CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta de estudar a relação entre Representação Social e Meio Ambiente a partir de um bairro da cidade de Belém do Pará – Batista Campos – teve por escopo precípuo demonstrar que a gestão ambiental das cidades, não pode ser se processar considerando a urbe como um espaço ordenado e homogêneo. Faz-se necessário, com efeito, um Estudo Prévio das Representações Sociais de Meio Ambiente dos grupos sociais que estarão envolvidos com o processo de gestão ambiental.
À primeira vista, toda essa argumentação pode parecer exótica, mas, em verdade, como se pôde constatar no presente trabalho, as representações sociais de meio ambiente, em última instância, perpassam e/ou orientam até mesmo as ações (ou a ausência delas) dos moradores de Batista Campos quando estão frente a frente com problemas de ordem ambiental.
De acordo com a pesquisa de campo, os moradores de Batista Campos, sejam eles da "parte de cima" ou da "parte de baixo" do bairro, possuem as seguintes representações sociais de meio ambiente: (a) o meio ambiente é o meio imediato que circunda os indivíduos; (b) é sinônimo de meio natural. Nesse último caso, foi bastante recorrente a representação de meio ambiente em forma de florestas, árvores e animais. Houve, ainda, a identificação de uma representação de meio ambiente que realiza um diálogo entre as duas representações citadas: o meio ambiente é um espaço natural circunscrito.
Na primeira tipologia de meio ambiente (como espaço circunscrito), há um paradoxo: ao mesmo tempo em que se percebe que os moradores consideram o próprio bairro como a expressão, por excelência, do meio ambiente, quando se questionou acerca dos problemas ambientais dos bairros e sobre os modos de ação, observou-se que os moradores efetivam uma separação entre eles e esse espaço socialmente produzido, elaborado e reelaborado, mormente, quando foi inquirido sobre a fraca participação dos moradores no processo de gestão do meio ambiente.
Quer dizer, os moradores acabam por atuar de dois modos ante os problemas ambientais e as possíveis vias de participação e resolução de tais problemas: (a) no papel de vítimas dos problemas, percebe-se, que eles se inserem, fazem parte, de fato, do meio ambiente, até porque eles são afetados diretamente pela poluição do ar, pela ausência de saneamento, água potável etc.; (b) no papel de cidadãos que, em princípio, deveria ser cotidianamente exercitado, os moradores simplesmente se distanciam do meio ambiente; estranham o familiar, não para problematizá-lo ou pronunciá-lo a seguir, mas para transferir para outrem a responsabilidade de gerir, reivindicar e implementar políticas públicas de ordem ambiental, por exemplo, já que o estranho não pronunciado é justamente aquilo que não foi apropriado, percebido, em suma, espaço que espera para ser gerido, de preferência, por um terceiro não pertencente à comunidade.
Subjacente a essa prática está, indubitavelmente, a representação social de meio ambiente como espaço dissociado do ser humano. O meio ambiente é, com efeito, floresta, meio natural. Assim se posicionou um informante: "meio ambiente é a natureza em primeiro lugar, claro e evidente (...) a fauna, a flora...".
Esse tipo de representação social de meio ambiente, é um óbice à construção da chamada cidadania ambiental. Isso porque, meio ambiente identificado como natureza, remete, invariavelmente, como algo que só pode ser entendido ou sofrer alguma intervenção por um especialista. Ao se estruturar dessa forma, essa representação não permite a percepção que o espaço urbano é também meio ambiente, e sendo esse espaço socialmente produzido é, pois, modificável pela ação histórica dos sujeitos que atuem na cidade. E ressalte-se: não se está afirmando que referida representação é falsa, até porque não existem representações falsas ou verdadeiras, na medida em que, os grupos sociais vão formando suas representações de acordo com as suas realidades cotidianas.
Isso ficou patente nas entrevistas transcritas neste trabalho. Dessa maneira, via de regra, é a prefeitura, o prefeito da cidade, a SEMMA, o vizinho, em suma, "o outro" que deverá ser responsável pela busca de soluções para os problemas ambientais urbanos vivenciados ao nível do bairro. O meio ambiente não é concebido como um bem, cuja responsabilidade se espraia por toda a sociedade. Nesse movimento, como se infere, acaba por se instalar em nível de bairro, uma irresponsabilidade organizada, para lembrar Ulrich Beck.
A propósito, a hipótese presente no início da pesquisa acabou por não se confirmar, qual seja a de que os moradores de Batista Campos, devido sua melhor condição socioeconômica e maior grau de instrução, apresentariam representações sociais de meio ambiente diferenciadas das dos residentes em Bairros periféricos da cidade, por exemplo.
O que, de fato, saltou aos meus olhos foi à percepção dos problemas ambientais pelos moradores do bairro de Batista Campos. As condições socioeconômicas, a classe social a que pertence o indivíduo, tiveram influência direta na percepção dos problemas ambientais.
Os residentes da "parte de cima" de Batista Campos têm a percepção dos problemas ambientais "sofisticados", justamente porque aqueles que poderiam ser identificados pelos comunitários de algum bairro da periferia da cidade de Belém inexistem, ou apresentam-se nessa parte de Batista Campos numa escala bem menos intensa. Dessa forma, os moradores da "área nobre" de Batista Campos identificam poluição sonora e do ar; têm a percepção de que a poda sem critérios das árvores no bairro prejudica a qualidade de vida dos moradores, apontando, inclusive, responsáveis pela má administração das áreas verdes de Batista Campos.
Os moradores da "parte de baixo" do bairro, por sua vez, identificam problemas mais triviais, ligados à infra-estrutura urbana: falta de saneamento básico, problemas com resíduos sólidos, ruas não asfaltadas, etc. Não constatei nenhum morador da parte menos nobre de Batista Campos, reclamando de poluição sonora, por exemplo. Com efeito, essa parte de Batista Campos, corresponde a uma área periférica do bairro, espaço para onde foram "empurrados" os moradores menos abastados. Tanto isso é verdade, que os moradores desse ponto do bairro, dizem que na "parte de cima" moram os "barões" de Batista Campos.
Um problema ambiental que não foi referido uma única vez pelos moradores de Batista Campos é a pichação em inúmeros prédios do bairro. Aliás, mesmo com a atuação dos "amigos da praça" e a presença da guarda municipal na Praça de Batista Campos, nota-se que ela está sendo pichada.
Com efeito, fica patente que a apropriação do espaço urbano, da cidade em si, reflete, em última análise, a posição das classes sociais que ocupam a urbe. Ora, se a ocupação da cidade não se processa de forma linear, mas de modo diferenciado, é lógico que um projeto voltado para a gestão ambiental deve pensar a cidade de Belém do Pará de forma plural, multifacetada. E, principalmente, considerar que os seus moradores possuem representações sociais que podem constituir em óbice à construção da cidadania ambiental e que, portanto, podem ser revistas, reelaboradas e repensadas.
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Notas
1 Uma leitura panorâmica acerca do conceito das representações sociais na sociologia clássica pode ser feita em Textos em Representação Sociais, obra em que Maria Cecília de Souza Minayo (2000: 89/111) faz um passeio teórico por Durkheim, passando por Weber, Marx, Schutz, Mauss, Gramsci, Lukács e Bourdieu.
2 O bairro, segundo a Lei n.º 7.806, de 30 de julho de 1996 (a qual dispôs acerca da delimitação das áreas que compõem os Bairros de Belém), compreende a área envolvida pela poligonal que tem início na interseção da Rua Gama Abreu com a Avenida Serzedelo Corrêa, segue por esta até a Avenida Gentil Bittencourt, dobra à esquerda e segue por esta até encontrar a Travessa Quintino Bocaiúva, flete à direita e segue por esta até a Rua Conceição, flete à direita e segue por esta a Travessa Doutor Moraes, dobra à esquerda e segue por esta até a Passagem Pinheiro, dobra à direita e segue por esta até encontrar a Travessa Padre Eutíquio, flete à esquerda e segue por esta até sua interseção com a Travessa Quintino Bocaiúva, segue por esta até a Rua Tupinambás, flete à direita e segue por esta até a Rua Arciprestes Manoel Teodoro, flete à esquerda e segue por esta até a Avenida Almirante Tamandaré, dobra à direita e segue por esta até a Travessa Padre Eutíquio, a partir da qual recebe a denominação de Rua Gama Abreu, por onde segue até o início da poligonal.