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Natureza humana e Sociologia

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Agenda 15/11/2004 às 00:00

Kelsen

Hans Kelsen, jurista austríaco, não é um autor clássico da sociologia, donde convém apresentar, introdutoriamente, sua obra. A "Teoria Pura do Direito" é uma teoria normativista, ou analítica, da ordem jurídica, ou seja, interpreta o Direito como um sistema de normas, e não como um sistemas de ações humanas concretas. Basicamente, o que procurarei mostrar aqui é que esta concepção "normativista", Kelsen não a aplica apenas ao Direito, mas também à sociedade, e que isto implica em concepção sociológica bastante interessante. Além disso afirmo que a antropologia filosófica de Hans Kelsen é bem menos influenciada por concepções normativas e abre margem a explicações intencionais, aceitando, ao mesmo tempo, explicações macro-sociológicas.

A Teoria Pura do Direito

O autor chama sua teoria de "teoria pura do direito" e, ele mesmo, explica o porquê de tal nome:

A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo - do Direito em geral, não de uma ordem jurídica especial (...) Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. (...) Quando a si própria se designa como "pura" teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.(Kelsen, 2000: 1)

Nesta passagem estão presentes três aspectos da Teoria Pura do Direito: 1) é uma teoria geral do Direito; 2) é uma teoria alheia a juízos axiológicos acerca do Direito Positivo; 3) é uma teoria distinta de uma Sociologia do Direito. O objetivo do autor é "elevar a jurisprudência (...) a uma genuína ciência, uma ciência do espírito" (Kelsen, 2000:XI). Assim como Durkheim, pretende o autor estabelecer um objeto de estudo próprio da ciência jurídica, distinto do objeto de estudo da Ética (estudo da moral) e do objeto da Sociologia.

Kelsen identifica o objeto de estudo da ciência jurídica como um sistema coercitivo de normas. Esta definição tem implicações em vários conceitos da ciência jurídica, tais como pessoa física e jurídica, relação jurídica, constituição, revolução, etc. Além de "denunciar" várias idéias ideológicas que, segundo o autor, perpassam o pensamento jurídico (como a idéia de que a propriedade privada é a relação entre um homem e uma coisa) e desfazer duplicações, segundo o autor indevidas, promovidas pelo pensamento (como quando ele afirma que Direito e Estado são apenas uma coisa).

Isto posto, cumpre esclarecer que considero que Kelsen não logrou estabelecer uma distinção entre Sociologia e Direito, mas sim, construir uma teoria sociológica que ele aplica ao Direito. Neste sentido, assumo que Kelsen não conseguiu realizar seu objetivo, e que a teoria pura do Direito é, de fato, uma teoria pura das ordens sociais, ou melhor, uma teoria pura da Sociedade. Passo, portanto, a apresentar as idéias desenvolvidas pelo autor que considero que constituem uma teoria sociológica.

Natureza e Sociedade

Um aspecto essencial para a compreensão da obra do autor é a dualidade sociedade-natureza, de que passo agora a tratar. Segundo Kelsen:

La sociedad y la naturaleza, concebidas como dos diferentes sistemas de elementos, son los resultados de dos métodos diferentes de pensar y sólo en cuanto tales dos objetos diferentes. Los mismos elementos, puestos en conexión conforme al principio de causalidad, constituyen la naturaleza; conforme a otro, a saber, un principio normativo, constituyen la sociedad. (Kelsen, 1945: 1)

Note-se que a sociedade não foi definida como um agrupamento humano, nem como relações entre homens ou qualquer coisa do gênero. A natureza é um conjunto de elementos ligados entre si pelo princípio da causalidade. A sociedade são os mesmo elementos ligados entre si pela imputação. Tais afirmações são feitas numa obra em que o autor tenta mostrar que, primitivamente, tudo era concebido em termos sociais. O princípio da causalidade seria uma degeneração da lei de Talião. Mas a definição é interessante no sentido de apontar para uma ciência da sociedade que não tenha por objeto os indivíduos. É o que o autor fez com o Direito.

A sociedade é, portanto, definida pelo elo normativo entre os elementos. Desta forma, a sociedade não é constituída por seres humanos e pelas relações entre eles. A sociedade é uma perspectiva, um modo de pensar. Os mesmos elementos que constituem a natureza, desde pedras, gafanhotos, homens, idéias, etc. constituem também a sociedade. Assim, um casamento não é uma relação entre um homem e uma mulher envolvendo sexo e propriedade, mas um conjunto de normas.

Segundo Kelsen, primitivamente, o homem concebe tudo a sua volta como parte da sociedade, ou melhor, concebe tudo em termos normativos. Ele interpreta tempestades como castigos, a colheita como recompensa, ele não se pergunta acerca do que causa os fenômenos naturais, mas sim acerca de quem os causa. Ele constrói, assim, um sistema interpretativo normativamente construído para descrever e explicar todos os fenômenos que se lhe oferecem à experiência.

Ainda segundo o autor, a idéia de causalidade decorre de uma degeneração de um princípio normativo, a lei de talião: olho por olho e dente por dente. O autor apresenta uma vasta bibliografia etnográfica e histórica em apoio a esta tese. Tenta ele demonstrar que o Direito só deixou de estabelecer sanções a animais e objetos muito recentemente, e que tal se deve, essencialmente, a que as sanções não afetam a conduta deles. Com a noção de causalidade, tem-se um modo rigorosamente diferente de interpretação do mundo, um modo científico. Esse modo de interpretação dos elementos constitui a natureza tal como a concebemos hoje, ou seja, um conjunto de elementos ligados entre si por elos causais.

A natureza é constituída por séries infinitas de relações causais, ou seja, todo elemento é concebido como sendo, a um só tempo, causa de um fenômeno e consequência de um outro. Diversamente, a sociedade é constituída por séries finitas de elos normativos. Explico-me: a forma do elo causal ou natural é: se A é, então B é (ou será). Pode-se perguntar pela causa de A, e encontrar-se-á C, pode-se então, perguntar pela causa de C, encontrando-se D, e assim por diante. A forma do elo normativo é: se A é, então B deve ser. Se perguntarmos por que A deve ser, poderemos ter C, e se perguntarmos por que C deve ser, poderemos ter D, no entanto, esta série terá um último elo, o qual não podemos justificar por sua relação com outra norma. Voltarei a este assunto mais adiante. Por ora, cumpre apenas notar que existe uma dicotomia entre Sociedade e Natureza e que cada um compreende os mesmos elementos.

Esta distinção entre natureza e sociedade é a base para a distinção que Kelsen afirma haver entre Ciências Naturais e Ciências Normativas. A distinção kelseniana não corresponde à distinção normalmente tratada. Ciências naturais seriam aquelas que descrevem e explicam seu objeto de estudo de acordo com o princípio da causalidade, e ciências normativas seriam aquelas que descrevem e explicam seu objeto de estudo em termos de um princípio normativo. A sociologia estaria classificada como uma ciência natural. Para evitar tal confusão o autor classifica as ciências em naturais (física, química, etc), sociais causais (sociologia, economia) e sociais normativas (jurisprudência, teologia, ética). As duas primeiras descrevem seus objetos de estudo em termos causais, as últimas os descrevem em termos normativos.

Afirmar que a jurisprudência descreve seu objeto de estudo valendo-se de um princípio normativo não implica que seja uma ciência prescritiva. O exemplo da teologia é bastante esclarecedor neste ponto. Uma teologia que busque sistematizar a religião, descrevê-la e explicá-la em termos normativos (os da própria religião) seria o que Kelsen chamaria de ciência normativa. Ela seria, e de fato é, diferente da Apologética, que é entendida como um ramo da Teologia que visa defender a fé; seria diferente também da própria religião. Um teólogo pode mesmo ser ateu e descrever, ainda assim, a religião como um sistema de normas e crenças válidas. Do mesmo modo um jurista que descreve o direito como um sistema de normas e crenças válidas não precisa, necessariamente, considerá-lo como justo ou de qualquer forma valioso.

Antropologia Filosófica

A antropologia filosófica kelseniana pode, na minha opinião, ser resumida nestas palavras do autor:

(...) não é a liberdade, isto é, a indeterminação causal da vontade, mas, inversamente, que é a determinabilidade causal da vontade que torna possível a imputação. Não se imputa algo ao homem porque ele é livre, mas, ao contrário, o homem é livre porque se lhe imputa algo. (Kelsen, 2000: 109)

Passo agora a explicar esta passagem. Entende-se normalmente, principalmente a partir de uma perspectiva individualista, que um homem não pode ser punido por algo que não possa ser considerado como sua "culpa", ou melhor, por algo que não resulte de sua vontade ou "negligência, imprudência e imperícia" (de sua "culpa" ou de seu "dolo"). Tanto a culpa como o dolo constituem estados intencionais. A culpa (imprudência, imperícia e negligência) é, em geral considerada menos grave que o dolo (vontade de praticar o ato tido como delito), de modo que se costuma sustentar que um indivíduo só pode ser punido por algo que decorra de sua vontade livre. Entende-se que o indivíduo quis cometer o delito, ou não tomou o cuidado necessário para evitá-lo, portanto, pode ser considerado responsável. Afirma o autor:

Costuma afirmar-se: o homem é responsável, isto é, capaz de imputação moral ou jurídica, porque é livre ou tem uma vontade livre, o que, segundo a concepção corrente, significa que ele não está submetido à lei causal que determina a sua conduta, na medida em que sua vontade é, deveras, causa de efeitos, mas não é ela mesma o efeito de causas. Somente porque o homem é livre é que o podemos fazer responsável pela sua conduta, é que ele pode ser recompensado pelo seu mérito, é que se pode esperar dele que faça penitência pelos seus pecados, é que o podemos punir pelo seu crime.(Kelsen, 2000: 105)

Esta postura que vincula a responsabilidade jurídica à liberdade é expressamente rejeitada por Kelsen. A natureza é constituída por séries causais infinitas e não há qualquer razão para supor que haja um vácuo causal na vontade humana, para supor que a vontade humana seja causa de efeitos, mas não efeito de causas, além do mais:

A verdade, porém, é que o pressuposto de que apenas a liberdade do homem, ou seja, o fato de ele não estar submetido à lei da causalidade, é que torna possível a responsabilidade ou a imputação está em aberta contradição com os fatos da vida social. A instituição de uma ordem normativa reguladora da conduta dos indivíduos - com base na qual somente pode ter lugar a imputação - pressupõe exatamente que a vontade dos indivíduos cuja conduta se regula seja causalmente determinável e, portanto, não seja livre. Com efeito, a inegável função de uma tal ordem é induzir os homens à conduta por ela prescrita, tornar possíveis as normas que prescrevem determinada conduta, criar, para as vontades dos indivíduos, motivos determinantes de uma conduta conforme às normas. Isto, porém significa que a representação de uma norma que prescreve uma determinada conduta se torna em causa de uma conduta conforme a essa norma. Só através do fato de a ordem normativa se inserir, como conteúdo das representações dos indivíduos cuja conduta ela regula, no processo causal, no fluxo de causas e efeitos, é que esta ordem preenche a sua função social. E também só com base numa tal ordem normativa, que pressupõe a causalidade relativamente à vontade do indivíduo que lhe está submetido, é que a imputação pode ter lugar. (Kelsen, 2000: 105).

O argumento apresentado acima é, em suma, o de que uma ordem social que estipule sanções para o comportamento que considera delituoso pressupõe que tal norma servirá como fator causal na conduta do indivíduo a ela submetido, ou seja, as normas e os conteúdos de sentido em geral, entram como fatores causais determinantes da vontade humana, donde esta deve ser causalmente determinada, ao menos assim supõe as ordens sociais que estipulam normas. Como a responsabilidade pelo delito decorre de tais ordens, não pode estar fundada na idéia de liberdade como indeterminação causal da vontade.

Afirmar que a vontade humana é indeterminada causalmente, é dizer que ela constitui um ponto inicial em uma série de elos causais. Kelsen argumenta que o que chamamos de liberdade é, na verdade, um ponto terminal de uma série normativa, e é também isto que constitui a responsabilidade. O ponto final de uma série normativa é a sanção. O homem é livre na medida em que pode, por sua conduta, incorrer em sanções, e é responsável porque a sanção pode incidir sobre ele. Por isto o autor afirma que não se imputa algo ao homem porque seja livre, mas que ele é livre porque se lhe imputa algo. A questão é que a idéia de liberdade pertence à sociedade (tal como definida pelo autor) e não à natureza.

A importância da antropologia filosófica de Kelsen está em que não admite que o homem seja algo distinto do resto da natureza. Seu comportamento e vontade são tão determinados por relações de causa e efeito quanto o comportamento de um animal ou de astros. Isto apesar de o autor demonstrar muito cepticismo com relação à possibilidade de determinação de todas as relações causais que determinam o comportamento humano. a questão aqui é que o autor não considera o homem como sendo "livre" no sentido de indeterminação causal da vontade. Não pode, portanto, a liberdade do homem servir de fundamento para atribuir-lhe qualquer valor. Tampouco é o homem visto como valioso de qualquer outra forma. Enfim, para Kelsen, o homem é tão somente um animal.

Esta postura naturalista não se choca com sua concepção de que a Sociedade e o Direito são distintos da natureza e, portanto, são objeto de uma ciência diferente da ciência natural. Parece-me que a perspectiva de Kelsen aponta no sentido de uma sociologia que seja, a um só tempo, naturalista e compreensiva, bem como permite uma nova compreensão da dicotomia entre holismo e individualismo metodológico.

Ordens Sociais

Kelsen afirma que o direito é uma ordem social. Uma ordem social é um sistema de normas. Uma norma é um conteúdo de sentido que significa que algo deve ser ou deve acontecer. Uma norma, em geral, estabelece uma sanção (pena ou recompensa) para o ato que proíbe (ou promove). Quando o autor fala das ordens sociais, não trata apenas do Direito, tanto assim que discute ordens sociais desprovidas de sanção (ou melhor, que não estatuem sua própria sanção) que seriam ordens morais, fala de ordens sociais com sanções transcendentais e de ordens sociais com sanções imanentes. Compreende-se assim que qualquer sistema de normas é considerado uma ordem social.

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Kelsen não se debruça sobre outras ordens sociais que não o Direito, e eu consideraria adequado mostrar como o autor trabalha com a ordem jurídica para, apenas em seguida, apontar para o fato de que grande parte pode ser transposta para as demais ordens sociais, mas isto ampliaria demasiado o trabalho. Por isso exporei desde já a idéia de que a Teoria Pura do Direito é uma teoria sociológica, a fim de que, durante a exposição acerca da estática e dinâmica jurídicas já possa o leitor supor a transposição daquelas considerações para as outras ordens sociais.

O autor estabelece um critério para determinar se uma certa norma pertence a uma determinada ordem social. Tal critério é o fundamento de validade. O fundamento de validade, como veremos, é uma norma pressuposta como válida, da qual decorrem as demais normas de uma ordem normativa. Como cada ordem normativa tem um fundamento de validade diferente, podemos distingui-las umas das outras. No entanto, os elementos que compõe as diferentes ordens normativas são os mesmos. Suponhamos uma situação em que um indivíduo tem relações sexuais com outro de um sexo oposto. Sendo ele católico, brasileiro, socialista, poeta, membro de determinado grupo de amigos e pai de uma família de tradição patriarcal, teremos várias normas, de ordens sociais diferentes incidindo ao mesmo tempo. Digamos que se lhe apresente a questão de se pode ou não contar a outros sobre tal situação. De acordo com o catolicismo não pode ele contar pois poderia levar outros ao pecado da luxúria (a menos que contasse ao padre em uma confissão), de acordo com o direito não pode ele expor a intimidade de outra pessoa sem se expor ao pagamento de danos morais, no entanto, enquanto poeta, deveria ele transformar tal experiência em uma forma de expressão, a fim de que outras pessoas pudessem dela desfrutar, e de acordo com seu grupo de amigos, ele seria bastante honrado (considerado macho, garanhão, etc.) se contasse.

Importante é perceber aqui que não é apenas uma relação sexual, mas é uma relação sexual de um católico, é uma relação sexual de um cidadão, de um poeta, e um dos amigos, etc. É um pecado, é uma conjunção carnal, um ardente entrelaçamento de sensações e é uma conquista. O conteúdo de sentido em questão varia conforme a ordem social que se tome em consideração.

Assim também:

Um homem que mata a esposa adúltera ou o seu amante é, segundo a maioria das ordens jurídicas vigentes, um criminoso, mas o seu feito pode por muitos não ser de forma alguma reprovado, sim, pode mesmo ser aprovado como o exercício de um direito natural a proteger a sua honra. O duelo, contra o qual é cominada uma pena, é considerado por uma determinada camada social, não apenas como não imoral, mas como dever moral, e a pena de prisão que lhe corresponde não é tida como desonrosa. (Kelsen, 2000:125)

Kelsen não está preocupado em como estas coisas se relacionam na cabeça do indivíduo concreto, mas em estabelecer uma ciência dos sistemas de conteúdos de sentido. Para fazer um trocadilho, se para Weber a sociologia tem como objeto de estudo a ação com sentido, para Kelsen, o objeto de estudo é o sentido de ações.

Dinâmica Jurídica

Kelsen divide o estudo da ordem jurídica em uma estática jurídica e uma dinâmica jurídica. A dinâmica jurídica analisa, basicamente, as formas de validação de uma norma, e a hierarquia das normas jurídicas. A estática jurídica estuda o direito enquanto um sistema de normas, analisando conceitos como os de norma, dever, direito, pessoa, relação jurídica, etc. É no estudo da dinâmica jurídica que encontramos a unidade de uma ordem social, e, por isso, é dele que pretendo partir.

O Direito é uma ordem social. Uma ordem social é um sistema de normas válidas. A questão que se coloca para a dinâmica jurídica é, basicamente, porque uma determinada norma é válida. Esta questão implica algumas considerações que desenvolverei a seguir, quais sejam: 1) o fundamento de validade para uma norma é sempre uma norma; 2) a validade de uma ordem normativa pressupõe um mínimo de eficácia; 3) Existem dois modos pelos quais uma norma confere validade a uma outra; 4) a norma que confere validade a uma outra é hierarquicamente superior a ela.

Em primeiro lugar cumpre demonstrar que o fundamento de validade de uma norma é sempre outra norma. Segundo Kelsen, quando admitimos a verdade de um enunciado sobre a realidade, o fazemos por crer que corresponda a fatos. Uma norma, porém, não pode ser verdadeira ou falsa. "Não matarás" não é considerada uma sentença verdadeira ou falsa, mas válida ou inválida. Por validade entende-se que a norma deve ser obedecida. A eficácia de uma norma não constitui fundamento de sua validade. A ordem de um bandido para que se lhe entregue o dinheiro pode ser bastante eficaz, mas não é válida. Entretanto a norma cristã do amor ao inimigo é bastante ineficaz, mas é válida, ou é considerada como tal.

Conforme afirma o autor:

Na linguagem cotidiana, é verdade, com freqüência justificamos uma norma fazendo referência a um fato. Dizemos, por exemplo: "Não matarás porque Deus o proibiu nos Dez Mandamentos", ou então, uma mãe diz ao filho: "você deve ir à escola porque seu pai mandou". Contudo, nesses enunciados, o fato de Deus ter proferido um mandamento, ou de o pai ter dado uma ordem ao filho, é apenas aparentemente o fundamento para a validade da norma em questão. O verdadeiro fundamento são normas pressupostas porque tidas como certas. O fundamento para a validade da norma "não matarás" é a norma geral "obedecerás aos mandamentos de Deus". O fundamento para a validade da norma "você deve ir à escola" é a norma geral "as crianças devem obedecer a seus pais". Se essas normas não forem pressupostas, as referências aos fatos em consideração não são respostas às perguntas de por que motivo não devemos matar ou de por que a criança deve ir à escola.(Kelsen, 2000b:162).

É importante notar não apenas que uma norma tem sempre como fundamento de validade uma outra norma, mas também que essa seqüência de normas não pode ser infinita. Assim, no exemplo do filho que pergunta por que deve ir à escola e recebe como resposta que o deve porque o pai assim o ordenou e deve ele obedecer ao pai, pode ele perguntar: "e por que devo obedecer a meu pai". A resposta poderia ser: deve obedecer a seu pai porque Deus disse que as crianças devem obedecer aos pais e você deve obedecer a Deus". Se a criança insistir e perguntar por que deve obedecer a Deus, não obterá resposta nenhuma, porque esta é uma norma pressuposta, aceita como válida ainda que não seja validada por nenhuma outra.

A uma norma que não pode ser validada por nenhuma norma superior, dá-se o nome de "norma fundamental". Uma ordem social, ou um sistema normativo é um sistema de normas que podem ser remontadas a uma mesma norma fundamental. A norma fundamental, portanto, confere unidade a uma ordem social.

Em segundo lugar, cumpre colocar que, segundo Kelsen, a validade de uma ordem normativa pressupõe um mínimo de eficácia. Deve-se salientar que não se trata de afirmar que uma norma é válida apenas se é eficaz, mas sim que é uma condição necessária da validade de norma que a ordem normativa a qual ela pertence tenha um mínimo de eficácia. De fato, uma ordem normativa absolutamente ineficaz simplesmente não é uma ordem normativa. Isto não implica que não possam haver casos em que as normas dessa ordem normativa são infringidas e as sanções cabíveis não são aplicadas. Tais casos ocorrem sem que a ordem perca a validade. No entanto, no caso de essa ordem não ser mais aplicada de forma alguma, não cabe mais falar em sua validade.

Neste ponto caberiam considerações a respeito do "dessuetudo", do direito consuetudinário e da revolução entre outras interessantes, mas o importante é que fique claro que existe uma relação entre validade e eficácia, mas que não implica em uma identidade entre elas, e que não é necessária uma eficácia absoluta para aceitar-se a validade de uma ordem, bem como uma norma pode ser ineficaz e ainda assim válida se pertencer a uma ordem relativamente eficaz.

Estas questões são importantes para a argumentação de Kelsen sobre a relação da jurisprudência com a sociologia do direito, que será tratada mais adiante.

Em terceiro lugar cumpre analisar como uma norma pode ser derivada de outra, ou melhor, como uma norma pode encontrar em outra seu fundamento de validade. Segundo Kelsen existem dois modos diferentes de derivação de normas, um modo estático e um dinâmico, que dão origem a sistemas normativos diferentes. Um sistema normativo estático é aquele em que as normas são deduzidas uma da outra, ou seja, o conteúdo da norma deduzida já está presente na norma da qual foi deduzida. Eis um exemplo:

Normas tais como "não deves mentir", "não deves enganar", "deves ser fiel à tua promessa", são deduzíveis de uma norma geral que prescreve a honestidade. Da norma "amarás teu semelhante", podem-se deduzir normas tais como "não deves ferir teu semelhante", "deves ajudá-lo quando estiver necessitado", e assim por diante. Caso se pergunte por que alguém deve amar seu semelhante, talvez a resposta seja encontrada em alguma norma mais geral ainda, digamos que no postulado de que é preciso viver "em harmonia com o universo". Se essa for a norma mais geral dentre aquelas de cuja validade estamos convencidos, considerá-la-emos como a norma última. Sua natureza obrigatória pode parecer tão óbvia a ponto de não ser sentida qualquer necessidade de se indagar pelo fundamento de sua validade. (Kelsen, 2000b: 164)

No sistema estático de normas, tal como aparece no trecho citado, a norma que é deduzida tem seu conteúdo determinada pela norma que lhe confere validade. Note-se ainda que também no sistema estático temos uma norma fundamental, uma norma pressuposta. De fato, uma moralidade pode ser composta por várias normas fundamentais cuja validade é pressuposta e que permitem deduzir-se uma série imensa de normas menos gerais. Assim, normas como "deve-se respeitar a vida", "deve-se amar o semelhante", "deve-se ser agradável", podem ser tidas como pressupostas e ser combinadas de modo a obter normas mais específicas, como "não se deve buzinar nas proximidades de hospitais ou asilos". Afirma o autor:

Como todas as normas de um ordenamento deste tipo [estático] já estão contidas no conteúdo da norma pressuposta, elas podem ser deduzidas daquela pela via de uma operação lógica, através de uma conclusão do geral para o particular. (Kelsen, 2000:218)

Um sistema dinâmico de normas é aquele em que o conteúdo da norma não tem qualquer relação com a norma que lhe confere validade. Assim define o autor:

O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora ou - o que significa o mesmo - uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental. (Kelsen, 2000: 219).

As várias normas pertencentes a um sistema dinâmico de normas não podem ser deduzidas por meio de qualquer operação intelectual. Isto porque a norma fundamental pressuposta de um sistema dinâmico se limita a estipular uma autoridade produtora de normas, ou, de maneira mais geral, a estipular um procedimento por meio do qual as normas serão postas. Temos, neste tipo de sistema de normas, uma derivação por delegação de autoridade, ou uma regulação do procedimento gerador de normas.

O Direito é um sistema de normas do tipo dinâmico. As normas jurídicas não são dedutíveis de sua norma fundamental por uma operação intelectual. Eis um exemplo que mostra o caráter dinâmico da ordem jurídica, ao mesmo tempo em que apresenta a norma fundamental do Direito:

A questão do fundamento de validade de uma norma jurídica que pertence a uma determinada ordem jurídica estadual pode pôr-se - como já notamos num outro ponto - a propósito de um ato de coerção, v. g., quando um indivíduo tira a outro compulsoriamente a vida, provocando a sua própria morte por enforcamento, e então se pergunta por que é que este ato é um ato jurídico, a execução de uma pena, e não um homicídio. Um tal ato apenas pode ser interpretado como ato jurídico, como execução de uma pena, e não como homicídio, quando é estatuído por uma norma jurídica, a saber, uma norma jurídica individual*, ou seja, quando é posto como devido (devendo ser) por uma norma que se apresenta sob a forma de sentença judicial. Levanta-se, assim, a questão de saber sob que pressupostos é possível uma tal interpretação, por que é que no caso presente se trata de uma sentença judicial, por que é que vale a norma individual por ela estabelecida, por que é uma norma jurídica válida, por que pertence a uma ordem jurídica válida e, portanto deve ser aplicada. A resposta a esta questão é: porque esta norma individual foi posta em aplicação da lei penal que contém uma norma geral por força da qual, sob os pressuposto que no caso vertente se apresentam, deve ser aplicada a pena de morte. Se se pergunta pelo fundamento de validade desta lei penal, tem-se como resposta: a lei penal vale porque foi ditada pela corporação legislativa e esta recebe de uma norma da constituição estadual o poder de fixar normas gerais. (...) - se renunciamos a reconduzir a validade da Constituição estadual e a validade das normas criadas em conformidade com ela a uma norma posta por uma autoridade metajurídica, como Deus ou a natureza - apenas pode ser que a validade desta Constituição, a aceitação de que ela constitui uma norma vinculante, tem de ser pressuposta para que seja possível interpretar os atos postos em conformidade com ela como criação ou aplicação de normas jurídicas gerais válidas, e os atos postos em aplicação destas normas jurídicas gerais como criação ou aplicação de normas jurídicas individuais válidas (Kelsen, 2000:222-224)

Assim, uma norma jurídica individual decorre sua validade de uma norma jurídica geral, que por sua vez é válida por ser produzida de acordo com uma Constituição válida, sendo que a validade desta é, simplesmente, pressuposta. Assim, a norma fundamental de uma ordem jurídica é a norma que prescreve a obediência à Constituição, algo como "Deve-se obedecer à Constituição".

Todas as normas de uma ordem jurídica podem ser reconduzidas à norma fundamental. Aceitando que a estrutura de uma norma comporte sua própria validade (se A, então deve ser B senão C de acordo com D) teríamos que qualquer norma contém em si a norma fundamental. Assim, Pereira matou João, então deve ser preso, de acordo com a sentença judicial posta em conformidade com tal lei penal produzida de acordo com uma Constituição pressuposta como válida.

O critério, portanto, para distinguir uma ordem social de outra é a norma fundamental. Todas as normas que puderem ser reconduzidas a uma mesma norma fundamental, são consideradas como pertencentes à mesma ordem social. É nítido, no entanto, que tal critério é arbitrário, e Kelsen o reconhece, uma vez que podemos supor que devemos obedecer à constituição porque foi posta por nossos antepassados, e a eles devemos obedecer porque foram abençoados por Deus, e devemos obedecer a Deus.

O critério é arbitrário, mas bastante útil, além do que os próprios atores que são órgãos das ordens sociais reconhecem tais fundamentos de validade. Um jurista, apesar de fundamentar o Direito na vontade de Deus, reconheceria que a norma que prescreve a obediência ao Direito por ter sido decretada por Deus não é uma norma jurídica. Mas a consideração de que o critério é uma construção da ciência jurídica, como diz Kelsen, permite uma interessante aproximação com o pensamento Durkheimiano. A idéia que diferentes moralidades podem se fundir é aqui claramente perceptível, apesar da influência weberiana em Kelsen. Duas moralidades diferentes, ou duas ordens sociais, podem ser reconduzidas a um mesmo fundamento de validade. É o que geralmente ocorre com a norma que prescreve que se deve obedecer a Deus. Várias ordens normativas (os mais diferentes sistemas jurídicos, as mais diferentes religiões, os mais diferentes ideais de justiça, um exemplo são tentativas socialistas e liberais de fazê-lo) buscam remontar-se a esta norma. Assim, um acordo entre diferentes moralidades não é apenas possível, mas também é comum e rotineiro.

Kelsen preocupa-se mais com o sistema dinâmico de normas porque o direito é um sistema de tal tipo. Mas considerando uma transposição da teoria kelseniana para outras ordens sociais caberia considerar que 1) todo sistema dinâmico é também um sistema estático, e 2) a maioria das ordens sociais parecem ser do tipo estático. Que todo sistema dinâmico seja também estático é o que se percebe pela ação dos tribunais, que, através de operações intelectuais derivam normas individuais de normas gerais, além de combinar mais de uma norma geral e delas deduzir outras. Assim, uma norma que vincule uma sanção à emboscadas a caminhões pode ser aplicada à emboscadas a caminhonetas, trens e outros meios de transporte. Que a maioria das ordens sociais seja de tipo estático é evidente se pensarmos no grande número de normas gerais que temos como pressupostas, tais como, deve-se respeitar a vida humana, deve-se respeitar a natureza, etc. Além disso, um sistema dinâmico carece de uma maior organização, ou seja, regras que determinem o procedimento criador de normas e estabeleça órgãos que realizem tal procedimento (divisão do trabalho).

Em quarto lugar, finalmente, deve-se considerar que a ordem jurídica, bem como qualquer ordem social dinâmicamente sistematizada, não é um conjunto de normas dispostas umas ao lado das outras, mas antes um sistema de normas escalonadas hierarquicamente. Ao afirmar que o sistema de normas jurídicas é hierarquicamente disposto, Kelsen não pretende afirmar que há normas que são mais importantes que outras, nem que se deve mais obediência a umas que a outras. Esclarece o autor que:

Como uma norma jurídica é válida por se criada de um todo determinado por outra norma jurídica, esta é o fundamento daquela. A relação entre a norma, que é uma figura espacial de linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a norma inferior. (Kelsen, 2000b: 181).

Uma norma é superior àquela cuja produção ela regula. A relevância desta classificação das normas está no fato de que podem haver conflitos entre normas de um sistema dinâmico. Ao contrário do que ocorre em um sistema estático, as normas de um sistema dinâmico não decorrem seu conteúdo das normas superiores, donde pode haver conflito entre tais normas. Assim, digamos que uma norma constitucional estabeleça um determinado procedimento para a criação de normas gerais, estabelecendo ainda que o órgão criador de normas não poderá estabelecer restrições à liberdade religiosa. Digamos ainda que o tal órgão estipule uma norma que estabeleça que todo "satanista" deva registrar-se em uma delegacia de polícia. Teríamos aí um conflito de normas, a norma constitucional diz que não deve haver restrições à liberdade religiosa, e a norma estatutária diz que "satanistas" devem se registrar em delegacias, ou seja, estabelece uma restrição à liberdade religiosa. Não podemos aceitar que algo deva ser e não deva ser ao mesmo tempo, sob os mesmos aspectos, de acordo com a mesma ordem.

Neste caso, se considerarmos como válida a norma inferior, teríamos que considerar inválida a norma superior. No entanto, a norma inferior só é válida porque foi posta de acordo com o procedimento estipulado pela norma superior. Mas, considerando que a norma superior é inválida, então não pode consistir em fundamento de validade da norma inferior. A norma inferior, portanto, também seria considerada inválida. Se considerarmos, por outro lado, a norma superior como válida, não haveria o mesmo problema.

Dizer que uma norma é superior a outra, portanto, significa, simplesmente, que a inferior decorre sua validade da superior. Assim, no Direito, um regulamento é inferior a uma lei, que é inferior a uma norma constitucional, mas uma "lei estadual" não é, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, inferior a uma "lei federal", nem esta é inferior a uma "lei complementar".

Não é apenas o ordenamento jurídico que possui uma "constituição", tal como definida aqui (regras que determinam o procedimento criador de normas). Podemos conceber facilmente uma Constituição do Catolicismo, por exemplo. Assim, o dogma da infalibilidade papal em matéria de fé e moral estabelece que o Papa pode estabelecer normas irrevogáveis acerca destas matérias, bem como pode estabelecer normas revogáveis acerca de outras matérias (teríamos que definir o que a Igreja entende por "fé e moral"). Que o Catolicismo seja também uma ordem dinâmica percebe-se pelo fato de que o papa pôde alterar o modo como os católicos devem rezar o terço no início de 2003, sendo tal prática já um costume secular.

Estática Jurídica

Tratarei, sob o nome de "estática jurídica", apenas da definição de alguns conceitos que permitem a descrição do Direito, passando, em seguida para considerações acerca da aplicação de tais conceitos com relação às demais ordens sociais. Tais conceitos serão os de norma, sanção, delito, dever e direito, responsabilidade, pessoa e relação jurídica. Tenho consciência que ainda restariam muitos outros temas a tratar aqui, mas parecem que estes permitem uma clara visão da contribuição que a jurisprudência poderia dar à sociologia.

Norma

Uma norma é um conteúdo de sentido, objetivo, válido, na forma "se A, então deve ser B, senão C, conforme D". A norma é um conteúdo de sentido, não uma ação dotada de sentido, mas apenas o sentido. A norma não é um comando, uma vontade, ou um conjunto de palavras dispostas de determinada forma. A norma é apenas o sentido expresso por estas palavras, posto (talvez) por uma vontade na forma de um comando (talvez). A norma é um conteúdo de sentido objetivo, ou seja, não é o que quer um determinado indivíduo, mesmo o que pôs a norma. A norma é, uma vez posta, independente do sujeito que a estipulou. Mesmo depois de falecido aquele que a determinou, a norma permanece válida, neste sentido ela é objetiva. Ela é válida. Por validade entende-se que deva ser obedecida, que deva ser. se consideramos determinado comando como inválido, não o consideramos como uma norma. Não pretendo com esta afirmação legitimar qualquer norma, mas apenas que uma norma só é considerada norma se considerada válida de acordo com algum ordenamento.

Na forma da norma temos que A são as condições de aplicação de uma norma, ou seja, a situação e o contexto ao qual a norma se aplica. Isto envolve a "capacidade jurídica" dos envolvidos, a esfera de validade temporal, espacial, material e pessoal das normas. B é a conduta ou fenômeno estipulado pela norma. C é a sanção. D é o fundamento de validade da norma.

Sanção

A sanção pode ser tanto uma pena como uma recompensa, mas, segundo Kelsen, a pena desempenha um papel mais importante na maioria das ordens sociais. Uma sanção, enquanto pena, tem um caráter coercitivo. O caráter coercitivo caracteriza-se por um efeito que é levado a cabo ainda que contra a vontade do cometeu o delito. A sanção pode ser transcendente ou imanente. Uma sanção transcendente é aquela que se crê levada a cabo por outros entes que não homens enquanto órgãos de ordens sociais. Uma sanção imanente é aquela levada a cabo por órgãos da ordem social. Há ordens sociais que estipulam sanções claramente definidas, como o Direito e, por vezes, a religião (excomunhão, confissão pública, penitências), mas há aquelas em que a sanção constitui-se praticamente apenas da reprovação dos pares que, é claro, pode ir desde olhares de reprovação ao linchamento. A diferença aqui salientada é apenas a predeterminação da sanção.

Delito

O delito é uma condição da sanção. Definir o delito como uma conduta que o legislador considera inconveniente é enganoso, e não seria uma definição jurídica, parte de uma ciência normativa do Direito. A partir da perspectiva de uma ciência normativa, o delito deve ser definido a partir das normas. Assim, o delito consiste em uma condição da sanção. Há outras condições, como o estabelecimento da norma. A diferença do delito para as demais sanções está em que consiste em uma conduta daquele a quem uma sanção é imputada. No entanto, nem sempre a sanção é dirigida ao delinqüente, podendo o ser a seus amigos, parentes, concidadãos, sócios, patrões etc. Portanto, o delito é a condição da sanção constituída de um ato do sujeito contra o qual a sanção é dirigida, sendo que a identificação entre o transgressor da norma e o responsável (objeto da sanção) é juridicamente determinada.

Em conseqüência disso, a relação entre delito e sanção pode ser de dois tipos diferentes. Em ambos os casos, é verdade, o sujeito do delito e o objeto da sanção são idênticos. Mas, num caso trata-se de uma identificação física real, e no outro caso, de uma identificação jurídica fictícia. Num caso, a sanção é empreendida contra o indivíduo que foi o perpetrador imediato do delito, o delinqüente; no outro caso, contra um indivíduo, ou indivíduos, que tem certa relação juridicamente determinada com o delinqüente. (Kelsen, 2000b:82)

Dever e Direito

A afirmação de que alguém deve observar uma determinada conduta significa, segundo Kelsen, que há uma norma moral válida que prescreve a ele nas dadas condições a conduta em questão. No entanto, a norma jurídica não se refere simplesmente à conduta de um indivíduo. A norma jurídica estabelece que, nas condições X, se um indivíduo comete uma determinada conduta, deve um órgão da ordem jurídica aplicar-lhe determinada sanção, sendo que, às vezes, estipula ainda que se tal órgão não aplicar a sanção devida, um outro órgão punirá o primeiro. Assim o dever aqui se refere à conduta do órgão. O órgão tem o dever de aplicar a sanção.

O dever jurídico, no entanto, é definido geralmente como a obrigação de não contrariar a norma jurídica, e não convém estabelecer uma definição diversa. Cumpre, portanto, entender que um órgão tem o dever de aplicar a sanção, tal dever pode ser um dever jurídico se a ordem jurídica imputar uma sanção ao órgão caso ele não aplique a sanção devida. O indivíduo cuja conduta a norma regula tem o dever jurídico de se abster do delito. Assim, o dever é, simplesmente, a norma, porém, como que vista de outro ângulo:

A existência do dever jurídico nada mais é do que a validade de uma norma jurídica que faz a sanção dependente do oposto da conduta que forma o dever jurídico. O dever jurídico não é nada, quando separado da norma jurídica. O dever jurídico é simplesmente a norma jurídica em sua relação com o indivíduo a cuja conduta a sanção é vinculada na norma. A conduta oposta (contrária) à conduta que, como um delito, é a condição da sanção é o conteúdo do dever jurídico. (Kelsen, 2000b 84)

O dever, portanto, não é nada diferente da norma, mas apenas a norma mesma em relação ao indivíduo que pode incorrer na sanção. O dever jurídico consiste na conduta contrária à que está vinculada a sanção. Há outro dever, o do órgão que deve aplicar a sanção mas não incorre em qualquer sanção se não o fizer. Tal dever é uma "permissão", e não uma "obrigação". Em um sentido lato, dever significa estar obrigado, permitido, autorizado, etc. É em tal sentido lato que o órgão, digamos, um tribunal de última instância, deve aplicar a sanção.

Assim como o dever jurídico, o direito jurídico também é apenas a norma em sua relação com os indivíduos cuja conduta a norma regula. O termo direito se refere a muitas coisas. Quando se diz, por exemplo, tenho direito a andar de carro, quer-se dizer que não é obrigado a não fazê-lo. Outras vezes o termo direito tem um sentido técnico específico, a saber, quando digo que tenho o direito de receber uma mercadoria pela qual paguei, estou dizendo que tenho a faculdade de acionar determinado órgão da ordem jurídica para que aplique uma sanção sobre o indivíduo que se absteve de me entregar a mercadoria. Como Kelsen considera a sentença judicial uma norma nova e não mera aplicação de normas, direito neste sentido técnico é a participação na criação de normas. Assim também os chamados "direitos políticos" são direitos neste sentido técnico específico.

No entanto, ainda neste sentido técnico, direito é apenas a norma em sua relação com o indivíduo. Quando digo que tenho a faculdade de mover uma ação judicial contra alguém que me cause certo dano, estou dizendo que há uma norma válida que estabelece que, em tais circunstâncias, se eu realizar determinados procedimentos, um outro órgão da ordem normativa aplicará a um determinado indivíduo uma sanção. Assim, direitos e deveres não são mais que normas. Normas são conteúdos de sentido. Portanto, direitos e deveres são conteúdos de sentido.

Responsabilidade

Dizer que uma pessoa é juridicamente responsável por certa conduta ou que ela arca com a responsabilidade jurídica por essa conduta significa que ela está sujeita a sanção em caso de conduta contrária. (Kelsen, 2000b: 93)

O responsável é aquele que incorre na sanção. Tratei anteriormente deste tema ao considerar a antropologia filosófica kelseniana, que entende que o homem não é livre no sentido de ter sua vontade indeterminada causalmente. A liberdade não é fundamento da responsabilidade. A distinção tradicional entre responsabilidade baseada em culpa e responsabilidade absoluta, refere-se a um elemento psicológico que é colocado como pressuposto da sanção. O direito contemporâneo não rejeita de todo a responsabilidade absoluta, ou seja, a responsabilidade por fatos ocorridos independentemente de qualquer estado psicológico. Há ainda a responsabilidade coletiva ao lado da responsabilidade individual. A responsabilidade coletiva predomina no "direito primitivo" e direito internacional, além de ocorrer no direito civil devido às "pessoas jurídicas". A vingança de sangue, no direito primitivo, a guerra e as represálias no direito internacional e a execução civil no patrimônio de uma pessoa jurídica constituem exemplos de sanções dirigidas a coletividades, ou seja, a indivíduos que não praticaram, nem poderiam evitar, o delito.

Pessoa Jurídica

Kelsen não reconhece uma distinção entre a chamada "pessoa física" e a "pessoa jurídica". Isto porque a chamada "pessoa física" não é senão uma "pessoa jurídica". A teoria pura do direito não está tratando de homens e suas relações com outros homens. Não é a pessoa, nem a física nem a jurídica, um homem. Pessoa é um conjunto de direitos e deveres, e direitos e deveres não são mais que normas. O conjunto de direitos e deveres que constitui uma pessoa física (mantém-se a mesma terminologia, mas alerta-se que a pessoa física é uma pessoa jurídica) tem sua unidade em que todas incidem sobre a conduta de um mesmo indivíduo.

A pessoa jurídica, uma corporação, também é um conjunto de direitos e deveres. No entanto temos aqui algo um tanto mais complexo. A própria corporação é um conjunto normas (pense-se em seu estatuto), este conjunto de normas é personificado e lhe são atribuídos direitos e deveres, ou seja, sobre ele incidem normas. O que ocorre, de fato, quando uma norma jurídica refere-se à conduta de uma corporação, é que esta ordem confere à corporação a autoridade para estabelecer uma norma. Um exemplo esclareceria este ponto: suponhamos uma norma jurídica que estipule que as corporações de tal tipo deverão pagar determinada quantia aos cofres públicos anualmente. A norma jurídica está delegando a tais corporações a autoridade para estabelecer em seu estatuto uma norma que determine um indivíduo para pagar a quantia referida. A norma jurídica pode estabelecer sanções, seja ao indivíduo que não pagou, seja à corporação.

O que interessa é notar que uma pessoa é apenas um conjunto de direitos e deveres, ou seja, normas. Pensando em uma ciência normativa da sociedade teríamos o seguinte: sendo a pessoa um conjunto de normas que incidem sobre determinado indivíduo ou unidade determinada pela ordem social (grupo, corporação, enfim "pessoa jurídica"), um mesmo indivíduo "seria" uma pessoa diferente de acordo com cada ordem social em questão. O conceito de pessoa estaria bem próximo do de "papel social", mas, apesar de não ter ainda me debruçado sobre isto, parece-me que comporta diferenças interessantes: não se "desempenha uma pessoa", uma pessoa não tem uma função, além do que a pessoa é definida da perspectiva de uma ciência normativa, como um conjunto de normas, enquanto que um papel tem implicações empíricas.

Da perspectiva de uma ciência normativa da sociedade, dizer que um indivíduo é médico, católico, pai, brasileiro, casado, membro de um clube de tiro, socialista, de determinada "classe social", etc. significa que é sujeito a diferentes ordens sociais (ordens normativas). Ser médico, é ter tais direitos e tais deveres, ou seja, estar sujeito a certas normas. Como tais deveres e direitos afetam a conduta ou consciência de um homem concreto é uma questão que uma ciência normativa não pode responder. Mas uma questão que tal ciência pode ajudar a elucidar é a de se saber quais as relações entre os elementos de uma ordem normativa, e entre as diferentes ordens normativas. É a de mostrar, por exemplo, que como médico, tem o indivíduo o dever de instruir sobre o uso de métodos anti-concepcionais, mas como católico não deve usá-los nem estimular seu uso. Saber se ele irá, de fato, estimular o uso de pílulas contraceptivas, por exemplo, é outra questão.

Relação Jurídica

Poderíamos dizer que uma relação jurídica é uma relação entre pessoas (físicas ou jurídicas), mas podemos fazê-lo justamente porque já definimos a pessoa como um conjunto de normas. A relação jurídica é uma relação entre normas.

A relação jurídica matrimonial, por exemplo, não é um complexo de relações sexuais e econômicas entre dois indivíduos de sexos diferentes que, através do Direito, apenas recebem uma forma específica. Sem uma ordem jurídica não existe algo como um casamento. O casamento como relação jurídica é um instituto jurídico, o que quer dizer: um complexo de deveres jurídicos e direitos subjetivos no sentido técnico específico, o que, por sua vez, significa: um complexo de normas jurídicas. As relações que aqui são tomadas em consideração são relações entre normas jurídicas ou relações entre normas jurídicas ou entre fatos determinados pelas normas jurídicas. Para um conhecimento dirigido ao Direito como um sistema de normas não há quaisquer outras relações jurídicas. (Kelsen, 2000: 188)

Uma relação social, então, transportando isto para um estudo de outras ordens sociais, é uma relação entre normas de uma determinada ordem normativa, uma relação entre pessoas. A descrição ficaria mais complexa se buscássemos analisar todas as ordens normativas em questão em uma dada situação. Se retomarmos a definição de natureza e de sociedade empregadas pelo autor, perceberemos que a sociedade comporta os mesmos elementos da natureza. Da mesma forma, cada ordem social engloba os mesmos elementos de uma outra ordem social, ou seja, os mesmos elementos da natureza.

A descrição e explicação oferecidas pela teoria pura do direito, e por uma "teoria pura da sociedade", que tento mostrar que Kelsen desenvolveu, não consistem em descrições e explicações causais, não são capazes de explicar e prever comportamentos, tampouco têm essa intenção, mas permitem uma análise bastante interessante da vida social. Assim, temos em uma clínica médica, por exemplo, a relação entre médico e paciente, a relação entre consumidor e vendedor, a relação entre profissional e leigo, a relação entre cidadãos, isto sem falar na Etiqueta, na Religião, em Princípios de Justiça, etc.

A definição de Sociedade dada por Kelsen parece-me bastante interessante e esclarecedora. A sociedade não são relações entre homens dotadas de sentido, mas é o sentido que os homens atribuem às suas relações, bem como a todos os demais elementos da natureza. Desta forma, na minha opinião, Kelsen, ao invés de lograr estabelecer uma ciência jurídica distinta de uma sociologia, apenas mostra à sociologia que a descrição e explicação do comportamento humano dotado de sentido pressupõe uma explicação e descrição dos conteúdos de sentido do comportamento humano.

Jurisprudência e Sociologia

Em "Teoria Geral do Direito e do Estado", Kelsen faz algumas considerações sobre as relações entre a sociologia do direito e a jurisprudência. Em tal exposição, o autor procura mostrar que várias das abordagens sociológicas até então tentadas do direito, como a de Eugen Erlich, incorriam no jusnaturalismo, ou seja, na idéia de que existe um direito real, em contraposição ao direito positivo, sendo que aquele não é posto por atos intencionais de seres humanos, é válido e empiricamente verificável, e o direito positivo não faz mais que declará-lo imperfeitamente.

Kelsen encontra, porém, na sociologia do direito de Max Weber, o que considera a melhor tentativa de descrever o direito de uma perspectiva sociológica. Segundo Kelsen, Weber afirma que a Sociologia do Direito tem como objeto de estudo a conduta dos homens enquanto orientada pelo Direito, mas tal sociologia pressupõe a ciência normativa do direito (e não acrescenta praticamente nada):

Até agora, a tentativa mais bem-sucedida de definir o objeto de uma sociologia do Direito foi feita por Max Weber. Ele escreve: "Quando nos ocupamos com ‘Direito’, ‘ordem jurídica’, regra de Direito’, devemos observar estritamente a distinção entre um ponto de vista jurídico e um sociológico. a jurisprudência pede as normas jurídicas idealmente válidas. Ou seja... qual significado normativo deverá ser vinculado a uma sentença que aparenta representar uma norma jurídica. A sociologia investiga o que efetivamente está acontecendo na sociedade porque existe certa possibilidade de que os seus membros acreditem na validade de uma ordem e adaptem [orientieren] a sua conduta a essa ordem" Daí, segundo essa definição, o objeto de uma sociologia do Direito é a conduta humana que o indivíduo adaptou (orientiert) a uma ordem porque considera essa ordem como sendo "válida"; e isso significa que o indivíduo cuja conduta constitui o objeto da sociologia do Direito considera a ordem da mesma maneira que a jurisprudência considera o Direito. Para ser o objeto de uma sociologia do Direito , a conduta humana deve ser determinada pela idéia de uma ordem válida. (Kelsen, 2000b: 254).

Como, no entanto, a validade de uma ordem normativa depende de uma certa eficácia, dificilmente a sociologia do Direito poderia dizer algo diferente da jurisprudência. Enquanto o jurista diria que determinado juiz deve aplicar determinada norma a determinado caso, dificilmente o sociólogo do direito poderia dizer algo diferente de que o mesmo juiz provavelmente aplicará a mesma norma ao mesmo caso. Se a ordem jurídica não for mais eficaz, ou não o for uma dada norma, o jurista deixaria de considerar a ordem jurídica como válida, ou consideraria que a desuetudo revogou a norma. O sociólogo diria, então, que não há, ou há menor, probabilidade de que a norma seja aplicada.

O argumento poderia ser apresentado da forma que segue: Weber analisa o comportamento empírico do indivíduo enquanto orientado por um conteúdo de sentido, Kelsen analisa o próprio conteúdo de sentido. Neste sentido, a hipótese em que a sociologia poderia chegar a conclusões significativamente diferentes das obtidas pela jurisprudência seria naquela em que os indivíduos não orientassem sua conduta pela representação do direito como um sistema válido de normas, ou seja aquela em que a sociologia do direito não fosse uma sociologia do direito no sentido weberiano.

Esta consideração de Kelsen, a de que se a sociologia do direito consiste no estudo da ação humana enquanto orientada pela representação do direito como uma ordem válida, então ela não difere muito da jurisprudência, senão no sentido da descrição (esta em termos normativos e aquela em termos probabilísticos ou causais) pode ser estendida às demais ordens sociais. Assim, a sociologia da religião diferiria da teologia apenas no mesmo sentido. A sociologia das instituições diferiria do estudo normativo das mesmas também apenas pela descrição causal, etc. O diferencial da sociologia estaria justamente na análise da ação sem sentido (e, portanto, na terminologia de Kelsen, não social), nos resultados inintencionais da ação, nas interações entre diferentes ordens sociais (ou ordens normativas), nos sistemas ou estruturas de ação resultantes de resultados inintencionais, ações sem sentido ou interações entre ordens normativas, enfim, naquilo que Weber chama de "situações de interesses".

Teríamos, portanto, que a sociologia, enquanto estudo das ações sociais dotadas de sentido difere da ciência normativa apenas enquanto esta descreve o próprio sentido da ação, e o faz em termos normativos, ou melhor, nos próprios termos da ordem social na qual o sentido da ação se insere. Enfim, penso que a partir de uma perspectiva kelseniana podemos dizer que a sociologia busca estabelecer o nexo entre natureza e sociedade, ou seja estabelecer as causas e conseqüências das ordens normativas.

Por fim, arriscarei uma consideração acerca da relação entre a antropologia filosófica kelseniana e sua teoria pura do direito. O homem é concebido como um animal, um ser natural. Se é um ser natural, é, basicamente, um elemento ligado a outros por nexos causais. Valores são constituídos pelos nexos normativos entre os elementos, nexos estes que caracterizam a sociedade. A partir disso pode-se concluir que o homem não é um ser intrinsecamente dotado de valor. Além disso conclui-se que o homem não é mais membro da sociedade do que são animais estrelas e relâmpagos. A sociedade é, enfim, um complexo não sistemático de sistemas de conteúdos de sentido, e não um aglomerado de homens. E um aglomerado de homens não é nada mais que vários animais.

Esta perspectiva não deve assustar os moralistas. Kelsen assume um postulado que chama de "fato fundamental" que, no meu entender, é a premissa de qualquer sociologia: os homens quando juntos crêem que certas coisas são erradas e outras certas, boas e más, enfim, seres humanos atribuem sentido às coisas. Se somos nós que atribuímos sentido ao mundo está em nossas mãos construir o que consideramos um mundo justo. Digo isto em resposta aos que consideram Kelsen um conservador ou fascista. A "ideologia" do autor era, basicamente, a democracia no plano intranacional e a paz no plano internacional, a ser obtida por meio do direito internacional. Observe-se, no entanto, que a "ideologia" do autor não é deduzida de sua teoria, nem pode ser por ela justificada.

Sobre o autor
Nelson do Vale Oliveira

sociólogo, mestrando em sociologia pela Universidade de Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Nelson Vale. Natureza humana e Sociologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 496, 15 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5919. Acesso em: 25 dez. 2024.

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