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Gestão ambiental das cidades e representações sociais:

o caso do bairro de Batista Campos, em Belém (PA)

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Agenda 21/11/2004 às 00:00

3.AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE MEIO AMBIENTE DOS MORADORES DE BATISTA CAMPOS: RE)DESCOBRINDO A "PARTE DE CIMA" E "A PARTE DE BAIXO" DO BAIRRO.

Apreender as representações sociais de meio ambiente dos moradores de Batista Campos [2] significa, sobretudo, adentrar na vida cotidiana desses moradores, mormente, quando de suas relações para com o meio ambiente.

Analiso as representações sociais de meio ambiente tendo como pano de fundo específico o entorno imediato do bairro onde os moradores residem, porque conforme demonstrou Eunice Ribeiro Durhan (1998: 179) é, justamente, ao nível do espaço do bairro, da vida cotidiana que as avaliações das condições socioambientais e, nesse caso, as representações sociais adquirem concretude, nuanças próprias, sui generis.

Nesses termos, atestam Berger e Luckmann (1998: 38) que apesar de existir uma multiplicidade de realidades, a única que se apresenta como realidade predominante, é a realidade da vida cotidiana.

Nesse processo de percepção do espaço do bairro de Batista Campos, foi imprescindível levar em conta a arguta observação do antropólogo Roberto DaMatta quanto à construção cultural de espaço no país. Diz DaMatta que o espaço no Brasil acaba por se confundir com a própria ordem social. Aqui, diferentemente de outros países, os endereços, por exemplo, são pessoalizados ou tem como referência outros valores, de modo que ‘...A casa do Seu Chico fica ali em cima... do lado da mangueira... é uma casa com cadeiras de lona na varanda... fica logo depois do armazém do seu Ribeiro...’ (DaMATTA, 1991: 34 – grifo no original). Para corroborar essa assertiva, DaMatta, então, continua a sua ilustração citando como é assinalada a posição nas cidades norte-americanas:

...as cidades dos Estados Unidos se orientam muito mais em termos de pontos cardeais – Norte/sul; Leste/Oeste – e de um sistema numeral para ruas e avenidas, do que por qualquer acidente geográfico, ou qualquer episódio histórico, ou – ainda – alguma característica social e/ou política... (DaMATTA, 1991: 35/6).

A implicação dessa argumentação é que para se saber como o espaço é concebido deve-se, primeiramente, entender a sociedade com seu emaranhado de relações. Quer dizer, espaço que é imerso a todo o momento nas relações e valores vivenciados em sociedade. A cidade e o processo de gestão ambiental devem ser pensados, desse modo, a partir de uma perspectiva relacional. Daí Michel de Certau (1996: 202), dizer que o espaço é um lugar praticado.

Nessa relação de (re)apropriação e/ou reelaboração do espaço urbano, do espaço do bairro, interessa, no momento, abordar as relações socioambientais praticadas e, mormente, as representações sociais aí subjacentes.

O que se observou no bairro de Batista Campos é que seus moradores possuem uma representação social de meio ambiente que não destoa da concepção geral de meio ambiente, qual seja a que concebe o ambiente como sinônimo de natureza.

Dessa maneira, em Batista Campos há dois grupos de representações: (a) um grupo que traduz meio ambiente como espaço que circunda os indivíduos num momento e local determinados; (b) um segundo bloco em que meio ambiente é entendido como meio natural, composto por água, solo, ar, fauna e flora.

O primeiro tipo de representações pode ser facilmente constatado nas declarações de meus interlocutores de Batista Campos:

- "Meio ambiente isso aqui que a gente tá (...) tudo que está ao nosso redor".

- "Meio ambiente é o lugar onde a gente possa viver dignamente como cidadão (...) o lugar onde não tenha poluição (...) você não tenha marginalização".

O segundo grupo, por sua vez, pode ser identificado nas seguintes afirmações:

- "Meio ambiente é sobre a água, a natureza (...) que está acontecendo muita destruição".

- "Meio ambiente é a natureza em primeiro lugar, claro e evidente (...) a fauna, a flora...".

Outras vezes, nas manifestações dos informantes, nota-se as duas representações se intercruzando. Quer dizer, essas duas tipologias de representações sociais não estão estanques e dissociadas.

Diz um morador de Batista Campos: "Meio ambiente é a condição em que a gente vive (...) desde as condições de ruído, condições atmosféricas, [até] o ambiente onde a gente mora".

E menciona um outro entrevistado: "Meio ambiente é uma forma de a gente preservar e garantir o que já existe (...) que possa nos manter (sic) uma relação entre nós e as coisas que nos envolve".

Ou, ainda:

"Meio ambiente é o espaço que a gente vive, todo. Mato, o prédio, a casa (...) é o ambiente tanto construído pelo homem, como natural".

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Inicialmente, se pressupunha que os moradores de Batista Campos fossem apresentar representações de meio ambiente diferenciadas, mormente, quando se levava em consideração o maior nível de instrução e melhores condições socioeconômicas das pessoas que residem no bairro. Tal pressuposto, como se vê, não se confirmou.

No que pertine às percepções dos problemas ambientais do bairro, há uma curiosidade. Em Batista Campos estão os chamados problemas ambientais "sofisticados", designação que utilizo como marcador para diferenciar tais problemas socioambientais de outros tipicamente identificáveis em bairros da periferia da cidade de Belém. Os problemas ambientais "sofisticados", dessa maneira, não têm ligação com problemas de infra-estrutura da cidade (ausência de saneamento básico, por exemplo).

Houve moradores que durante as entrevistas mencionaram problemas de ordem ambiental que dificilmente poderiam ser citados pelos moradores de um bairro localizado na periferia da cidade de Belém. A título de ilustração, cite-se o problema das árvores do bairro que não estão sendo podadas corretamente, ou o fato de que algumas delas tiveram seus galhos totalmente cortados para que esses não atrapalhassem a mensagem de outdoor colocado estrategicamente num ponto de Batista Campos. Assim se pronuncia um morador: "...por causa de uma placa (outdoor) ‘pelaram’ todas as árvores aí...". E continua o mesmo informante: "...isso aí (a inadequada poda das árvores) vai matar as árvores, porque (elas) ficam cheias de ervas".

Aliás, um outro entrevistado de Batista Campos além de dar ênfase a esse problema, informou que a Funverde (Fundação Parques e Áreas Verdes de Belém, hoje Secretaria Municipal de Meio Ambiente - SEMMA) não vem cumprido com suas atribuições no bairro. Disse o informante:

"...a parte (suas atribuições que não estão sendo cumpridas) da Funverde que a gente faz a solicitação pra (ela) fazer os cortes nas árvores, inclusive, dá problemas elétricos (...) E quando a gente manda fazer particular o serviço, a Funverde vem e depois quer colocar multa em cima do morador".

Uma outra espécie de problema ambiental "sofisticado" mencionado pelos moradores do bairro ora sob comento, é a questão da poluição sonora. Inclusive, houve informante que a apontou como o principal problema ambiental de Batista Campos. Posicionou-se um morador:

"...o problema ambiental principal (...) é o barulho, o ruído do trânsito. Este é o problema principal porque não pára, são 24 horas esse barulho. Então, as pessoas que moram nos andares mais baixos aqui do prédio sofrem mais do que aquelas que moram lá em cima".

Outra situação-problema descrita pelos moradores foi o fato de que o bairro em questão que em outrora era tipicamente um bairro residencial, pouco a pouco, está se transformando num bairro eminentemente comercial. Essa mudança vem prejudicando, segundo meus interlocutores, a qualidade de vida e, por conseguinte, a qualidade ambiental dos moradores do bairro, já que o tráfego em alguns pontos ficou bastante caótico, a poluição sonora, visual e do ar se instalou, além do bairro ficar mais suscetível à violência urbana, principalmente quando se fala de furtos e roubos.

O lixo, o fato de que a limpeza das ruas, avenidas e praças não é feita todos os dias, também foi um problema repetidamente citado pelos moradores.

Contudo, o que mais chamou minha atenção foram as declarações feitas por alguns informantes no sentido de que inexistem problemas ambientais no bairro. Interpreto esses depoimentos da seguinte forma: como os moradores se sentem orgulhosos em morar em Batista Campos – afinal, é um bairro "nobre" e tradicional de Belém – alguns moradores acabam por não apontar situações-problemas de ordem ambiental existentes no bairro. Uma outra explicação plausível reside no aspecto de que os problemas ambientais palpáveis, tangíveis de Batista Campos, segundo a percepção dos moradores, se limita à falta de limpeza e, conseguinte, presença de lixo. Afora os resíduos sólidos, o bairro, aparentemente, não apresenta outros problemas. Para ilustrar tais argumentações, deve ser citado o seguinte depoimento:

"...O bairro de Batista Campos é um bairro até meio (mais) privilegiado que os outros, por não haver muitos problemas pra nós ter que darmos muitas sugestões. Claro que deve existir, se procurarmos com muita atenção (...) mas é quase impossível".

Ou, ainda, de modo reticente: "por aqui não tem muito problema, não". E, de forma, ainda mais sucinta: "...tá tudo normal, tá tudo normal, tá tudo normal...". Sentenciou um informante, quando inquirido sobre a questão ambiental no seu bairro: "...Aqui na Batista Campos, eu acho que tá bom...".

Afirma um morador, nesses mesmos termos: "...com relação (...) ao lixo, água, essas coisas aqui eu não tenho esse problema (...) aqui nós não temos..".

A situação é inversa quando se (re)descobre a "parte de baixo" do bairro. Como se infere do próprio termo, esta é a área considerada menos nobre de Batista Campos. Os moradores dessa parte do bairro costumam dizer que na "parte de cima" moram os "barões", a "elite" de Batista Campos.

Uma das visitas efetivadas na "parte baixa" do bairro foi num dia chuvoso. De fato, Belém, parece se revelar ainda mais (do ponto de vista ambiental) nos dias de chuva. Algumas ruas de Batista Campos estavam simplesmente intransitáveis. Um canal da travessa Doutor Moraes ameaçou transbordar. Os "bueiros" da área se revelavam completamente entupidos de lixo doméstico. E os moradores denunciaram: "...[na] parte baixa (...) aqui, é esgoto entupido, por isso acontece enchentes...".

Numa certa passagem da rua Timbiras, igualmente, problemas urbanos elementares: ausência de rede de esgoto (a rua estava alagada), de asfalto, lixo espalhado pela área.

A percepção/leitura que os moradores da "parte de baixo" fazem dessa situação é que, realmente, a preocupação com o espaço urbano do bairro, parece se circunscrever, sobremaneira, à área que está no entorno da Praça Batista Campos. É essa área que, segundo a percepção dos moradores, concentra a maioria das políticas publicas urbanas. Uma possível explicação para tal fato, conforme ainda os moradores da parte menos nobre de Batista Campos é que a praça se constitui como ponto turístico da cidade. Com efeito, quanto mais se distancia dessa área, mais se adentra num espaço que é muito mais suscetível de problemas ambientais, justamente por ser um local onde residem, em princípio, pessoas de classes menos abastadas.

Quando se questionou acerca da (des)mobilização dos moradores, as explicações foram curiosas.

E aqui, não se confirmou uma hipótese construída no início da pesquisa. Pensou-se que devido residir em Batista Campos, uma classe média, em princípio, deveria existir uma ativa participação dos moradores no processo de gestão do meio ambiente.

Em verdade, o que constatei é que os moradores do bairro esperam que um terceiro possa resolver as questões ambientais apresentadas como problemáticas em Batista Campos. A razão dessa postura é, segundo um informante, a desinformação: "...não tem pra quem pedir, nem sabe quem atende, ninguém liga pra nada mesmo. E você não vai se desgastar a troco de nada (...) se você soubesse que alguém iria (...) resolver, com certeza (...) iríamos lutar".

Existem informantes que, por sua vez, reconhecem a gestão ambiental como uma incumbência exclusiva do governo, ou dos "políticos", porque, desse modo, a não participação na vida política da cidade é, subliminarmente, justificada. Justifica-se o entrevistado, morador da "parte de cima" de Batista Campos: "...a culpa (pelos problemas ambientais) é dos políticos, porque não se envolve (sic) com nada (...) o que é de interesse coletivo não interessa pra eles...".

Um outro fator explicativo para a transferência de responsabilidades no que diz respeito à gestão ambiental se encontra num fato simples: os moradores da área mais nobre de Batista Campos pagam tributos de alto valor monetário para se preocuparem, ou se envolverem com questões ligadas à melhoria do meio ambiente. De forma esclarecedora, enfatiza um informante: "...é a (falta de) apoio político (...) também a gente fazer a reclamação e não ser atendido, justamente na prefeitura, porque a gente paga altas taxas de IPTU, da Rede Celpa...".

Um certo morador encontrou uma outra explicação para o distanciamento, a falta de envolvimento em questões de ordem ambiental:

"...individualismo (...) cada um fica mais na sua (...) preocupado com seus próprios problemas (...) esse bairro tá virando um bairro quase comercial, o pessoal (...) no final de semana, quem mora em apartamento quase não tem mais contato com o pessoal aqui do bairro como tinha antigamente. Não tem muito contato físico...".

Com efeito, a percepção do informante é bastante plausível, mormente, quando se traz à baila à argumentação de Eunice Ribeiro Durham (1988: 179). A autora argumenta que as populações das classes sociais mais altas e que residem nos bairros centrais de uma cidade, tendem a estabelecer uma fraca teia de relações sociais com vizinhos, o que dificulta uma sociabilidade local que poderia convergir, por exemplo, para a formação de uma associação de moradores ou de um centro comunitário. A razão é simples: o fato desses moradores residirem em apartamentos, ao possuírem veículos automotores e terem acesso ao telefone e internet, permite que eles estabeleçam relações sociais com parentes dispersos pela cidade, de modo que as relações com a vizinhança podem ser, tranqüilamente, dispensadas.

Contudo, há de se ressaltar uma percepção diferenciada dos moradores residentes da "parte de baixo" de Batista Campos. Afirmou um entrevistado: "...o pessoal se mexe muito na época das campanhas políticas. Essa que é a verdade. Quando passa a campanha, todo mundo fica parado...".

E a seguinte explicação é bastante provocativa: "...é questão cultural, de educação, eles (os moradores) não se interessam (...) poucas as pessoas que têm o meio ambiente como um bem comum, que é um bem meu, teu, que eu tenho que preservar (...) parece que é obrigação só da prefeitura...". E arremata: "...sempre [se faz] muita cobrança em cima das autoridades, mas eu acho que a gente faz muito pouco para melhorar".

Essa divisão de Batista Campos em "parte alta" e "parte baixa", implica, como está sendo demonstrado, numa percepção diferenciada da questão ambiental no bairro. Os moradores menos privilegiados, justamente por estarem mais expostos a problemas ambientais, como constantes enchentes, acabam por apontar problemas ambientais típico de bairros periféricos, o que demonstra que mesmo esse espaço local chamado de bairro encerra heterogeneidade, divisões só percebidas por quem se dispõe a perceber as nuanças da cidade.

Sobre o autor
Ed Carlos de Sousa Guimarães

Mestre em Direito (UFPA), Especialista em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UFPA) e Graduando em Ciências Sociais (UFPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Ed Carlos Sousa. Gestão ambiental das cidades e representações sociais:: o caso do bairro de Batista Campos, em Belém (PA). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 502, 21 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5908. Acesso em: 24 nov. 2024.

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