

Nessa mesma esteira de raciocínio, sustenta Edis Milaré (2001: 63) que o conceito de "meio ambiente" não é pacífico entre os especialistas da área. Milaré reconhece, inclusive, que o termo sob comento é "camaleão" e equívoco, no sentido de que "meio" e "ambiente" são palavras que trazem no seu bojo diferentes significados. Escreve o autor:

...Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial... (grifos no original).

Ademais, a noção de "meio ambiente" é bastante jovem, bem como mutável no tempo e no espaço (JOLLIVET, PAVÊ, 2000: 59).

Enrique Leff (2001: 224), a propósito, escudado em Michel Foucault argumenta que o "ambiente" não pode ser reduzido simplesmente aquilo que circunda os indivíduos e espécies biológicas, porque esse tipo de reducionismo escamoteia o fato de que o meio ambiente é também uma construção social.

Por isso que Leff (2001: 224) observa que o ambiente é produto de uma conjugação de processos que tem raízes tanto numa ordem física quanto social. E mais: para o autor supramencionado, esses processos ora são dominados, ora excluídos por uma racionalidade econômica. Paradoxo instigante: ao mesmo tempo em que ocorre... degradação ambiental (...) perda de diversidade biológica e cultural (...) pobreza associada à destruição do patrimônio de recursos dos povos..., o ambiente é repetidamente apresentado com uma roupagem econômica, de sorte que é dado a ele uma funcionalidade produtiva, mormente quando se fala em produtividade ecológica e inovação tecnológica.

Cristiane Derani (1997: 70/1), aliás, identifica na noção de natureza como fonte de reprodução econômica e elemento de produção, a origem do sentido contemporâneo de meio ambiente. O conceito de meio ambiente é, assim, mediatizado pela relação dos indivíduos com a natureza. Como essa relação expressa apenas uma ínfima parte – o econômico – do modo pelo qual o homem pode se relacionar com o meio ambiente, o conteúdo dessa categoria de análise, permanece, pois, mergulhado numa zona cinzenta, o que torna, de fato, problemática a delimitação de marcos conceituais em sede de meio ambiente.

A conseqüência dessa relação, conforme expõe Derani (2001: 71) é a disposição de homem e natureza em mundos opostos e distantes, vez que nessa lógica

...natureza é recurso (matéria a ser apropriada) natural, e o homem, sujeito apartado do objeto a ser apropriado, não é mais natureza. Sujeito e objeto vivem dois mundos: mundo social e mundo natural. Meio ambiente, seria toda a "entourage" deste solitário sujeito... (grifo no original).

Como bem sublinha Enrique Leff, o conceito de ambiente é avesso a essa separação. Meio ambiente, desse modo, expressa uma dada racionalidade social que envolve uma série de componentes, tais como saberes, práticas, comportamentos e valores pertinentes à questão ambiental. Só para ilustrar o caráter essencialmente complexo de meio ambiente, cite-se o fato de que ele continua a problematizar o conhecimento engendrado na contemporaneidade e a questionar as estratégias de extinguir as externalidades de desenvolvimento marcado pela insustentabilidade ambiental que, vale dizer,... persistem apesar do propósito de ecologizar os processos produtivos, de capitalizar a natureza e de produzir um saber holístico e interdisciplinar (LEFF, 2001: 224/5).

Em verdade, na base das dificuldades de se conceituar de modo inequívoco "meio ambiente" está o fato de que é bastante recente os estudos que abordam os seres vivos e meio ambiente de forma integrada (ecologia). Esses estudos, vale observar, inicialmente, estavam centrados numa abordagem autoecológica, ou seja, desconsiderava o ser humano como parte do meio ambiente (LEITE, 2000: 73).

Outra possível argumentação que pode explicar a possibilidade de o termo "meio ambiente" servir de base a inúmeras construções de cunho científico ou de fundo teórico, está no seu aspecto interdisciplinar ou até mesmo transdisciplinar, bem como no seu caráter dinâmico e mutável (LEITE, 2000: 74).

Como se infere, a categoria "meio ambiente" é muito mais uma categoria sociológica que biológica. Seu caráter impreciso, ambíguo e vago é reflexo do próprio saber ambiental, mudável de acordo com as especificidades do lugar onde é produzido, co-produzido, reelaborado, em suma, vivido e experienciado. Assim escreve Leff (2001: 230):

....O saber ambiental emerge de uma razão crítica, configurando-se em contextos ecológicos, sociais e culturais específicos, e problematizando os paradigmas legitimados e institucionalizados. Esse saber não é homogêneo nem unitário...

2.2. As Tentativas de Conceituação e o Meio Ambiente como Objeto do Direito

Como já se demonstrou, a tarefa de conceituar "meio ambiente" é, de fato, hercúlea. O que existem, em verdade, são muito mais definições que propriamente conceitos, as quais, inegavelmente, podem colaborar para a construção teórica dessa categoria.

Marcel Jollivet e Alain Pavé (2000: 63), por exemplo, definem meio ambiente como

...o conjunto de materiais (milieux naturels) ou artificializados da ecosfera onde o homem se instala e que ele explora que ele administra, bem como o conjunto dos meios são submetidos à ação antrópica e que são considerados necessários à sua sobrevivência...

Ainda na busca de um conceito mais geral de "meio ambiente", Reigota (1998: 14) configura meio ambiente como

...o lugar determinado ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e construído.

Considero essa definição de Marcos Reigota particularmente interessante porque revela que o "meio ambiente" é também percebido. Quer dizer, ele não se apresenta como um fato simplesmente dado. Essa é uma faceta importante a ser observada na análise que ora está sendo empreendida – o relacionamento de percepção de meio ambiente e representações sociais – já que o modo pelo qual as pessoas se relacionam com o meio ambiente é orientada, em última instância, pelas suas representações sociais dessa categoria de análise.

Enrique Leff (2001: 225), a partir da discussão acerca do saber ambiental, concebe meio ambiente como aquele elemento capaz de desvelar a insuficiência de conhecimento para lidar com o bem ambiental. Segundo Leff é justamente essa insuficiência que engendra um novo paradigma de saber construído sobre bases de sustentabilidade, justiça e democracia que, por seu turno, fundamentará uma nova racionalidade social.

Ao tratar da conceituação de meio ambiente, Édis Milaré (2001: 64) corrobora a idéia aqui pugnada de que esse espaço não pode ser entendido numa concepção reducionista, isto é, como mero espaço circunscrito. Ele é, sim, realidade complexa, multifacetada, onde se verifica a presença de um mosaico de variáveis.

Ao que tudo indica, então, genericamente, é muito dificultoso estabelecer marcos conceituais precisos em sede de meio ambiente. Como bem lembra Édis Milaré (2001: 63): O meio ambiente pertence a uma daquelas categorias cujo conteúdo é mais facilmente intuído que definível, em virtude da riqueza e complexidade do que encerra.

Devido a esse mosaico que constitui o meio ambiente, Leite (2000: 86/7) designou o meio ambiente como um macrobem, de natureza incorpórea e imaterial, além de ser de uso comum do povo. Os alicerces para se falar do meio ambiente como macrobem, segundo Leite, encontra-se na Carta Política Nacional de 1988 – artigos 225 e 170, inciso VI – quando determinou que nenhum proprietário, público ou privado, pode dispor do meio ambiente de acordo com seu alvedrio, na medida em que o meio ambiente foi cristalizado um macrobem, isto é, um bem de desfrute comunitário, pertencente à coletividade.

Desse modo, em termos estritamente jurídicos, com fulcro, novamente, em Milaré (2001: 64), o conceito jurídico de meio ambiente agasalha duas vertentes, a saber: (a) numa perspectiva estrita, meio ambiente expressa o patrimônio natural, bem como as relações dos seres vivos nesse espaço, desconsiderando, portanto, aquilo que não tem relação direta com os recursos naturais; (b) em acepção ampla, meio ambiente engloba não somente o meio natural, mas a natureza artificial e os bens culturais aí produzidos. Para Milaré, então, o meio ambiente pode, para efeitos didáticos, ser esmiuçado em meio ambiente natural (água, solo, ar, fauna, flora etc.) e meio ambiente artificial (edificações, equipamentos e demais transformações implementadas pelos homens).

José Afonso da Silva (2002: 20), por seu turno, já se manifestou no sentido de que o conceito de meio ambiente deve ser necessariamente globalizante, de modo que abarque tanto a natureza original, quanto à artificial, além de incluir os bens culturais (patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico). Sentencia o constitucionalista:

O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todos as suas formas

. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais (grifo no original).

Para José Afonso da Silva (2002: 21), desse modo, o conceito de meio ambiente compreende três aspectos, quais sejam: (a) meio ambiente artificial, formado pelo espaço urbano; (b) meio ambiente cultural, que se expressa através do patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico e (c) meio ambiente natural ou físico, abrangendo solo, água, flora e a própria relação dos seres vivos com o seu meio.

Já a proposta de Maria Helena Diniz (1998: 245) ao definir "meio ambiente" é no sentido de apresentá-lo como

o hábitat, ou seja, lugar onde se vive sob influência das leis físico-naturais, cuja fauna e flora devem ser preservadas, devendo-se para tanto combater a poluição e as práticas que possam ser lesivas a elas, sob pena de responsabilidade civil e penal.

Em âmbito normativo, a Lei n. 6.938/81 que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) é referência quando se trata de conceituar meio ambiente. Reza o art. 3.º do referido diploma legal que meio ambiente é o... conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas....

Édis Milaré (2001: 65/6), aliás, ressalta que o conceito legal insculpido na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) é de grande relevância, justamente porque é ele quem dá conformação jurídica à categoria sob análise, além de caracterizar o objeto do próprio Direito Ambiental.

Paulo de Bessa Antunes (2001: 45/6), por outro lado, argumenta que o conceito de meio ambiente consolidado na Lei 6.938/81 é passível de crítica, vez que nega a dimensão social do meio ambiente, considerando-o apenas em seu aspecto biológico.

Édis Milaré (2001: 66), por seu turno, chama atenção para o fato de que a ausência de rigor na definição legal de meio ambiente não compromete os objetivos do diploma legal já referido, destacando que a lei delimitou perfeitamente o conceito de meio ambiente em âmbito jurídico.

Ademais, deve-se levar em consideração o contexto histórico em que a Lei 6.938/81 foi elaborada, haja vista que nesse momento a preocupação do legislador estava voltada para a utilização racional dos recursos naturais. Com efeito, é somente no final dos anos 90 do século passado que o conceito de meio ambiente será ampliado e amadurecido com o desenvolvimento do tema no campo da filosofia, das ciências sociais e naturais (MILARÉ, 2001: 67).

Decerto que a norma positivada não é uma "camisa de força" a impedir que a lei seja adequada à realidade hodierna, até porque o Direito positivo é o resultado de um equilíbrio provisório que se cristalizou, enquanto que a sociedade avança no espaço temporal.

Por isso que Milaré (2001:69) assevera que... Caberá ao Poder Público e à sociedade, co-responsáveis na gestão ambiental, sondar melhor o espírito da lei, aquilo que vai mais além da letra escrita num determinado contexto histórico.

Outro referencial normativo na conceituação de meio ambiente é o artigo 225 da Carta Política de 1988. Embora aí não se encontre a conceituação expressa de meio ambiente, é fato que a Constituição de 1988 inaugurou uma verdadeira ordem pública ambiental (NAZO, MUKAI, 2002:100). Há, inclusive, a determinação de que esse macrobem – para usar a nomenclatura forjada por José Rubens Morato Leite – expressa um direito ao qual todos devem poder exercitar, além de se constituir, indubitavelmente, em bem de uso comum do povo, isto é, de interesse público.

Para Édis Milaré (2001: 66), a propósito, o artigo 225 da Lei Maior ao prescrever que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, permite inferir que o meio ambiente foi concebido, essencialmente, a partir de um caráter patrimonialista. Tal mandamento constitucional também, mormente no que tange ao "equilíbrio ecológico" e a "sadia qualidade de vida", revela que o conceito inscrito nas entrelinhas na Constituição de 1988 está assentado sobre bases fisiográficas, isto é, buscou fundamento na geografia física.

Entende, ainda, Milaré (2001: 66/7) que a concepção de meio ambiente cristalizada na Lei Maior é eminentemente antropocêntrica, na medida em que a valoração da natureza é condicionada à existência e interesses do ser humano, até porque dificilmente se poderia fundamentar juridicamente a categoria "meio ambiente" fora de uma esfera antropocêntrica, na medida em que somente o ser humano é sujeito de direitos e deveres. Afinal,

...o direito não atribui e nem poderia atribuir autonomia aos seres irracionais, porém, ocupa-se deles, protege-os e dispõe sobre o seu correto uso e desta forma, direta ou indiretamente, ocupa-se da preservação do planeta terra (MILARÉ, 2001: 67).

E aqui cabe mencionar uma ressalva de grande monta feita por José Rubens Morato Leite (2000: 79/80). Embora o autor citado ao norte não divirja de Édis Milaré no que pertine ao fato de que é impossível conceituar juridicamente meio ambiente deslocado de uma perspectiva antropocêntrica, Leite acrescenta que na Constituição Federal de 1988 está presente um antropocentrismo alargado, ou seja, o meio ambiente encerra um valor que independe de interesses imediatistas e utilitaristas dos homens, contrariando o chamado antropocentrismo clássico. Não é à toa, pois, que está constitucionalmente tutelado o direito ao meio ambiente equilibrado ecologicamente das gerações vindouras, o que importa falar em interesses intergeracionais.

Um outro aspecto que deve ser ressaltado sobre o meio ambiente enquanto objeto de tutela constitucional reside no fato de que é incabível, a partir da promulgação da Constituição Cidadã, tratar da proteção do meio ambiente considerando-o de forma compartimentada e individualizada. Isso porque, a eficaz elaboração e implementação de políticas públicas de cunho ambiental tem como pressuposto a concepção de meio ambiente como um bem intricado que reivindica, irremediavelmente, um olhar (do legislador e administrador) que o perceba de modo totalizante, global (ANTUNES, 2001: 46). Com efeito, é praticamente pacífica na doutrina nacional considerar a unidade como uma das propriedade do bem jurídico em discussão – o meio ambiente (SILVA b, 2002: 22).

Dimensão igualmente importante do meio ambiente como categoria jurídica que deve ser explorada é sua caracterização como um direito humano fundamental.

José Afonso da Silva sustenta que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado inscreve-se no rol dos direitos fundamentais de terceira geração, isto é, direitos que não tem por destinação um indivíduo, ou um determinado grupo social, mas está afeto a toda uma coletividade.

O direito ao ambiente saudável inscrito como direito fundamental de terceira geração possui uma dimensão positiva e negativa. Positiva, na medida em que impõe ao Estado a obrigação de fornecer canais de participação no processo de gestão ambiental e instrumentos de garantia desse bem jurídico; negativa, porque exige que o Poder Público não degrade o meio ambiente (SILVA a, 2002: 52). Daí a afirmação de que o direito ao ambiente não pode ser disposto como um direito contra o Estado. É, em verdade, um

...direito em face do Estado, na medida em que este assume a função de promotor do direito mediante ações afirmativas que criem as condições necessárias ao gozo do bem jurídico chamado qualidade do meio ambiente (SILVA b, 2002:52 – grifo no original).

Nessa mesma esteira de raciocínio, José Rubens Morato Leite (2001: 92) ao colocar o direito ao ambiente como um direito humano fundamental, o equiparou à igualdade, à liberdade e mesmo à vida, sob a fundamentação de que o meio ambiente enquanto bem jurídico possui um caráter social amplo – tal qual a vida, a liberdade e a igualdade – transcendendo, portanto, os limites estreitos da esfera individual. Diz Leite (2001: 93):

...este direito fundamental, inclui uma concepção jurídico-política de solidariedade, pois não se buscam a garantia ou a segurança individual contra determinados atos, nem mesmo a garantia e segurança coletiva, mas, sim, tem-se como destinatário final o próprio gênero humano e, paralelamente, a natureza, com vistas à preservação da capacidade funcional do ecossistema.

A conseqüência nuclear de se fundamentar o direito ao meio ambiente como um direito humano fundamental de terceira dimensão é sua constituição como cláusula pétrea e, portanto, não passível de ser revogável (MARUM, 2002: 134).

Sobre o autor
Ed Carlos de Sousa Guimarães

Mestre em Direito (UFPA), Especialista em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UFPA) e Graduando em Ciências Sociais (UFPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Ed Carlos Sousa. Gestão ambiental das cidades e representações sociais:: o caso do bairro de Batista Campos, em Belém (PA). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 502, 21 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5908. Acesso em: 24 nov. 2024.

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